Sentença de Julgado de Paz
Processo: 101/2016–JPBMT
Relator: JOSÉ JOÃO BRUM
Descritores: EXCEÇÕES
PRESCRIÇÃO E CADUCIDADE
Data da sentença: 03/02/2018
Julgado de Paz de : BELMONTE
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

(arts. 26.º, n.º 1 e 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13/07 – LJP, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07)

Identificação das partes
Demandante: A, Empresa Municipal, com sede na Rua Z Covilhã, com o NIPC n.º 0, representada pelo Dr. B, Advogado, portador da cédula profissional n.º 0, com escritório na Rua Z, Covilhã, munido de Procuração com Poderes Especiais a fls. 2 dos autos.
Demandado: C, com o NIF n.º 0, com ultima morada de residência conhecida na Rua Z, Covilhã, representado pela Defensora nomeada Dra. D, Advogada, portadora da cédula profissional n.º 0, com escritório na Avenida Z, Covilhã, em virtude de não ter sido possível efetivar a citação do Demandado ausente.

OBJETO DO LITÍGIO
A Demandante veio intentar a presente ação com base no art. 9º, n.º 1, al. i) da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07 pedindo a condenação do Demandado no pagamento de €181,55 (cento e oitenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos).
Para tanto alegou encontrar-se em dívida o seguinte valor respeitante à falta de pagamento de serviço de recolha de resíduos prestados pela Demandante solicitados pelo Demandado, conforme fatura n.º 0 emitida em 25/08/14 junta a fls. 6 dos autos.
Juntou Procuração Forense a fls. 2 dos autos e dez (10) documentos que se encontram a fls. 3 a 8 e 118 e segs. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.
Valor da ação €181,55 (cento e oitenta um euros e cinquenta e cinco cêntimos)
Tendo-se frustrado a citação por via postal do Demandado e realizadas as diligências adicionais previstas no art. 236º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na redação da pela Lei n.º 41/2013 de 26/06, aplicável por remissão do art. 63º da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07, que se revelaram infrutíferas no sentido de obter a citação do Demandado procedeu-se à nomeação de Patrona Oficiosa que, citada em representação do ausente, apresentou Contestação junta aos autos a fls. 34 e 35. Em síntese, a Ilustre Defensora invocou a Prescrição do crédito alegado pela Demandante nos termos do art.º 10º, n.º 1 da Lei n.º 23/96, de 26 de julho na redação da Lei n.º 10/2013 de 10/01 e a caducidade do direito de propor a presente ação nos termos do n.º 4 do mesmo artigo alegando tratar-se de um serviço de gestão de resíduos sólidos urbanos cuja fatura foi emitida em 25/08/14, tendo o Demandado sido interpelado para o pagamento em 24/04/15 e a presente ação dado entrada no Julgado de Paz em 22/07/16.
Impugnou os factos alegados pela Demandante defendendo que os resíduos foram provocados por terceiros que ocuparam a sua propriedade. Pugnando pela improcedência desta ação.
A Demandante foi notificada ao abrigo do Princípio do contraditório para se pronunciar quanto à matéria de exceção invocada na Contestação tendo respondido a fls. 39 e 39V sustentando que o serviço em causa cujo valor é peticionado não se enquadra no conceito de resíduo urbano pelo que não lhe é aplicável o disposto no art.º 10º da Lei n.º 23/96, de 26 de julho na redação da Lei n.º 10/2013 de 10/01.
Foram realizadas cinco Sessões de Julgamento nos dias 13/03/17, 11/04/17, 12/01/18, 22/01/18 e 20/02/18.
Produzida a prova e concedida a palavra aos Ilustres Advogados para que proferissem breves alegações de acordo com o espírito dos Julgados de Paz profere-se a seguinte Sentença na presente data agendada para o efeito.
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.

FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados:

1- A Demandante tem como atividade principal a gestão e exploração dos serviços municipais do ambiente, nomeadamente o abastecimento e fornecimento de água, saneamento e recolha de resíduos urbanos da Covilhã.

2- O Demandado, por sua vez, é um consumidor que requisitou os serviços da Demandante para a prestação de um serviço de limpeza da sua propriedade sita na Quinta X, na freguesia do Ferro na Covilhã.

3- A Demandante através de comunicação datada de 13/08/14 enviada pelas 16h11 para o e-mail profissional informou o Dr. E, Advogado, dos custos associados à recolha do lixo e sua deposição em aterro sanitário que importariam o pagamento da quantia de €181,55 (cento e oitenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos.

4- O Dr. E através do seu e-mail profissional respondeu à Demandante confirmando o interesse do Demandado na prestação do serviço.

5- A Demandante retirou de uma habitação composta por dois quartos, cozinha e instalação sanitária, numa zona rural, envolvente e terraço, propriedade do Demandado, um amontoado de roupas, eletrodomésticos, gatos mortos e dejetos no interior e exterior da habitação.

6- A habitação composta por dois quartos, cozinha e instalação sanitária, numa zona rural, envolvente e terraço propriedade do Demandado foi habitada por três pessoas cuja identidade se desconhece sabendo-se apenas que uma delas era menor.

MOTIVAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
Para fixação dos factos dados por provados concorreram os documentos juntos aos autos a fls. 3 a 8 e 118 e segs. pela Demandante dos autos cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
- os depoimentos sérios, isentos e credíveis das testemunhas, Engenheira F, apresentada pela Demandante, E, Advogado, dispensado do sigilo profissional a que se encontrava obrigado, conforme decisão do Presidente do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados a fls. 65 a 69 dos autos apresentada a requerimento da Ilustre Defensora nomeada ao Demandado ausente e G, funcionário da Junta de Freguesia do Ferro a convite do Julgado de Paz, nos termos dos artigos 411º e 526º do Código de Processo Civil visando a Descoberta da Verdade Material.

Factos Não Provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse ou relevância para a boa decisão da causa.

O DIREITO
Na presente ação peticiona a Demandante a condenação do Demandado no pagamento da quantia de €181,55 (cento e oitenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos) decorrente da falta de pagamento de uma prestação de serviço de recolha de resíduos na propriedade do Demandado sita na Quinta X, na freguesia do Ferro na Covilhã.
Pese embora todas as diligências realizadas por este Tribunal não foi alcançada a citação pessoal do Demandado tendo sido nomeada Ilustre Defensora para assegurar a defesa deste.
Em sede de Contestação foram invocadas duas exceções perentórias capazes de impedir, extinguir ou modificar os factos constitutivos alegados pela Demandante, a saber, a caducidade do direito de propor a presente ação e a prescrição do crédito alegado pela Demandante.
Em síntese, a Ilustre Defensora enquadrou juridicamente o serviço prestado pela Demandante no âmbito da Lei dos Serviços Públicos Essenciais certamente baseada na natureza jurídica da Demandante como empresa municipal.
Neste momento, na posse de todo o material probatório carreado para os autos pelas Partes cumpre apreciar:
A fls. 118 e segs. dos autos foi junta carta enviada pelo Demandado solicitando a prestação de um serviço por parte da Demandante para a recolha de resíduos existentes na sua propriedade. A Demandante por seu turno, através de e-mail datado de 13/08/14 enviado ao Dr. E, Advogado do Demandado à altura dos factos informou os custos associados ao serviço solicitado indicando o valor de €181,55 (cento e oitenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos) tendo a proposta sido aceite através de e-mail também enviado pelo Ilustre Advogado com a mesma data pelas 17h08, conforme documentos juntos a fls. 4, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
No caso concreto foi celebrado um contrato que se enquadra na esfera do Direito Privado entre a Demandante e o Demandado, porquanto a Demandante não se encontrava investida de poderes de ius imperi encontrava-se em condições análogas às do particular. Esta perceção resulta clara de todo o procedimento contratual na formação do contrato a que aludimos supra.
Tratando-se de um contrato de prestação de serviços regulado não pela Lei dos Serviços Essenciais, mas sim pelo Código Civil por ser um contrato de Direito Privado não lhe é aplicável o regime de caducidade e prescrição previsto na Lei dos Serviços Essenciais.
Relativamente à Prescrição dispõe o art.º 317º alínea b) do Código Civil um prazo de prescrição de 2 anos, no entanto, trata-se de uma prescrição presuntiva o que significa que bastaria ao Demandado alegar que tinha pago atendendo à data da emissão da fatura 25/08/14, que a lei consideraria prescrito o crédito da Demandante atendendo à Presunção do cumprimento que visa proteger o devedor contra o risco de ser obrigado a satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante certo tempo.
Considerando que o Demandado entendeu, na sua defesa, deixar claro que não pagou não pode operar a exceção de prescrição fundada no cumprimento.
No que se refere à caducidade estabelece o art.º 298º, n.º 2 do Código Civil: “quando por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade […]”. No caso sub Júdice não sendo aplicável o disposto no art.º 10º, n.º 4 da Lei dos Bens Essenciais, inexistindo outra norma jurídica que preveja a caducidade do direito de propor esta ação e, não tendo as partes convencionado prazo para que os seus direitos viessem a ser exercidos, é forçoso concluir pela improcedência da exceção de caducidade invocada.
Efetuada a análise à matéria de exceção invocada na Contestação iremos debruçarmo-nos sobre o mérito da causa com base na prova produzida.
Resultou admitido por acordo, nos termos do art.º 574º, n.º 2 do Código de Processo Civil, a celebração do contrato de prestação de serviços entre Demandante e Demandado representado pelo seu Mandatário Dr. E.

O contrato em causa é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho manual e intelectual, com ou sem retribuição, nos termos do art. 1154º do Código Civil.

Este contrato pode revestir 3 modalidades, a saber:

-O mandato,

-O depósito, e

-A empreitada.

No caso em análise estamos perante um contrato de empreitada que se encontra definido no art. 1207º do Código Civil como “aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

Nesta modalidade de contrato de prestação de serviços, conforme explicam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo em análise, na sua obra “Código Civil Anotado, Volume II, 4ª Edição revista e atualizada da Coimbra Editora” “o requisito essencial do negócio é a realização de uma obra e não a prestação do trabalho, não existindo um vínculo de subordinação do empreiteiro em relação ao dono da obra por oposição ao contrato de trabalho onde isso acontece”.

Não restam dúvidas que esta é a modalidade de contrato de prestação de serviços resultante da factualidade descrita no Requerimento Inicial apresentado.

Analisemos então, em concreto, a obra realizada pela Demandante.

Esta procedeu, a pedido do Demandado, representado pelo seu Mandatário, à execução de trabalhos para a retirada de um amontoado de roupas, eletrodomésticos, gatos mortos e dejetos no interior e exterior de uma habitação do Demandado pelo valor de €181,55 (cento e oitenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos) conforme e-mails trocados entre as Partes juntos a fls. 4 e Relatório de Vistoria n.º 0/0 realizado pelos H a fls.3 cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.

O Demandado não procedeu ao pagamento do valor acordado.

De acordo com as regras do ónus da prova no art.º 342º, n.º 1 há que concluir que resultaram provados os factos constitutivos do direito alegado pela Demandante.

O Demandado, na Contestação apresentada, alegou que os resíduos removidos foram deixados por terceiros pelo que não lhe deve ser assacada qualquer responsabilidade. Da prova produzida resultou assente que: “a habitação composta por dois quartos, cozinha e instalação sanitária, numa zona rural, envolvente e terraço, propriedade do Demandado, foi habitada por três pessoas cuja identidade se desconhece sabendo-se apenas que uma delas era menor”.

Ora o contrato de prestação de serviços celebrado cujo pagamento é peticionado teve como Partes a Demandante e o Demandado representado pelo seu Mandatário, Dr. E.

A Demandante é alheia à origem dos detritos.

O Demandado, se se sente lesado com a conduta das três pessoas que habitaram a sua propriedade, deve cuidar de identificá-las para poder agir judicialmente contra elas podendo assim vir a ser ressarcido dos prejuízos por elas causados.

Posto o exposto, provada a prestação do serviço pela Demandante com base na prova documental e testemunhal e a falta de pagamento por parte do Demandado, outra solução não resta do que condená-lo, nos termos do art.º 798º do Código Civil, no pagamento do valor de €181,55 (cento e oitenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos).

A concluir, apenas deixar uma breve nota para assinalar a ausência de prova quanto à obrigatoriedade para a Demandante de prestar o serviço devido a questões de saúde pública, ao invés ficou patente e demonstrado que todos os detritos retirados pela Demandante se encontravam na propriedade privada do Demandado. Se o lixo se acumulou apenas o Demandado se poderá culpar atenta a sua inércia e descuido com toda a situação.

DECISÃO

Face a quanto antecede, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, por consequência, condeno o Demandado a pagar à Demandante a quantia de €181,55 (cento e oitenta e um euros e cinquenta e cinco cêntimos).

Custas: A cargo do Demandado no valor de €70,00 (setenta euros). O Demandado, no entanto, por se encontrar ausente, tem direito de isenção de custas de que o mesmo beneficia por aplicação do disposto na al. l) do n.º 1 do Art. 4º do Regulamento das Custas Processuais e de acordo com a Deliberação n.º 5/2011, do Conselho dos Julgados de Paz, de 8 de fevereiro de 2011).

Face ao atrás exposto proceda-se ao reembolso da Demandante em €35,00 (trinta e cinco euros).

Registe e notifique.

Notifiquem-se, também, os Serviços do Ministério Publico junto do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, Inst. Local da Covilhã, atento o disposto no art. 60º, n.º 3 da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07.
Após o trânsito em julgado arquivem-se os presentes autos.

Belmonte, Julgado de Paz, 2 de março de 2018.


O Juiz de Paz,
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(José João Brum)