Sentença de Julgado de Paz
Processo: 215/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO RESPEITANTE AO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
Data da sentença: 11/30/2016
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 215/2016-J.P.

RELATÓRIO:
A demandante, A, NIF: --------, residente na -------, no concelho do Funchal, representada por mandatário constituído.
Requerimento Inicial: Alega em suma que, obteve junto do B, S.A. um empréstimo no valor de 8.978,36€, pelo que ficou obrigada a pagar a quantia, acrescida dos juros remuneratórios, e demais encargos, mediante prestação mensal. O valor desse empréstimo foi entregue integralmente ao demandado para aquisição de uma viatura. Na realidade, emprestou ao demandado a quantia referida, ficando acordado que ele pagaria todos os meses a prestação que o B cobraria á demandante, incluindo juros e encargos. Efetivamente, o B, S.A. passou mensalmente a cobrar á demandante a divida, mediante prestações mensais e sucessivas, porém o demandado contrariando o acordo não entregou qualquer importância, ou seja, nunca pagou nada. Na realidade a demandante contraiu um empréstimo, contando que a importância correspondente lhe seria entregue pelo demandado, porém como ele não o fez, a demandante também não pagou ao B, S.A., o qual acabou por intentar contra a demandante uma ação executiva para pagar a divida, conforme doc.1, sendo o valor peticionado de 10.883,60€. Por ser funcionária do ISS acabou por pagar a divida, mediante uma penhora ao respetivo salário. O demandado, não obstante ser interpelado, recusa-se a pagar a quantia de que é devedor. Conclui pedindo que: seja condenado no pagamento da quantia de 10.883,60€, acrescida dos juros de mora, á taxa legal, até integral pagamento. Junta 5 documentos.

MATÉRIA: Ação respeitante ao cumprimento de obrigação pecuniária, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea A) da L.J.P.
OBJETO: Contrato de mútuo particular, devolução da quantia e juros.
VALOR DA AÇÃO: 10.883,60€.

O demandado, C, NIF: ----------, residente no -------------, no concelho de Câmara de Lobos.
Contestação: Alega que não conhece a demandante, por isso nunca recebeu qualquer dinheiro dela. Ficou perplexo com a ação, pois nada sabia, por isso é parte ilegítima na ação. Impugna toda a factualidade alegada pela demandante, bem como os documentos. De facto não a conhece, pelo que nunca recebeu qualquer quantia dela, nem qualquer outra coisa. Se não a conhece não lhe podia ter pedido nada, nem recebido qualquer importância. Acrescenta que, nunca foi interpelado para nada, pois nunca falou com a senhora, o que é bizarro, mas estranha que peça algo referente a situação ocorrida há mais de 13 anos, o que revela a total loucura desta ação. Não se indica dias, nem locais onde os factos se terão passado. Trata-se de uma ação desprovida de provas e fundamentos, estando condenada ao insucesso, porém a demandante manifesta uma tentativa de enriquecimento sem causa, litigando de má-fé e com abuso de direito. Conclui pela procedência da exceção e improcedência do pedido.
Resposta á exceção: A demandante não se surpreende com o conteúdo da contestação, pois além de mau pagador é trapaceiro. Enganou a demandante e pretende enganar o Tribunal. Em audiência apresentará a devida identificação do demandado. Conclui como fez inicialmente.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação por recusa do demandado.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., sem obtenção de consenso das partes. Seguiu-se para produção de prova, com a junção de 1 documento, audição de testemunhas, audição de parte do demandado (art.º 57, n.º1 da L.J.P), terminando com alegações, conforme ata de fls. 36 a 40.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I- DOS FACTOS PROVADOS:
1)A demandante obteve junto do banco B, S.A., um empréstimo no valor de 8.7978,36€.
2)Que a demandante obrigou-se a pagar essa quantia, acrescida de juros remuneratórios, e demais encargos, mediante o pagamento de uma prestação mensal.
3)A B, S.A. passou a cobrar a divida, á demandante, em prestações mensais e sucessivas.
4)O demandado não entregou qualquer quantia á demandante.
5)A demandante contraiu um empréstimo em seu nome.
6) A demandante não pagou á B, S.A.
7)A B, S.A. intentou um requerimento executivo contra a demandante para pagamento da divida.
8)O qual correu termos sob os autos n.º 3820/06.9TBFUN, no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial do Funchal.
9)E, perfaz o valor de 10.883,60€.
10)A demandante é funcionária do Instituto de Segurança Social.
11)O salário da demandante foi penhorado pela B, S.A.
12)O demandado recusa-se a pagar a quantia peticionada.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal baseou a decisão na analise critica dos documentos juntos pela demandante, os quais foram conjugados com a prova testemunhal, considerada como credível, e regras da experiencia comum.
O facto complementar de prova com o n.º 8 resulta dos documentos juntos de fls. 7 a 10.
A testemunha, D, é filha da demandante. Não obstante, quis depor nos autos. Os factos que relatou resultam do conhecimento pessoal, auxiliou na prova dos factos:1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11 e 12.
As testemunhas, E, F, G, são familiares da demandante. Os factos que foram considerados, resultaram do conhecimento pessoal das mesmas, auxiliando na prova dos factos: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 10, 11 e 12.
As testemunhas, H e I, apresentadas pelo demandado foram somente abonatórias do caráter dele, desconhecendo toda as questões suscitadas nos autos. Assim, embora tivessem depoimentos credíveis em nada influenciaram.
A demandante, também, prestou declarações, nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P. Contudo, o seu depoimento foi confuso, não conseguiu explicar o que se passou, não sabe o que assinou, nem quantias. Embora se perceba que estivesse nervosa, a verdade é que o seu depoimento não beneficiou a prova em relação aos factos que devia esclarecer, não tendo sido valorado.

II- DO DIREITO:
O caso em apreço prende-se com um empréstimo entre particulares, situação regulada pelo art.º 1142 e sgs do C.C.
Questões: ilegitimidade passiva, existência do contrato e seus termos.
Quanto á ilegitimidade passiva, consubstancia processualmente uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, nos termos conjugados da alínea e) do art.º 577 e 578, ambos do C.P.C. A sua constatação impede que o tribunal conheça do mérito da causa (art.º 576, n.º2 do C.P.C.), pelo que cumpre apreciar.
O art.º 30 do C.P.C. determina o que se entende por legitimidade processual das partes, que do lado activo da ação resulta em ser considerado parte quem tenha interesse directo em demandar, e do lado passivo quem tiver interesse direto em contradizer.
A legitimidade processual não se confunde com a legitimidade substantiva, requisito da procedência do pedido, afere-se pelo pedido e causa de pedir, tal como o autor/demandado os apresenta, independentemente da prova dos factos que integra esta última, é parte legítima quando admitindo-se que existe a relação material controvertida, ele seja efectivamente seu titular (AC. do STJ Proc. 04B2212 de 14/10/2004 e AC. do STJ Proc. 03B464 de 18/09/2003, in base de dados da www.dgsi.pt).
O caso em apreço, refere-se a um contrato que, supostamente, as partes teriam realizado. De facto, o demandado tem interesse direto na ação, pois se não contestasse, como fez, corria o risco de ser condenado nos autos.
Para aferir da veracidade desta questão, ou seja, se efetivamente as partes celebraram entre si um negócio, terei que averiguar os termos em que tal se processou, e se o negócio foi celebrado com o demandado. Juridicamente, isto consubstancia uma questão de direito substantivo e não processual, ou seja, prende-se com a apreciação da causa de pedir, o que implica uma pronúncia sobre o mérito da acção, pelo que improcede a alegada exceção.

O mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta á outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto, do mesmo género e qualidade (art.º 1142 do C.C.).
Quanto á forma legal exigida para o negócio depende do valor do empréstimo, assim se o valor for superior a 2.500€ e inferior a 25.000€ é valido se for celebrado por documento assinado pelo mutuário (art.º 1143 do C.C.).
Quanto a prazos de restituição, se nada for convencionado, e for um negócio gratuito, vence-se 30 dias após ter sido exigido o seu cumprimento (art.º 1148, n.º1 do C.C.).
No caso concreto, o Tribunal pelas declarações do demandado (art.º 57, n.º1 da L.J.P.) não teve dúvidas que conhece a demandante, pois se assim não fosse, não tinha forma de saber dizer que “as testemunhas dela são todas da família”, isto mesmo antes que elas tivessem oportunidade de dizer algo, bastando olhar para as pessoas. Ora, o Tribunal está atento às manifestações pessoais, pelo que concluiu que as partes efetivamente conhecessem-se. Para além disso, as outras testemunhas conseguiram comprovar este facto, e resulta, também, do documento junto em audiência, de fls. 41 a 42, que existe ou existiu alguma relação entre as partes, a qual motivou a existência daqueles autos.
Quanto á concretização deste negócio, que no fundo é o que se discute nos autos, a questão é outra.
Na realidade, constata-se que foi a demandante que pediu um empréstimo na quantia de 8.978,36€, junto de uma instituição financeira, o que terá sucedido a 14/05/2003, conforme resulta do documento junto a fls. 4.
Resulta, também, que devido a esse empréstimo, a demandante, foi alvo de uma ação executiva, que correu termos sob os autos n.º 3820/06.9TBFUN, no 2º Juízo Cível do Tribunal do Funchal.
E, devido àquele empréstimo, que não foi pago, a entidade patronal da demandante foi notificada da existência de uma penhora, que passou a incidir sobre o salário da mesma, e que devia mensalmente efetuar os descontos no âmbito daqueles autos, documento a fls. 9.
Daqui se depreende que parte da prova está feita, ou seja, a existência da quantia em divida, e a situação que a demandante passou.
Porém, a prova de que este empréstimo era dirigido ao demandado e os termos do acordo que realizaram entre si, competia fazer á demandante como prova do direito, que ora pretende fazer valer (art.º 342, n.º1 do C.C.), já que nos autos está em causa a relação das partes e não da demandante com a instituição financeira onde obteve o crédito.
Na realidade, nenhuma das testemunhas apresentadas, pela demandante, presenciou o negócio, ou os termos do mesmo.
No entanto, todas sabem dizer que há vários anos a demandante chegou a casa, depois de um dia de trabalho e relatou o sucedido. Que o demandante lhe pediu que o ajudasse na compra de um veículo que necessitava para a profissão, venda de peixe. Para o efeito, e como o conhecia, assim como a família, acabou por aceder e foram juntos ao J, onde assinou documentos, apresentou os seus documentos de identificação, e o dinheiro foi na íntegra para o demandado.
Este foi, em suma, o relato das testemunhas. Ora isto fez surgir uma dúvida, pois nos autos discute-se um empréstimo ao consumo, concedido á demandante, mas por outra instituição financeira, a B, S.A. Na realidade, embora o J e a B, S.A sejam ambas instituições financeiras, são entidades destintas.
Por outro lado, a demandante apresentou em audiência documentos referentes a outro empréstimo, de fls. 41 a 42. Destes resulta que, efetivamente os demandados foram alvo de um processo executivo, mas promovido pelo J, o qual ainda decorre no Tribunal Judicial e sob os autos n.º 659/04.0TCFUN, na 1ª seção das Varas de competência Mista do Funchal.
Perante isto, e sem prova condigna o Tribunal não pode, em consciência, considerar que o montante da divida, ora reclamada pela demandante, teve como destinatário o demandado, e como tal a ação terá de improceder.

DECISÃO:
Nos termos expostos, considero a presente ação improcedente, por não provada e em consequência absolvo o demandado do pedido.


CUSTAS:
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero a demandante como parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis, contados da data da notificação, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10€ (dez euros) por cada dia de atraso.


Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida Portaria em relação ao demandado
.


Funchal, 30 de novembro de 2016

A Juíza de Paz
(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)


(Margarida Simplício)