Sentença de Julgado de Paz
Processo: 96/2015-JP
Relator: DANIELA DOS SANTOS COSTA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
Data da sentença: 11/09/2017
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: ATA DE LEITURA DE SENTENÇA

Aos 9 de Novembro de 2017, pelas 11.30h, realizou-se no Julgado de Paz Coimbra, a continuação da Audiência de Julgamento do Proc. n.º 96/2015 - JPCBR em que são partes:
Demandantes: A e B.
1ª Demandada: C;
2º Demandado: D;
3ª Demandada: E;
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Realizada a chamada, encontravam-se presentes os Demandantes.
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Reaberta a Audiência, pela Mª Juíza de Paz, foi proferida a seguinte:

SENTENÇA
Os Demandantes vieram propor contra os Demandados a presente ação declarativa, enquadrada na al. h) do n.º 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, adiante LJP, pedindo a condenação destes a pagarem-lhes solidariamente a quantia de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta Euros), a título de rendas vencidas e não pagas, relativas aos meses de Agosto a Dezembro de 2014 e de Janeiro a Fevereiro de 2015, bem como as que se vencerem na pendência da ação.
Na impossibilidade de citar o 2º Demandado e dada a inexistência de representante de Ministério Publico, foi nomeado o Ilustre Defensor Oficioso, Dr. X, que apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 70 a 76, tendo invocado a incompetência absoluta do Julgado de Paz, por constar no contrato de arrendamento uma cláusula de convenção de foro e por não ter poderes para proceder a citação edital, além de ter arguido a falta de citação do 2º Demandado.
Mais invocou a exceção perentória impeditiva do exercício do direito dos Demandantes, em virtude dos mesmos não terem interpelado previamente as partes para pagamento das rendas em falta e, por fim, impugnou a factualidade vertida no RI.
Regularmente citadas, as 1ª e 3ª Demandadas não contestaram e faltaram à Audiência de Julgamento, não tendo justificado, no prazo de três dias, as respetivas ausências.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.

Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa, para além das que infra se apreciará. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.
Valor da ação: € 1.750,00

II - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
FACTOS PROVADOS:
A. Os Demandantes são proprietários do prédio urbano sito na Rua XXXX, freguesia de Santa Cruz, 325-060, concelho de Coimbra, destinado comércio, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo XXX e descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º XXXX;
B. Em 01.04.2014, os Demandantes deram de arrendamento à 1ª Demandada, para instalação de cabeleireiro, o imóvel, pelo prazo de 12 meses, renovado automaticamente, pelo mesmo período, caso não fosse denunciado por qualquer das partes, no seu termo ou em qualquer das suas renovações, com uma antecedência mínima de 90 dias;
C. Os 2º e 3ª Demandados foram constituídos fiadores;
D. Entre as partes foi convencionada uma renda mensal de €250,00, vencendo-se a primeira renda no dia 01.04.2014 e as seguintes no primeiro dia de cada mês;
E. A Demandada não pagou as rendas dos meses de Agosto a Dezembro de 2014, nem as de Janeiro e Fevereiro de 2015;
F. O que perfaz a quantia total de €1.750,00;
G. No dia 18.06.2015, a 1ª Demandada abandonou o locado, tendo entregue, por carta dirigida ao Demandante marido, as respetivas chaves;
H. No dia 24.06.2015, o Demandante marido enviou carta registada com A/R à Demandada, acusando a receção das chaves e considerando como fim do contrato o dia 31.03.2016;
I. Até à presente data, os 2º e 3ª Demandados não foram interpelados, pelos Demandantes, para pagarem as rendas em falta.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 3 a 12, 140 a 143, 145 a 158.
Relativamente às declarações das testemunhas indicadas pelos Demandantes - F e G, não foram valoradas pelo Tribunal na medida em que detinham parcos conhecimentos acerca da factualidade em discussão, tendo respondido de forma vaga e imprecisa.
Quanto aos factos instrumentais insertos nos itens G e H decorreram da instrução da causa, conforme o possibilita a al. a) do n.º 2 do Art. 5º do CPC.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

III - O DIREITO

Questões Prévias: da incompetência absoluta do Julgado de Paz e da falta de citação do 2º Demandado
Veio o 2º Demandado arguir a incompetência absoluta do Julgado de Paz por constar no contrato de arrendamento uma cláusula de convenção de foro e pelo facto do Julgado de Paz não ter poderes para proceder a citação edital.
Além de tais alegações, invocou que não foi citado regularmente para a lide por se encontrar ausente, não tendo sido citado por via edital.
Cumpre apreciar e decidir:
Encontra-se em vigor o disposto no n.º 2 do Art. 209º da Constituição da República Portuguesa, com a redação dada pela quarta revisão, aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, segundo o qual “podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz”.
Tal preceito constitucional reconhece que os Julgados de Paz constituem, no atual universo judiciário, uma categoria própria de Tribunais. Aliás, tal preceito encontra-se inserido na norma sob a epígrafe “Categoria de Tribunais”, o que não nos deixa margem para dúvidas sobre a sua natureza jurisdicional.
Assim, importa analisar o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, constante a fls. 10 a 12. Do teor do mesmo, verifica-se que foi convencionado na cláusula Nona que para a resolução de todas as questões conflituosas, surgidas com o presente contrato, fica estipulado como competente o Tribunal de Coimbra, com renúncia a qualquer outro.
Disto decorre que foi elaborado, entre as partes, um pacto privativo de jurisdição, previsto no Art. 94º do CPC, cujo sentido e alcance abrange, salvo melhor opinião, todas as jurisdições existentes no concelho de Coimbra com competência para ações cíveis, penais ou executivas.
Logo, sendo o Julgado de Paz uma jurisdição com exclusiva competência para ações declarativas, não nos repugna que aquele pacto abranja não só o Tribunal Judicial de Coimbra, nas suas várias competências, como também, num sentido lato, o Julgado de Paz de Coimbra, na vertente exclusivamente civilista. Pelo ora exposto, o Julgado de Paz de Coimbra é competente para apreciar a presente causa, improcedendo, desta feita, a exceção arguida pelo 2º Demandado.
Quanto à alegada falta de citação, face ao cenário de tentativas frustradas de citação pessoal do 2º Demandado, e após terem sido oficiadas as entidades competentes, de acordo com o previsto no Art. 236º, n.º 1 do CPC, cujas informações de residência conhecida constam a fls. 51, 52 (coincidentes com a morada indicada no RI) e fls. 57, e, ainda, por não ser legalmente admissível a citação edital nos Julgados de Paz, de acordo com o Art. 46º, n.º 2 da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, foi o Demandado em causa declarado ausente. Por conseguinte e dado não existir nos Julgados de Paz agente do Ministério Público, procedeu-se à citação do Ilustre Defensor Oficioso, atrás identificado, de acordo com o disposto no n.º 1 do Art. 21º do CPC, ex vi Art. 63º da Lei atrás mencionada. Do exposto decorre que o 2º Demandado foi citado, julgando, nessa medida, improcedente a exceção dilatória de nulidade do processo invocada pelo mesmo.
Os presentes autos fundam-se no incumprimento de uma obrigação principal do arrendatário e que se traduz no pagamento atempado da renda convencionada, de acordo com o previsto na al. a) do Art. 1038º do Código Civil (adiante designado de CC).
Na falta de convenção em contrário, essa obrigação, de natureza pecuniária e periódica, deve ser cumprida, no momento da celebração do contrato de arrendamento, no que diz respeito ao vencimento da 1ª renda, e no 1º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito, no que se refere às rendas subsequentes – vide n.º 1 e n.º 2 do Art. 1075º do CC.
Por seu turno, quando estejam em causa contratos de arrendamento para fins não habitacionais, como é o caso dos presentes autos, as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos mesmos são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, segundo o n.º 1 do Art. 1110º do CC.
Na questão ora controvertida, tendo em conta a matéria de facto dada como provada em razão da prova produzida, é inequívoco que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, porque versou sobre uma loja afeta ao comércio (cabeleireiro). Mais ficou convencionado que a obrigação de pagamento da renda vencia-se ao primeiro dia de cada mês e que o contrato teria um prazo de duração limitada.
Com efeito, ficou demonstrado que a sua duração contratual era pelo prazo de 12 meses, renovado automaticamente, pelo mesmo período, caso não fosse denunciado por qualquer das partes, no seu termo ou em qualquer das suas renovações, com uma antecedência mínima de 90 dias. Mais se provou, por força da instrução da causa, que a arrendatária, ora 1ª Demandada, abandonou o locado, no dia 18.06.2015, tendo entregue as respetivas chaves ao senhorio, ora Demandado marido.
Por outro lado, importa sublinhar que os 2º e 3ª Demandados foram fiadores no âmbito do presente contrato. A este título, veio o 2º Demandado invocar que não é responsável pelo pagamento das rendas em atraso na medida em que, nem ele, nem as restantes Demandadas, foram interpelados para o cumprimento de tal obrigação.
No que toca ao não pagamento das rendas pela 1ª Demandada, arrendatária e obrigada principal, tratando-se de uma obrigação pecuniária com prazo certo, há mora, independentemente de os senhorios, ora Demandantes, terem interpelado a mesma para pagar – vide Art. 805º, n.º 2 al. a) do CC.
Ou seja, ainda que se possa esgrimir o fundamento de que não foi interpelada para esse efeito, o certo é que assumiu a obrigação de pagar a renda e que é do seu conhecimento o dia em que a mesma se vence, logo, não se justifica que tenham os senhorios de lhe comunicar o seu incumprimento, a menos que desejem, o que não é o caso, lançar mão de ação executiva.
Neste caso, estatui o Art. 14º-A da Lei n.º 6/2006, de 27/02, que o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
No que concerne à não interpelação dos fiadores, ora 2º e 3ª Demandados, para pagamento das rendas em falta, dispõe o n.º 1 do Art. 627º do CC que o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
O n.º 2 da mesma norma caracteriza a obrigação do fiador como acessória, face à obrigação do devedor que é principal.
Daqui resulta que, salvo estipulação em contrário, o conteúdo da obrigação do fiador não pode exceder o da dívida principal, nem a fiança ser contraída em condições mais onerosas, dado o seu, já referido, caráter acessório, segundo o Art. 631º do CC.
Face ao exposto, os 2º e 3º Demandados só podem ser responsabilizados pela mora da 1ª Demandada, desde que os Demandantes tivessem alegado e provado que deram conhecimento aos fiadores da falta de pagamento pontual das rendas pela afiançada, interpelando-os para pagarem.
É que, pese embora a constituição em mora do arrendatário não dependa de interpelação judicial, por estar em causa uma obrigação com prazo certo, a constituição em mora por parte do fiador depende, nos termos gerais, de interpelação, já que aquele, em regra, poderá nem saber que o arrendatário deixou de cumprir.
Por conseguinte, para haver lugar a responsabilização dos fiadores pela mora fundada no não pagamento das rendas teria de ter havido interpelação dos mesmos, o que não se provou nos presentes autos, logo, em relação aos 2º e 3ª Demandados não deve ser imputada a obrigação de pagamento das rendas, sendo os mesmos absolvidos do pedido.
Por conseguinte, é a 1ª Demandada devedora do montante total de € 1.750,00, quantia referente ao valor total da dívida das rendas compreendidas entre Agosto de 2014 a Fevereiro de 2015, inclusive.
No que concerne ao pedido de condenação da Demandados no pagamento das rendas que se vencerem na pendência da presente ação, tendo em conta que se provou que a 1ª Demandada abandonou o locado em 18.06.2015, entendemos que só será devedora, a este título, das rendas entretanto vencidas no período de Março a Junho de 2015. Com efeito, se abandonou o locado em Junho de 2015, equivale tal conduta à denúncia do contrato que, todavia, só poderia ter sido exercida com 90 dias de antecedência, conforme cláusula segunda do contrato de arrendamento. Não o tendo feito, mediante comunicação prévia, deverá pagar três meses de renda equivalentes ao período de aviso prévio em falta, ou seja, € 750,00.
Face ao exposto, deve a 1ª Demandada pagar as rendas vincendas no período de Março a Junho de 2015, o que equivale a € 1.000,00, acrescido da penalização pela falta de pré-aviso no valor de €750,00, o que perfaz € 1.750,00.

IV – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo totalmente procedente a presente acão e, por consequência, condeno a 1ª Demandada a pagar aos Demandantes:
· a quantia de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta Euros), quantia referente ao valor total da dívida das rendas compreendidas entre Agosto de 2014 a Fevereiro de 2015, inclusive.
· a quantia de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta Euros), valor referente às rendas vincendas no período de Março a Junho de 2015, inclusive, e à penalização pela falta de pré-aviso;
Mais absolvo os 2º e 3ª Demandados do pedido.

Custas pela parte vencida – a ora 1ª Demandada, devendo proceder ao pagamento da taxa de justiça (€70,00), no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro. Quanto aos Demandantes, proceda-se ao reembolso de €35,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
Registe e notifique.
Mais notifique o Ministério Público, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, do teor da sentença, de acordo com o n.º 3 do Art. 60º da LJP.
Desta sentença foram todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
Coimbra, 9 de Novembro de 2017

(Dr.ª Daniela dos Santos Costa) (Luís Rente)
Juíza de Paz Técnico de Apoio Administrativo