Sentença de Julgado de Paz
Processo: 184/2017-JPCSC
Relator: ASCENSÃO ARRIAGA
Descritores: INEXISTENCIA DE CONTRATO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANOS MORAIS
Data da sentença: 12/28/2017
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: --- SENTENÇA ----

Os aqui Demandantes, OLGA e ANTÓNIO, pretendem que a Demandada x ENERGIA, com o NIPC 9…, seja condenada a reconhecer a anulação da fatura nº 03…, por si emitida em 07.02.2017, no valor de €71,10, bem como a pagar-lhes uma indemnização, a título de danos morais, no valor de €471,40 (conforme aperfeiçoamento ao Requerimento Inicial efetuado em sede de audiência). Alegam em, suma, que acederam ao sítio da Demandada na internet e que aí iniciaram um procedimento de celebração de contrato de fornecimento de energia elétrica. As formalidades para celebração do contrato não ficaram concluídas mas a Demandada considerou o contrato como celebrado. Nessa sequência, algum tempo mais tarde, a Demandada enviou para a residência dos Demandantes um contrato e depois de reclamação destes, emitiu uma fatura no valor de €71,10 alegando corresponder ao período de vigência do contrato. Os Demandantes não pagaram essa fatura, dirigiram diversas comunicações à Demandada e à ERSE e têm vindo a receber diversas chamadas telefónicas diárias interpelando-os para pagarem o que não devem. A atitude da Demandada provoca e provocou aos Demandantes muito incómodo, instabilidade no desempenho das suas funções, perda de tempo e transtornos. Juntam com o Requerimento Inicial os documentos, de fls. 3 a 30, e afastam a fase da Mediação.
A Demandada foi regular e pessoalmente citada e não apresentou Contestação.
Foi designada a presente data para a audiência de julgamento.
Em sede de audição das partes e tentativa de conciliação, foi dito pelo legal representante da Demandada que a emissão da fatura de €71,10 objeto destes autos, se deveu a um erro informático difícil de detetar e que a sua representada já procedeu à anulação da dívida dos Demandantes.
Trata-se de uma confissão judicial espontânea (artigo 356º do Código de Processo Civil).
Assim sendo, como é, está em causa apreciar, apenas, se os Demandantes sofreram, ou não, danos morais, os quais valorizam em €471,40 e se a Demandada está, ou não, obrigada a indemniza-los.
Vejamos.
Está provado nos autos que a Demandada emitiu, por erro, uma fatura no valor de €71,10 a cargo dos Demandantes e que, não tendo obtido o pagamento dessa fatura, a Demandada encarregou a Sociedade xxxx Unipessoal, Lda., de proceder à respetiva cobrança.
A presente ação deu entrada a 23.08.2017. A Demandada foi citada em 28.08.2017 e, como também se provou, pela apreciação dos registos no telemóvel da Demandante, pelo menos até ao dia 15 de novembro de 2017 esta recebia entre uma a duas chamadas diárias, incluindo aos sábados, do número 220303759 que pertence à suprarreferida xxxxx.
Dá-se ainda por provado que, pelo menos a partir de 03.03.2017 – após terem recebido da Demandada um formulário com o texto do contrato -, os Demandantes passaram a contatar a Demandada e a ERSE, explicando não terem celebrado qualquer contrato de fornecimento de eletricidade, ou outro, com a X e com o objetivo de verem sanado o erro consubstanciado pela emissão da fatura (cf. doc. de fls. 24 e seguintes).
Em 04.04.2017, a Demandada comunica aos Demandantes que manteve com eles um contrato no período de 04.01.2017 a 04.02.2017 e que o valor faturado respeitava aos consumos nesse período (cf. Doc. de fls. 29/30).
Não obstante, está provado que os Demandantes nada contrataram com a Demandada já que, segundo comunicações desta própria, o contrato não chegou a ser finalizado e, logo, formalizado ( cf. doc. de fls. 8)..
Alegam os Demandantes que toda a situação lhes causou danos morais por constante recepção de chamadas telefónicas para pagar o que não deviam; perda de tempo e instabilidade no desempenho de funções.
Segundo as regras da experiência comum é de presumir que quem é instado a pagar o que não deve, se vê compelido a escrever reclamações e comunicações a entidades reguladoras e, mesmo, a propor uma ação para ver reconhecido o direito de recusar o pagamento, sofre danos na sua estabilidade emocional, na sua tranquilidade, na sua disposição, o que tudo redunda em danos de ordem moral relevantes para efeitos indemnizatórios (cf. artigo 349º do Código Civil).
De facto, o comportamento reiterado da Demandada por um período de, pelo menos, nove meses, de recusa de anulação da fatura, apesar das diversas comunicações dos Demandantes e de poder verificar a inexistência de contrato valido com estes é censurável e apta a causar tais danos. É também danoso o comportamento da Demandada de nada ter comunicado à entidade que encarregou da cobrança da dívida permitindo, desse modo, a realização de inúmeros, inoportunos e irritantes telefonemas que muito perturbaram e indignaram a Demandante como resultou claro das suas declarações e de seu marido.
Ora, nos termos do disposto no artigo 483º do Código Civil, quem praticar qualquer ato que viole ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos decorrentes da lesão. E, nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil, quando não for possível averiguar o valor exato dos danos o Tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, sendo certo, como é, que no caso não é possível a reconstituição natural e, por isso, haverá que calcular uma indemnização em dinheiro.
Acresce que também as regras que disciplinam a proteção do consumidor no âmbito da prestação de serviços essenciais - Lei 23/96, de 26.julho, alterada pela lei 12/2008, de 26.fevereiro – vêm dando grande enfâse ao dever de informação pronta e clara das entidades prestadoras de serviços ao consumidor, sancionando os comportamentos omissos com nulidade dos contratos e obrigação de indemnização. A Demandada incumpriu estes deveres de transparência, clareza e rapidez de informação.
Tudo ponderado, considerando a gravidade dos danos na esfera patrimonial dos Demandantes ao nível da sua tranquilidade e da instabilidade emocional provocada ao longo de nove meses pela Demandada ou por outros por si encarregues, de modo totalmente desnecessário, gratuito e prepotente, sem resposta cabal aos sucessivos pedidos de resolução daqueles, levando-os, até, a sentirem a necessidade de propor uma ação em tribunal para pôr termo às diárias exigências de pagamento do que sabiam não dever, e, também, ao poder económico da Demandada e à sua posição de comercializador de bens essenciais no mercado, considero adequada uma indemnização no valor de €400,00 (quatrocentos euros).

Decisão
Em fase do que antecede e atentas as declarações da Demandada, condeno esta a reconhecer que não lhe é devida pelos Demandantes a fatura de €71,10 e, também, a pagar aos Demandantes a quantia de €400,00 (quatrocentos euros).
Mais declaro a Demandada responsável pelas custas do processo - no valor total de €70,00 - por ser irrisório o valor proporcional ao decaimento (cf. artigo 8º e 10º da Portaria 1456/2001, de 28.12).
Devolva €35,00 aos Demandantes.
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A Demandada deverá efetuar o pagamento das custas em falta, no valor de €70,00, no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 por cada dia de atraso, penalidade que terá um máximo de €140, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro (com a redação dada pela Portaria 209/2005 de 14 de fevereiro).
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Registe e após conclusão da presente ata, remeta cópia às partes que, não obstante, estão notificadas na presente data.
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Da sentença que antecede foram todos os presentes notificados.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada.
Cascais, Julgado de Paz, 28 de dezembro de 2017.
A Técnica do Serviço de Atendimento
A Juíza de Paz