Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1429/2017-JPLSB
Relator: JOÃO CHUMBINHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 04/12/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA


I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, titulado pelo cartão de cidadão n.º 0000, contribuinte fiscal n.º 000, residente na Rua X, Lisboa;
Demandada: B., Pessoa Colectiva n.º 000, com sede na Rua XXX, Porto.

II – OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra a Demandada uma acção declarativa de condenação, enquadrada na alínea h), do n.º1, do artigo 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, respeitante a responsabilidade civil contratual, pedindo que este tribunal condene a Demandada na quantia de €: 10.478,12 referente a parte dos custos de intervenção cirúrgica.
Alegou, para tanto e em síntese, que no dia 25 de Julho de 2013 celebrou com a Demandada um contrato de seguro de saúde, titulado pela apólice n.º 0, designado Plano XXX (Protocolo Ordem dos Médicos Dentistas) e mediante o qual a Demandada garantia o acesso da Demandante a uma rede de prestadores de cuidados de saúde e cobria, entre outras, despesas de assistência médica hospitalar (AMH), onde se incluíam despesas de gravidez, de parto e outras coberturas de AMH. Alegou ainda que a Demandante engravidou em Outubro de 2015, tendo o parto, por cesariana, ocorrido em 7 de Julho de 2016 no Hospital X, em Lisboa, Ainda alegou que, após ter sido suturada a Demandada, devido a hemorragia, constatou-se ser necessária uma intervenção cirúrgica (traquelorrafia), cirurgia esta que provocou um acréscimo de despesas, tendo a conta sido emitida pelo Hospital no total de €: 16.173,24. No dia 8 de Julho de 2016 foi o marido da Demandante informado de que o contrato cobria a totalidade das despesas, no entanto, a Demandante foi interpelada em 31 de Março, 15 e 30 de Maio de 2017 para pagar a quantia de €: 16.173,24 no prazo de cinco dias. Alegou ainda que não foi devidamente informada das coberturas e dos seus respectivos limites e que no seu entender tal quantia não está limitada à cobertura de €: 5000,00 referente à cobertura de gravidez e parto.
A Demandada, regularmente citada, contestou alegando, em síntese, que as despesas de gravidez e parto estavam limitadas ao valor de €: 5000,00, e que entende que a cirurgia ocorrida após o parto se trata do mesmo acto médico, uma intercorrência do parto, dado que a traquelorrafia mais não é do que a sutura das rasgaduras do colo do útero surgidas e provocadas durante o parto que se enquadra na cobertura e está limitada à quantia de €: 5000,00. Alegou ainda que estamos perante um acto médico, o que resulta da factura do Hospital que só se faz menção a uma cesariana.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo, como da acta se alcança.
Cumpre apreciar e decidir.
Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, não existindo questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A matéria provada resulta quer do depoimento das testemunhas, quer dos documentos apresentados pela Demandante e pela Demandada que se encontram junto aos autos de folhas 10 a 72, 78 e 79 do processo.
O n.º 1 do artigo 60.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho refere que da sentença deve constar uma sucinta fundamentação.
Factos relevantes e que se consideram provados:
1) A Demandante subscreveu com a Demandada, em 25 de Julho de 2013, mediados pelos Srs. C e D, um contrato de seguros de saúde individual, datado de 30 de gosto de 2013, designado Plano X (Protocolo Ordem dos Médicos Dentistas), titulado pela apólice nº 0, com renovação automática e prémio anual de €1.003,40, ao abrigo do qual era tomadora e pessoa segurada (provados pelos documentos nº 1,2 e 3).
2) Posteriormente a Demandante e a Demandada acordaram em Dezembro de 2015 e formalizaram em Março de 2016 a mudança de tomador do seguro da Autora para a sociedade E, contribuinte fiscal número 000, com domicílio na Avenida X Alcains (de que são únicos sócios a Autora e o seu marido), mantendo a Autora como pessoa segurada (provado pelo doc. 4 junto com o R.I.).
3) O contrato foi automaticamente renovado manteve-se em vigor, pelo menos, até 31 de Dezembro de 2016 (provado por acordo);
4) O referido contrato cobria, entre outras, despesas de assistência médica hospital (AMH), onde se incluíam despesas de gravidez, de parto e outras coberturas de AMH (provado pors documentos nº1 e 2 e 5, juntos com o R.I.);
5) A Demandante engravidou em Outubro de 2015 (provado pelas Declarações da Demandante);.
6) O parto, que não foi programado nem induzido, ocorreu a 7 de Julho de 2016 no Hospital X em Lisboa após ruptura natural da bolsa amniótica (provado por acordo);
7) Após várias horas de esforço, o parto teve de ser realizado por cesariana (provado por acordo);
8) Terminado o parto, nascido o bebé a suturada a Demandante, começou uma hemorragia (provado por acordo);
9) Nesse momento, devido à hemorragia, constatou-se ser necessária uma intervenção cirúrgica (traquelorrafia), que não estava planeada (provado por documento n.º7, junto com o requerimento inicial).
10) Da referida intervenção cirúrgica pós-parto resultaram despesas hospitalares suplementares imprevistas relativas à intervenção cirúrgica (traquelorrafia) subsequente à hemorragia (provado por documento nº7).
11) As referidas despesas hospitalares perante o Hospital X ascenderam ao montante de € 16.173,24 (dezasseis mil cento e setenta e três euros e vinte e quatro cêntimos) (provado por documento n.º8, junto com o R.I.);
12) Em 31 de Março, 15 e 30 de Maio de 2017, foi a Autora Notificada pelo Hospital X., para pagamento das referidas despesas no prazo de cinco dias (provado pelas declarações da Demandante e documento nº9 junto com o Requerimento Inicial).
13) A Demandante e o seu marido reuniram a 17 de bril de 2017 com o mediador D que os informou desconhecer a recusa da cobertura pela Demandada (provado pelas declarações da Demandante)
14) Na mesma data, a conselho do mediador, enviou a Demandante à Demandada um relato das complicações do parto e um esclarecimento das circunstâncias que, no entender daquele, poderiam estar na base da inércia da Ré (mudança de tomada da apólice, pagamento dos prémios, plafonds de cobertura) (provado pelo doc. 10; cf. junto com o R.I.);
15) A Demandante enquanto tomadora e seguradora e depois pela E., para o que autorizaram o débito directo nas respectivas contas bancárias que mantiveram sempre, ao longo de todo o período de vigência do contrato, devidamente provisionadas (provado pelos documentos nº 2, 12 e 13).
16) Em 22 e 26 de Maio e em 5 e 6 de Junho de 2017, deslocaram-se a Demandante e o seu marido às instalações da Ré para saber da decisão acerca da cobertura das despesas hospitalares, só tendo conseguido obter no dia 7 de Junho resposta escrita de que seria necessária mais uma semana para análise (provado pelas declarações da Demandada e. os documentos nº 16, 17, 18, 19, 20 e 21 juntos com o Requerimento Inicial);
17) A própria Demandada, por telefonema de 7 de Julho e posteriormente por carta de 13 de Julho de 2017, confirmou a validade do contrato com a emissão do termo de responsabilidade nº 18140588 assumindo o pagamento de € 5.000 (cinco mil euros) dos € 16.173,24 (dezasseis mil conto e setenta e três euros e vinte e quatro cêntimos) de despesas hospitalares (provado pelo documento nº 22, junto com o Requerimento Inicial).
18) Ao mesmo tempo que recusou a cobertura do montante excedente de despesas hospitalares (€ 11.173,24) por ser, na sua opinião, de € 5.000 o limite máximo nos termos do contrato para despesas de parto (provado por doc. n.º11):
19) A Demandante procedeu ao pagamento dos restantes € 11.173,24 (onze mil cento e setenta e três euros e vinte e quatro cêntimos) de despesas hospitalares que a Demandada recusou cobrir, de maneira a evitar um litígio com o Hospital X (provado por o documento nº 23, junto com o requerimento Inicial);
20) Mais tarde o Hospital X., rectificou a conta que ficou em € 10.478,12 (dez mil quatrocentos e setenta e oito euros e doze cêntimos), tendo devolvido à Autora a diferença (€ 695,12) entre € 11.173,24 e os € 10.478,12 (documento nº 24 junto com o R.I.).
Factos relevantes e que se consideram não provados:
1) No dia 8 de Julho de 2016 foi o marido da Demandante, o Sr. F, informado por representante da agência da G no Hospital X que o contrato cobria as despesas de parto e de intervenção cirúrgica.
Da prova produzida, constatou-se que no dia 25 de Julho de 2013, a Demandante celebrou com a Demandada um contrato de seguro de saúde, titulado pela apólice n.º 0, designado Plano X (Protocolo Ordem dos Médicos Dentistas) e mediante o qual a Demandada garantia o acesso da Demandante a uma rede de prestadores de cuidados de saúde e cobria, entre outras, despesas de assistência médica hospitalar (AMH), onde se incluíam despesas de gravidez, de parto e outras coberturas de AMH. Resultou provado que a Demandante engravidou em Outubro de 2015, tendo o parto ocorrido em 7 de Julho de 2016 no Hospital X, em Lisboa, por cesariana. Ainda resultou ainda provado que, após ter sido suturada a Demandante, devido a hemorragia, constatou-se ser necessária uma intervenção cirúrgica (traquelorrafia), cirurgia esta que provocou um acréscimo de despesas, tendo a conta sido emitida pelo Hospital no total de €: 16.173,24. Resultou ainda provado que a Demandante foi interpelada em 31 de Março, 15 e 30 de Maio de 2017 para pagar a quantia de €: 16.173,24 no prazo de cinco dias.
Resultou provado que a traquelorrafia é uma sutura do colo do útero que se rasgou durante o parto, tendo resultado provado que a Demandante foi suturada imediatamente após o nascimento da criança e depois de constatada a existência de uma hemorragia (declarações da Demandante e do Senhor F).
Não resultou provado que no dia 8 de Julho de 2016 o marido da Demandante foi informado de que o contrato cobria a totalidade das despesas (o que não resultou provado do depoimento do Senhor F) Não resultou provado que a Demandante não foi devidamente informada das coberturas e dos respectivos limites (pelo contrário, resultou provado pelo depoimento do Mediador D que a Demandante foi informada de que o parto era uma garantia específica e tinha um plafond de €: 5000,00)
Ao abrigo desta apólice a Demandada suportou a quantia de €: 5000,00, enquadrando esse valor no plano Unique subscrito pela Demandante.
A traquelorrafia é uma sutura do colo do útero que se rasgou durante o parto, tendo resultado provado que a Demandante foi saturada imediatamente após o nascimento da criança e depois de constatada a existência de uma hemorragia. Resultou provado que tal sutura é uma consequência do parto.
Decorre do plano de coberturas junto como documento 2 com o requerimento Inicial que a “ Gravidez, Parto e Int. Gravidez “ tem como limite de capital a quantia de €: 5000,00 na percentagem de 100% dentro de rede, enquadrando-se tais custos nas chamadas prestações convencionadas previstas na alínea q), do n.º 4, do artigo 1.º das Condições Gerais).
A Demandante aderiu ao chamado Plano X, em que a seguradora garante nos termos do artigo 1.º, n.º 2 da Condição especial 2, os pagamentos das despesas médicas com honorários e”… relacionadas com Gravidez, Parto e interrupção da Gravidez e mediante internamento: a) diária hospitalar da grávida/parturiente; b) honorários de médicos…; c); que garante a sala de operações /parto…d) elementos auxiliares de diagnóstico; f) tratamentos”.
Nos termos da condição especial 2, há uma garantia especifica relativa a cesariana e parto com o limite de capital cobertura de €: 5000,00, tendo resultado provado que ocorreram dois actos operatórios (intervenções cirúrgicas) assim designados no 1.1, do artigo 1.º da condição especial 2, divergindo as partes no que se refere ao enquadramento do acto operatório traquelorrafia, a Demandante entende que se enquadra no âmbito da garantia geral de Assistência Médica Hospitalar e a Demandada entende que se enquadra no âmbito da garantia especifica “Parto e Cirurgia “, prevista no n.º 2 do artigo 1.º da garantia Especial 2.
Resulta da matéria provada que há uma relação entre os dois actos operatórios, que a traquelorrafia (acto operatório ou intervenção cirúrgica) ocorreu na sequência de parto por cesariana (acto operatório ou intervenção, que se traduz num parto induzido que consiste num procedimento médico que tem em vista retirar o bebé do útero) e, portanto, não pode deixar de se entender que o referido acto operatório apesar de estar relacionado com a cesariana não se enquadra no limite dos €: 5000,00, dado que a referida garantia específica refere-se apenas ao acto operatório parto (cesariana) e, por isso, não se aplica o limite de €: 5000,00 para o acto operatório traquelorrafia (cf. n.º 2 do artigo 1.º da garantia especial 2). A factura hospitalar individualiza dois actos operatórios, duas intervenções cirúrgicas, dois blocos operatórios, um com anestesia local, outro com anestesia geral. Tendo a apólice individualizado o acto operatório cesariana e parto dos restantes actos operatórios, não pode deixar de se entender que o acto operatório cesariana não engloba os outros actos operatórios previstos no âmbito da condição especial 2 – Assistência Medica Hospitalar (AMH), com o plafond de €: 150.000,00. Ora não decorrendo da apólice a definição em concreto dos actos operatórios (intervenções cirúrgicas) que engloba a cobertura especifica “Gravidez, Parto e Interrupção da gravidez” e tendo presente que qualquer outra intervenção cirúrgica está coberta pela cobertura AMH com a excepção do parto e tendo ainda presente que a Demandante foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas, a cesariana, e depois, a Traquelorrafia, não tendo resultado provado que esta seja uma consequência necessária daquela, não pode deixar de se concluir à luz do artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil que a intervenção cirúrgica Traquelorrafia, se enquadra na cobertura AMH, com o plafond de €: 150.000,00.
Quanto ao alegado pela Demandante de que não foi informada de forma clara e integral dos exactos contornos de cada garantia e da existência discriminada de limites de capital, resultou provado pelo depoimento do Senhor D que este informou a Demandante dos plafons da apólice, no entanto, a Demandante não foi informada dos actos operatórios que estão enquadrados na cobertura “Gravidez, Parto e Interrupção da gravidez” porque, tal não se encontra explicitado nas cláusulas do contrato de seguro.
Assim, a Demandante tem direito a que a situação se enquadre no que se refere à cirurgia cesariana e consequentes despesas na condição especifica de Gravidez, Parto e Interrupção da gravidez” no Plafond de €: 5000,00 e no que se refere à intervenção cirúrgica traquelorrafia e consequentes despesas na condição especial de Assistência Médica Hospitalar no Plafond de 150.000,00.
Assim, tendo presente que as despesas com o parto não ultrapassam a quantia de €: 5000,00 e que o valor total da factura foi rectificada para o valor de €: 10.478,12 (já depois de deduzida a quantia de €: 5000,00 assumida pela Demandada, a Demandante é credora da Demandada na quantia de €: 10478,12,

IV- DECISÃO
A Demandada, B é condenada na obrigação de pagar à Demandante a quantia de €: 10478,12 (dez mil quatrocentos e setenta e oito euros e doze cêntimos), bem como nos juros vencidos desde a data de 22/09/2017 até à prolação da sentença e vincendos até integral e efectivo pagamento.

Custas de €: 35,00 a pagar pela Demandada, B., com a restituição de €: 35,00 à Demandante, nos termos dos artigos 8.º e 9.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
A Demandada deverá efectuar o pagamento das custas em dívida num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8.º e 10.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Decorridos dez dias sobre o termo do prazo supra referido sem que se mostre efectuado o pagamento, será enviada certidão para execução por custas aos Serviços do Ministério Público junto dos Juízos Cíveis de Lisboa, pelo valor então em dívida, que será de 135,00 (cento e trinta e cinco euros).
A data da leitura da sentença foi previamente agendada e notificada pessoalmente à Demandante.
Registe, notifique e arquive, após trânsito em julgado.
Lisboa, 12 de Abril de 2018
Processado por meios informáticos
Revisto pelo signatário. Verso em branco
O Juiz de Paz
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(João Chumbinho)