Sentença de Julgado de Paz
Processo: 08/2017-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
Data da sentença: 06/30/2017
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral: III ATA DE AUDIÊNCIA

DE JULGAMENTO
Aos trinta dias do mês de junho de dois mil e dezassete, pelas 09.45 horas, procedeu-se à continuação da Audiência de Julgamento do Processo n.º 08/2017- JPVNP, em que são partes:
Demandantes: A, e mulher, B;
Demandada: C, Lda..
Realizada a chamada verificou-se que não se encontrava ninguém presente.
Aberta a Audiência, a Exma. Senhora Juíza de Paz, Dra. Elisa Flores, proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante.
Nada mais havendo a salientar a Sra. Juíza de Paz deu como encerrada a presente sessão.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.

A Juíza de Paz, Elisa Flores
A Técnica de Atendimento, Teresa Rodrigues

SENTENÇA
RELATÓRIO
A, e mulher, B, propuseram contra C, Lda., a presente ação declarativa enquadrada na alínea h) do n.º 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, nova redação, pedindo a sua condenação:
“a) A retirar o recuperador de calor da residência dos demandantes, reparando os estragos que essa retirada possa causar, sem quaisquer encargos para os mesmos, considerando-se por conseguinte, o contrato resolvido ao abrigo da legislação aplicável ao caso;
b) No pagamento da quantia nunca inferior a € 1 500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos morais.
No entanto, se prescindir e que por mera cautela, no caso de improcedência dos pedidos formulados nas precedentes alíneas a) e b), que se:
c) Condene a demandada à substituição do recuperador em apreço, por um novo totalmente isento de defeitos e sem quaisquer encargos para os demandantes;
d) No pagamento da quantia nunca inferior a € 1 500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos morais.”
Para o efeito, alegaram os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 5 e juntaram 9 documentos.
A demandada contestou por impugnação, nos termos constantes de fls. 29 a 33, impugnando os factos alegados pelos demandantes, e concluindo pela improcedência da ação.
Juntou 3 documentos que aqui também se dão por reproduzidos.
O litígio não foi submetido a mediação.
Em Audiência de Julgamento ambas as partes apresentaram prova testemunhal.
Valor da ação: € 2 730,00 (dois mil setecentos e trinta euros).
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim:

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados, com interesse para os presentes efeitos, os seguintes factos:
1.º- A demandada é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à venda e instalação de lareiras, recuperadores de calor, salamandras, churrasqueiras, pedras rústicas e torneados;
2.º- Visando a promoção e divulgação da sua atividade e a comercialização dos seus produtos, no ano de 2015 esteve representada na Feira Agrícola, Comercial e Industrial de x, com um Stand de vendas;
3.º- Por sua vez, os demandantes, sendo residentes em xxx, numa visita efetuada à referida Feira negociaram a aquisição de um Recuperador de Calor “x”;
4.º- Negociação essa que se concretizou através de um acordo de compra e venda verbal, pelo valor global de € 1 230,00 (mil duzentos e trinta euros), com I.V.A. incluído;
5.º- Que os demandantes ainda não pagaram;
6.º- Em outubro de 2015, o gerente da demandada, D, deslocou-se à residência dos demandantes onde ali entregou e instalou o mencionado recuperador;
7.º- Uns dias após a instalação do recuperador os demandantes detetaram que uma das peças do recuperador estava rachada;
8.º- O que imediatamente foi comunicado pela demandante mulher à empresa demandada através de contacto telefónico;
9.º- Tendo o mencionado gerente da demandada entrado posteriormente em contacto com a mesma, e, perante a sua descrição, concluiu que seria o defletor porque já tinham tido uma ou duas reclamações semelhantes relativamente a estes recuperadores;
10.º- E transmitiu-lhe de que iria tratar do assunto mas que poderiam continuar a utilizar o recuperador porque o facto desta peça estar rachada não tinha qualquer interferência no seu funcionamento;
11.º- Tendo entretanto solicitado ao fabricante um novo deflector para substituir o danificado;
12.º- Ora, o fabricante do recuperador, E- x S.A., de imediato assumiu o defeito no deflector;
13.º- Mais, transmitiu à demandada que aquela série de recuperadores tinha um defeito no defletor, que determinava a sua quebra, tendo dado indicações para que fossem substituídos à medida que fosse reclamados pelos clientes;
14.º- O defletor foi recebido pela demandada em 29 de junho de 2016;
15.º- Na Feira Agrícola, Comercial e Industrial de x realizada em xx-xx-xx, e estando a demandada novamente presente com um stand de vendas, o demandante marido interpelou o gerente sobre a situação;
16.º- Mais se queixou de que o recuperador, de vez em quando, emitia um ruído elevado, e desconfortável;
17.º- Tendo aquele transmitido ao demandante que já tinha o defletor novo para substituir o seu rachado e que, relativamente ao ruído no recuperador que nunca nenhum cliente lhe transmitiu a existência de ruídos nos recuperadores dessa marca;
18.º- E que em setembro teriam de agendar uma data para se deslocar à residência dos demandantes para que fosse verificado tal ruído e se procedesse à substituição do defletor;
19.º- No dia xx-xx-xx, não tendo o representante da demandada, ou qualquer colaborador desta, comparecido na residência dos demandantes, estes enviaram à demandada uma carta registada com A/R, a que deram o título de “Reclamação”, onde reiteram a denúncia do defletor rachado e do ruído no recuperador e concedem um prazo de dez dias para que a demandada procedesse à “…retirada do recuperador defeituoso e que, no prazo de quinze dias da retirada do mesmo, me seja instalado outro igual isento de qualquer deformidade e, consequentemente ser assim possível proceder ao respectivo acto administrativo de pagamento.”;
20.º- A esta carta respondeu a demandada em 21 do mesmo mês e ano, alegando, resumidamente, que não tinha sido facultado o recuperador aos demandantes para que estes o pudessem experimentar, pois tal não seria possível, bem como a demandada já tinha assumido e reconhecido que existia uma anomalia no deflector e denunciado ao fornecedor, que assumiu a sua substituição, e que tinha estado a aguardar que os demandantes agendassem uma data para a efetivação da mesma;
21.º- E ainda que, conforme já lhes tinha referido, o ruído de que se queixavam nunca tinha sido “…referenciado por qualquer cliente, razão pela qual é imperioso que seja verificado por nós…', pelo que reiteram “…que V. Exas. indiquem a data para que seja substituído o deflector bem como analisado o ruído que referem….”;
22.º- Tendo ainda juntado uma segunda via da fatura de venda do recuperador, com data de vencimento de 21/12/2015, referindo que “ Contamos que, nessa ocasião, seja liquidada a respectiva factura que se encontra a pagamento, no valor de € 1 230,00 (mil duzentos e trinta euros).”;
23.º- Até à entrada dos presentes autos os demandantes não indicaram qualquer data;
24.º- Sendo que, em 27 do mesmo x, os demandantes enviaram à demandada uma carta registada com AR, tendo por Assunto “Resolução do acordo negocial” que refere que “…não aceitando V. Ex.a a minha opção exarada no nº 4. da Reclamação de 05 de Dezembro de 2016, desde já venho por este meio cessar o meu acordo negocial de compra e venda relativo ao Recuperador de Calor por V. Ex.a instalado no meu domicílio.
2. Assim, no prazo de oito dias, deverá proceder V. Ex.a à desinstalação e respectiva recolha, para local de sua responsabilidade, do Recuperador de Calor afectado com as deformidades denunciadas e reportadas a "placas", "deflector" e "ruído.";
25.º- Solicitando ainda que a recolha do recuperador de calor fosse efetuada sem quaisquer custos para os demandantes e respondo a situação como originariamente estava;
26.º- Em resposta, através de mandatário, remetida para o mandatário dos demandantes, a demandada reitera o interesse em proceder à reparação do recuperador;
27.º- Os demandantes têm vindo a utilizar o recuperador, sem quaisquer restrições;
28.º- A situação descrita causou aos demandantes desconforto, perturbação, incómodo, ansiedade e irritação;
29.º- No decurso do processo, no âmbito de uma tentativa de conciliação, as partes encontraram-se na residência dos demandantes, com o técnico da Equipamentos x S.A, Engº F (que posteriormente depôs em Audiência), o recuperador foi colocado em funcionamento e, enquanto todos estiveram na residência, não se verificou nenhum ruído anómalo do recuperador.
Motivação dos factos provados:
A factualidade dada como provada resultou da conjugação dos factos admitidos por acordo, das declarações das partes, dos documentos juntos aos autos e ao Processo nº 13/2017-JPVNP, que correu termos neste Tribunal e foi tramitado e julgado em conjunto com os presentes autos, e da prova testemunhal, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente. “C. Civ.”).
Quanto às testemunhas arroladas pelos demandantes:
- G e H, casados entre si, amigos, e visitas de casa dos demandantes, comprovaram a rachadela na peça, e o ruído, mas revelaram no depoimento algumas imprecisões e contradições; Ambos referiram que acompanharam toda esta situação, nomeadamente através das “queixas” dos demandantes, primeiro da peça e mais tarde também do ruído e ainda, a primeira, ter assistido a um telefonema da demandante para uma empregada da demandada a reclamar das “pedras partidas” (mas não se lembra de a ter ouvido falar no ruído) e o segundo, ter ouvido o sr. D, gerente da demandada, quando instalou o recuperador e antes de ir embora, dizer “Se houver algum problema, liguem”; Que também ouviu o ruído do recuperador “que parava sempre por ele, às vezes que tentavam mexer no “coisinho da porta” e ele parava logo; …Que o barulho não é contínuo, aparece e passado pouco tempo, desaparece;”
Relativamente às testemunhas arroladas pela demandada:
- J, sua Escriturária, depôs que foi quem recebeu as chamadas telefónicas da demandante; Que a primeira seria uma semana depois de o recuperador ter sido aceso; Que, como sempre faz quando tem qualquer reclamação, reportou a reclamação ao fabricante que aceitou e reconheceu que tinham esse defeito porque houve mais um ou 2 casos; Que no início a D. B não se queixou do ruído; Que vendem uns cento e tal/200 recuperadores “X” por ano e que nunca ninguém se queixou de qualquer barulho anormal no equipamento; Que nunca instalam recuperadores à experiência porque requer muita mão-de-obra e se gastam muitos materiais para retirar; Que após a Feira Agrícola Comercial e Industrial de x de x contactou a demandante B para marcar dia para a deslocação a sua casa, marcaram, e uns dez minutos depois, recebeu novo telefonema desta a perguntar se iriam colocar um equipamento novo, disse que não e então ela informou que assim não autorizavam que lá fossem; Que o recuperador ainda não está pago e o defletor continua reservado na empresa para os demandantes porque foi pedido propositadamente para eles, e pago; Que, mediante a Folha de obra emitiu a fatura, tendo enviado o original aos demandantes pelo correio, por carta simples, como sempre fazem;
- L, também funcionário da empresa e foi quem instalou o recuperador em casa dos demandantes; Que para o efeito demoliu uma lareira existente e fez nova obra para o novo recuperador; Que não se apercebeu que o aparelho tivesse qualquer anomalia e que o Kit com livro de instruções que acompanha estes aparelhos ficou dentro do mesmo.
Ambos depuseram de modo credível e sobre factos de que tinham conhecimento direto;
- Engº F, técnico da empresa fabricante do recuperador, Equipamentos x S.A, que este presente em casa dos demandantes na diligência de tentativa de acordo; Confirmou que a peça estava partida, mas que, não sendo agradável, não prejudica a funcionalidade do recuperador; E que o recuperador tem já componentes que são soldados e que se se cortasse, ressoldasse e pintasse ficaria “…tão bom ou melhor do que estava porque o alívio de tensão já ficou resolvido.”; Que não é possível remover todas as peças, só soldando; Que o recuperador pode ser retirado e instalado noutro local; E que foi testando o recuperador nas várias posições e que na 1:30/2:00h que lá estiveram não se verificou nenhum ruído anómalo no aparelho; Esclareceu, por último que quando no Relatório que fez da visita a casa dos demandantes, em 2 de maio último, assinalou com cruz na coluna “Mau” nos itens Qualidade do Trabalho e Comportamento do Técnico, não se referia à avaliação dos demandantes mas que, como estes não quiseram preencher, por defeito é assumida aquela menção. Prestou um depoimento técnico, esclarecedor e isento.
Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CPC, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa e relativamente aos quais todos tiveram a possibilidade de se pronunciar.
Factos não provados e respetiva motivação:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, por falta ou insuficiência de mobilidade probatória.

Fundamentação de direito:
Entre as partes foi celebrado um contrato que engloba dois tipos de contratos distintos e autónomos entre si, contrato de compra e venda relativamente ao recuperador de calor e um contrato de empreitada, modalidade do contrato de prestação de serviços, no que diz respeito à respetiva instalação.
Têm ambos efeitos obrigacionais recíprocos, no primeiro, para uma das partes a entrega do equipamento (com a transmissão da propriedade, manifestação do seu efeito real automático) e para a outra, a obrigação de o pagar, e no segundo, a obrigação de realizar determinado serviço mediante o pagamento de um preço (cf. artigos 879.º, 408.º e 882.º e artigo 1207.º do Código Civil).
Contrato que se encontra abrangido pela Lei de Defesa do Consumidor [aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho e alterada pela Lei n.º 85/98, de 16 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21-05) e pela Lei n.º 10/2013, de 28 de janeiro].
De facto, os demandantes preenchem os requisitos definidos na lei para serem considerados consumidores, para estes efeitos: foi-lhes fornecido um bem e prestados serviços (no caso o recuperador e a sua instalação), que não destinaram a uso profissional, por pessoa coletiva que exerce uma atividade económica com vista à obtenção de lucros.
Nos termos da mesma legislação, os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor (cf. nºs 1 e 2 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril e artigo 913º do C. Civ.).
Assim, em caso de falta de conformidade do recuperador, responde o vendedor tanto no momento da sua instalação, como dentro do prazo de garantia, tendo o consumidor, no caso os demandantes, direito a que tal conformidade seja reposta nomeadamente por meio de reparação ou substituição, sem quaisquer encargos, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato, conforme resulta do disposto nos artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a redação do Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio.
O prazo de garantia para os bens móveis é de dois anos, a contar da instalação, sendo que o comprador terá de denunciar os defeitos no prazo de dois meses, a contar da sua deteção (cf. artigos 3º e 5º do mesmo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril).
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (cf. artigo 341º do C. Civ.) e não existindo, no caso, norma que liberte o comprador do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, aplica-se na situação o disposto no nº 1 do artigo 342º do C. Civ..
No caso, os demandantes não lograram provar o ruído, como lhes competia, mas lograram provar, que o recuperador tinha o defletor partido, pelo que se tratou de venda de coisa defeituosa, na medida em que sofre de vício que a desvaloriza e não possui as qualidades asseguradas pelo vendedor. Para o exercício dos direitos cobertos pela garantia, dispensa-os a lei de alegar a existência do defeito à data da entrega (cf. nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, nova redação).
E lograram também fazer prova do cumprimento atempado dos prazos de denúncia.
Em regra, o consumidor pode exercer qualquer dos direitos previstos no nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, com a redação do Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio, sem necessidade de respeitar uma ordem sequencial e subsidiária (ao contrário do que dispõe a lei geral), desde que tal não se manifeste impossível ou constitua manifesto abuso de direito ou má-fé, bem como se verifique um intolerável desequilíbrio na composição dos direitos e interesses em presença (cf. nº 5 do artigo 4º do mesmo diploma).
No caso em apreço os demandantes, alegando perda do interesse na manutenção do aparelho na sua residência, bem como a confiança na demandada e nos produtos por ela comercializados, a retirada do recuperador, considerando-se o contrato resolvido, ou, no caso deste pedido improceder, a substituição do recuperador por um novo, sem quaisquer encargos para os demandantes, quer de desmontagem do atual quer de montagem do novo.
Por sua vez a demandada sempre se dispôs a reparar o equipamento, tendo adquirido para o efeito junto do fabricante um defletor novo.
Os demandantes já haviam comunicado extrajudicialmente à demandada a resolução do contrato, que pode fazer-se mediante declaração à outra parte da intenção de a efetivar, mas como a demandada entende não terem esse direito, por ter previamente acedido à reparação do equipamento, visa a presente ação a declaração judicial de que o ato foi legalmente resolvido e a condenação da demandada a retirar o recuperador.
De referir que a resolução contratual tem efeitos retroativos, devendo restituir-se tudo o que foi prestado (cf. nº 1 do 434º e nº 1 do artigo 289º aplicáveis por força do disposto no artigo 433º, todos do C. Civ.).
Ora, da parte dos demandantes nada há a restituir porque nada pagaram [cf. alínea c) do artigo 879º, 762º e 406º, todos do C. Civ.].
E, apesar deste incumprimento contratual, usufruíram do recuperador sem quaisquer limitações ou restrições, fazendo dele uso pleno, sempre que necessário, no outono/inverno de 2015, na primavera e outono/inverno de 2016 e na primavera de 2017, dado que a desconformidade não põe em causa o seu funcionamento.
“….IV- A resolução contratual, quando não convencionada pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal (cf. art. 432.º, n.º 1, do CC), recaindo sobre a parte que resolve o contrato o ónus de alegar e provar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual. O fundamento da resolução, como decorre dos arts. 801.º, n.º 2, e 802.º, n.º 1, do CC, é a impossibilidade de cumprimento da prestação determinativa do incumprimento definitivo.
V - O incumprimento do contrato pode verificar-se, designadamente, pelo comportamento do devedor que exprima, inequivocamente, a vontade de não querer cumprir o contrato, por não ter sido observado o termo das obrigações de prazo fixo absoluto, por, em caso de mora, o credor perder o interesse que tinha na prestação ou quando esta não for realizada no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor (cf. art. 808.º, n.º 1, do CC).” [cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/06/2012, in www.dgsi.pt].
Conforme resulta da factualidade provada, na carta que endereçaram à demandada os demandantes não exigem a correção dos defeitos num determinado prazo mas desde logo a substituição do aparelho, pelo que, por este facto e pelo já exposto, não se confirma judicialmente a pretensa resolução.

Quanto ao pedido alternativo de substituição do recuperador:
Não tendo o consumidor a obrigação de optar por uma solução sequencial das que são legalmente admitidas, mesmo que não estejamos em presença de abuso do direito ou má-fé, tem de ser observado o princípio da proporcionalidade, ou seja, a solução adotada deve ser a necessária e a adequada ao interesse do consumidor mas também equilibrada.
Assim, deve ser ponderado o interesse de ambas as partes, escolhendo a solução que, no caso concreto, satisfaça os direitos e interesse do consumidor e cause a menor lesão possível aos direitos e interesses da outra parte.
Na situação em apreço, o defeito, porque desconforme ao que foi negociado – um equipamento sem vícios-, tem de ser corrigido (sem quaisquer custos ou prejuízos para os demandantes), mas não põe em causa o pleno funcionamento.
Por outro lado, o técnico da E, S.A. explicou em julgamento – e não foi contrariado por outra prova, especializada- que, não só o recuperador tem, de raiz, já componentes soldados, como a proposta da demandada de ressoldar ao substituir o defletor (ou melhor, efetuando corte, ressolda e pintura subsequente) permitiria que ficasse sem o defeito e até, eventualmente, melhor que um novo.
Assim, e atendendo a todo o exposto, entendemos que a exigência de substituição por um novo recuperador por causa deste defeito, não configurando uma situação de abuso de direito (cf. artigo 334º do C. Civ.), traduz-se, todavia, numa solução manifestamente desproporcionada para o fim que se pretende obter que é a adequada satisfação do interesse do consumidor.
De referir que, sendo as partes que escolhem o pedido a formular e a causa de pedir que mais convém aos seus interesses, não merecendo provimento os pedidos formulados, e apesar dos factos dados como provados, não poderá aqui condenar-se a demandada em outra prestação, nomeadamente na reparação do recuperador ou redução do preço.
Do pedido de indemnização por danos morais:
Na previsão do artigo 483º do C.Civ estão abrangidos também os danos não patrimoniais ou morais, danos que apenas podem ser compensados com uma obrigação pecuniária.
Mas, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do mesmo Código, estes só devem ser atendidos se, pela sua gravidade e seriedade, mereçam a tutela do direito.
E a gravidade dos danos de natureza não patrimonial deve apreciar-se em termos objetivos e tendo em conta as circunstâncias concretas do caso.
Resulta da matéria de facto dada como provada que a situação causou aos demandantes desconforto, perturbação, incómodo, ansiedade e irritação.
Ora, tratando-se de uma situação similar àquela em que o lesado tem arrelias, incómodos e aborrecimentos, entendemos, alicerçados em abundante jurisprudência, que tais danos não são de tal forma graves que mereçam ser ressarcidos, conforme prescreve o artigo 496º, n.º 1 do C.Civ.
Pelo que decai também nesta parte a pretensão dos demandantes.

Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação improcedente, e em consequência:
- Absolvo a demandada, C, Lda., dos pedidos formulados;
- Condeno os demandantes nas custas totais (€ 70,00) dos presentes autos (cf. artigos, 1º, 8º e 10º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro).

Reembolse-se a demandada, nos termos do artigo 9º da mesma Portaria.

Registe e notifique.