Sentença de Julgado de Paz
Processo: 216/2017-JPVNG
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
CONTRATO DE EMPREITADA
Data da sentença: 11/17/2017
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, residente na Rua X, Vila Nova de Gaia;
Demandada: B”, com sede à Rua X, Vila Nova de Gaia.

II - OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrada na al. h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 600,00 (seiscentos euros) para reparação do telhado.
Alegou, para tanto e em síntese, que contratou a Demandada para uma obra, em Julho de 2016, que consistia em retirar do telhado as telhas e substitui-las por telhas novas, tudo bem vedado; como as telhas vêm até ao entablamento que é de madeira, num dos cantos nas traseiras foi colocada chapa; acontece que os pombos entram para o forro da casa; a inquilina queixa-se da sujidade provocada pelos pombos no fogão, além do barulho, sendo uma pessoa de idade e doente; a Demandante tem vindo a tentar contactar telefonicamente a Demandada mas ninguém atende, tendo enviado uma carta registada a dar conta da situação, a qual veio devolvida.
Juntou documentos.
A Demandada, regularmente citada, não apresentou Contestação, tendo faltado à Audiência de Julgamento, não justificando a sua falta.
Cumpre apreciar e decidir.

III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Atento o disposto no art.º 58.º n.º 2 da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, julgo confessados os factos alegados pela Demandante.
Consideram-se por reproduzidos os documentos de fls. 4 a 10 (orçamento da obra; factura e recibo do pagamento da mesma; e missiva interpelatória remetida à Demandada).

IV – O DIREITO
Face à matéria de facto tida como provada por confessada, temos que a Demandante e a Demandada convencionaram que esta procedesse à realização de uma obra na cobertura de uma habitação sita na Rua X, no Candal em Vila Nova de Gaia.
Assim,
Entre ambas as partes foi celebrado um contrato de empreitada, que é uma modalidade de contrato de prestação de serviços – art.º 1155º do C. Civil.

Nos termos do art.º 1207º do C. C., “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.”
O contrato de empreitada é, pois, bilateral, oneroso e sinalagmático.
Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual – corolário do princípio geral da pontualidade (art.º 406º do C. Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados – “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” – art.º 1208º do C. C. - e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço. – “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.” – n.º 2 do art.º 1211º do citado diploma.
As obras adjudicadas à Demandada terão sido realizadas no mês de Julho de 2016, tendo sido pago o respectivo preço.
Acontece que, num dos cantos nas traseiras foi colocada chapa em vez de madeira e essa chapa encontra-se solta, sendo que os pombos entram nesse local para o forro da casa, queixando-se a inquilina da sujidade no fogão proveniente da chaminé, provocada pelas aves, bem como do barulho das mesmas, além de que tal situação tem vindo a contribuir para a deterioração do imóvel.
Perante as sucessivas tentativas infrutíferas em contactar telefonicamente a Demandada, foi-lhe enviada uma carta registada no dia 08 de Maio de 2017 a dar conta da situação e a apelar para a urgência na resolução do problema, a qual, por motivos não apurados, foi devolvida ao remetente.
Existe cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação – a má prestação – causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado…
Averiguado que, no caso concreto, a obra não foi executada “sem vícios que excluíssem ou reduzissem o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário” a que se destinava, manifesto é que a Demandada não cumpriu a obrigação a que se achava adstrita porque tendo-se obrigado contratualmente a executar a obra sem defeitos assim não procedeu.
Sendo certo que, no domínio da responsabilidade contratual presume-se a culpa do devedor – cfr. art.º 799º do Código Civil- o que é dizer que cabe ao devedor, no caso a Demandada, para afastar a presunção de culpa, alegar e demonstrar a existência no caso concreto de circunstâncias, especiais ou excepcionais, que eliminem a censurabilidade da sua conduta, provando que foi diligente, que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família, ou pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente.
No entanto, a Demandada não contestou a presente acção e, ao que se apurou, nunca se disponibilizou a atender os contactos telefónicos da Demandante.
Assim, pode esta exigir àquela a eliminação dos defeitos, caso seja possível, a feitura de nova obra, a redução do preço ou, no caso de eles tornarem a obra inadequada à realização dos fins a que se destina, operar a resolução do contrato.
Por outro lado,
à relação contratual dos autos é, também, aplicável a legislação sobre defesa do consumidor, em especial o Decreto-Lei 67/2003, de 08 de Abril. No âmbito deste diploma, é conferida ao consumidor, quando ocorra falta de conformidade entre o bem e o contrato, o direito de optar entre a reparação do bem, ou a sua substituição ou a redução do preço ou a resolução do contrato (artº 2º/nº 1 e artº 4º/ nº 1 do referido diploma). Tudo sem prejuízo de indemnização por eventuais danos decorrentes do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato.
Dispõem os art.ºs 4º e 12º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, respectivamente, que:
“Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.”; e
“O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestação de serviços defeituosos”.
Ora,
Perante a existência de defeitos na obra, a Demandante pretende que se lhe pague uma indemnização no valor de €600,00 que lhe permita efectuar a eliminação dos defeitos, contratando um terceiro que proceda a essas obras de reparação. As consequências do cumprimento defeituoso da obrigação principal do empreiteiro encontram-se especificamente reguladas nos art.º 1221º e seg., do C. Civil, conferindo-se ao dono da obra diferentes direitos de exercício articulado. Assim, o primeiro direito que lhe assiste é o da sua eliminação (art.º 1221º, nº 1, 1ª parte, do C. Civil). É este o direito principal, preferencial, o direito-regra. Se os defeitos não forem elimináveis, o dono da obra tem direito a nova construção (art.º 1221º, nº 1, 2ª parte, do C. Civil). Este direito é de exercício subsidiário relativamente ao direito de eliminação dos defeitos. Se os custos da eliminação dos defeitos ou da nova construção forem desproporcionados, ou o empreiteiro incumprir definitivamente qualquer uma destas obrigações, o dono da obra tem direito à redução do preço, ou à resolução do contrato, se a obra se revelar inadequada ao fim a que se destina (art.º 1222º, nº 1, do C. Civil). Estes direitos são de exercício subsidiário, relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos e de realização de nova construção. Mas a relação entre eles é de exercício alternativo, com uma restrição - a opção pela resolução só pode ser tomada nos casos em que a obra se revele inadequada ao fim a que se destina.
Se os defeitos não forem elimináveis, a exigência de realização de nova obra se revelar desproporcionada, e aqueles se traduzirem em desconformidades que não reduzem o valor da obra, nem a tornam inadequada ao fim a que se destina, o dono desta tem apenas direito a uma indemnização pela desconformidade entre o acordado e o realizado (art.º 1223º, do C. Civil). O exercício deste direito de indemnização é subsidiário (residual) dos restantes direitos.
E só nos casos de incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos e de realização de nova construção e de necessidade urgente de realização de obras de reparação, é que o dono da obra também poderá optar pela efectivação destas prestações por si próprio, ou por terceiro, assistindo-lhe um direito de indemnização em dinheiro, correspondente ao custo das obras de reparação ou de reconstrução.
O empreiteiro incumpre definitivamente a sua obrigação de eliminar os defeitos que esta padece, nomeadamente, quando não correspondeu a uma interpelação admonitória do dono da obra para o fazer.
No caso, apurou-se que a Demandante, após contacto telefónico com a Demandada sem que o problema fosse resolvido, deu conhecimento por escrito à Demandada dos defeitos constatados através de missiva enviada a 08.05.2017, solicitando a sua resolução com a maior urgência.
No entanto, a Demandada nada fez. Aliás, nem sequer reclamou a carta junto dos CTT.
Assim,
Estando apurada uma situação de incumprimento definitivo da obrigação da Demandado eliminar os defeitos da obra que realizou, tem a Demandante direito a reclamar o pagamento da quantia necessária para proceder à reparação por si própria ou através da contratação de terceiros.
Parece-nos ser esta interpretação, aquela que melhor se coaduna com a realização prática do Direito e da Justiça, correspondente às expectativas prático-sociais dos sujeitos.
Refira-se que no Requerimento Inicial a Demandante na sua exposição pede ao Julgado de Paz que faça a empresa arranjar a obra porque não ficou bem vedada, acabando por na parte final respeitante ao pedido, solicitar a este Tribunal que faça a empresa em questão pagar o arranjo da obra (referindo-se à reparação dos defeitos) que orçamenta em €600,00.
Assim, entendemos condenar a Demandada a proceder à reparação do defeito descrito na cobertura do imóvel, e, subsidiariamente, caso não o faça no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da presente, a pagar à Demandante a quantia de €600,00.

V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo procedente a presente acção, e, por consequência, condeno a Demandada “B”, a proceder à reparação do defeito descrito na cobertura do imóvel identificado nos autos, e, subsidiariamente, caso não o faça no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da presente, a pagar à Demandante A a quantia de €600,00 (seiscentos euros).
Custas pela Demandada. Cumpra-se o disposto nos artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Vila Nova de Gaia, 17 de Novembro de 2017
A Juiz de Paz
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(Paula Portugal)