Sentença de Julgado de Paz
Processo: 403/2014-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - DESPESAS DE CONDOMÍNIO
Data da sentença: 01/30/2015
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

Os demandantes, A e B, residentes no Funchal, instauraram a ação declarativa de condenação contra a demandada, C, nos termos do art.º 9, n.º1, alínea a) da L.J.P.
Para tanto, alegam em suma que, foram os donos da fração autónoma, sita no Conjunto Habitacional do D, inscrito na matriz sob o art.º ------ da freguesia de ----------, descrita na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob n.º ------------------. No dia 26/08/2011 celebraram com a demandada um contrato promessa de compra e venda da referida fração. Nesse dia acabaram por transmitir a posse da referida fração, mediante a entrega das chaves, a qual passou a residir naquela. Acordaram que todas as despesas inerentes a fração autónoma ficassem por conta da demandada. A escritura de venda só foi realizada no ano de 2013. No entanto, apesar de interpelada nunca pagou qualquer quota de condomínio e devido a isso foram confrontados com a ação que o condomínio lhes moveu, na quantia de 5.775,99€, perante isto interpelaram a demandada para pagar já que fora ela a beneficiaria das despesas do condomínio pois era ela que lá vivia. Devido á ação acabaram por acordar/transacionar com o condomínio a quantia de 3.012,97€, que pagaram, embora soubessem que a demandada era a única beneficiada, ficando assim empobrecidos naquela quantia. Concluem pedindo que seja condenada A) no reembolso da quantia de 3.012,97€ que suportaram relativo as quotas do condomínio em atraso e coimas; B) subsidiariamente na quantia de 3.012,97€ a restituir aos demandantes empobrecidos, por ter sido a única beneficiaria dos cómodos e benefícios proporcionados pelo condomínio; C) E, nos juros legais, desde 27/2013. Requerem declarações de parte da demandada aos art.º 3, 4, 7 e 17 do r.i. e do demandante, a toda a matéria. Juntaram 5 documentos.
A demandada regularmente citada contestou. Alegou em suma que efetivamente celebrou o contrato promessa de compra e venda da fração autónoma mas só a habitou em Setembro de 2011. No entanto, não acordou suportar as despesas de condomínio, nem que seriam da sua responsabilidade, nem foi interpelada para o fazer. De facto, não pagou as despesas pois o contrato prometido demorou a ser realizado, pois havia uma penhora sobre a mesma e os demandantes demoraram mais tempo a resolver o assunto, ou seja quase 2 anos depois do esperado. Nessa ocasião contactaram-na para realizar a escritura mas ela em tão pouco tempo teve dificuldade em obter o dinheiro em falta que estava aplicado, o que a fez perder juros. Após a escritura passou a assumir todas as despesas da fração, nomeadamente o condomínio. Acrescenta que do contrato promessa nada resulta em relação aquelas despesas, sendo por isso apenas da responsabilidade do proprietário assumir as referidas despesas, além de que do referido contrato não resulta a transmissão de qualquer obrigação ou direito sobre a propriedade da fração. Na ação do condomínio os demandantes assumiram sem qualquer reserva a responsabilidade da divida e nem sequer interveio na mesma, por isso não entende o motivo por que agora alegam estar empobrecidos, nem o fundamento de tal pedido. Além de que, o risco foi dela que pagou logo uma elevada quantia pelo sinal por um imóvel penhorado. Não existe motivo para reembolso, sendo o pedido ininteligível. Conclui pela improcedência da ação.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou pré mediação por recusa dos demandantes.
O Tribunal é competente em razão do valor, matéria e território.
As partes são legítimas e dispõem de capacidade judiciária.
Os autos estão isentos de nulidades que o invalidem na totalidade.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao art.º 26, n.º1 da L.J.P., sem que as partes tenham chegado a consenso. Seguiu-se para produção de prova iniciando-se com o depoimento de parte requerido, seguindo-se de audição das testemunhas das partes e terminando com alegações dos ilustres advogados, tudo conforme ata, de fls. 72 a 76.

FUNDAMENTAÇÃO-
I-FACTOS ASSENTES (Por Acordo):
A)Que os demandantes foram os anteriores proprietários da fração autónoma DG, sita no Conjunto Habitacional do D.
B)Que a fração está descrita sob o n.º ------------------ na conservatória do registo predial do Funchal, e inscrita na matriz urbana sob o art.º ------- da freguesia de -------------, concelho do Funchal.
C)Que as partes celebraram no dia 26/08/2011 um contrato promessa de compra e venda da referida fração.
D)Que nesse dia a posse da fração foi transmitida á demandada, sendo-lhe entregue as chaves.

II-DOS FACTOS PROVADOS:
1)Que as partes acordaram, verbalmente, que as despesas da fração ficariam por conta da demandada.
2)Que no contrato promessa consta que as despesas inerentes ao contrato prometido eram da responsabilidade da demandada.
3)Que a escritura de compra e venda foi celebrada no decurso do ano de 2013.
4)Que os demandantes interpelaram, verbalmente, a demandada para pagar as quotas de condomínio.
5)Que a demandada viveu gratuitamente na fração enquanto aguardava pela realização da escritura.
6)Que a demandada não pagou as despesas com o condomínio.
7)Que os demandantes foram surpreendidos com a ação instaurada pelo condomínio.
8)Quea ação correu termos no Julgado de Paz do Funchal, sob os autos n.º 547/2013-J.P.
9)Que pedia a condenação deles na quantia de 5.775,99€.
10)Que foi após a citação para a ação que interpelaram a demandada.
11)Que os demandantes acabaram por acordar com o condomínio, representado pela administração, no pagamento da quantia de 3.012,97€.
12)Que nessa ação apenas os demandantes foram chamados a intervir.
13)Que os demandantes pagaram a quantia acordada.
14)Que a demandada começou a habitar a fração em setembro de 2011.
15)Que a demandada celebrou o contrato promessa mesmo sabendo que o objeto prometido estava onerado com uma penhora.
16)E, mesmo assim pagou e entregou o sinal de 25.000€.
17)Que a demandada confiou que o assunto seria rapidamente solucionado e a escritura prontamente outorgada.
18)Que a situação demorou a ser resolvida.
19)O que sucedeu cerca de 2 anos após a celebração do contrato promessa.
20)Que os demandantes contactaram com a demandada, dando-lhe conhecimento que o imóvel já não estava onerado e realizarem a escritura.
21)Que nessa ocasião a demandada não estava preparada para pagar a quantia que faltava pagar pelo imóvel.
22)Que a escritura foi outorgada no dia 15/02/2013 e realizou o respetivo registo.
23)Que após ser a proprietária começou a pagar as despesas do condomínio.
24)Que até á escritura eram os demandantes que figuravam como proprietários da fração e comproprietários das partes comuns do edifício.
25)Que as partes apenas celebraram um contrato promessa.
26)Que o referido contrato vinculava as partes a celebrarem o contrato prometido.
27)Que no acordo que os demandantes fizeram com o condomínio não levantaram reservas ou questões.
28)Que os demandantes assumiram por completo a sua responsabilidade e negociaram o seu valor.
29)O que sucedeu sem intervenção da demandada.
30)Que a demandada alterou a titularidade dos contratos de fornecimentos de água e electricidade para o seu nome.
31)O que sucedeu alguns meses após a celebração do contrato promessa.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal baseou a decisão na analise do contrato promessa, o qual foi conjugado com a prova testemunhal e dados da experiencia comum.
Mais se esclarece que parte da questão é resolvida com a interpretação do referido contrato.
Os factos complementares com os n.º 30 e 31, resultaram da documentação junta aos autos.
Do depoimento de parte da demandada requerido, não resultou qualquer confissão. Admite que apesar de ter adquirido a fração todas as questões atinentes á mesma foram negociadas e tratadas com a filha, em quem confia e detém mais estudos que ela. Quanto a habitar na fração os acordos foram com a filha e o demandante, pois pagaram logo 25.000€, daí a entrega das chaves. Começou a habitar na fração alguns meses depois pois tinham outro imóvel onde vivia, que entretanto também venderam, e foi aí que se mudou para aquele imóvel. Admite que entretanto fez obras naquela, mesmo não sabendo se a venda se concretizaria. Quanto a cartas confirma que receberam várias em nome dos demandantes que devolveram. Quanto às quotas do condomínio não pagaram porque os recibos não podiam vir em nome delas, o que lhes foi dito pela administração quando foram aos escritórios, por isso só após a escritura começaram a pagar condomínio, mas admite terem pago as despesas com luz, água e gás.
A testemunha comum, G, na qualidade de agente imobiliário, interveio diretamente nas negociações das partes na venda e aquisição da fração autónoma, intervindo na elaboração do contrato promessa. No entanto, teve um depoimento que se pode qualificar de “politicamente correto”, sem querer tomar partido de nenhuma das partes. Explicando que mostrou a fração á demandada e filha, que ficaram interessadas, daí começaram os contactos com os demandantes, havendo algumas reuniões. Os demandantes sempre falaram da existência da penhora sobre a fração mas também garantiram que estavam a resolver o assunto e brevemente haveria resultados positivos. Depois disso a filha da demandada decidiu avançar e concretizar o negócio e por isso celebraram o contrato promessa, que foi elaborado por ele de acordo com a vontade das partes. Admite que houve um lapso que devia constar que se deu a tradição da coisa, o que o contrato não diz, mas isso foi tratado entre as partes no dia em que assinaram o contrato promessa e as chaves foram dadas de imediato á filha da demandada, aliás recorda-se de ter sido ela a falar no assunto já que o sinal era elevado. Embora não concretizasse, pois não queria ferir ninguém, admite que as partes acordaram que todas as despesas com a fração ficassem por conta da demandada.
A testemunha, E, é filha dos demandantes, não obstante teve um depoimento isento e claro. Explicou que não interveio no negócio embora tenha participado na escritura de compra e venda em representação do pai que estava em Inglaterra a trabalhar. A sua intervenção direta no caso foi posterior quando a mãe foi confrontada com a ação do condomínio que lhe pediam para pagar mais de 5.000€ em quotas vencidas pois durante o tempo que a demandada residiu na fração, antes de fazerem a escritura, não pagou qualquer quota. E, relatou os contato que fez para a demandada mas não lhe respondeu, pelo que conseguiu o telefone da filha através da agência. Falou com aquela que lhe disse que estava no trabalho, mas mesmo assim respondeu que sabia o que devia fazer, que tinha conhecimento de que havia quotas para pagar.

A testemunha, F, é a filha da demandada. Teve conhecimento direto dos factos, confirmando que as negociações da fração foram feitas por ela. No entanto, o seu depoimento não foi coincidente com as declarações prestadas pela demandada, havendo algumas contradições, que se registaram, nomeadamente sobre o motivo de não terem pago as quotas do condomínio no período em que a demandada permaneceu na fração, antes da celebração da escritura. Não obstante, relevou na parte em que esclareceu porque celebrou o contrato promessa mesmo sabendo que sobre a coisa prometida incidia uma penhora, a iniciativa de haver a tradição da coisa esclarecendo que foi um acordo verbal após celebrarem o contrato promessa e na presença do agente imobiliário, tendo o demandante concordado e dito ao agente para lhe dar a chave da fração. A demandada passou a residir na fração alguns meses depois, após ter vendido a casa em que habitava até esse momento, sem concretizar datas. E, também na parte que confirma ter recebido telefonema da filha dos demandantes por causa das quotas em divida.
Quanto aos esclarecimentos voluntários prestados pelo demandante (art.º 466 do C.C.) foram coincidentes na sua globalidade com a restante prova testemunhal, embora fizesse uma interpretação diferente da cláusula 7ª do contrato promessa. Explicou que foi por esse motivo que não se importou de dar as chaves da fração á demandada, pois a mesma até estava fechada (desabitada). Mais esclareceu que as negociações com o condomínio foram feitas pela filha e mulher pois nessa altura estava a trabalhar em Inglaterra, daí a mulher ter assumido sozinha aquela responsabilidade.

A matéria não provada (não considerada) deveu-se á ausência de qualquer prova.

II-DO DIREITO:
Em primeiro lugar cumpre apreciar a junção de um documento que a testemunha da demandada apresentou em sede de audiência, o que acabou por ser requerido pelo defensor, mas merecendo a oposição dos demandantes.
No que respeita a provas, dispõe o art.º 59, n.º1 da L.J.P. que até ao dia da audiência podem ser apresentadas, mas como a LJP remete também para o C.P.C., é preciso não esquecer o disposto no art.º 423, n.º1 e 3 que propugna que os documentos devem ser juntos com o respetivo articulado, salvo aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
No caso concreto o documento apresentado não é algo novo, que tenha decorrido depois da apresentação da contestação, trata-se apenas de um documento que estava na posse da testemunha, e de tal facto o defensor da demandada não tinha conhecimento. Mas não se trata de uma testemunha qualquer, mas sim a filha da demandada, que teve um papel fulcral na situação que se está a analisar. Ora a referida testemunha resolveu apresentar o documento sem dizer que estava na posse dele, esquecendo-se que por ter alguns conhecimentos de direito pode fazer o que entende, como que a surpreender a parte contrária, mas esquece-se que há regras a observar. Assim como o documento não resulta de qualquer facto que tivesse ocorrido entretanto mas sim resulta de uma situação já antiga entende-se tratar de algo apresentado extemporaneamente, e como tal não admissível.

O caso dos autos prende-se com o pedido de restituição das quantias pagas de despesas de condomínio, pelos anteriores proprietários de uma fração autónoma, no período em que ocorreu a transmissão da posse em virtude de contrato promessa que celebraram.
Questões: interpretação do contrato promessa, existia algum outro acordo entre as partes, responsabilidade.
As despesas de condomínio são consideradas pela doutrina como inerentes á titularidade da fração, e como tal designadas como uma obrigação ob rem ou propterren, mas esta consideração doutrinal refere-se normalmente á relação entre o proprietário da fração e o condomínio, representante das partes comuns do edifício.
Porém, o proprietário de qualquer imóvel possui vários poderes (art.º 1305 do C.C.), nestes inclui-se o poder de dispor da coisa como bem lhe aprouver, por isso pode, se assim o entender, ceder a coisa a outro pelos mais variados títulos e motivos.
E, foi no âmbito desse poder que celebraram com a demandada o contrato de promessa de compra e venda da fração autónoma.
Quanto ao contrato em questão temos um simples acordo, celebrado por escrito, e com reconhecimento presencial das assinaturas, de fls.10 a 12, (art.º 410, n.º do C.C.), tendo por isso eficácia meramente obrigacional.
Caraterizando-se por ser uma promessa bilateral, subscrito pelas duas partes (art.º 410, n.º2 do C.C.).
Quanto ao seu conteúdo verifica-se duas situações. Neste contrato as partes não convencionaram a tradição da coisa. Mas, acordaram em relação ao preço a pagar quanto ao contrato prometido, uma quantia a título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado (clausula 4ª), quantia que foi entregue no dia em que celebraram este negócio(art.º 440 e 441 do C.C.).
Consta, ainda, da clausula 7ª que todas as despesas inerentes ao contrato prometido, nomeadamente registos e notariado, que são da responsabilidade da segunda outorgante, ou seja, a ora demandada.
Em relação a esta cláusula, e contrariando a interpretação dos demandantes não se podeconcluir que tivessem acordado que todas as despesas com a fração autónoma ficassem a cargo da promitente compradora.
Esta cláusula, apenas, atribui responsabilidade á promitente compradora das despesas com o contrato prometido, ou seja, acordaram que ficava a cargo da compradora, todas as despesas inerentes á celebração do contrato definitivo (a escritura de compra e venda), e como tal exemplificaram na referida clausula os pagamentos da escritura ao notário (ou registo predial), os registos definitivos, e ainda os documentos necessários para instruir a escritura, como por exemplo certidão do registo predial da fração, caderneta predial. São apenas estas, as despesas que se depreendem desta cláusula, que foram consideradas, o que é vulgar estarem contempladas.
Quanto às despesas de condomínio e outras, trata-se de um contrato omisso. De facto, neste contrato promessa nem estava previsto que ocorresse a tradição da coisa, isto é, que fosse transmitido a posse, ainda que precária (art.º 1253 do C.C.), permitido á demandada fruir de imediato da coisa, passando a goza-la. Por isso, se as partes não o tinham previsto não podiam ter acautelado estas questões, por esta razão se entende que a referida clausula não contemplava as despesas que envolvem a fruição, e gozo de um imóvel.
Algo que foi acordado entre as partes após a celebração do contrato escrito e imediatamente a seguir, facto que resulta provado das declarações do agente imobiliário, demandante, demandada e sua filha.
Trata-se de um acordo verbal, realizado após a formalização do contrato promessa no cartório notarial, para o qual não foi observado os mesmos requisitos de forma do contrato, e sem atribuírem qualquer relevância á entrega das chaves, que implica de forma simbólica a transferência de posse (precária).
Felizmente para as partes que o contrato prometido, embora com alguma demora acabou por ser concretizado, senão esta omissão seria a causadora de muitos dissabores jurídicos. Não obstante, percebe-se que nesta altura as partes acordaram tudo de boa-fé e na expectativa de que o contrato prometido se realizaria, sem que houvesse qualquer complicação para as partes, por isso nada acautelaram.
Quanto ao acordo há coincidência de posições entre: a forma (verbal), momento do acordo (após o reconhecimento das assinaturas no cartório), a iniciativa do mesmo (da filha da demandada), o acordo dos demandantes (com entrega das chaves que estavam na posse do agente imobiliário), apenas discordam se as despesas do condomínio estavam ou não contempladas.
Sobre esta questão apenas o agente imobiliário pode esclarecer já que tudo se passou na sua presença. Embora quisesse ficar de bem com as duas partes, sem se comprometer, acabou por dizer que admite terem acordado que todas as despesas ficassem por conta da demandada que passava a habitar na fração. No entanto não foi peremptório, não esclareceu se eram mesmo todas e se, “no todas”, se incluía ou não o condomínio.
Posto isto, há que nos socorremos de outros elementos, igualmente juntos aos autos.
Assim, consta dos autos os documentos n.º 6 e 7, de fls. 25 a 28, respectivamente, são os comprovativos de que a demandada mudou o nome dos titulares que constavam dos contratos de fornecimento de electricidade e água, ainda no período em que era uma mera possuidora precária (detentora) da fração. Pela análise destes pode verificar-se que pouco depois de terem celebrado o contrato promessa, cerca de 1 a 2 meses após, a demandada passou a ser perante as empresas fornecedoras a única responsável por aquelas despesas, significando assim que era ela que fruía dessas utilidades.
Para além disto, é preciso não esquecer as declarações de parte da demandada, que na sua simplicidade, acabou por dizer duas coisas muito importantes: 1º foi a filha dela que negociou e tratou de tudo com os demandantes, pois ela confia na filha; 2º foram falar com o condomínio mas como não podiam passar os recibos nos nomes delas acabaram por nada pagar, só o faziam e fizeram quando os recibos passaram a vir no nome delas.
Da conjugação destes dois elementos de prova, o Tribunal extrai as seguintes conclusões, a demandada e filha sabiam e bem o que tinham acordado, caso contrario não se teriam dirigido às empresas fornecedoras dos serviços essenciais para mudar os contratos para o nome da futura titular da fração. Isto prova que havia despesas que efetivamente eram da responsabilidade dela, pois era ela que fruía desses serviços,que deles retirava algum proveito.
Quanto às despesas de condomínio, é normal a administração emitir o recibo, de forma a comprovar que as quotas estão a ser pagas, apondo nos recibos o mês e quantia em causa, assim como o normal é ter aposto no recibo o nome do titular da fração. Mas pode assim não ser, não existe na lei qualquer disposição que obrigue a que o recibo tenha que ser emitido com o nome do titular da fração. Em regra qualquer pessoa poderá pagar aquelas contribuições e o condomínio não poderá recusar o seu cumprimento (art.º 767, n.º1 e 768, n.º1, ambos do C.C.).
No entanto, o normal é a administração do condomínio pedir o documento que comprove quem é o responsável por esta despesa,de forma a que,a partir daí,passe a enviar para a pessoa (singularou coletiva) responsável,os recibos, convocatórias e atas, de modo a que possa inteirar-se sobre a “vida” do condomínio.
Quanto ao documento comprovativo, pode ter diversos conteúdos, um simples contrato de arrendamento desde que especifique que tal despesa ficará a cargo do inquilino, ou também um contrato promessa com tradição da coisa onde conste expressamente a responsabilidade pelo pagamento destas despesas, ou até um contrato de trabalho onde ocorra a tradição da coisa como uma das contrapartidas pela contratação, etc…
Mas, no caso concreto as partes não celebraram esta parte do acordo por escrito, daí que a demandada tivesse ido ao condomínio e obtivesse a resposta que não podiam emitir o recibo em nome dela, pois não havia documento a comprova-lo. Ora isto é diferente de ter havido uma recusa da administração em receber qualquer quantia, e muito menos que não era responsável por aquelas despesas, pois se assim fosse também não teria ido falar com a administração mesmo antes de ter celebrado a escritura de compra e venda.
É claro que o Tribunal percebeu que esta era a versão da filha da demandada, que por saber que nada constava do contrato promessa, podia assim escapar de cumprir com esta obrigação. Mas, esqueceu-se que a demandada ao efetuar declarações não confirmou na integra toda esta estória, deixando escapar que fora a filha que negociou tudo, inclusive as chaves da fração, e que o fez porque tinham pago uma quantia elevada de sinal, por isso era justo terem algum beneficio disso, além de que também estavam a negociar a venda da casa onde estava a habitar e precisava de outra para se instalar.
Perante o exposto, o Tribunal conclui que efetivamente as partes acordaram que todas as despesas do imóvel ficassem da responsabilidade da demandada, e no todas inclui-se as despesas do condomínio.
É claro que os demandantes, mais propriamente a mulher, B, teve que assumir as ou algumas das coimas, que o condomínio pedia, pois embora tivesse conseguido diminuir o valor da divida não há duvida que as quotas não foram pagas pontualmente, e o condomínio teve que suportar despesas com a instauração da ação, e se existiu ação foi porque as despesas não foram pagas por quem o devia fazer, a demandada. Ou seja, é natural que fosse penalizada, mesmo sabendo que a responsabilidade por aquela divida não era deles, pois não tinham qualquer documento que o condomínio (e sua administração) pudesse verificar de quem era a responsabilidade pelos sucessivos incumprimentos.
Mais se acrescenta que, a ação que está na base do actual pedido correu termos neste Julgado (facto considerado provado), e a L.J.P., que regula a tramitação nestes Tribunais, não permite chamar á ação outras partes que não figurem nos autos como iniciais titulares da relação controvertida. Mesmo tendo decorrido após as alterações legislativas que resultaram da L. 54/2013 de 31/07, tal não era possível uma vez que não existia entre os demandantes e a demandada qualquer situação de litisconsórcio necessário (art.º 39 da L.J.P.), que permitisse a intervenção daquela nos referidos autos.
Posto isto, e embora não pretenda intermeter-me no acordo que os demandantes voluntariamente celebraram com o dito condomínio, não posso deixar de concluir que por este motivo não mencionaram que a responsabilidade por aquela divida não era deles mas de um terceiro.
Quanto ao pedido subsidiário não será apreciado pois só seria para levar em consideração se o pedido principal não procedesse.
Por fim, quanto ao pedido de juros, não há duvida que os demandantes estiveram privados desta quantia, cuja responsabilidade pelo cumprimento da obrigação pertencia á demandada.
Como estáem causa uma obrigação pecuniária, será acrescida dos juros moratórios, á taxa legal, a contar da citação para esta ação, ocorrida a 18/10/2015, até integral pagamento da quantia em débito (art.º 806, n.º1 e 805, n.º1, ambos do C.C.).

DECISÃO:
Nos termos expostos julga-se a ação totalmente procedente. Condena-se a demandada a reembolsar os demandantes na quantia de 3.012,97€, que suportaram, acrescida dos juros, á taxa legal, a contar da citação ocorrida a 18/10/2015, até integral pagamento da quantia em débito.

CUSTAS:
São da responsabilidade da demandada, devendo realizar o pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros), no prazo de 3 dias úteis, apos a notificação, sob pena da aplicação da sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), e eventual execução, (art.º8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12).
Em relação aos demandantes cumpra-se o art.º 9 da referida Portaria.


Funchal, 30 de janeiro de 2015

(redigida e revista pela signatária, art.º 131, n.º 5 do C.P.C.)

A Juíza de Paz

(Margarida Simplício)