Sentença de Julgado de Paz
Processo: 158/2015-JP
Relator: DANIELA SANTOS COSTA
Descritores: CONDOMINIO
DELIBERAÇÕES
Data da sentença: 11/07/2017
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, na qualidade de administradora do condomínio do prédio sito na Rua XXXX Coimbra;
Demandados: B, e mulher C.
A Demandante intentou contra os Demandados a presente ação declarativa, enquadrável na alínea c) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, pedindo a sua condenação nos seguintes termos:
a) Serem os Réus ser condenados a remover a marquise existente na fração autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito em Rua XXX, Coimbra, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número XXX da freguesia de Eiras, situada na varanda do alçado lateral esquerdo ao nível do segundo andar, ou serem condenados a permitir e a consentir que a remoção da referida marquise seja efetuada pelo condomínio do prédio, suportando os réus as despesas inerentes a essa remoção, na proporção da permilagem da sua fração autónoma;
b) Serem os RR condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a fixar equitativamente por este Tribunal, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de remover a referida marquise;
Em alternativa, caso se entenda que não assiste ao condomínio o direito de exigir a remoção da marquise, ou o direito de exigir o consentimento dos réus para poder efetuar essa remoção:
Devem os RR serem condenados a ressarcir todos os prejuízos causados ao condomínio, no valor de € 7.428,17 (discriminado no artigo 72º da presente e que aqui se dá por integrado), acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da prolação da sentença, até efetivo e integral pagamento, bem como os danos futuros previsíveis e que se vierem a liquidar em execução de sentença (remoção da marquise pela Câmara Municipal de Coimbra a expensas do condomínio e coima aplicada em processo de contra-ordenação).
Os Demandados apresentaram contestação, conforme plasmado a fls. 122 a 130, tendo arguido a incompetência material do Julgado de Paz, a ilegitimidade passiva e requerido a intervenção principal provocada do construtor e do arquiteto do prédio dos autos, além de terem impugnado os factos vertidos no requerimento inicial. Por despacho de fls. 256 a 257, foi indeferido o pedido incidental formulado pelos Demandados.
Por despacho de fls. 277, foi deferido o pedido de ampliação do pedido pela Demandante.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
Não se verificam quaisquer exceções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, que obstem ao conhecimento do mérito da causa, para além das que infra se apreciará. -
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.
Valor da ação: € 7.428,18

FACTOS PROVADOS:
A. A Demandante é administradora do condomínio do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua XXXX Coimbra, inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o artigo XXX e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número XXXX da referida freguesia de Eiras;
B. Este prédio é composto por cave destinada a garagens, rés-do-chão, primeiro e segundo andares destinados a habitação, sótão e logradouro;
C. Os Demandados são donos da fração autónoma designada pela letra “G” deste prédio, correspondente ao segundo andar esquerdo, lado sul, para habitação, sótão e garagem na cave, designada pelo número nove;
D. Os Demandados adquiriram o direito de propriedade sobre a referida fração autónoma, por compra à sociedade comercial designada por D;
E. A qual se encontra registada na Segunda Conservatória do Registo Predial de Coimbra a favor dos Demandados, pela apresentação número XXX de 24 de março de 2005;
F. O prédio identificado nos artigos 1º e 2º da presente foi construído pela sociedade comercial D, NIPC XXXX com sede no lugar de XXX;
G. Tendo-lhe sido atribuído o alvará de autorização de utilização número XXX emitido em 28 de novembro de 2003;
H. Tal licença de utilização foi concedida de acordo com as telas finais do projeto aprovado pela Câmara Municipal de Coimbra;
I. Em 02/01/2008 foi efetuada uma vistoria ao edifício pela Câmara Municipal de Coimbra, após reclamação do Demandado marido no sentido de que fossem analisadas as condições de salubridade e das garagens não terem rampa acessível;
J. Foi a administração do condomínio notificada do teor do relatório da vistoria efetuada ao imóvel em 02/01/2008;
K. O referido relatório de vistoria descreve várias divergências da obra efetuada com o projeto aprovado, designadamente que, no alçado lateral esquerdo do prédio, as varandas do 1º e 2º andares estão “marquisadas”;
L. Esse relatório foi igualmente notificado ao Demandado marido por ofício datado de 17.03.2009;
M. Nessa data, foi a administração do condomínio notificada pela Câmara Municipal de Coimbra para “no prazo de 45 (quarenta e cinco dias) proceder às obras de retificação descritas no auto de vistoria de 02/01/2008”, sob pena de posse administrativa e instauração de processo de contra-ordenação;
N. Posteriormente, em julho de 2009, foi a ora Demandante notificada para dar cumprimento às diligências necessárias para obras de retificação no prédio;
O. Os condóminos do prédio reuniram-se em assembleia geral extraordinária, em 15 de setembro de 2009, e decidiram “mandatar a administração do condomínio para contratar um técnico da especialidade para apresentar o projeto de legalização das alterações ao inicialmente aprovado”;
P. O Demandado marido esteve presente nessa reunião de condóminos e aprovou a esta deliberação;
Q. Em 15 de abril de 2010, reunidos em assembleia geral ordinária, os condóminos do prédio decidiram novamente que “deverá a administração do condomínio contratar um técnico da especialidade para proceder ao projeto com vista à legalização das alterações relativamente ao projeto aprovado”;
R. A Demandada mulher esteve presente nesta reunião de condóminos e aprovou esta deliberação;
S. Na sequência destas deliberações, foi apresentado na Câmara Municipal de Coimbra um projeto de alterações, com vista à legalização das desconformidades apontadas no auto de vistoria de 01/02/2008;
T. No primeiro projeto de alterações, foram mantidas as marquises construídas no primeiro e segundo andares do edifício e que não estavam previstas no projeto aprovado anteriormente pela Câmara Municipal de Coimbra;
U. Tal projeto foi indeferido por decisão comunicada à Demandante em 20 de agosto de 2012;
V. Com fundamento, entre outros, que a solução proposta para legalização das obras apresentava um excesso de área bruta de construção de 25,92 metros quadrados devido à manutenção das duas marquises;
W. A área bruta de construção constante do projeto de alterações era de 910,19 metros quadrados, verificando-se um excesso em relação à área bruta de construção prevista no alvará de loteamento nº 466, que era de 885 metros quadrados;
X. Em 21 de novembro de 2012, a Câmara Municipal de Coimbra deliberou notificar os ora Demandados e outros proprietários de fracções para, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, reporem as suas frações autónomas em conformidade com o definido no projeto de arquitetura aprovado;
Y. Em 27 de Novembro de 2012, a Câmara Municipal de Coimbra notificou o Demandado marido dessa deliberação, tendo o mesmo pedido duas prorrogações de prazo por 90 dias;
Z. Sucederam-se reuniões entre a Demandante, Demandado marido e técnica da Câmara Municipal de Coimbra – Eng. E;
AA. Em Novembro de 2013, foi apresentado o projeto de alterações com as plantas do 2º andar e alçado lateral esquerdo, onde está prevista a demolição das marquises construídas nos 1º e 2º andares do prédio, no alçado lateral esquerdo;
BB. Em 27 de Fevereiro de 2014, a Câmara Municipal de Coimbra notificou a Demandante do deferimento do pedido de aprovação do projecto de alterações, do qual consta que “a área bruta de construção 884,80 m2 é inferior área bruta de construção a autorizar ao promotor = 885,00 m2”;
CC. Nessa notificação foi ainda concedido à administração do condomínio o prazo de trinta dias para apresentar aditamentos aos projetos de especialidades; -
DD. Tal deliberação foi analisada em reunião de assembleia de condóminos, no dia 8 de abril de 2014, na qual esteve presente a Demandada mulher;
EE. Em maio de 2014, a Câmara Municipal de Coimbra notifica novamente a Demandante para dar cumprimento à notificação anterior;
FF. Na sequência desta notificação, a administração do condomínio informa novamente os condóminos de que não é possível a legalização do prédio sem a retirada total das marquises;
GG. Em 23 de maio de 2014, teve lugar nova assembleia de condóminos;
HH. O Demandado marido ausentou-se da reunião antes de qualquer deliberação;
II. Nessa reunião, a assembleia de condóminos deliberou aguardar até ao dia 30 de maio “uma resposta definitiva dos proprietários cujas frações têm marquises, relativamente à remoção das mesmas, conforme deliberado na assembleia de 8 de abril”;
JJ. No primeiro andar esquerdo, a proprietária da fração procedeu à sua remoção;
KK. Em 18 de junho de 2014, a administração apresenta o termo de responsabilidade ao procedimento camarário;
LL. Em julho de 2014, a Demandante recebe notificação de Câmara Municipal de Coimbra, onde consta que o pedido de licenciamento foi deferido e que deve ser requerida a emissão de alvará no prazo de um ano a contar da data da notificação do ato de licenciamento;
MM. Em 17 de Dezembro de 2014, foi deliberado em reunião de assembleia de condóminos, na qual esteve presente o Demandado marido, agendar uma reunião com a técnica da Câmara Municipal de Coimbra para analisar da possibilidade de manter a referida marquise;
NN. Até à presente data, os Demandados não removeram a marquise da varanda;
OO. Por causa da não remoção da marquise atrás mencionada, o prédio não tem nova licença de utilização;
PP. O condomínio, com vista à legalização do imóvel, já pagou as seguintes quantias: € 5357,54 (cinco mil trezentos e cinquenta e sete euros e cinquenta quatro cêntimos) para pagamento dos honorários aos técnicos que elaboram o projetos; € 474 (quatrocentos e setenta e quatro euros) em certidões prediais para junção ao procedimento camarário e € 450,75 (quatrocentos e cinquenta euros e setenta e cinco cêntimos) pagos ao Município de Coimbra;
QQ. A marquise, na fracção G dos Demandados, já lá se encontrava construída aquando da celebração do negócio de compra e venda;
RR. Foi emitido um parecer jurídico no sentido da responsabilização do arquiteto e da entidade construtora, tendo a demandante remetido uma carta registada com A/R, datada de 22.07.2009, às Construções D, solicitando a reparação de defeitos e para que apresentasse, na Câmara Municipal de Coimbra, um projeto de legalização das alterações efetuadas ao aprovado.
SS. Em 6 de Agosto de 2009, as Construções D responderam à missiva.
TT. Em 20 de Janeiro de 2017, foi emitido, pelo prazo de 3 meses, o alvará de licença de construção n.º 13/2017, para desmontagem e remoção de marquises, em nome do Condomínio;
UU. Em 19 de Abril de 2017, a Demandante requereu a prorrogação do prazo por mais 45 dias para desmontar e remover a marquise da fração dos Demandados, tendo alegado falta de colaboração dos mesmos e tendo pago a taxa de € 100,00.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, nomeadamente:
A. Que o condomínio tenha pago € 615,00 (seiscentos e quinze euros) ao técnico que elaborou o termo de responsabilidade e € 530,88 (quinhentos e trinta euros e oitenta e oito euros) de taxa paga ao Município de Coimbra.
B. Além da marquise dos Demandados, existem ainda partes de marquises que não foram removidas em outras frações autónomas;
C. A dimensão do quarto de um dos apartamentos não foi corrigida;
D. Nunca foram os demandados interpelados, pelo menos formalmente por parte da entidade administrativa que eventualmente seria competente para o efeito, para removerem a marquise em questão.
Os factos provados resultaram da conjugação dos documentos de fls. 22 a 67, 69 a 112, 137, 162 a 176, 190 a 197, 208, 209, 218 a 220, 229, 234 a 236, e dos depoimentos da legal representante da Demandante, declarações do Demandado marido e testemunhais prestados em sede de audiência final.
Quantos aos factos instrumentais insertos nos itens RR, SS, TT e UU, decorreram da instrução da causa, conforme o admite a al. a) do n.º 2 do Art. 5º do CPC.
No que respeita ao depoimento de F, na qualidade de gerente da Demandante, não foi alvo de valoração probatória porque detinha conhecimentos muito vagos e imprecisos sobre o objeto da causa.
Em relação às declarações prestadas pelo Demandado marido, foram relevantes para a definição da matéria provada na medida em que é proprietário da fração onde se encontra instalada a marquise em debate, tendo respondido de forma sincera e cooperante com o Tribunal.
No que concerne ao testemunho de Eng.ª E, indicada pela Demandante e técnica superior do Departamento de Obras Particulares da Câmara Municipal de Coimbra, foi considerado relevante porque demonstrou estar ao corrente da factualidade em debate, respondendo de uma forma tecnicamente precisa e com apoio em elementos documentais camarários dos quais foi munida, por ordem do Tribunal, e em relação aos quais participou ativamente na sua elaboração e acompanhamento.
Quanto às declarações prestadas por G, indicada pela Demandante e sua colaboradora jurídica, foram tidas em consideração porque acompanhou algumas reuniões de Assembleia Geral de Condóminos, e descreveu, com rigor e isenção, a situação da marquise em causa.
Foi ouvida H, indicada pela Demandante e sua colaboradora jurídica, cujo depoimento foi relevante para a descoberta da verdade material na medida em que acompanhou o Demandado marido numa reunião tida, na Câmara, com a Eng.ª E e explicou, de forma espontânea, o seu âmbito de atuação e da Demandante.
Quanto às testemunhas indicadas pelos Demandados, foi ouvida e valorada, em sede de prova, I, proprietária de uma fração no prédio dos autos, que se limitou a informar da existência atual da marquise dos Demandados e desde quando a mesma se encontra instalada.
No que respeita ao depoimento de J, primo do Demandado marido, foi igualmente relevante por saber quando é que os Demandados adquiriram a sua fração e quais as suas características.
Por último, atendeu-se ao deposto por L, que também conheceu a fração aquando da aquisição pelos Demandados, tendo respondido de forma objetiva e concisa.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.

ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Questões prévias: da incompetência material do Julgado de Paz e da ilegitimidade passiva
Vieram os Demandados invocar, em sede de contestação, que face à factualidade trazida a juízo pela Demandante, nomeadamente a atinente à licença de utilização do edifício em questão, da conformidade da construção com o licenciado e demais matéria urbanística, o Julgado de Paz de Coimbra não será o tribunal competente, em razão da matéria para dirimir o litígio em questão.
Mais alegaram ser parte ilegítima com fundamento de que, caso existam os danos, esses danos apenas poderão ser imputados à Demandante, ao construtor do prédio onde o mesmo condomínio se encontra constituído e ao referido arquiteto.
Em exercício do direito de contraditório, a Demandante respondeu a fls. 178 a 189.
Cumpre apreciar e decidir:
Dispõe o n.º 3 do Art. 212º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. -
Por sua vez, o n.º 1 do Art. 1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), estabelece que os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.
Disto decorre que a competência material do Tribunal irá ser aferida em função da pretensão formulada pelo autor na petição inicial, ou seja, tendo em conta o pedido por ele formulado.
Na questão em debate, a Demandante pretende que os Demandados sejam condenados a remover a marquise ou serem condenados a permitir e a consentir que a remoção da referida marquise seja efetuada pelo condomínio do prédio, suportando aqueles as despesas inerentes a essa remoção, na proporção da permilagem da sua fração autónoma.
Tal pedido justifica-se, segundo o alegado no requerimento inicial, por existir um projecto aprovado de alterações do prédio que a Demandante administra, por força de uma vistoria efetuada pela Câmara Municipal de Coimbra. Nessa vistoria, foram detectadas desconformidades entre o projeto de arquitectura aprovado e aquilo que efetivamente foi construído, nomeadamente a marquise dos Demandados.
No entanto, apesar do projeto de alterações aprovado, de modo a eliminar a marquise em debate, os Demandados não colaboram com a Demandante, vindo esta, a juízo, requerer que aqueles efetuem a demolição ou, pelo menos, consintam que o Condomínio o faça.
Dúvidas não há de que, face à causa de pedir e ao pedido, não está em causa analisar, no presente pleito, a relação jurídico-administrativa estabelecida entre a Autarquia de Coimbra e o Condomínio, mas sim refletir sobre a existência de uma relação jurídico-privada, estabelecida entre o Condomínio e uns dos seus condóminos, os ora Demandados, e dos direitos e deveres que em relação aos mesmos dimanam.
Logo, é uma relação regulada pelo Direito Civil, mormente pelo Código Civil – Artigo 1414º e seguintes.
Disto decorre que a matéria em causa é de natureza civil, não se subsumindo a nenhuma das categorias elencadas no Art. 4º da ETAF e afastando-se da competência da jurisdição administrativa.
Dito isto, a Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho (LJP), alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, regula a organização, competência e funcionamento dos Julgados de Paz e bem assim a tramitação dos processos da sua competência.
O Artigo 9º da supra citada Lei define a competência, em razão da matéria, dos Julgados de Paz, nomeadamente a sua alínea c) que estabelece que ações resultantes de direitos e deveres de condóminos, sempre que a respetiva assembleia não tenha deliberado sobre a obrigatoriedade de compromisso arbitral para a resolução de litígios entre condóminos ou entre condóminos e o administrador.
Face ao teor da apontada norma, o Julgado de Paz é materialmente competente para apreciar a presente causa, porquanto se trata do exercício do alegado direito de demolição de uma marquise por parte do Condomínio junto dos seus condóminos, os ora Demandados, julgando improcedente a exceção dilatória arguida pelos Demandados.
No que toca à alegada ilegitimidade passiva, no n.º 1 do Art. 30º do CPC, aplicável ex vi Art. 63º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (LJP), é definido o conceito de legitimidade processual: “O autor é parte legítima quando tem interesse em demandar, o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”.
Com o n.º 3 da citada norma, adotou-se uma formulação de legitimidade assente na titularidade da relação material controvertida tal como a configura o autor. Assim, a ilegitimidade de qualquer das partes apenas ocorrerá quando, em juízo, se não encontrar o titular da alegada relação material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação. Como vimos, a Demandante pretende que os Demandados sejam condenados a remover a marquise ou serem condenados a permitir e a consentir que a remoção da referida marquise seja efetuada pelo condomínio do prédio.
Face aos pedidos formulados, é inequívoco que os Demandados têm todo o interesse em contradizer os factos que contra si são alegados porquanto são titulares da fração onde se encontra instalada a marquise em debate, donde resulta que são parte legítima. Logo, julgo improcedente a exceção de ilegitimidade passiva arguida pelos Demandados.
Chegados aqui, urge apreciar a pretensão da Demandante, relativa à demolição de uma marquise, conforme licença de construção emitida a favor do Condomínio que administra, e que tem por objeto aquela estrutura que se encontra instalada na fração “G” dos Demandados.
A propriedade horizontal é um direito real que harmoniza entre si duas situações jurídicas distintas: a propriedade singular, no que respeita às frações autónomas do edifício, e a compropriedade, cujo objeto é constituído pelas partes comuns do edifício.
Tal é claramente expresso no n.º 1 do Art.º 1420.º do Código Civil (CC): “Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.
No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, Coimbra Editora, 2.ª edição, anotação ao art.º 1414.º, pág. 397), “o que verdadeiramente caracteriza a propriedade horizontal é, pois, a fruição de um edifício por parcelas ou fracções independentes, mediante a utilização de partes ou elementos afectados ao serviço do todo. Trata-se, em suma, da coexistência, num mesmo edifício, de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado da compropriedade de certos elementos, forçadamente comuns.”
Cada condómino é titular de um direito de propriedade complexo, cujos componentes são incindíveis (n.º 2 do Art.º 1420.º: “O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição”).
Prescreve o nº 1 do Art. 1422º do Código Civil (CC) que, “os condóminos nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às frações que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis”.
De acordo com esta norma, os condóminos, apesar de terem o direito de usar, fruir e dispor de modo pleno e exclusivo das suas frações autónomas, estarão limitados, quanto a elas, pelas restrições de direito privado e restrições de direito público.
No caso em questão, foi instalada uma marquise numa varanda da fração dos Demandados, em relação à qual ficou demonstrada que se encontrava já nesses termos aquando da aquisição do apartamento pelos Demandados.
Apesar da sua instalação não ter sido da autoria dos Demandados, tal estrutura não deixa de constituir uma parte integrante do imóvel que adquiriram, logo, é da sua dominialidade.
Com efeito, será parte integrante de uma coisa imóvel toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio, neste caso fração, com caráter de permanência – n.º 3 do Art. 204º do CC.
Esta estrutura, que é amovível, encontra-se ligada à varanda da fração dos Demandados, com caráter de permanência, sendo sobre eles que recai a obrigação da sua manutenção e conservação.
Assim, mesmo que tenham sido terceiros a colocar a marquise na varanda, face ao seu caráter de permanência e por se tratar de uma parte integrante da fração, serão os Demandados os atuais responsáveis pela sua permanência, ou não, no ordenamento jurídico condominial.
Por conseguinte, tendo-se provado que a Autarquia de Coimbra encetou uma vistoria no prédio, da qual resultou a conclusão que, no alçado lateral esquerdo do prédio, as varandas do 1º e 2º andares estavam “marquisadas”, competiu àquela tomar as providências necessárias para a eliminação de tais desconformidades urbanísticas, igualmente provadas nesta demanda.
Logo, apesar dos Demandados serem os atuais proprietários da fracção “G”, na qual se integra a marquise em análise, estão condicionados no seu livre exercício do direito pelas restrições de ordem pública que ao presente caso foram aplicadas. O que faz sentido porquanto o prédio do Condomínio apresentava desconformidades entre o que fora construído, relativamente ao projeto de arquitetura aprovado, dos quais se destaca a marquise em crise.
Assim sendo, lastima-se que os ora Demandados nada tenham feito, apesar de terem tomado conhecimento da atual desconformidade, enquanto condóminos, por um lado, e enquanto titulares da fracção G, por outro lado.
Na verdade, enquanto condóminos, participaram nas reuniões de Assembleia de Condóminos relativas ao assunto em causa e quanto à necessidade de apresentação de um projeto de alterações junto da Câmara, idóneo a suprir as desconformidades patentes – vide itens O, P, Q, R, DD, GG, HH e MM.
Enquanto titulares da fracção G, foram notificados pela Câmara Municipal, conforme resulta no item Y dos Factos Provados, e o Demandado marido esteve em reuniões com a sra. Engenheira da Câmara – vide item Z dos Factos Provados.
Aliás, caso o pretendessem, poderiam ter reagido contra as deliberações tomadas pela Autarquia ou até contra as deliberações do Condomínio do qual fazem parte, o que também não fizeram em tempo útil.
Assim, os Demandados, ao não colaborarem com o Condomínio, nesta matéria, já que este detém uma licença de construção para demolição da marquise - vide item TT dos Factos Provados e documento de fls. 234, estão a alimentar uma posição de menosprezo pelas exigências urbanísticas que ao caso são relevantes e, em particular, a manter uma marquise que desrespeita o teor do projeto de arquitetura e que contraria a área bruta de construção prevista no respetivo alvará de loteamento.
Esta posição dos Demandados terá, no limite, a excelência de o Condomínio ter de suportar o pagamento de taxas sucessivas, pela quantia de € 100,00 cada, de modo a impedir a caducidade, por decurso de prazo, da licença de construção atribuída pela Câmara (vide item UU dos Factos Provados, o que se afigura absolutamente prejudicial para a boa sustentabilidade financeira do Condomínio.
Os Demandados não podem esquecer de que são condóminos, logo, parte do Condomínio, e que toda e qualquer despesa, que advenha contra o Condomínio é, na sua proporção, uma despesa que lhes será imputada.
Por conseguinte, os Demandados são condenados a consentir a demolição da marquise pelo Condomínio, cuja licença camarária para o efeito em causa (vide item TT dos Factos Provados e documento de fls. 234) foi concedida a favor deste, suportando as despesas inerentes a essa remoção, na proporção da permilagem da sua fração autónoma.
Por via de tal condenação, fica prejudicada a pronúncia sobre os restantes pedidos.
Quanto ao pedido de condenação da Demandante em litigância de má fé, não vislumbramos nos autos uma situação de tal modo arrepiante que ponha em causa ou ofenda a imagem da Justiça.
Por isso, não é pelo facto de determinada matéria fáctica não ter sido provada que tal corresponderá a litigância de má fé. Se a parte agiu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta processual é perfeitamente lícita; se não tiver sucesso na sua pretensão, suporta unicamente o encargo das custas, como risco à sua atuação.
Ora, no caso da Demandante, defendeu uma tese jurídica que tem consistência legal e que mereceu o acolhimento por este Tribunal, não havendo qualquer uso reprovável dos meios processuais, pelo que se indefere, nesta parte, o pedido dos Demandados.

DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a ação totalmente procedente e, em consequência, condeno os Demandados a consentir que o Condomínio do prédio, melhor identificado no item A dos Factos Provados, proceda à demolição da marquise existente na fracção “G”, de que são titulares, suportando as despesas inerentes a essa remoção, na proporção da permilagem da sua fração autónoma.

Custas pela parte vencida – os ora Demandados, devendo proceder ao pagamento da segunda parcela (€35,00), no prazo de 3 dias úteis, sob pena de ser aplicada uma sobretaxa de €10,00 por cada dia útil de atraso no seu pagamento, em conformidade com os Artigos 8º e 10º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Quanto à Demandante, proceda-se ao reembolso de €35,00, em conformidade com o Artigo 9º da Portaria atrás mencionada.
Notifique.
Coimbra, 7 de Novembro de 2017
A Juíza de Paz,
______________________
Daniela Santos Costa


Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Coimbra