Sentença de Julgado de Paz
Processo: 56/2016-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: AÇÃO POSSESSÓRIA (USUCAPIÃO)
Data da sentença: 08/05/2016
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
Demandantes:
A, e mulher, B;
C, e mulher, D;
Demandado:
E.
RELATÓRIO
Os demandantes propuseram contra o demandado supra identificado, a presente ação declarativa que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que se reconheça que o prédio identificado em 1.º foi materialmente dividido no ano de 1990, na sequência de uma doação verbal feita às partes, Demandantes e Demandado, através da colocação de marcos, criando assim três parcelas distintas e autónomas; Que os demandantes são donos e legítimos proprietários das parcelas identificadas nos artigos 21º e 22º da petição inicial e no levantamento topográfico junto; Ser o demandado condenado a reconhecer que essas parcelas/prédios se encontram totalmente autonomizadas, tendo vindo a ser possuídas pelos primeiros e segundos demandantes, respetivamente, há mais de 25 anos, exclusivamente e em nome próprio, pacífica e publicamente, inequivocamente de boa-fé, que as adquiriram desta forma por via da usucapião; Que seja registada autónoma e inteiramente a favor dos primeiros demandantes, com uma nova descrição, a parcela rústica com a área de 2.776 m2, melhor identificada no artigo 21.º da petição inicial; E que seja registada autónoma e inteiramente a favor dos segundos demandantes, com uma nova descrição, a parcela rústica com a área de 4.527 m2, melhor identificada no artigo 22.º da petição inicial; E, finalmente, ser corrigida a descrição do prédio do demandado, no que toca à sua área, para 12.505 m2, bem como nas suas confrontações, nos termos do art.º 23.º da mesma petição inicial.

Para o efeito, juntaram onze documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
O demandado foi pessoal e regularmente citado, não contestou mas outorgou Procuração a mandatário judicial, que o representou em julgamento.
Valor da ação: € 5.001,00 (cinco mil euros e um cêntimo);
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- No processo de inventário que correu termos no Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, sob o n.º 000/09.1 TBSCD, 2.º Juízo, por óbito da sua mãe F, coube ao demandado o prédio rústico sito no lugar das XX, freguesia de XY, concelho do XXY, que confronta do norte com o caminho, do sul com herdeiros de G, do nascente com H e do Poente com a Rua Olival Santo, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 0000º e descrito na Conservatória do Registo Predial de XXY sob o n.º 0000/20090000;
2.º- Está descrito este prédio como tendo a área de 19.808m2 que corresponde à área efetivamente existente no local;
3.º- No ano de 1990 este prédio foi doado verbalmente por I e mulher, F, aos aqui demandantes e demandado, seus filhos;
4.º- Na sequência desta doação procederam demandantes e demandados à divisão em substância do prédio em causa, conforme Levantamento Topográfico anexo ao requerimento inicial;
5.º- Assim, no ano de 1990 procederam à divisão material do referido prédio, em três parcelas completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas:
a) Ao demandante A, ficou a pertencer uma parcela de terreno, a norte do prédio, composta por terra de cultura e pastagem, sita nas XX, freguesia de XY, concelho de XXY, com a área de 2.776 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com C, de nascente com H e outros e do poente com a Rua Olival do Santo, identificada no Levantamento topográfico, a tracejado verde, como Parcela A;
b) Ao demandante C ficou a pertencer uma parcela de terreno, contígua à anterior, e a sul da mesma, composta por terra de cultura e pastagem, sita nas XX, freguesia de XY, concelho de XXY, com a área de 4.527 m2, a confrontar do norte com A, do sul com E, de nascente com H e outros e do poente com a Rua Olival do Santo, identificada no Levantamento topográfico, a tracejado vermelho, como Parcela B;
c) Enquanto que ao demandado, E, ficou a pertencer a área restante do prédio, composta por terra de cultura e pastagem, com a área de 12.505 m2, a confrontar do norte com C, do sul com herdeiros de G, de nascente com H e outros e do poente com a Rua Olival do Santo, identificada no Levantamento topográfico, a tracejado azul, como Parcela C;
6.º- E assim, desde pelo menos 1990, cada um deles tem vindo a possuir cada uma das suas parcelas de terreno como coisa distinta das restantes parcelas que compõem o prédio identificado no ponto 1.º supra;
7.º- À data os demandantes eram já casados;
8.º- Sendo que os primeiros demandantes, A e B, casaram entre si em 24 de junho de 1978, sem que tenham celebrado convenção antenupcial;
9.º- E os segundos demandantes, C e D, casaram entre si em 17 de janeiro de 1981, também sem convenção antenupcial;
10.º- Logo na altura da divisão, há mais de 25 anos, os primeiros demandantes, A e B, dividiram a sua parcela de terreno com muros de alvenaria;
11.º- Ali alisaram a terra, plantaram árvores de fruto, videiras e passaram a tratar das respetivas terras na parte que era amanhada;
12.º- Além disso, construíram na sua parcela de um barracão de apoio;
13.º- Por outro lado, os segundos demandantes, C e D, aproveitaram a vedação a norte do seu terreno, feita pelos primeiros demandantes e a sul erigiram uma vedação em madeira;
14.º- Alisaram também a sua parcela;
15.º- E plantaram todas as árvores hoje existentes, à exceção das oliveiras que ali já se encontravam;
16.º- Cada uma destas duas parcelas dos demandantes encontra-se vedada, e tem uma entrada autónoma a partir da via pública contígua, a Rua Olival do Santo;
17.º- O prédio do demandado, por seu lado, ficou por vedar com uma vedação física;
18.º- Sendo certo que a norte, a sua estrema coincide com a vedação de madeira que delimita a sul a parcela de terreno possuída pelos segundos demandantes;
19.º- E a estrema a sul coincide com o leito de um ribeiro, a poente com a Rua Olival do Santo e a nascente com uma ribanceira;
20.º- No entanto, desde 1990 que o demandado sempre tratou de limpar a área de mato, tendo há alguns anos procedido à reflorestação da sua parcela de terreno;
21.º- Assim, desde o ano de 1990 até ao presente, tanto os demandantes como o demandado passaram, cada um, a possuir sua parcela de terreno, como coisa distinta e autónoma, no respeito pelo que lhes tinha sido doado em vida dos seus pais;
22.º- Desde o ano de 1990, cada um deles continuou na fruição e no gozo pacífico das utilidades sobre cada uma das parcelas do prédio identificado no ponto 1.º supra, designadamente, cultivando-as e colhendo os seus frutos e produtos;
23.º- Como coisa exclusivamente sua;
24.º- À vista de toda a gente;
25.º- Sem oposição de quem quer que seja;
26.º- Por forma ininterrupta;
27.º- Na convicção de que com a sua atuação não lesavam direitos de outrem;
28.º- As parcelas respetivas passaram a ser possuídas por cada um deles como coisa totalmente autónoma e distinta;
29.º- Sendo certo que a partir de então nem os nem os demandantes passaram a aceder ao prédio do demandado, nem vice-versa;
30.º- Aquando da adjudicação do prédio identificado no ponto 1.º supra nos autos de processo de inventário aí identificados, existiu o compromisso do demandado autonomizar as parcelas identificadas as parcelas possuídas pelos demandantes, entregando-as, respetivamente, aos primeiros e segundos demandantes, respeitando a vontade dos falecidos pais e a posse, em nome próprio, de que cada um dos consortes;
31.º- Todavia, até ao momento tal não ocorreu.
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente o Levantamento Topográfico de fls. 16 e fotografias de fls. 17 a 21, às declarações dos demandantes e ao depoimento das testemunhas que estes apresentaram: J, irmão da demandante B, com 64 anos de idade, e L, tio materno dos demandantes, com 72 anos de idade e foi Técnico de Finanças.
Ambas depuseram com isenção, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil.
Revelaram ainda conhecimento direto dos factos. O primeiro por ser vizinho desta “quintazinha” desde 1995, data em que foi viver para a sua casa e também, porque os pais já lá viviam, ia muitas vezes visitá-los e via os demandantes a cultivar “aquilo” e a plantarem árvores de fruto, porque antes só havia oliveiras; O segundo, porque fez, com outros, a avaliação das parcelas em causa e a delimitação, colocando estacas em madeira, a pedido da irmã, há 26/27 anos, “…porque ela queria que aquilo ficasse dividido por estes três filhos antes de falecer”, e tem acompanhado até hoje a situação.
Fundamentação de direito:
Visam os demandantes com a presente ação adquirir, por usucapião, os primeiros, a parcela A e os segundos, a parcela B, descritas no ponto 5.º, alíneas a) e b) supra, por se terem autonomizado do “prédio mãe” há mais de vinte anos.
Resulta da factualidade assente que o prédio a que se refere o ponto 1º dos factos provados se encontra dividido, informalmente, em três prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, há mais de vinte anos, desde 1990, passando, desde esta data, demandantes e demandado a explorar cada um deles a sua parte, exclusivamente.
Os demandantes têm exercido a posse, não titulada, por forma correspondente ao direito de propriedade, assumindo-se como legítimos proprietários;
O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. 1287º, 1297º e 1300º, todos do Código Civil);
E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, as respetivas posses têm uma duração temporal largamente superior à legalmente exigida uma vez que, apesar de não serem tituladas, foram exercidas de boa-fé (cf. 1296º também do Código Civil).
A posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche ambos os requisitos.
E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi elidida pelo demandado, resulta do exposto que os demandantes reúnem, assim, os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, das referidas parcelas.
Assim sendo, o exercício efetivo, em nome próprio e em exclusivo, e com carácter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do direito de propriedade pelos primeiros e segundos demandantes, nas respetivas parcelas, e por mais de vinte anos, confere-lhes o direito de adquirir esse mesmo direito, nos termos do artigo 1287º e seguintes do Código Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos (cf. ainda “a contrario” o disposto nos nºs 1 e 2, alínea b) do artigo 1722º do mesmo Código).
Mas a usucapião não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretendem os demandantes com a presente ação.
Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fraccionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-01-2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos das partes a constituição de novos artigos correspondentes às parcelas usucapidas a favor dos demandantes.
decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, sito no lugar das XX, freguesia de XY, concelho do XXY, que confronta do norte com o caminho, do sul com herdeiros de G, do nascente com H e do Poente com a Rua Olival Santo, com a área de 19.808m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 0000º e descrito na Conservatória do Registo Predial de XXY sob o n.º 0000/20090000, em nome do demandado, E, foi dividido em substância, desde há mais de vinte anos, dando origem, pelas regras da usucapião, a três parcelas autónomas, definidas, e identificadas, no Levantamento Topográfico a fls. 16 dos autos, com a composição, área e limites aí descritos;
b) Declaro que o prédio rústico composto por terra de cultura e pastagem, sita nas XX, freguesia de XY, concelho de XXY, com a área de 2.776 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com C, de nascente com H e outros e do poente com a Rua Olival do Santo, identificado no mesmo Levantamento topográfico, a tracejado verde, como Parcela A, pertence em exclusivo aos primeiros demandantes, A, e mulher, B, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário;
c) Declaro que o prédio rústico composto por terra de cultura e pastagem, sita nas XX, freguesia de XY, concelho de XXY, com a área de 4.527 m2, a confrontar do norte com A, do sul com E, de nascente com H e outros e do poente com a Rua Olival do Santo, identificada no Levantamento topográfico, a tracejado vermelho, como Parcela B, pertence em exclusivo aos segundos demandantes, C, e mulher, D, por também se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário;
d) Condeno o demandado no reconhecimento do direito de propriedade dos demandantes sobre os mesmos;
e) Em conformidade, ordeno:
- A atribuição de artigos matriciais e o registo dos prédios agora autonomizados, a favor dos demandantes, com a composição e da forma indicadas [cf. alíneas b) e c) da presente decisão], cessando a sua compropriedade no “prédio mãe”.
- A retificação das confrontações e da área do “prédio mãe”, devendo a área dos prédios agora autonomizados ser nela abatida.
Dada a natureza do processo, custas a pagar pelos demandantes.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 5 de agosto de 2016
A Juíza de Paz,

(Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº5 do C P C)