Sentença de Julgado de Paz
Processo: 96/2017-JPFNC
Relator: JOANA SAMPAIO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - INCUMPRIMENTO
Data da sentença: 06/20/2018
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: Processo nº 96/2017

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SENTENÇA

I. RELATÓRIO

5- A, LDA., sociedade comercial melhor identificada a fls. 1 e 5 dos autos, intentou contra a sociedade comercial B, LDA., melhor identificada fls. 1 e 14, a presente ação declarativa destinada a efetivar o cumprimento de obrigações, pedindo a condenação da Demandada a pagar-lhe a quantia de € 6.754,13 (seis mil setecentos e cinquenta e quatro euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos desde a data da citação até ao efetivo e integral pagamento, despesas e custas, bem como dos juros de 5% ao ano (829º-A nº 4 do Código Civil).
Para tanto, alegou em síntese que, no exercício da sua atividade, prestou serviços à Demandada, designadamente decoração de um espaço comercial (letreiros, montras, paredes, balcões...), constantes da fatura n.º 1/330 de 25.02.2014, que juntou aos autos (fls. 7 e 8). Tais serviços totalizam a quantia de €6.432,50, a qual se encontra em dívida. Alega que a Demandada não apresentou qualquer reclamação sobre os serviços prestados.
Juntou a Demandante, para prova do por si alegado, quatro documentos.
Após várias diligências com vista à citação da Demandada, foi declarada ausente (fls. 63 e 64), tendo-lhe sido nomeada Defensora Oficiosa que, regularmente citada (fls. 76), não apresentou contestação escrita.
A questão em análise não foi submetida a mediação, por ter sido declarada a ausência da Demandada.
Foi marcada a Audiência de Julgamento, a qual se realizou no dia designado, tendo a Demandante apresentado prova testemunhal.

II. SANEAMENTO DO PROCESSO:

Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, já que:
O Tribunal é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território nos termos do disposto nos artigos 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 al. i), 10º e 12º nº 1, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, e 774º do Código Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem nulidades, exceções ou outras questões prévias a conhecer.
Fixa-se o valor da ação de € 6.754,13 (seis mil setecentos e cinquenta e quatro euros e treze cêntimos), de acordo com a indicação da Demandante.

III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:

Considerando o teor dos documentos juntos; atento o disposto nos n.º 2 e 4 do art. 574º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 63º da Lei 78/2001, de 13 de julho, que exclui o efeito confessório à falta de contestação quando o ausente se encontre representado por Defensor Oficioso, como é o caso; e visto, ainda, as regras de repartição sobre o ónus da prova, mormente o ónus que recaía sobre o Demandado (n.º 2 do art. 342º do Código Civil) de provar o “pagamento” dada a impossibilidade real de o Demandante provar o “não pagamento” por se tratar de facto negativo, com interesse para a causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Demandante é uma sociedade comercial que se dedica a produção, decoração publicitária e comércio por grosso;
2. No exercício da sua atividade, a Demandante prestou serviços à Demandada, decoração de espaço comercial (letreiros, montras, paredes, balcões...) conforme consta da descrição da faturas nº 1/330 de 25 de fevereiro de 2014, no valor global de €6.432,50 (seis mil quatrocentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos);
3. A referida fatura, no total de €6.432,50 (seis mil quatrocentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos), venceu-se logo após a emissão, 25.02.2014, tendo sido acordado que o seu pagamento deveria ser efetuado a pronto, com a conclusão do serviço, na sede da Demandante;
4. A Demandada não pagou a fatura, estando em dívida a quantia de €6.432,50 (seis mil quatrocentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos);
5. A Demandada recebeu o referido serviço, tendo-o conferido e achado conforme ao que tinha encomendado, nada tendo reclamado à Demandante;
6. Apesar de várias vezes instada pela Demandante para proceder ao pagamento, a Demandada não liquidou a dívida;
7. A 21 de março de 2016 a Demandante interpelou a Demandada por carta registada com aviso de receção para o incumprimento da sua obrigação de pagamento da fatura;
8. A carta referida no ponto 7 não foi recepcionada pela Demandada.

Os factos provados resultam dos documentos juntos pela Demandante no requerimento inicial (fls. 5 a 12) e em sede de audiência de julgamento (fls. 82 a 88) cujo teor se dá por integralmente reproduzido, os quais não foram objeto de impugnação pela Demandada, bem como das declarações prestadas pela testemunha apresentada pela Demandante C que, de forma isenta e credível, confirmou a existência de relações comerciais entre as partes, a emissão dos documentos contabilísticos (fatura supramencionada) e a sua entrega em mão ao gerente da Demandada, o Sr. D, no dia 25.02.2014, o valor em dívida pelo Demandado. A testemunha, que exerce as funções na Demandante, esclareceu que não existe registo nem conhecimento de qualquer reclamação da Demandada sobre a fatura emitida pela Demandante; que tentou constantemente (telefonemas, sms e contactos pessoais) cobrar a dívida junto do gerente da Demandada, o Sr. D, mas sem sucesso, tendo sido enviada uma carta registada que a Demandada recusou receber. A testemunha esclareceu ainda que fruto das relações comerciais anteriores com a Demandada não foi efetuado um orçamento escrito mas verbal, o qual foi progressivamente alterado em função das novas e também progressivas solicitações do gerente da Demandada (relativamente a outros serviços e trabalhos).
Relativamente ao depoimento da testemunha E, o mesmo foi valorado somente na parte em que declarou ter estado presente na inauguração do espaço comercial da Demandada (e ter visualizado vinil no tecto e paredes, a decoração do espaço, montras, uma imagem do rosto do Che Guevara) onde foram prestados os serviços pela Demandante, empresa onde labora o seu marido, a testemunha C, uma vez que tudo o restante sobre que depôs adveio ao seu conhecimento de forma indireta, nomeadamente porque o marido lhe contou.
Para a fixação dos factos dados por provados concorreu, ainda, a total ausência de alegação e prova, por parte da Demandada, de factos que pudessem pôr em crise a versão apresentada pela Demandante e os documentos juntos aos autos.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa.

IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
As questões a decidir por este Tribunal circunscrevem-se à caracterização do contrato celebrado entre a Demandante e a Demandada, às obrigações e direitos daí decorrentes bem como às consequências de um eventual incumprimento dessas obrigações.
Como decorre dos factos provados, a Demandante e a Demandada celebraram entre si um contrato de prestação de serviços (cfr. artigo 1154º do Código Civil), na modalidade de contrato de empreitada (artigo 1207º e segs. do CC). Com efeito, de acordo com este preceito legal, “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. Ora, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado (cfr. artigo 1208º do CC) e, em qualquer caso, os contratos devem ser pontualmente cumpridos (cfr. artigo 406º do CC).
Entre a Demandante e Demandada foi convencionado que aquela iria efetuar a decoração do espaço comercial da Demandada, com fornecimento dos materiais necessários para o efeito, o que resultou no valor de € 6.432,50, tudo cfr. consta da fatura junta aos autos a fls. 7 e 8. Assim sendo, os serviços prestados pela Demandante à Demandada enquadram-se na modalidade de empreitada, prevista no art. 1207º do CC.
No caso em preço resulta provado que a Demandante executou a empreitada e que a Demandada não pagou o correspetivo preço.
Estabelece o art. 406º n.º 1 do CC que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. A isto acresce o estipulado no art. 762º do CC que determina que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, a qual, em regra e se nada for convencionado em contrário, deverá ser realizada integralmente e não por partes, cfr. determina o art. 763º do mesmo diploma legal.
Diz-nos o art. 1208º do CC que «O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.». Por outro lado, o art. 1211º do CC, n.º 2, refere que «2 – O preço deve ser pago, não havendo cláusula em contrário, no ato de aceitação da obra».
Da matéria provada resulta que a Demandada não efetuou o pagamento do preço, nem fez prova de qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pela Demandante ao recebimento da quantia em dívida (artigo 342º nº 2 do Código Civil). Sendo o pagamento uma exceção peremptória cuja invocação extingue o efeito jurídico dos factos articulados pela Demandante, não é à Demandante que compete provar a falta de pagamento, mas sim à Demandada que compete provar o pagamento – cfr. art. 342º n.º 2 CC e arts. 576º n.º 3 e 579º CPC, o que esta não logrou fazer.
No âmbito da responsabilidade contratual aplicável ao caso concreto, existe uma presunção de culpa que impende sobre o devedor que falta ao cumprimento da sua prestação, o qual se torna responsável pelos prejuízos causados ao credor, cfr. previsto nos arts. 798º e 799º do CC. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua. Prova que incumbia à Demandada, que não produziu.
A Demandante peticiona a condenação da Demandada no pagamento do valor de €6.432,50, juntando para o efeito uma fatura (fls. 7 e 8), uma comunicação dirigida à Demandada reclamando o pagamento daquela quantia datada de 15.03.2016 (fls. 82 a 87). Do confronto dos referidos documentos, não impugnados pela Demandada, foi possível concluir que está em dívida o montante de €6.432,50.
Assim, tem a Demandante efetivamente direito ao recebimento da quantia de €6.432,50 (seis mil quatrocentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos), preço não pago de serviços efetuados pela Demandante e encomendados pela Demandada, no qual vai condenada.
Adicionalmente, pede a Demandante que a Demandada seja condenada no pagamento de juros legais de mora vencidos, desde a data do vencimento da fatura cujo pagamento ora reclama, calculados pela Demandante até à data de 25.02.2017 na quantia de €321,63 (trezentos e vinte e um euros e sessenta e três cêntimos), bem como, nos vincendos até efetivo e integral pagamento.
Preceitua o art. 804º CC que, ao não cumprir pontualmente a sua obrigação – ainda possível – o devedor incorre em mora, sendo que a simples mora o constitui na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Os nºs 1 e 2 do art. 806º CC dispõem, por sua vez que, na obrigação pecuniária – caso ora em apreço – a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora sendo, em princípio, devidos os juros legais. Acrescenta ainda o n.º 1 do art. 805º CC que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. No entanto, a alínea a) do n.º 2 dispõe que, independentemente de interpelação, há mora do devedor se a obrigação tiver prazo certo.
Ora, resultou provado nos presentes autos que a Demandada estava obrigada ao pagamento da fatura nº 1/330 emitida pela Demandante, a pronto pagamento, ou seja no dia da sua emissão, em 25.02.2014, pelo que, concluiremos que a Demandada se constituiu em mora no dia seguinte a essa data, ou seja, no dia 26.02.2014.
Por conseguinte, verificado o não cumprimento pela Demandada também este pedido tem de proceder, pois tem fundamento legal, nos termos do art. 805º n.º 2 alínea a) do Código Civil, pois, como sucede no caso em apreço, a obrigação a que estava adstrita tem prazo certo, ou seja, aqui o dia de vencimento da fatura junta aos autos, tendo em consideração que se provou que a mesma deveria ser paga a pronto pagamento, no dia da sua emissão.
No que respeita ao pedido de condenação de juros de 5% ao ano, nos termos do artigo 879.º-A, n.º 4 do Código Civil, decorre diretamente do mesmo que, para além dos juros que sejam devidos, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano.
Não sendo admissível a condenação condicional e porque tal sanção pecuniária apenas é aplicável a situações de incumprimento posterior ao trânsito da sentença, nesta parte improcede o pedido, sem prejuízo de o mesmo ser peticionado em eventual execução de sentença.

V. DECISÃO

Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a ação parcialmente procedente e provada e, por via disso:
a) condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de €6.754,13 (seis mil setecentos e cinquenta e quatro euros e treze cêntimos), dos quais €321,63 (trezentos e vinte e um euros e sessenta e três cêntimos) são referentes a juros de mora vencidos e calculados pela Demandante desde a data do vencimento da fatura n.º 1/330 até 25.02.2017, acrescida dos juros, à taxa de juros comerciais, vencidos desde 26.02.2017 e vincendos até efetivo e integral pagamento;
b) absolvo a Demandada do demais peticionado.

As custas serão a suportar pela Demandante e pela Demandada, em razão do decaimento na proporção respetiva de 1% e 99% (Artigos 527.º, do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho - e artigo 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro), sem prejuízo da isenção de que a Demandada beneficia por ter sido declarado ausente (alínea l) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Judiciais).

Registe e notifique.

Após trânsito, arquivem-se os autos.
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Dê cumprimento ao disposto no artigo 60.º n.º 3 da Lei 78/2011 de 13 de julho, com a redação dada pela Lei 54/2013 de 31 de julho relativamente à Demandada B, LDA.
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Funchal, Julgado de Paz, 20 de junho de 2018

A Juíza de Paz

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(Joana Sampaio)
(Art.º 131º/5 do C.P.C./Art.º 18.º LJP)