Sentença de Julgado de Paz
Processo: 81/2014-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: LOCAÇÃO - RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Data da sentença: 12/06/2014
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: Sentença
Processo nº 81/2014-JP
Relatório
A demandante ......... melhor identificada a fls. 1 dos autos, intentou em 17/3/2014, contra o demandado ........, melhor identificado a fls. 1 dos autos, ação declarativa com vista a obter a restituição de certa quantia, a titulo de valor entregue para arrendamento, formulando o seguinte pedido:
- Ser o demandado condenado a restituir à demandante a quantia de €1.000,00, a titulo de valor entregue para arrendamento da fração, uma vez que a sua localização não corresponde à acordada.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido. Juntou 1 (um) documento. *
Regularmente citado o demandado (fls. 25), apresentou a contestação, de fls. 11 a 14, que se dá por integralmente reproduzida, impugnando em suma os factos constantes do requerimento inicial. Juntou 6 (seis) documentos. Em audiência juntou 1 (um) documento.
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Realizou-se audiência de julgamento em 28/5/2014, com observância das formalidades legais, como da respetiva Ata se infere.
Cumpre apreciar e decidir
O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €1.000,00.
Fundamentação da matéria de facto
Com interesse para a decisão da causa ficou provado que:
1 - A Demandante é estudante estrangeira, residente na cidade de Coimbra ao abrigo do Programa Intercâmbio Portugal-Brasil.
2 - Com o objetivo de encontrar alojamento para o semestre em que se encontra em Portugal, a Demandante através de pesquisa na internet, pesquisou diversos apartamentos para o efeito.
3 - Após exaustiva pesquisa a Demandante encontrou o possível apartamento que pretendia arrendar, tendo para o efeito contactado o Demandado.
4 - O Demandado mostrou o apartamento à Demandante e a duas amigas suas, também estudantes.
5 - A Demandante ficou satisfeita com a visita ao apartamento, sobretudo porque conforme indicação no anúncio o mesmo localizava-se na Praça A, no centro da cidade, tendo antes de decidir visto outras situações.
6 – Após ponderar, no mesmo dia da visita, em 08 de fevereiro de 2014, na medida em que o Demandado afirmou existir outros interessados, Demandante e Demandado celebraram contrato de arrendamento verbal.
7 - Entre as partes foi convencionada a renda mensal no valor de €720,00.
8 - Contudo, como a Demandante é estudante universitária e iria alugar a casa com colegas, estas não dispunham em 8 de Fevereiro do corrente ano, do valor de duas rendas, €1.440,00, conforme peticionado pelo Demandante.
9 - Todavia, a Demandante após conversação com o Demandado, indicou que dispunha naquela data de €1.000,00, para pagamento do primeiro mês de renda e parte do segundo mês de renda.
10 - O Demandado aceitou a proposta da Demandante, tendo esta entregue naquela data, o montante de €1.000,00 em numerário.
11 - Mais tarde, nesse dia, a Demandante com as duas amigas foi conhecer a cidade e comprar alguns acessórios para a casa.
12 - No retorno para casa, a Demandante necessitou da morada completa da habitação, para indicar ao taxista onde este a deveria deixar.
13 - Nesse momento, a Demandante contactou o Demandado, que a informou que a morada da fração é a Rua B, em Coimbra.
14 - A Demandante sendo nova na cidade, desconhecia a localização da fracção, uma vez que na primeira visita, lhe tinha sido indicada a morada pelo próprio Demandante.
15 - O taxista que transportava a Demandante nesse dia indicou a esta que o imóvel se localizava numa zona de prostituição.
16 - A Demandante, incomodada com a situação, ainda passou duas noites no imóvel, mas não se sentia segura, pelo que,
17 - Em 10 de fevereiro de 2014, abandonou o imóvel com as amigas, tendo-se instalado num “hostel” até encontrar nova casa.
18 - Na mesma data, a Demandante interpelou o Demandado telefonicamente informando-o que tinha abandonado a fração, por não se sentir segura nela e por isso se ter sentido enganada face à localização da mesma.
19 - A Demandante solicitou ainda ao Demandado o reembolso do valor que esta lhe entregou a título de arrendamento.
20 - O Demandado respondeu à Demandante que o imóvel poderia não se localizar na Praça A, mas está muito próximo e que por essa razão não reembolsaria a Demandante do valor de €1.000,00 entregue por esta, uma vez que esta abandonou o locado por que quis.
21 – O Demandado disse à Demandante que a reembolsaria se conseguisse arrendar novamente o apartamento, o que não conseguiu.
22 -Entende a Demandante, que o Demandado omitiu a real localização do imóvel, uma vez que sendo a Demandante e as amigas estrangeiras, nada conheceriam da zona.
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A matéria fáctica dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, da prova testemunhal apresentada pela demandante, além dos documentos juntos aos autos a fls. 4, 15, 19 a 22 e 38, em conjugação com as regras de experiência comum e critérios de normalidade alicerçaram a convicção do tribunal.
Relativamente à prova testemunhal e no que concerne às testemunhas apresentadas pela demandante, foi pelas mesmas dito que o demandado se aproveitou do desconhecimento da demandante e das próprias testemunhas, omitindo a real localização do imóvel, uma vez que sendo estas estrangeiras, nada conheciam da zona, tendo-se informado sobre a Praça A que consideraram uma localização fiável para três meninas estudantes estrangeiras numa cidade e país desconhecidos, ao contrário aperceberam-se que a Rua B tinha má fama, o que as deixou apreensivas e receosas, pelo que o locado deixou de interessar, face à omissão relativa à sua real localização e ao seu conhecimento posterior.
Estas testemunhas depuseram com conhecimento dos factos em discussão, sendo consideradas credíveis.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a sua insuficiência ou inexistência.
O Direito
A demandante intentou a presente ação, peticionando a condenação do demandado na restituição à demandante da quantia de €1.000,00, a titulo de valor entregue para arrendamento de uma fração, uma vez que a sua localização não corresponde à publicitada e acordada, alegando em sustentação desse pedido a celebração de um contrato de arrendamento verbal, com o demandado, que terá sido alegadamente incumprido por este, face à errónea localização do imóvel.
A locação é o arrendamento de uma coisa imóvel nos termos do disposto nos artigos 1023º e 1022º do Código Civil (Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição), e, como negócio bilateral, emergem desse contrato direitos e obrigações para ambas as partes, nos termos dos artigos 1031º e 1038º ambos do código Civil.
A relação material controvertida circunscreve-se a incumprimento contratual, dispondo o artigo 405º do Código Civil sobre o princípio da liberdade contratual, com os limites previstos na lei. No âmbito dos contratos, dispõe o nº 1 do artigo 406º do Código Civil que, uma vez celebrados os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, o que reflete o princípio da força vinculativa ou obrigatoriedade dos contratos. Assim, as obrigações contratuais devem ser cumpridas nos exactos termos em que são assumidas (pacta sunt servanta) e segundo as normas gerais da boa fé (artigo 762º do Código Civil).
Ainda nos termos do artigo 227º, nº 1 do Código Civil, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na sua formação, proceder segundo as regras de boa fé, sob pena de ter de responder pelos danos que culposamente causou à outra parte, quer no caso das negociações serem interrompidas, quer no caso do contrato se consumar.
O caso dos autos refere-se a responsabilidade (pré) contratual, sendo que a culpa do devedor, neste caso, do demandado se presume, incumbindo-lhe nessa medida provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua (artigos 798º e 799º do Código Civil).
Da prova produzida nos autos, é de constatar que o locado objeto dos autos se situa na Rua B e não na Praça A, em Coimbra, apesar da sua proximidade, tendo a demandante pesquisado o locado na Internet e tendo ficado interessada no mesmo, após a sua visualização, tendo antecipadamente solicitado informação a conhecidos acerca da Praça A de Maio, como consta do anúncio publicitário, o que a deixou satisfeita, pois foi informado como um sitio central e seguro da cidade de Coimbra, como lhe indicaram. Ademais refira-se que a demandante é estudante, assim como as duas amigas que a acompanhavam, tendo chegado ao nosso país ao abrigo de um Programa de intercâmbio Portugal-Brasil e procurando uma casa em Coimbra que fosse segura, pois era a primeira vez que se deslocavam da sua casa e do seu país, fora dos familiares próximos, pelo que a localização segura era um factor essencial para arrendarem um locado para aí permanecerem durante o semestre do programa estudantil.
Assim, tendo combinado com o demandante, foi o mesmo que auxiliou a demandante e as amigas a levarem os seus bens para o locado, tendo-se apercebido que a fração se não localizava na Praça A de maio, quando pedem a morada completa para o taxista as levar ao imóvel, depois da primeira saída para fazerem compras que necessitavam. É nessa altura que se apercebe, juntamente com as amigas, da errónea localização dada pelo Demandante, que foi essencial para contratar com ele o arrendamento, tendo após ponderação séria e atendendo a - má fama - do local que questionaram junto de outras pessoas e à sensação de medo que sentiram, tomado a decisão de deixar o imóvel, entregando a chave do locado limpo ao demandado em local público e solicitado a restituição dos €1.000,00 pagos, o que o demandado não aceitou, o que só faria se conseguisse arrendar o apartamento, o que não viria a conseguir.
Relativamente a expectativas que o demandado teria se não se comprometesse com a demandante relativamente a locação da fração, as comunicações eletrónicas juntas aos autos, demonstram somente a existência de um eventual interessado no arrendamento por quarto e, por outro lado, constatando-se que o demandado detinha mais frações no prédio em causa, poderia estar em causa outro locado, o que se desconhece.
Na tese do Demandado ao constar do site de pesquisa a localização do apartamento na Praça A, pretende com isso facilitar a localização do imóvel e melhor encaminhar os interessados. Não obstante a tese defendida pelo demandado, este não produziu a prova que lhe incumbia (artigo 342º, nº 2 do Código Civil), que seria causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pela demandante.
Por sua vez, a demandante demonstrou que a localização do locado era um factor essencial para arrendar, uma vez que a sua segurança e das suas amigas, era essencial, tendo o demandado viciado a informação no que à localização da habitação locada em questão diz respeito, o que deixou a demandante apreensiva e insegura.
Dispõe o artigo 251º do Código Civil, que o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira ao objeto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º (relativo ao "erro na declaração"). Ainda nos termos do artigo 289º do Código Civil, no seu nº 1, a declaração de anulação de negócio tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
Entende-se, por isso, em face das circunstâncias apuradas, que o demandado usou de artificio relativo a localização do locado, essencial para a demandante, pelo que se considera o negócio anulável devendo o demandado proceder à restituição do valor pago pela demandante. Relativamente a essa restituição, atende-se ainda ao facto da demandante ter usufruído da fração objeto dos autos durante o período de 3 dias, pelo que se considera como sensato que a demandante compense o demandado pelo uso do locado durante esse período. Até porque se concluiu que a estadia em hostels seria mais dispendiosa. Assim, considerando o valor mensal da renda do locado e fazendo um calculo relativo ao valor diário da fração em causa, chega-se ao valor de €24,00 dia, considerando porém que esse valor consideraria não o cálculo de aluguer por dia, mas por mês, aceita-se como razoável o valor de €50,00/dia, dada a utilização do locado por 3 pessoas durante 3 dias, com o respetivo acréscimo de despesas de luz e água ou outras normais no uso do locado durante esse período, julgando-se como adequada e fixando-se em €300,00 o valor dessa compensação.
Face ao acima exposto, incumbe ao demandado a restituição do valor de €700,00 à demandante, feita a dedução mencionada.
Decisão
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno o demandado ........... a restituir à demandante o valor de €700,00 (setecentos euros), indo no mais absolvido.
Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno demandante e demandado no pagamento de custas no valor de €70,00 (setenta euros), nas proporções aproximadas de 1/3 para a demandante no valor de €23,00 e de 2/3 para o demandado no valor de €47,00, pelo que tendo o demandado ....... (NIF .......) liquidado a taxa de justiça inicial de €35,00 (trinta e cinco euros) deve ainda liquidar o valor de €12,00 (doze euros) devendo proceder ao seu pagamento, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso.
Devolva à demandante o valor de €12,00 (doze euros).
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A Sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei 54/2013.

Notifique e Registe.
Julgado de Paz de Coimbra, em 6 de junho de 2014
A Juíza de Paz (em acumulação de serviço), (Iria Pinto)