Sentença de Julgado de Paz
Processo: 138/2018-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO DE DIREITOS E DEVERES DOS CONDÓMINOS/PAGAMENTO DE QUOTAS ORDINÁRIAS.
Data da sentença: 02/07/2019
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 138/2018-J.P.CBR

RELATÓRIO:

O demandante, Condomínio do prédio sito na …, em Coimbra, NIPC. …, representado pela administração e mandatária constituída.

Requerimento Inicial: Alega-se em suma que os demandados foram os proprietários da fração autónoma 1G, do lote 7, da …, em Coimbra, até 07/ 08/ 2017, altura em que venderam a referida fracção. O Demandante foi legalmente constituído, tendo em 27 de Outubro de 2016, assumindo a sociedade ”X., LDA", com a marca registada “A.”, e aqui representante do Demandante, legítima e legalmente, por força do disposto no art.º 1435 do C. C., o cargo de administradora do condomínio sito em Coimbra. O valor da Permilagem correspondente à fracção supra referida, é 76, tendo a mesma sido fixada na constituição da propriedade horizontal, à qual corresponde uma quota no valor de 14,30€ mensais, acrescida de 1,43€, deverá ser efectuado mensalmente, até ao dia 1. Todavia, os demandados não contribuíram de forma regular e atempada para a satisfação/liquidação das despesas de condomínio. Na verdade, têm uma dívida para com o Demandante no valor de 742,92€, o que resulta do extracto de quotizações que se junta. Em consequência, a presente administração do referido condomínio tem desenvolvido diversas diligências junto dos demandados, tendo em vista a regular liquidação das apelidadas “ despesas do condomínio". Não obstante, quaisquer diligências revelaram-se sempre, absoluta e reiteradamente infrutíferas. Foi apurado o valor em dívida em Assembleia de Condóminos, ocorrida em 21 de Setembro de 2017, no montante de 742,92€ conforme acta n.º 15. Sendo certo que não obstante as diversas interpelações para pagamento os Demandados não lograram efectuar o pagamento a que estavam obrigados. Sendo a última tentativa, efectuada através da mandatária do condomínio, a 30 de Novembro de 2017. O valor em dívida à data da referida Assembleia, acresce, nos termos do art.º 19, n.º 1 do Regulamento de Condomínio o pagamento de multa, igual ao valor da quota mensal do condomínio em divida, em caso de incumprimento da obrigação de pagamento da quota de condomínio, no prazo definido pela assembleia, por período superior a 30 dias, implicará o pagamento de multa igual a quota de condomínio, pelo que à quantia em dívida acresce o valor da multa, que se contabiliza em 672,10€. Acresce, ainda, as despesas com a cobrança coerciva, nos termos do n.º 2 do referido art.º 19, mais concretamente a taxas de justiça, e os demais encargos do processo e honorários de advogado. Estando em dívida conforme resulta da acta n.º 15, as quotizações do ano de 2015, 2016 e de Janeiro a Julho de 2017. Aqueles valores acrescem os juros de mora, calculados desde a data do vencimento do pagamento de cada quota, até à presente data, no valor de 42,78€, pelo que no global, são devedores ao da quantia de 1.457,80€. Os Demandados são obrigados ao pagamento dos serviços de interesse comum, contribuindo com o pagamento das quotizações da sua fracção para o normal funcionamento do edifício, no tempo em que foram seus legais proprietários. Conclui pedindo que demandados sejam condenados: A) no pagamento da quantia de 742,92€ a título de quotizações em atraso; B) a quantia de 672,10€ a título de multa pelo atraso no pagamento das quotizações previsto no Regulamento de Condomínio; C) nos juros de mora líquidos, calculados desde o vencimento de cada quota, até à presente data, no valor de 42,78€; D) juros legais desde a citação, até efectivo e integral pagamento; E) os honorários devidos a advogado com a cobrança da divida e nas custas com o processo. Juntou 7 documentos.

MATÉRIA: Ação de direitos e deveres dos condóminos, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea C) da L.J.P.

OBJETO: Pagamento de quotas ordinárias.

VALOR DA AÇÃO: 1.457,80€ (mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e oitenta cêntimos, fixada nos termos dos art.º305, n.º4 e 306 ambos do C.P.C.).

Os demandados, P., NIF. … e AF., NIF. …, residentes na Rua …, em Coimbra.

Foram representados por defensores oficiosos nomeados, em representação dos ausentes.

Contestação: Sendo o demandado considerado ausente, desconhecendo-se a morada indicada pelo Demandante é ou não a última residência conhecida do Demandado, e se o mesmo tem conhecimento da presente acção, de imediato se impugna toda a matéria contida no articulado do R. I. e toda a documentação junta. Desconhece-se se os dados do Demandado estarão correctos e mesmo que os dados se encontrassem correctos, os documentos juntos não provam por si só a existência de uma dívida. Não se prova que tivesse conhecimento da mesma, em parte alguma, os documentos juntos, referentes às comunicações alegadamente enviadas ao Demandado, constam os registos, pelo que não permite perceber se as comunicações foram pelo menos recebidas. Face, ao exposto, os documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e conteúdo expressamente aqui se impugnam, não se lhe reconhecendo qualquer força probatória pretendida com a sua junção ou que o Demandante, lhe pretenda dar. Conclui pedindo que deve a presente acção ser declarada improcedente, por não provada, sendo o demandado absolvido do pedido.

Contestação: Alega-se em suma que a demandada foi considerada ausente, em virtude das diversas tentativas frustradas de citação postal, bem como de citação postal através de funcionário, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 46 da LJP. Não sendo admissível a citação edital, a defensora oficiosa nomeada foi citada no lugar da demandada, sem qualquer previsão legal que o possa legitimar, Visto que a situação de ausência não se inclui nas hipóteses, de assistência obrigatória, elencadas no n.º 2 do art.º 38 da Lei, que se passa a citar: “quando a parte seja analfabeta, desconhecedora da língua portuguesa” ou, por outro motivo invocado, “se encontrar numa posição de manifesta inferioridade”, porque pressupõe a presença da parte ou mesmo contacto desta com o representante. Por outro lado, mesmo que existisse mandatário constituído pela citada, a citação apenas poderia ser realizada na sua pessoa caso possuísse procuração com poderes especiais para a receber. A citação realizada prejudica, entende-se, de forma severa, a defesa da demandada, não tendo esta possibilidade de expor a sua versão dos factos e de ter mesmo conhecimento da presente acção que contra ela é intentada, Consequentemente, existe nulidade de falta de citação, por o destinatário da citação pessoal não ter tido conhecimento da acção que corre termos neste Julgado de Paz. Ainda que assim não se entenda, deve atentar-se no facto de estarmos perante uma excepção dilatória, e ilegitimidade de uma das partes, conforme dita a alínea e) do art. 577º do CPC. Efectivamente, os ausentes devem ser representados, nos termos do art. 21º do CPC, pelo Ministério Público, na defesa dos seus interesses. A defensora oficiosa nomeada não possui qualquer forma de contactar com demandada ausente nem conhece as circunstâncias concretas em que se fundam a acção ora em apreço. Quanto aos factos, não existe informações acerca da autenticidade dos factos alegados na petição inicial. Conclui pedindo que deve ser declarada a nulidade de falta de citação, ou, caso assim não se entenda, ser o processo remetido para o tribunal judicial competente.

Em relação à nulidade e falta de citação, o Tribunal pronunciou-se por despacho fundamentado, de fls. 104 a 106, declinou existir qualquer nulidade, descrevendo as diligências de citação realizadas, e esclarecendo a interpretação do art.º38, n.º2 da L.J.P.

TRAMITAÇÃO:

Não se realizou sessão de pré-mediação pois os defensores oficiosos não disporem de poderes para transigir, nem confessar.

O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.

As partes dispõem de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.

Não existem excepções, questões prévias ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada sem dar cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da L.J.P., pois os defensores oficiosos não dispõem de poderes para confessar, nem transigir, passando-se logo à produção de prova, com a junção de 2 documentos, audição de testemunha, e requerimentos. Na 2ª sessão prosseguiu-se a produção de prova com a analise dos documentos, e terminando com alegações finais, como se infere das atas juntas, de fls. 112 a 114, e 148 a 149.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I- DOS FACTOS PROVADOS:

1) Os demandados foram os proprietários da fração autónoma 1G, do lote 7, sita na …, em Coimbra, até 07/ 08/2017, altura em que venderam a referida fracção, conforme documento 3, junto de fls. 13 a 13 verso.

2) O demandante foi constituído em propriedade horizontal, conforme documento 1, junto de fls. 8 a 10 verso.

3) Desde 27/10/2016 que o demandante passou a ser administrado pela sociedade ”X., LDA", com a marca registada “A.”, conforme documento 2, junto de fls. 12.

4) O valor da permilagem correspondente à fracção G é 76, a qual foi fixada na constituição da propriedade horizontal, conforme documento 1, junto de fls. 8 a 10 verso.

5) À fração G corresponde no ano de 2017 a quota ordinária no valor de 14,30€ mensais, acrescida de 1,43€ de fundo de reserva, conforme documento 5, junto de fls. 16 a 22.

6) Cujo pagamento deve ser efectuado mensalmente, até ao dia 1 do mês respetivo.

7) Os demandados não têm contribuído regular e atempada para a satisfação das despesas do condomínio.

8) Os demandados têm uma divida no valor de 742,92€.

9) O que resulta dos orçamentos dos anos de 2015 e 2016.

10) O que foi apurado pela actual administração.

11) Pela análise dos extractos das quotas e orçamentos da anterior administração.

12) Cujo valor foi aprovado pelos condóminos nas assembleias realizadas a 3/05/2017 e 21/09/2017.

13) O demandante fez tentativas para cobrar a divida.

14) A última tentativa, foi efectuada 30/11/2017, através da mandatária do condomínio,

15) O demandante possui Regulamento de Condomínio aprovado a 2/02/2009, documento 7, junto de fls. 33 a 34.

16) O Regulamento de Condomínio estipula no art.º 19 penalizações para o não cumprimento das obrigações por período superior a 90 dias, documento 6, junto de fls. 24 a 32.

17) Que o valor da multa é igual ao valor da quota em divida, conforme documento 6, junto de fls. 24 a 32.

18) Regulamento de Condomínio estipula no art.º 19, n.º2 que em caso de incumprimento superior a 90 dias os condóminos relapsos suportarão as despesas inerentes à ação, honorários de advogado, taxa de justiça e demais encargos, documento 6, junto de fls. 24 a 32.

MOTIVAÇÃO:

O tribunal baseia a sua decisão na análise crítica da documentação apresentada, conjugada com a prova testemunhal, regras de repartição do ónus da prova e regras da experiência comum.

A testemunha, TA., é funcionário da actual administradora do prédio, e foi no âmbito desta função que teve conhecimento dos factos. Referiu os procedimentos realizados pela administração quanto às convocatórias, aviso de pagamento e notificações de atas. Esclareceu que costuma ir às assembleias de condomínio, sendo ele que elabora as atas. Referiu-se à forma como apurou o valor da dívida dos demandados, e como teve conhecimento da venda da propriedade da fracção G, pelos novos proprietários. Explicou, ainda, as tentativas que realizou, para cobrar os valores em dívida. Teve um depoimento claro, esclarecedor, e idóneo, auxiliando na prova dos factos com os n.º 3, 5,6,7, 8, 9,10, 11, 13, 14, 15 e 16.

II- DO DIREITO:

O caso dos autos refere-se a uma dívida referente às quotas, ordinárias e fundo de reserva, de um prédio constituído no regime da propriedade, o condomínio.

A posição de condómino confere-lhe direitos e obrigações que resultam da dicotomia existente entre o direito de usufruir as partes comuns do edifício e a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e conservação, conforme resulta do n.º 1 do art.º 1424 do C.C. as quais são pagas pelos condóminos em proporção do valor da sua fração, salvo disposição em contrário.

Quer isto dizer que, as despesas necessárias e os serviços de interesse comum, desde que devidamente aprovados pela assembleia de condóminos, são pagos por todos os condóminos, tendo como critério de distribuição de valores a imputar a cada condómino a proporcionalidade da despesa aprovada face ao valor que tem a sua própria fração.

As quotas ordinárias são aprovadas anualmente, com o orçamento do edifício para o respetivo ano civil, sendo o valor das mesmas distribuído de acordo com a permilagem de cada fração (n.º1 do art.º 1424 do C.C.).

No orçamento aprovado é definido o plano estratégico para determinado exercício, materializando-se financeiramente em valores calculados em moeda corrente.

No caso concreto resulta que a divida peticionada diz respeito a duas administrações diferentes.

Dos documentos juntos, de fls. 122 a 137 verso, consta que a anterior administração realizou assembleias de condóminos, nas quais foram aprovados os orçamentos anuais.

Consta, ainda, dos presentes autos as convocatórias e as atas, referentes à actual administração, onde se verifica ter sido discutido e aprovado pelos presentes, as quotas para cada ano civil, o que é feito de acordo com a permilagem de cada fração (art.º 1431, n.º 1, 1432, n.º3 e 1424 n.º1, todos do C.C.).

Mais se esclarece que no orçamento inclui-se a verba destinada ao fundo de reserva comum (art.º 4 do D.L. 268/94 de 25/10), conforme análise das atas juntas aos autos.

No que diz respeito à ausência dos demandados das assembleias, é verdade que ninguém os obriga a comparecer, mas a ausência também não abona a favor destes, pelo contrário demonstra o desinteresse pela vida do prédio, bem sabendo que sem o pagamento das quotas há obras necessárias, de manutenção, que não se podem realizar por falta de meios, e que com o decurso dos anos vão sendo necessárias, o que decorre do senso comum.

Não obstante, é também necessário que a administração, perante a ausência lhes envie as atas, de forma a terem conhecimento do valor das suas quotas.

Ora verificou-se que os demandados têm conhecimento da respetiva obrigação, pois fizeram os pagamentos das quotas através de transferência bancária.

Contudo, sem que haja motivos deixaram de o fazer, embora tenham sido convocados para comparecer na assembleia, como resulta dos documentos juntos a fls. 116 e 117, e 122.

Não obstante, a actual administração tentou, sem sucesso interpela-los para cumprirem com a obrigação, em falta.

Quanto à penalização requerida, verifica-se que são pedidos cumulativamente os juros provenientes da aplicação do regulamento interno do edifício e os juros moratórios.

Quanto ao regulamento é o documento que contém as normas que os condóminos consideraram ser essenciais para o regular convívio nas partes comuns do edifício, sendo uma das fontes de regulação desde que faça parte do título constitutivo ou posteriormente, desde que seja objeto de deliberação em assembleia de condóminos (art.º 1418, n.º2 alínea b) e 1429-A, ambos do C.C.).

A penalização consubstancia uma cláusula penal (art.º 810 do C.C.), na medida em que se estabeleceu, por acordo prévio dos condóminos, a indemnização a que o condomínio terá direito, na eventualidade de não ser observado, pontualmente, a obrigação de contribuir para as despesas do edifício. Trata-se de uma sanção contratual estabelecida para casos de mora, e como tal cumulável com a obrigação principal, à qual os demandados se mantêm adstritos.

Por sua vez os juros moratórios (art.º 806 do C.C.), também, é uma penalização legal para os condóminos relapsos, a qual se traduz no pagamento de uma quantia pecuniária, a contar do dia da constituição em mora.

Quer isto dizer que na realidade estão a pedir dois tipos de penalização distintas mas com vista ao mesmo fim, compelir os relapsos a cumprir com a respetiva obrigação.

Porém, de acordo com o estabelecido no art.º 806, n.º2 do C.C., os juros moratórias só são devidos se as partes não estabelecerem juros moratórios diferentes dos legais, o que significa que esta disposição tem carácter supletivo, e como tal não são pedidos cumuláveis.

No caso concreto, foi feito prova que o regulamento de condomínio foi aprovado na assembleia realizada a 2/02/2009, o que resulta do próprio documento, pois encontra-se assinado pelos condóminos que estiveram presentes na dita assembleia.

Assim, apenas poderá proceder o pedido proveniente da penalização contratual, ou seja, do regulamento, na quantia de 672,10€.

Quanto ao pedido de honorários a mandatário constituído, é certo que nos Julgados de Paz, não é obrigatória a constituição de mandatário, mas também nenhuma parte pode ser obrigada a prescindir de patrocínio destes profissionais.

No caso concreto o demandante está devidamente patrocinado, como aliás resulta de todos os autos, devidamente instruído pela mandatária, que se deslocou ao julgado para a audiência de julgamento.

Consta, ainda, que tal despesa está prevista e aprovada no Regulamento de Condomínio (art.º 19, n.º2), por força do mesmo vão, ainda, condenados nesta, no valor que for apurado em liquidação de sentença.

DECISÃO:

Nos termos expostos julga-se procedente a ação, condenando-se os demandados no pagamento da quantia de 1.415,02€, e no valor a apurar em liquidação de sentença referente aos honorários de mandatário.

CUSTAS:

São da responsabilidade dos demandados na quantia de 70€ (setenta euros) a realizar no prazo de 3 dias úteis, sob pena da aplicação da sobretaxa diária no valor de 10€ (dez euros).

Reembolse-se o demandante.

Proferida e notificada nos termos do art.º 60, n.º2 da L.J.P.

Oficie-se ao M.P. nos termos do art.º 60, n.º3 da L.J.P.

Coimbra, 7 de Fevereiro de 2019

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C)

(Margarida Simplício)