Sentença de Julgado de Paz
Processo: 65/2018-JPSNT
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL - INDEMNIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE VIAÇÃO.
Data da sentença: 04/12/2018
Julgado de Paz de : SINTRA
Decisão Texto Integral: Demandantes: A e B.
Mandatária: Srª. Drª. C.

Demandada: D.


RELATÓRIO:
Os demandantes, devidamente identificados nos autos, intentaram contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 1.339 (mil trezentos e trinta e nove euros), acrescida de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que no dia 20 de outubro de 2017, pelas 16:00 horas, na Avenida Santa Maria, em Casal de Cambra, concelho de Sintra, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros matrícula HF (doravante referido HF), propriedade da demandante, e o veículo ligeiro de passageiros matrícula JG (doravante referido JG), propriedade de E. Alegam que no dia, hora e local acima referido, o HF estava estacionado com a parte traseira voltada para a faixa de rodagem, encontrando-se o JG a circular na referida avenida e, por não guardar distância lateral suficiente relativamente aos veículos estacionados, foi embater no HF, causando-lhe danos no para-choques traseira e na tampa da mala traseira). Alega que a culpa do acidente se deve integralmente ao condutor do JG (cuja proprietária havia transferido para a demandada a responsabilidade civil pela sua circulação), peticionando a condenação da demandada no pagamento do custo da reparação do HF (€ 768,40), em indemnização por três dias de paralisação do HF (€ 90, à razão diária de € 30) e despesas de táxi do demandante (€ 480). Juntaram procuração forense e 14 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
***
Regularmente citada, a demandada não contestou.
***
Foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatário, sido devidamente notificados. Nessa data os demandados faltaram, não tendo justificado a sua falta. Foi marcada nova data para realização da audiência de julgamento, da qual as partes, e mandatário, foram, mais uma vez, devidamente notificados. Os demandados reiteraram a sua falta.
***
Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 1.339 (mil trezentos e trinta e nove euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades e exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
***
FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – No dia 20 de outubro de 2017, pelas 16:00 horas, na Avenida Santa Maria, em Casal de Cambra, concelho de Sintra, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros marca X, matrícula HF (doravante referido HF), propriedade da demandante, e o veículo ligeiro de passageiros, marca X, Modelo X, matrícula JG (doravante referido JG), propriedade de E.
2 – O HF encontrava-se estacionado em lugar de estacionamento da Avenida Santa Maria, com a parte traseira voltada para a faixa de rodagem.
3 – O JG circulava na Avenida Santa Maria, no sentido sul – norte.
4 – Sem guardar distância lateral suficiente dos veículos devidamente estacionados.
5 – A parte dianteira direita lateral do JG embateu na traseira direita lateral do HF.
6 – Bem como em veículo terceiro aí também estacionado.
7 – Do embate resultaram, danos no para-choques traseiro, na ilharga traseira direita e na tampa da mala traseira do HF.
8 – A reparação dos danos do HF foi orçada pela demandada em € 768,40 (setecentos e sessenta e oito euros e quarenta cêntimos) com a duração de dois dias – Doc. fls. 9.
9 – Do acidente foi lavrada a participação de acidente de viação de fls. 5 a 7 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
10 – O HF era permanentemente utilizado nas deslocações diárias do agregado familiar, composto pelos demandantes, quer para o emprego, quer para a realização de afazeres pessoais, nomeadamente, idas a médicos, visitas a familiares e amigos, compra e lazer.
11 – Os demandantes ficarão impedidos de circular com o HF nos dois dias referidos no número 8 supra, e ficaram-nos no dia de realização da peritagem.
12 – Devido ao acidente o HF ficou com problemas com o dispositivo de leitura do combustível, que deixou de informar a quantidade de gasolina existente no depósito.
13 – Tendo os demandantes receio de o utilizar, por temerem que o mesmo deixe de circular por falta de gasolina.
14 – Razão pela qual o demandante recorreu ao serviço de táxi para assegurar as deslocações entre casa e local de emprego, ou seja entre Casal de Cambra e Odivelas.
15 – Tendo despendido em táxi a quantia de € 480,60 (quatrocentos e oitenta euros e sessenta cêntimos) – Docs. de fls. 9 verso a 13 dos autos.
16 – À data do sinistro, a responsabilidade civil decorrente da circulação do JG encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros demandada, ao abrigo do contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice n.º 000.
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreu a cominação legal prevista no n.º 2, do artigo 58.º, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (“Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”) e o teor dos documentos juntos dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
***
FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
Com a presente ação os demandantes pretendes ser indemnizados dos danos patrimoniais para si advenientes do acidente de viação referido nos autos, cuja culpa imputam exclusivamente ao condutor do veículo matrícula JG, fundamentando, assim, a sua pretensão indemnizatória no instituto da responsabilidade civil extracontratual. --
A questão a resolver resume-se, basicamente, à verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade civil, geradores da obrigação de indemnizar. Prescreve o artigo 483.º, do Código Civil, que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, ou seja, são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: (1) a existência de um facto voluntário, (2) a ilicitude da conduta, (3) a imputação subjectiva do facto ao agente e (4) a existência de um dano, (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano, só surgindo o dever de indemnizar quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos.
O primeiro elemento pressupõe um facto voluntário violador de um dever geral de abstenção ou uma omissão que viola um dever jurídico de agir, isto é, um facto objectivamente controlável pela vontade (excluindo-se assim os casos de força maior ou por circunstâncias fortuitas). O segundo elemento (ilicitude) consiste na violação de direitos subjectivos (reais, de personalidade, familiares), de leis que protegem interesses alheios, particulares ou colectivos exprimindo a ilicitude fundamentalmente um juízo de reprovação e prevenção. O dano é a perda sofrida por alguém em consequência do facto, seja o dano real ou o dano patrimonial. Finalmente, é necessário que o facto seja em abstracto ou em geral causa do dano (ou uma das causas), isto é, que este dano seja uma consequência normal ou típica daquele, tendo em conta as circunstâncias reconhecíveis por uma pessoa normal ou as efectivamente conhecidas do lesante.
A dinâmica do acidente que resultou provada foi a que se passa a explicar: no dia 20 de outubro de 2017, pelas 16:00 horas, o HF encontrava-se estacionado na Avenida Santa Maria, em Casal de Cambra, concelho de Sintra, e o JG a circular nessa Avenida, no sentido sul – norte, tendo ido embater no HF, por não guardar distância lateral suficiente dos veículos devidamente estacionados.
Desta descrição resulta que o condutor do JG incumpriu o disposto no n.º 2 do art.º 11.º, do Código da Estrada, que prescreve “Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança”, o disposto no n.º 1 do art.º 13.º, do mesmo Código, que prescreve “A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidente”, bem como o princípio geral de cautela e precaução na condução de veículos, previsto no art.º 24.º, n.º 1, do Código da Estrada, que prescreve “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”, já que decorre deste preceito uma obrigação, que recai sobre os condutores de veículos, de adoção de todas as cautelas inerentes a uma condução segura, não pondo em causa a segurança da circulação rodoviária, obrigação que o condutor do XC incumpriu ao, sem razão e/ou justificação conhecida foi embater em veículo devidamente estacionado, sendo-lhe, consequentemente, imputada a culpa efetiva do acidente, pelo que o peticionado direito dos demandantes serem indemnizadas pelos danos tem fundamento legal.
Prescreve o art.º 562.º, do Código Civil, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Assim sendo, tendo ficado provado que a reparação dos danos causados ao HF foi orçada em € 768,40 (setecentos e sessenta e oito euros e quarenta cêntimos), vai a demandada condenada no seu pagamento.
Os demandantes peticionam ainda a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 90 (noventa euros) por privação do uso do seu veículo durante 3 dias, atribuindo a esta indemnização o valor diário de € 30 (trinta euros). Ora, sobre a questão jurídica em causa, defendemos, a par da maioria da nossa mais recente Jurisprudência e Doutrina, que a privação de uso de um veículo constitui por si só, autonomamente, um dano indemnizável sem necessidade de comprovação de prejuízos concretos (cfr. António Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano de Privação do Uso”, pág. 33-41; Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 269 e Ac. do STJ de 9.06.1996, in BMJ 457, pág. 325; Ac. Rel. do Porto de 5.02.2004, in CJ. 2004, Tomo 1, pág. 178; Ac.do STJ de 13.12.2007 e Ac do STJ de 6.05.2008, ambos in www.dgsi.pt.). Na verdade, entendemos que durante o período em que uma pessoa está privada de usar, fruir e gozar determinada coisa da sua propriedade, existe uma lesão direta do seu direito de propriedade, uma vez que o proprietário vê-se impossibilitado de usar, fruir e gozar um bem de sua propriedade, vendo-se privado de dele retirar as utilidades que presidiram à sua aquisição, ocorrendo uma lesão de um direito absoluto. Entendemos, também, que a simples possibilidade de usar, fruir e gozar um bem constituiu uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a privação do uso constitui um dano patrimonial, atento o disposto no art.º 1305.º do Código Civil, indemnizável por força do disposto nos art.ºs 483.º e 562.º e seguintes do mesmo Código, e que, mesmo na falta de elementos concretos que permitam quantificá-lo, ou na falta de alegação ou prova da impossibilidade de utilizar outro bem durante o período de privação, não pode deixar de ser ressarcido, com apelo à equidade, ou seja, ao prudente arbítrio do julgador, ponderadas as circunstâncias do caso, cfr. artº 566.º n.º 3 do Código Civil.
Mas, mesmo que assim não entendêssemos, os demandantes alegaram, e provaram, que a imobilização do HF por três dias causam-lhes prejuízos concretos, já que se veem impedidos de utilizar o HF nas suas deslocações diárias habituais. A este título os demandantes pretendem ser indemnizados em 3 dias de privação do uso do seu veículo, à razão diária de € 30 (trinta euros). Consideramos tal valor diário justo e equilibrado, atento o tipo de veículo em causa e os montantes fixados pela jurisprudência, e considerando que a demandada não o contestou, fixando-se, assim em € 90 (noventa euros), o montante a indemnização a ser paga aos demandantes, a título de indemnização pela privação do uso do HF durante 3 (três) dias.
Pede também o demandante a condenação da demandada no pagamento de € 480,60 (quatrocentos e oitenta euros e sessenta cêntimos) a título de deslocações de táxi entre casa e local de emprego, ou seja entre Casal de Cambra e Odivelas, despesa que teve de suportar por o HF ter ficado com problemas com o dispositivo de leitura do combustível, que deixou de informar a quantidade de gasolina existente no depósito, tendo os demandantes receio de o utilizar, por temerem que o mesmo deixe de circular por falta de gasolina. Também aqui a demandada nada contestou. Assim, tendo ficado provado que o demandante suportou tal despesas, a qual tem como causa a falta de reparação de dano causado ao HF no acidente referenciado nos autos, vai também a demandada condenada no seu pagamento
Quanto aos juros peticionados, verificando-se existir um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, o ora demandante (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar a partir do dia de constituição de mora (artigo 806º do Código Civil). Atento o prescrito no n.º 3, do 805.º, do Código Civil, são devidos juros de mora à taxa legal de 4% (artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 8 de Março), desde a data de citação (21 de fevereiro de 2018 – cfr. Doc a fls. 17 dos autos) até integral pagamento.
***
DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, condeno a demandada a pagar à demandante a quantia de € 768,40 (setecentos e sessenta e oito euros e quarenta cêntimos), ao demandante a quantia de € 480,60 (quatrocentos e oitenta euros e sessenta cêntimos) e aos demandantes a quantia de € 90 (noventa euros), todas acrescidas de juros de mora, à taxa de 4%, desde 21 de fevereiro de 2018 até efetivo e integral pagamento.
***


CUSTAS:
Custas pela demandada, que deverá proceder ao pagamento dos € 70 (setenta euros), neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, em relação aos demandantes.
***
A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da citada Lei n.º 78/2001) foi proferida e notificada aos demandantes e seu mandatário, nos termos do n.º 2 do artigo 60.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Notifique a demandada.
Registe.
***
Julgado de Paz de Sintra, 12 de abril de 2018
A Juíza de Paz,

______________________________
(Sofia Campos Coelho)