Sentença de Julgado de Paz
Processo: 378/2016-JPFNC
Relator: LUÍSA ALMEIDA SOARES
Descritores: ARRENDAMENTO; REVOGAÇÃO REAL
Data da sentença: 12/15/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
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I. RELATÓRIO
A) IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, residente em Joanesburgo.

Demandada: B, NIF 000, residente no Funchal.
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B) PEDIDO
A Demandante propôs contra a Demandada a presente ação declarativa enquadrada na alínea g) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, peticionando a condenação desta no pagamento:
a) Das rendas devidas na quantia de €531,00, pelo período entre setembro e novembro de 2016 relativamente ao 4.º andar, letra B (atual letra P), da Rua X, Funchal.
b) Da renda devida na quantia de €280,00, relativa ao mês de agosto de 2016, bem como uma indemnização correspondente a 50%, relativamente ao 1.º andar, letra B (atual letra D), da Rua X, Funchal.
c) De uma indemnização por danos patrimoniais causados nas frações arrendadas, no valor de €890,00.
d) Juros civis desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Juntou 13 (treze) documentos.
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A Demandada B foi regularmente citada neste Julgado de Paz em 28.12.2016, deduziu contestação, excepcionando a ilegitimidade ativa, julgada improcedente na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento.
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Realizada a Mediação em 09.01.2017, não foi logrado acordo entre as partes.
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II- SANEAMENTO
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância: o Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.
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III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em €1.841,00 (mil oitocentos e quarenta e um euros) o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho).
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IV – OBJETO DO LITÍGIO
O objeto do litígio entre as partes circunscreve-se ao pagamento da renda pela Demandada relativamente a dois contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados entre as partes e a danos verificados nas frações arrendadas após cessação desse contrato.
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V – QUESTÕES A DECIDIR
Nos presentes autos importa a apurar a forma de cessação de dois contratos de arrendamento celebrados entre as partes, se existiu entre elas acordo quanto à forma de cessação, quais as consequências dessa cessação e se a Demandada causou danos, que mereçam a tutela do direito, nas duas frações que lhe foram arrendadas pela Demandante, incumprindo com a obrigação de entregar os locados em bom estado de conservação.
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VI - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, de acordo com a prova documental carreada para os autos e as testemunhas ouvidas na Audiência de Julgamento, resultaram os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS
1. C casado com A, D casado com E, são comproprietários do imóvel sito na Rua dos X, n.ºs 35 a 41, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 0000 da Conservatória de Registo Predial do Funchal, sendo a sua gestão feita pela Demandante, através do seu procurador F.
2. Em 04.12.2014, por documento particular, a Demandante cedeu à Demandada o gozo da fração identificada pela letra P, 4.º andar, do prédio urbano referido em 1., pelo período de dois anos, com início no dia 01.12.2014 e termo em 30.11.2016.
3. No contrato referido em 2. as partes acordaram no pagamento de uma renda mensal de €177,00 por transferência bancária, atualizada anualmente, sendo que se nada fosse dito em contrário se renovava pelo prazo de um ano.
4. No contrato referido em 2. as partes acordaram que a oposição à renovação por qualquer um dos outorgantes seria feita através de comunicação escrita, a enviar para a morada da primeira outorgante, com uma antecedência mínima de 90 (noventa) dias sobre a data em que operassem os seus efeitos.
5. No contrato referido em 2. as partes acordaram que o mesmo poderia cessar os seus efeitos a qualquer momento, por denúncia ou por mútuo acordo, sendo esse acordo reduzido a escrito, sendo que a denúncia antes do prazo obrigava ao pagamento das rendas que se vencessem e fossem devidas até ao fim do contrato.
6. Aquando da outorga do contrato referido em 2. a Demandada entregou à Demandante o valor de 177,00€ a título de caução, valor que seria devolvido no final do contrato com a entrega do locado nas condições descritas no mesmo.
7. No contrato referido em 2. as partes acordaram que as comunicações entre si deviam ser realizadas por carta registada com aviso de receção para as moradas indicadas no contrato, caso não fossem comunicadas outras pela mesma via.
8. Em 23.09.2015, por documento particular, a Demandante cedeu à Demandada o gozo da fração identificada pela letra D, 1.º andar, do prédio urbano referido em 1., pelo período de um ano, com início em 01.10.2015 e termo em 30.09.2016.
9. No contrato referido em 8. as partes acordaram no pagamento de uma renda anual no valor de 3.360,00€, correspondendo a uma renda mensal de 280,00€, atualizada anualmente, sendo que se nada fosse dito em contrário se renovava pelo prazo de um ano.
10. No contrato referido em 8. as partes acordaram que a oposição à renovação por qualquer um dos outorgantes seria feita através de comunicação escrita, a enviar para a morada da primeira outorgante, com uma antecedência mínima de 90 (noventa) dias sobre a data em que operassem os seus efeitos.
11. No contrato referido em 8. as partes acordaram que o mesmo poderia cessar os seus efeitos a qualquer momento, por denúncia ou por mútuo acordo, sendo esse acordo reduzido a escrito, sendo que a denúncia antes do prazo obrigava ao pagamento das rendas que se venceriam e seriam devidas até ao fim do contrato.
12. Aquando da outorga do contrato referido em 8. a Demandada entregou à Demandante o valor de €210,00 a título de caução e a renda de Outubro, sendo que o valor da caução seria devolvido no final do contrato com a entrega do locado nas condições descritas no mesmo.
13. A Demandada ficou convencida que os 210,00€ a título de caução, referido em 12., seriam deduzidos no ultimo mês de renda da fração identificada em 8.
14. No contrato referido em 8. as partes acordaram que as comunicações entre si deviam ser realizadas por carta registada com aviso de receção para as moradas indicadas no contrato, caso não fossem comunicadas outras pela mesma via.
15. O pagamento das rendas dos contratos celebrados e referidos em 2. e 8. era feito inicialmente através da entrega direta da quantia monetária e posteriormente por transferência bancária para o NIB 00XXXX00, sendo o recibo entregue em mão, quer por F, quer por G, no local de trabalho da Demandada.
16. Nas frações identificadas em 2. e 8., a Demandada exerceu a atividade de costureira.
17. Por carta registada com aviso de receção, datada de 01.02.2016, enviada em 02.02.2016 e rececionada pela Demandada em 03.02.2016, o procurador da Demandante, F comunicou à Demandada a oposição à renovação do contrato de arrendamento referido em 2.
18. Por carta registada com aviso de receção, datada de 04.02.2016, enviada em 05.02.2016 e rececionada em 08.02.2016, o procurador da Demandante, F comunicou à Demandada a oposição à renovação do contrato de arrendamento referido em 8.
19. Após receber as cartas referidas em 17 e 18, com o acordo do procurador da Demandante, a Demandada começou a procurar salas para poder exercer a sua atividade.
20. No dia 31 de agosto de 2016, a Demandada contactou telefonicamente com o irmão do procurador da Demandante, G, para lhe entregar as chaves das frações referidas em 2. e 8., tendo-lhe este dito para as deixar na caixa de correio da administração do prédio referido em 1., o que fez.
21. A Demandada efetuou o pagamento de rendas até ao mês de julho de 2016 inclusive relativamente à fração do 1.º andar e até ao mês de agosto de 2016 inclusive relativamente à fração do 4.º andar.
22. As frações referidas em 2. e 8. tinham já deteriorações dos anteriores inquilinos.
23. O procurador da Demandante, a partir de novembro de 2015, abordou por diversas vezes a Demandada no sentido de um aumento da renda acordada entre ambos relativamente aos contratos referidos em 2. e 8.
24. O procurador da Demandante, por várias vezes, solicitou à Demandada que entregasse as frações referidas em 2. e 8., livres de pessoas e bens uma vez que tinha outros interessados no arrendamento das mesmas.
25. A Demandada deixou as chaves das frações referidas em 2. e 8. na caixa de correio da administração do prédio referido em 1. com o conhecimento e acordo do procurador da Demandante.
26. Após a entrega das chaves na caixa de correio da administração, nem o procurador da Demandante, nem o seu irmão G abordaram a Demandada para que esta lhe pagasse qualquer quantia a título de rendas em atraso.
27. Em data não concretamente apurada, posterior a 31.08.2016, G, por solicitação do irmão F e munido de documento que este lhe entregou, procurou a Demandada para que esta assinasse uma declaração de cessação dos contratos referidos em 2. e 8., formalizando o acordo de 31.08.2016.

FACTOS NÃO PROVADOS
28. A Demandada causou danos nas frações referidas em 2. e 8., nomeadamente furos na parede, rodapés riscados e furados, azulejos furados e paredes sujas, porta da casa de banho e de entrada riscada e com prego.
29. O orçamento elaborado por H em 29.09.2016 diz respeito a obras nas frações arrendadas à Demandada.
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O processo de formação livre da prudente convicção do Tribunal resultou da observância de regras de experiência ou lógica, da apreciação dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas oferecidas pela Demandante e pela Demandada.
Para dar como provados os factos assim considerados em 1 a 27, o Tribunal valorou todos os documentos juntos aos autos com os articulados, os juntos por requerimento e aqueles que foram juntos pela Demandada em sede de audiência de julgamento. Valoraram-se ainda as declarações da Demandada nos termos do artigo 57.º n.º 1 da Lei 78/2001 de 13 de julho, os depoimentos das testemunhas da Demandante, F e G e das testemunhas da Demandada I e J.
A Demandada B explicou que em momento anterior à celebração dos contratos nos autos, já tinha uma sala arrendada no prédio em questão, onde exercida a sua atividade de costura. Explicou que inicialmente arrendou uma sala no 4.º andar para fazer uma arrecadação/arrumos, e que posteriormente arrendou uma sala no 1.º andar onde havia estado uma esteticista. Aquando da celebração do arrendamento da fração do 1.º andar entregou uma caução tendo ficado convencida que tal valor seria deduzido no último mês de renda da referida fração.
Referiu que em novembro de 2015, foi abordada pelo procurador da Demandante, F que lhe disse que a renda acordada era baixa e que seria necessário aumentar, o que a Demandada recusou. A partir dessa data, o procurador da Demandante continuou sistematicamente a interpelá-la para que abandonasse a sala do 1.º andar uma vez que precisava dela para arrendar a um terceiro que estaria interessado. Explicou que em fevereiro de 2016 recebeu cartas do procurador da Demandante onde lhe comunicava a intenção de não renovação dos contratos de arrendamento celebrados. Confrontada com os documentos de fls. 17 a 19 e 94, registo, avisos de receção e cartas datadas, respetivamente, de 01.02.2016 e de 04.02.2016, confirmou que foram as cartas que recebeu.
Explicou que após receber as cartas que lhe foram enviadas pelo procurador da Demandante, acordou com este procurar outras salas. Afirmou de forma que se revelou credível aos olhos do Tribunal que no mês de julho de 2016, F foi ao seu atelier de costura tendo-lhe dito que estava a aproximar-se a data para sair do locado e questionou-a se queria permanecer com um aumento de renda. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, a Demandada explicou ao procurador da Demandante que havia já encontrado outro lugar com a diferença de 20,00€ mensais de renda em relação ao que lhe havia arrendado, ao que este terá respondido que esse valor não era suficiente para ali permanecer e que assim sendo devia abandonar o locado e entregar as chaves do atelier de costura e da arrecadação.
Afirmou que as rendas foram sempre pagas em dinheiro, sendo que mensalmente, após pagamento, o irmão do procurador da Demandante G e o próprio procurador, F, lhe entregavam em mão os recibos. Em data que não recorda e uma vez que nem o procurador da Demandante nem o seu irmão iam receber as rendas, por conselho da sua filha, começou a fazer transferências bancárias para o NIB que constava nos contratos de arrendamento.
Explicou que no final de agosto, conforme acordado com o procurador da Demandante, limpou as duas frações com ajuda de amigas e ligou a G, dizendo-lhe que tinha as chaves para entregar, tendo-lhe este respondido para as deixar na caixa do condomínio, o que fez na companhia da sua amiga I.
Afirmou que, após a entrega das chaves, o procurador da Demandante pediu a G para a procurar no seu novo espaço de trabalho com uma carta, onde constava um acordo e solicitando-lhe que o assinasse, o que não fez.
Negou perentoriamente que tivesse causado danos em qualquer uma das frações sendo que quando confrontada com as fotografias de fls. 22 a 25 explicou que se tratavam de deteriorações feitas pelos anteriores inquilinos, um profissional de acupuntura (no 4.º andar) e uma esteticista (no 1.º andar).
Referiu ainda que a fração do 4.º andar no mês de outubro estava já arrendada a uma professora de música.
A testemunha F explicou ser procurador da Demandante fazendo a gestão dos arrendamentos, tendo sido ele quem arrendou o atelier e a arrecadação à Demandada, em 04.12.2014 e em 23.09.2015. Referiu que a Demandada já era inquilina, há muitos anos, mas noutra sala que não as frações arrendadas em 2014 e 2015. Esclareceu que, em 01 e 04 de fevereiro de 2016, enviou, por correio, à Demandada cartas a comunicar a oposição à renovação dos contratos com ela celebrados, tendo esta saído das frações em 31.08.2016, deixando as chaves na caixa de correio da administração do prédio, sendo surpreendido pelas chaves que ali encontrou. Relativamente às rendas, afirmou que se encontravam por pagar os meses de setembro a novembro de 2016 relativamente à fração do 4.º andar e a renda do mês de agosto de 2016 em relação à fração do 1.º andar. Afirmou que mensalmente eram emitidos e entregues pessoalmente à Demandada os recibos eletrónicos e que não foi emitido ou entregue qualquer recibo no mês de agosto.
Confirmou que, no fim do mês de agosto de 2016, a Demandada ligou ao seu irmão G a dizer que queria entregar as chaves das frações. Posteriormente afirmou que o irmão nada lhe disse sobre a entrega das chaves e que só mais tarde ao abrir a caixa de correio se deparou com as chaves, não tendo havido qualquer acordo quanto à saída da Demandada antes do fim do contrato.
Negou que tivesse proposto um aumento de renda à Demandada, sendo que enviou as cartas de oposição à renovação uma vez que precisava das duas salas que lhe havia arrendado e que posteriormente as arrendou. Negou também que tenha pressionado a Demandada para sair das frações arrendadas.
Quanto ao orçamento junto aos autos a fls. 26, disse ter sido ele quem o pediu para pôr a sala do 1.º andar que a Demandada entregou, apresentável, dizendo que os danos que são indicados na presente ação dizem respeito apenas a essa fração. Confrontado com as fotografias juntas aos autos a fls. 23 a 25, identificou os furos no teto como sendo para suportar uma cortina que faria de divisória, no entanto depois afirmou que nunca foi local antes de verificar os danos não sabendo por essa razão se havia uma cortina e, posteriormente, disse que em virtude de estar a porta sempre aberta quando ia entregar os recibos, viu uma cortina de casa de banho plástica aparafusada no teto. Afirmou ainda que recebia a renda e entregava os recibos dentro da fração do 1.º andar. Explicou que na fotografia de fls. 23 se vêem furos nos azulejos da casa de banho do 1.º andar, uma vez que a Demandada ali colocou um esquentador, o que viu quando utilizava aquela divisória.
Confirmou que não contactou a Demandada quando se deparou com os danos na fração do 1.º andar, uma vez que a Demandada lhe disse que não queria voltar a falar consigo, facto que se revelou pouco credível, até porque a testemunha poderia recorrer, para esse fim, à forma escrita ou incumbir de tal tarefa o irmão.
Explicou que quando arrendou as frações à Demandada tudo estava como novo. Confirmou que no 4.º andar estava um senhor japonês.
A versão dos factos apresentada pela testemunha F merece-nos reservas, não só pela parcialidade revelada, a que não é alheia a relação de procurador que tem para com a Demandante, como também pelo facto de a mesma ser infirmada em vários pontos pelo depoimento da testemunha G, seu irmão, que com ele colabora na gestão dos arrendamentos e que lhe dava conhecimento de tudo quanto se passava no edifício, facto que a testemunha F confirmou.
A testemunha G teve um depoimento que assumiu particular relevância, porquanto revelou coerência e credibilidade pela forma isenta com que o fez. Afirmou que a Demandada foi arrendatária de duas frações no 1.º e 4.º andar da Rua dos XXXX n.º 35 a 41. Explicou que auxiliava o irmão, procurador da Demandante que vive na África do Sul, dando o apoio necessário na gestão dos arrendamentos, designadamente entregando recibos de rendas e verificando o funcionamento do estado do prédio. Confirmou que a Demandada saiu das frações em finais de agosto de 2016 e que as rendas eram pagas por transferência bancária, sendo que após confirmar os pagamentos emitia o recibo eletrónico que era entregue pessoalmente aos inquilinos por si e pelo irmão, F. Explicou que ficaram em dívida as rendas do 1.º andar relativamente ao mês de agosto de 2016 e ao 4.º andar relativamente aos meses de setembro, outubro e novembro de 2016. Confirmou que foi entregue pela Demandada uma caução relativamente às duas frações arrendadas mas que não foram consideradas no último mês em que esta esteve nos locados. Afirmou que ficou convicto que a Demandada usou o valor da caução para pagar o mês de agosto.
Referiu que após lhe ter previamente ligado, a Demandada deixou as chaves na caixa do correio da administração no fim do mês de agosto de 2016, facto que transmitiu ao irmão F. Após a saída da Demandada, o irmão não viu de imediato as salas, desconhecendo a testemunha o estado em que se encontravam. Quando questionado se terá existido um acordo entre a Demandada e a Demandante, através do procurador, mostrou-se hesitante em responder. Depois de advertido de que se encontrava sob juramento, afirmou que o irmão queria que a Demandada saísse das frações, tendo-lhe inclusive entregue um documento para pôr fim aos contratos por mútuo acordo, pedindo-lhe que o levasse à Demandada e que esta o assinasse. Afirmou de forma assertiva, que levou o documento à Demandada já depois desta ter entregue as frações e que lhe transmitiu a vontade do seu irmão de pôr fim aos contratos por mútuo acordo de forma escrita, desconhecendo a razão de esse acordo não ter sido assinado. Concluiu dizendo que quando a Demandada lhe ligou no final de agosto de 2016 a informar que pretendia entregar as chaves não achou estranho, uma vez que já há algum tempo que se vinha falando da saída desta das frações.
Explicou não se lembrar se havia uma cortina a dividir o espaço, mas sim uma estante. Que não viu qualquer dano nas frações. Referiu saber que a anterior inquilina, que tinha um “negócio de unhas”, tinha um esquentador fixado na parede. Confrontado com as fotografias de fls. 23 a 25, não conseguiu afirmar se diziam respeito às frações, esclarecendo que no 4.º andar só esteve uma vez por causa de uma inundação. Do orçamento junto aos autos a fls.26 nada soube explicar, tendo apenas referido que foram feitas obras noutras salas no prédio onde se inserem as frações que estavam arrendadas à Demandada.
A testemunha da Demandada, I, explicou ser amiga e cliente desta e que a acompanhou na desocupação e limpeza das frações que tinha arrendadas na Rua dos XXX, onde exercia a atividade de costureira.
Referiu que viu as cartas que o procurador da Demandante enviou à Demandada e que a encontrou várias vezes triste porque aquele a pressionava a sair das frações arrendadas. Explicou que no último dia do mês de agosto de 2016 assistiu ao telefonema que a Demandada fez ao representante da senhoria para entregar as chaves, não sabendo dizer com qual dos irmãos falou, tendo esta posto em voz alta o telemóvel, facto que não se revelou credível aos olhos do tribunal atendendo a que estariam, segundo a testemunha, num café.
Confrontada com as fotografias de fls. 23 a 25, disse que não viu qualquer dano nos rodapés ou nas paredes das frações, uma vez que a Demandada tinha armários de desviar, não presos nas paredes. Explicou que chegou a utilizar a casa de banho do 1.º andar mas que nunca viu qualquer esquentador, nem qualquer objeto pendurado, com exceção do candeeiro.
A testemunha da Demandada, J explicou que durante muitos anos colaborou, gratuita e diariamente (de 2.ª a 6.ª feira), no período da tarde, com aquela, na fração do 1.º andar que tinha arrendado na Rua dos XXX desde 2004 até à sua saída em 2016. Asseverou que a Demandada sempre pagou pontualmente as rendas. Referiu que a Demandada fez do 4.º andar arrumos/arrecadação. Referiu que chegou a presenciar conversas entre o procurador da Demandante, F e a Demandada, por ocasião de entrega do recibo ou noutras alturas, para que esta saísse das frações porque tinha um interessado. Referiu que chegou a ouvir o procurador da Demandante sugerir à Demandada que teria que pagar mais pelo arrendamento para aí permanecer, o que esta negava poder fazer. Confirmou que em fevereiro de 2016 a Demandada recebeu duas cartas do procurador da Demandante a comunicar que não iria renovar os arrendamentos, sendo que a partir dessa data este ia com frequência solicitar à Demandada que saísse das frações. Explicou que a Demandada entregou as chaves das duas salas arrendadas no final do mês de agosto de 2016, uma vez que a saída de do 1.º andar implicava a saída da outra fração, porque o 4.º andar era um arrumo/arrecadação e perdia o efeito útil. Referiu que, no mês de outubro de 2016, a Demandante já tinha conseguido arrendar a fração do 4.º andar. Assegurou que nunca houve qualquer esquentador na casa de banho do 1.º andar. Confrontada com as fotografias de fls. 23 a 25, referiu que nunca viu qualquer prateleira, nem qualquer dano dos ali retratados, sabendo que no 4.º andar tinha estado um japonês que fazia massagens e que deixou alguns móveis e cortinas nas janelas. Que o espaço era dividido por um armário que não estava preso na parede.

Os factos não provados em 28 e 29 assim foram considerados atendendo à falta de prova da sua verificação ou prova produzida em sentido contrário que os infirmaram.
Designadamente, a testemunha G que, de forma objetiva e sem contradições, afirmou que não lhe pareceu estranha a saída da Demandada do locado nem o telefonema que esta lhe fez para entregar as chaves, assim se concluindo que era já do conhecimento do procurador da Demandante e com o seu acordo que a Demandada desocuparia as frações arrendadas na data em que o fez. Explicou que foram feitas outras obras nas várias salas que a Demandante tem no prédio sito na rua dos XXX, n.ºs 35 a 41 e que nunca viu danos nas frações, sendo que existia já no wc da fração do 1.º andar um esquentador aí colocado pela anterior inquilina, o que justificaria na sua opinião os furos visíveis na foto de fls. 23 (documento 9 junto com o requerimento inicial). Do mesmo modo, as testemunhas indicadas pela Demandada afirmaram que não viram qualquer dano nas frações que lhe estavam arrendadas, sendo que a testemunha I, nesta parte, de forma assertiva e isenta de contradições que se mostrou credível ao tribunal, asseverou que no dia da entrega das chaves ajudou a Demandada a desocupar as frações não tendo visto qualquer dano. A testemunha indicada pela Demandada J assegurou de forma convicta e que se revelou coerente e credível que durante anos trabalhou com a Demandada no atelier de costura nas frações arrendadas (sendo uma destinada a arrumos e outra ao trabalho de costura) e que apenas viu deteriorações e furos que ali se encontravam deixadas pelos anteriores inquilinos, uma esteticista (no 1.º andar) e um consultório de acupunctura (no 4.º andar).
O orçamento junto a fls. 26 não se encontra assinado e refere genericamente “escritório”, pelo que não se pode concluir que diga respeito a obras nas frações arrendadas pela Demandante à Demandada, a que acresce que a testemunha G referiu que outras obras foram feitas nas várias salas do prédio nessa altura.
Por outro lado, as fotografias juntas aos autos a fls. 23 a 25 não têm data e não permitem sequer perceber a qual das frações se referem, sendo que apenas a testemunha F, procurador da Demandante, conseguiu dar tal informação.
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VII – ENQUADRAMENTO JURÍDICO LEGAL
Com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
Atentos os factos apurados verifica-se que entre as partes foram celebrados dois contratos de arrendamento, não habitacionais, referentes à fração identificada pela letra P, 4.º andar, do prédio urbano referido em 1. dos factos provados, pelo período de dois anos, com início no dia 01.12.2014 e termo em 30.11.2016, pela renda mensal de €177,00, a pagar por transferência bancária, atualizada anualmente, sendo que se nada fosse dito em contrário se renovava pelo prazo de um ano; à fração identificada pela letra D, 1.º andar, do prédio urbano referido em 1. dos factos provados, pelo período de um ano, com início em 01.10.2015 e termo em 30.09.2016, pela renda anual no valor de 3.360,00€, correspondendo a uma renda mensal de 280,00€, atualizada anualmente, sendo que se nada fosse dito em contrário se renovava pelo prazo de um ano (artigos 1022.º e 1023.º do Código Civil).
Ora, conforme resulta do artigo 1038.º, al. a) do Código Civil, uma das obrigações do locatário é o pagamento da renda no prazo estipulado, sendo que como contrapartida dessa obrigação do locatário, impende sobre o locador a obrigação de lhe assegurar o gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina, cabendo a este executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário – artigos 1031.º, al. b) e 1074.º, n.º 1.
Sustenta a Demandante que enviou cartas a comunicar a oposição à renovação dos contratos de arrendamento celebrados com a Demandada relativamente a duas frações no 1.º e 4.º andar da Rua dos XXX, n.ºs 35 a 41, tendo esta abandonado sem pré-aviso as frações e causado nelas danos que não reparou.
A Demandada defende que existiu um acordo com o procurador da Demandante quanto à data de saída das frações arrendadas, a quem entregou as chaves e que não causou quaisquer danos nas frações, sendo que os eventualmente existentes o foram pelos anteriores inquilinos, uma esteticista (no 1.º andar) e um profissional de acumpuntura (no 4.º andar).
Cumpre analisar se face à matéria dada como provada e não provada existiu entre as partes uma revogação real dos contratos de arrendamento, que assenta num acordo entre o senhorio e o arrendatário, a que acresce a execução imediata, com dispensa de escrito, mesmo que o contrato exija essa forma (neste sentido os Acs. do STJ de 13.03.1997 e de 09.05.2006, procs. 97A858 e 06A1001, respetivamente, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).
Conforme o Acórdão do STJ de 19.09.2006, processo 06A2597 (consultável em www.dgsi.pt), “A revogação bilateral (acordo revogatório, distrate ou mútuo dissenso) assenta num acordo entre o senhorio e o arrendatário cuja prova tem de resultar de factos alegados por quem invoca essa forma de extinção”.
Incumbia pois à Demandada o ónus da prova, por ter alegado essa forma de extinção, que teria de resultar de factos concludentes, ou seja, “todos aqueles factos nos quais se possa apoiar uma ilação para se constituir o significado do comportamento, sendo este o resultado da ilação” (cf. o Acórdão do STJ de 13.03.2008, processo 08A466). Pela prova produzida tem de se concluir inequivocamente pela (in)existência de consenso gerador de revogação real.
A Demandada invocou e provou a existência de um negócio consensual traduzido num acordo de revogação bilateral. Ficou provado que a partir de novembro de 2015 o procurador da Demandante e testemunha nos presentes autos, F, se dirigiu por diversas vezes à Demandada para que esta procedesse à desocupação das frações arrendadas, tendo inclusive pedido, já depois da saída da Demandada das frações, ao seu colaborador e irmão, a testemunha G, para lhe entregar um acordo que formalizava a cessação por mútuo acordo dos contratos de arrendamento. Resultou ainda provado que em 31.08.2016 a Demandada, após limpar e desocupar as frações com a amiga e testemunha I, telefonou ao irmão do procurador da Demandante, G para lhe entregar as chaves das frações arrendadas, não tendo este revelado qualquer surpresa e afirmando que comunicou tal entrega a F que apenas foi visitar o imóvel algum tempo depois. Recorrendo às regras da experiência e da lógica, não faz qualquer sentido que sendo uma entrega de chaves não acordada entre as partes, o procurador da Demandante apenas se dirigisse às frações para verificar o estado dos imóveis alguns dias depois. As testemunhas da Demandada e ela própria ouvida no inicio da audiência, asseguraram que a viram várias vezes triste pela insistência do procurador da Demandante para que deixasse as frações arrendadas, tendo a testemunha J presenciado algumas das conversas que tiveram nesse sentido.
Conforme Paulo Mota Pinto (in Declaração e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, págs. 746 a 760 e 892) e Pedro Paes de Vasconcelos, (in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 301), a concludência pode resultar de pressuposição ou de implicação, consoante esse sentido é pressuposto ou implicado com toda a probabilidade pelos factos de que se deduz, sendo que à interpretação das declarações negociais tácitas se aplicam as regras dos artigos 236.º e seguintes do Código Civil.
Ensina a jurisprudência que o comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.
Como ensina C. Ferreira de Almeida (in “Teoria do Negócio Jurídico”, pág. 718), estes comportamentos terão de ser “comportamentos positivos, compreendidos com um valor negocial e que neles se não vislumbre uma finalidade directamente dirigida ao negócio jurídico em causa.
Também Vaz Serra refere que a designação «declaração tácita de vontade» é enganosa, dado que não se entende o silêncio, mas uma exteriorização positiva, que, porém, diz imediatamente algo diverso, ou também um simples «acto real» como declaração de uma forma determinada de vontade de efeitos jurídicos, rematando que “a conclusão que aqui é tirada assenta a maior parte das vezes na admissão de um modo lógico e leal de pensar ou agir daquele cuja vontade de efeitos jurídicos é extraída da sua exteriorização ou da sua conduta”.
Conforme resultou dos factos provados, vários foram os comportamentos concludentes do procurador da Demandante reveladores da intenção de findar os arrendamentos por mútuo acordo e antes mesmo do seu final. Recorde-se a entrega do documento ao seu irmão e testemunha nos autos G, já depois da saída da Demandada das frações para formalizar a cessação por acordo dos contratos, o ato previamente acordado de entrega das chaves e a sua não recusa e as conversas entre F e a Demandada, que a testemunha J presenciou.
E foi a conduta do procurador da Demandante, descrita pelo seu irmão, pela Demandada e pelas suas testemunhas, que presenciaram conversas, que mostrou ao Tribunal de forma inequívoca a exteriorização da conduta dos intervenientes no sentido de manifestação do seu querer: a cessação dos contratos de arrendamento por acordo entre as partes, para a Demandante poder arrendar as frações a terceiro, o que veio a suceder logo no mês de outubro de 2016 pelo menos em relação a uma delas.
Resultou provado que, na sequência de conversas com o procurador da Demandante, após receber as cartas que este lhe dirigiu em fevereiro de 2016 e com o seu acordo, procurou salas para exercer a sua atividade e em 31.08.2016 saiu das frações que lhe haviam sido arrendadas.
Poderia colocar-se a dúvida quanto à forma pela qual o acordo foi realizado, ao não ter respeitado a forma escrita uma vez que conforme resulta dos factos provados os contratos previam que fosse essa a forma das comunicações entre as partes. A este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo 97A858 (consultável em www.dgsi.pt) refere no seu sumário “A revogação real do arrendamento assenta num acordo entre o senhorio e o arrendatário, a que acresce a sua execução imediata, sendo dispensada redução a escrito mesmo que o contrato exija essa forma” (sublinhado nosso).
A desocupação e entrega das chaves das duas frações arrendadas, no 1.º e no 4.º andar da Rua dos XXX n.ºs 35 a 41, ao procurador da Demandante senhoria que as recebeu, acarreta efeito extintivo do contrato por via de revogação real (neste sentido a jurisprudência maioritária, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 9.03.2004, proc. n.º 10796/2003-1, e de 10.12.2009, proc. n.º 2143/03.0TCSNT.L1-1, ambos em www.dgsi.pt), afirmação apoiada nos artigos 1079.º, primeira parte e 1082.º ambos do Código Civil.
Conforme resulta de forma impressiva e inequívoca do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.01.2012 (em www.dgsi.pt), “ (…) a revogação materializou-se e consumou-se com a entrega das chaves e do arrendado ao autor e com o posterior recebimento de tais elementos por banda do autor, revogação esta que, no fundo, enforma a denominada revogação real e que, por isso, é perfeitamente válida e eficaz. (...) Na verdade, o apontado acto – entrega das chaves com desocupação do arrendado e posterior recebimento daqueles pelo senhorio – tem que ser interpretado e entendido no sentido de que, com ele, as partes quiseram de mútuo acordo, pôr termo, naquele momento, ao contrato de arrendamento (...)”.
Com a extinção dos contratos de arrendamento, por revogação real, no dia 31.08.2016, deixaram de se produzir todos os efeitos a que eles eram vocacionados, incluindo a obrigação de entrega da renda pela Demandada inquilina, a contar do dia dessa ocorrência extintiva.
Invoca a Demandante que a Demandada que está em dívida a renda do mês de agosto de 2016 quanto à fração do 1.º andar e a renda dos meses de setembro a novembro de 2016 relativamente à fração do 4.º andar. Resulta do que vem de se expor que apenas até à data extintiva (31 de agosto de 2016) se podem mostrar devidas rendas a entregar pela Demandada inquilina.
Relativamente à fração do 4.º andar, a Demandante peticiona as rendas dos meses de setembro a novembro de 2016, sendo que pelas razões elencadas as mesmas não são devidas porque o contrato se extinguiu em 31.08.2016.
Resultou provado que a Demandada entregou à Demandante aquando da celebração do contrato de arrendamento no dia 23.09.2015, relativamente à fração do 1.º andar, a quantia de 210,00€, não tendo esta imputado esse valor a qualquer título a favor da Demandada, nem o tendo devolvido aquando do final da relação contratual. Resultou ainda provado que a Demandada ficou convencida que tal valor seria deduzido no último mês de renda da referida fração e que por essa razão não procedeu ao pagamento da renda do mês de agosto de 2016 relativamente à fração do 1.º andar.
Na verdade a Demandada afirma na sua contestação que deixou pagas integralmente as rendas até à data em que saiu das frações arrendadas à Demandante, no entanto não logrou provar tal facto, sendo que era a si a quem cabia o ónus da prova nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil.
Sucede que, conforme já concluído, resulta dos factos provados que existiu um acordo entre as partes quanto à data da entrega das frações arrendadas e que foi concretizado em 31.08.2016 e que a Demandada não pagou relativamente à fração do 1.º andar, a renda do mês de agosto de 2016.
O Artigo 1041.º do Código Civil, refere que: «1. Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento».
Perante a falta de pagamento de rendas, o senhorio tem duas vias legais diante de si. Se enveredar por uma, obtém a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas e o valor destas em singelo. Se for pela outra, protege o contrato, deixando-o subsistente, e cobra, além das rendas, uma indemnização correspondente a 50% do seu valor.
A parte final do referido normativo legal apenas exclui a indemnização se ocorrer, cumulativamente: a) a resolução do contrato e b) essa resolução se tiver fundado na omissão do pagamento das rendas de emanação contratual (neste sentido, COELHO, F. M. Pereira, Arrendamento, Lições ao curso do 5.º ano de Ciências Jurídicas no ano lectivo de 1986-1987, Coimbra, 1987, pág. 180).
No acórdão do STJ, (Boletim do Ministério da Justiça 406, 601) pode ler-se forma clara “Não deriva, de resto, da lei que o pagamento da indemnização apenas seja obrigatório quando o locatário mantém ou pretende manter o arrendamento, pelo que o referido direito do locador se não extingue se o locatário voluntariamente, ainda que na pendência da acção de despejo, abandonar ou entregar o locado”.
A interpretação realizada pelas instâncias de tal normativo correspondeu à sua literalidade: a específica e agravada indemnização moratória ali prevista só não tem cabimento se o locador optar pelo exercício do direito potestativo à resolução do contrato com fundamento no incumprimento da obrigação de solver pontualmente a renda e o contrato vier a ser efetivamente resolvido com tal fundamento, nomeadamente por o locatário não ter optado por purgar a mora, nos termos consentidos pelo artigo 1048.º do Código Civil.
Resulta pois que a situação expressamente tipificada na fattispecie do nº1 do artigo 1041º do Código Civil manifestamente não se verifica no caso dos autos. A Demandante não peticionou a resolução do arrendamento, porque este já havia cessado por acordo entre as partes, limitando-se a pedir o pagamento das rendas que entende serem devidas pelo período em que o contrato subsistiu e uma indemnização pela mora. Assim sendo, não estamos confrontados com uma ação constitutiva, em que o senhorio exerce o direito potestativo à resolução do contrato com base em incumprimento da contraparte, mas com uma pura ação de condenação em que – tendo-se já por extinta para o futuro a relação contratual, se pretende obter a condenação do devedor no cumprimento das prestações devidas e em mora.
Na concreta situação dos autos, a causa da cessação da relação locatícia não foi o exercício pela senhoria de um direito à resolução fundado em incumprimento contratual da inquilina, mas antes a entrega das chaves das frações – revogação real - acordada com o procurador da Demandante.
À data da extinção dos contratos de arrendamento, - e até à presente data - a Demandante manteve as cauções que lhe foram entregues pela Demandada, sendo que foi convencionado que no fim dos contratos e após a verificação do estado de conservação dos locados, estes valores ficariam ou não disponíveis.
Atentos os valores entregues pela Demandada a título de caução no momento da celebração dos contratos, conforme resulta dos factos provados, poderia estar-se na presença de uma quantia suscetível de compensação entre as partes, sendo que o artigo 48.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, admite a reconvenção nos casos em que o Demandado pretende obter, designadamente, a compensação.
Porém, a compensação não opera ipso iure, sendo necessária a manifestação de vontade de um dos credores-devedores nesse sentido, a qual só produz efeito se o crédito for exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção perentória ou dilatória, de direito material (artigo 847.º, n.º 1, a) do Código Civil), pelo que não bastava a convicção da Demandada que a caução entregue seria para pagar o ultimo mês de renda da fração do 1.º andar, - facto que não foi alegado na contestação, mas resultou da prova produzida em julgamento - porque tal convicção não permite subtrair o consequente pedido de compensação ao regime previsto no artigo 266.º, n.º 2, c) do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho) que não prevê qualquer exceção, devendo tal pretensão ser formulada por via reconvencional (neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.07.2015, processo n.º 19412/14.6YIPRT-A.P1, pesquisável em www.dgsi.pt), o que não sucedeu.
Por outro lado, poderia estar em causa um enriquecimento sem causa – artigo 473.º do Código Civil – por parte da Demandante ao não devolver, sem motivo, a caução que lhe foi entregue, após ter verificado o estado dos imóveis. No entanto, mesmo este instituto para ser declarado, tem requisitos positivos (enriquecimento e seu suporte por outrem com o respetivo nexo causal) e negativos (ausência de causa legitima, e de outro meio jurídico ou de preceito legal a atribuir outros efeitos ao enriquecimento), sendo que só pode ser invocado a título subsidiário (subsidiariedade que abrange os dois últimos requisitos negativos).
Ora, os requisitos do enriquecimento, quer por prestação, quer por intromissão abusiva no património alheio, quer por despesas efetuadas por outrem, quer por pagamento de dívida alheia ou desconsideração de património, devem ser alegados e provados pela Demandada, o que também não sucedeu nos presentes autos.
Face ao que antecede, e não tendo deduzido pedido reconvencional nos presentes autos, invocando compensação quanto ao valor entregue a título de caução, nem invocado os factos consubstanciadores de enriquecimento sem causa da Demandante, terá de condenar-se a Demandada B a pagar a renda do mês de agosto de 2016, relativa ao 1.º andar arrendado, no montante de € 280,00 (duzentos e oitenta euros), acrescido da respetiva multa de 50%, no montante de € 140,00 (cento e quarenta euros), no valor total de €420,00 (quatrocentos e vinte euros).

Pelo exposto condena-se a Demandada B no pagamento à Demandante da quantia de €420,00 (quatrocentos e vinte euros).
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A Demandante peticiona a condenação da Demandada em juros civis desde a citação até efetivo e integral pagamento.
A mora no cumprimento da obrigação da indemnização de montante fixo taxado no artigo 1041º do Código Civil tem as consequências cominadas nos artigos 804.º e seguintes deste mesmo diploma legal, correndo os juros compensatórios respetivos desde o dia da constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1 Código Civil).
É assim juridicamente aceitável e nessa medida procedente, o pedido de contagem dos juros desde a citação (28.12.2016), face ao disposto no n.º 1 do artigo 805.º do Código Civil, sendo que os juros devidos são os legais – ex vi do n.º 2 do artigo 806.º do mesmo encadeado normativo. Tais juros devem ser contados à taxa emergente da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril – 4% – até integral pagamento.
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Peticiona ainda a Demandante a condenação da Demandada nos danos que alegadamente encontrou nas frações que lhe arrendou, juntando para tanto um orçamento (fls. 26) e fotografias (fls. 22 a 25).
Dispõe o art.º 1043.º, n.º 1, do Código Civil que “Na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.” E o n.º 2 que “Presume-se que a coisa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção, quando não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega.”.
Ora os danos alegados pela Demandante não resultaram provados.
Dispõe o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
E o n.º 2 do mesmo dispositivo legal “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.”.
Não foi aqui o caso, pelo que terá assim forçosamente de improceder nesta parte o peticionado pela Demandante.
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VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS:
As custas serão suportadas pela Demandante e pela Demandada, pelo decaimento na proporção respetiva de 75% e 25% (Artigos 527.º, 537.º n.º 1 do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho - e artigo 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
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IX- DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação parcialmente procedente, e em consequência decido:
1. Condenar a Demandada B no pagamento à Demandante A da quantia de 420,00 € (quatrocentos e vinte euros) a título de renda do mês de agosto de 2016 e penalização pela mora no pagamento da renda da fração do 1.º andar, sita na Rua dos XXX, n.ºs 35 a 41, Funchal.
2. Condenar a Demandada B no pagamento de juros de mora sobre a quantia em dívida referida em 1., à taxa legal, desde a sua citação (28.12.2016) até efetivo e integral pagamento.
3. Absolver a Demandada B do demais peticionado.
4. Condenar a Demandante A e a Demandada B nas custas da presente ação na proporção do respetivo decaimento que se fixa, respetivamente em 75% e 25%.
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Em relação a Demandada B, proceda-se em conformidade com o artigo 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, devolvendo-se a quantia de 17,50€ (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos), correspondentes ao seu 25% do decaimento na ação.
Deverá a Demandante A proceder ao pagamento de 17,50€ no prazo de 3 (três) dias úteis a partir do conhecimento da presente decisão sob pena do pagamento da sobretaxa prevista na Portaria n.º 1456/2001 de 28/12.
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Registe, notifique e após trânsito em julgado, arquive.

Funchal, 15 de dezembro de 2017


A Juíza de Paz


Luísa Almeida Soares
(Processei e revi. Art.º 31 n.º 5 CPC/Art.º 18 LJP)