Sentença de Julgado de Paz
Processo: 02/2015-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: INCUMPRIMENTO DEFINITIVO E RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 08/20/2015
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

A, mecânico, propôs contra B, Lda., a presente ação declarativa enquadrada nas alíneas i) e h) do n.º 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, pedindo a condenação da demandada no pagamento da quantia de € 5.980,13 (cinco mil novecentos e oitenta euros e treze cêntimos), a fim de o ressarcir de despesas ocasionadas por erros de diagnóstico relativamente a uma cambota e ainda numa importância não inferior a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título indemnizatório por danos morais que a situação terá ocasionado no demandante, e a que deverão acrescer juros de mora contabilizados à taxa legal de 4% desde a citação até ao efetivo e integral pagamento; Tudo com custas pela demandada.
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 8 e juntou 9 documentos, que aqui se dão por reproduzidos.

A demandada contestou, nos termos constantes de fls. 37 a 45, impugnando em bloco todos os factos alegados pelo demandante, “e/ou por desconhecimento, por serem factos que não são do seu conhecimento obrigatório, ou porque estão em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, …uns e outros por corresponderem a uma adulteração da verdade; Suscitou ainda “…a exceção de caducidade por falta de denúncia a que se refere o artigo 1220º do Código Civil, ou, caso assim se não entenda, a exceção de caducidade prevista no n.º 1 do artigo 1224º do Código Civil,…” concluindo pela improcedência da ação, por não provada.

Juntou 1 documento que aqui também se dá por reproduzido.
No exercício do contraditório quanto à exceção de caducidade veio o demandante responder, nos termos constantes de fls. 91 a 93.
O litígio não foi submetido a mediação. Em Audiência de Julgamento ambas as partes apresentaram prova testemunhal.
Valor da ação: € 5.980,13 (cinco mil novecentos e oitenta euros e treze cêntimos).

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados, com interesse para os presentes efeitos, os seguintes factos:-
1.º- O demandante, na qualidade de empresário em nome individual e com fins lucrativos, dedica-se à atividade de reparação e manutenção de veículos automóveis;
2.º- A demandada é uma sociedade por quotas que tem por objeto “Importação, comércio de acessórios para veículos automóveis e máquinas agrícolas, reparação de bombas injectoras, rectificação e reconstrução de motores industriais e agrícolas e compra e venda de veículos automóveis usados;
3.º- E tem como gerentes, C e D;
4.º- Em fevereiro de 2011, E, solicitou os serviços do demandante para reparar o seu veículo automóvel de marca BMW, modelo 320d, com a matrícula xx-FM-xx;
5.º- O E transmitiu ao demandante, na ocasião, que o motor do veículo produzia ruídos anormais;
6.º- Tendo o demandante efetuado o diagnóstico ao veículo, concluiu que a origem do problema estaria na cambota, peça que integra o motor;
7.º- Na sequência, o demandante solicitou os serviços da demandada para efetuar um diagnóstico à cambota e, assim, determinar a origem do problema;
8.º- Aquela não o informou que não fazia diagnósticos;
9.º- Desconhecendo este facto, o demandante solicitou a F, gerente da sociedade comercial F Unipessoal, Lda., com sede em Vila Nova de Poiares, que se dedica à atividade de venda de peças a componentes para veículos automóveis, que levasse à oficina a cambota desmontada para a demandada fazer o diagnóstico;
10.º- Tendo este, para o efeito, entregue a cambota na sede da demandada, em Coimbra;
11.º- E a demandada procedido à retificação da mesma pois que, segundo informaram o demandante, esta apresentava ligeiros riscos;
12.º- Pela retificação a demandada emitiu a Fatura n.º xxx/2011, datada de 22/02/2011, em nome da empresa F Unipessoal, Lda., no valor global de €132,77;
13.º- Quando a recebeu o demandante afinou os contrabalanços, montou o motor e, consequentemente, a cambota no BMW e testou a viatura;
14.º- Porém, os ruídos no motor mantiveram-se;
15.º- O demandante voltou a desmontar o motor do BMW, retirou a cambota e solicitou à demandada, novamente, que verificasse a peça;
16.º- Porque um representante da demandada, após verificar a cambota, reiterou que esta não tinha qualquer problema, e que o problema do BMW advinha da bomba de óleo, este em 06/06/2011 comprou a F Unipessoal, Lda. uma bomba de óleo e 2 jogos de bronzes, pelos quais despendeu a quantia de € 396,27 (trezentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos);
17.º- De seguida o demandante, substituiu a bomba de óleo, os 2 jogos de bronzes, recolocou a Cambota e montou o motor no veículo, após o que o testou;
18.º- Porém, o problema mantinha-se;
19.º- Então o demandante contactou o estabelecimento comercial com a designação "Rectificadora G”, e que se dedica à atividade de retificação de motores, relatou os problemas do BMW e as verificações efectuadas, tendo o seu representante legal, transmitido que a Cambota provavelmente estaria estalada;
20.º- O demandante verificou então a Cambota de forma minuciosa, com a ajuda de uma chave de fendas, como aquela lhe havia aconselhado, e constatou que, efetivamente, esta estava partida;
21.º- No dia seguinte, o demandante deslocou-se ao estabelecimento comercial da demandada, em Coimbra, acompanhado do referido F, tendo mostrado a cambota partida ao representante legal da demandada I, dentro da bagageira da carrinha em que se faziam transportar;
22.º- Tendo este verificado a fissura;
23.º- E emitido à empresa F, Lda., em 19/07/2011, a Nota de Crédito nº xx/2011, no valor global de € 132,77, o valor da retificação, e a que se refere a Fatura nº 64/2011;-
24.º- O demandante comprou uma cambota nova, substituiu a que estava danificada, recolocou-a no BMW e montou o motor. Efetuado o teste ao veículo este deixou de apresentar qualquer barulho proveniente do motor;
25.º- Situação que à data da entrada da ação se mantinha;
26.º- Os sucessivos testes e verificações efetuadas ao BMW ocasionaram a avaria dos injetores e do motor de arranque, para cuja reparação o demandante gastou a quantia de € 1.326,79 (mil trezentos e vinte e seis euros e setenta e nove cêntimos);
27.º- E tendo sido necessário abrir o motor do BMW por duas ocasiões, o demandante teve que comprar e substituir, 2 juntas da cabeça, 1 jogo de pernos, 1 jogo de segmentos, 1 jogo de bronzes da viela e 1 jogo de bronzes de apoio, tudo no valor de € 450,07 (quatrocentos e cinquenta euros e sete cêntimos);
28.º- Por outro lado, com as descritas intervenções o demandante despendeu muitas horas de serviço;
29.º- O preço horário de mão-de-obra cobrado no estabelecimento comercial do demandante ascende a € 12,50 (doze euros e cinquenta cêntimos), acrescido de IVA;
30.º- Custo com mão-de-obra que não cobrou ao cliente, E;
31.º- Tendo o seu mandatário em 13/02/2012 escrito uma carta à demandada reclamando o ressarcimento no valor de € 2 739,94, acrescido do valor de 150 horas de mão-de-obra, porquanto “…conforme já anteriormente comunicado pelo meu constituinte, a (tentativa) de reparação efetuada por V. Exas, titulada pela fatura nº xxx de 22.02.2011, ocasionou graves e dispendiosos prejuízos na viatura do cliente do meu constituinte que, naturalmente foram por ele assumidos...”;
32.º- Esta situação conduziu o demandante a uma situação de extremo desespero, porquanto se viu impossibilitado de resolver o problema do cliente;
33.º- Tendo sido necessário cerca de sete meses para que fosse alcançada uma resolução;
34.º- O que causou no demandante um sentimento de frustração e impotência;
35.º- Tudo com reflexos na sua vida profissional, pessoal e social;
36.º- Com efeito, durante o período de tempo da reparação do BMW o demandante sofreu perturbações no sono e elevado cansaço físico e mental;
37.º- Por outro lado, os erros de diagnóstico poderiam comprometer a imagem e capacidade profissional do demandante junto dos clientes;
38.º- Tudo conjugado, redundou num estado de espírito pesaroso, mau humor e irritabilidade;
39.º- O que contrasta com a personalidade do demandante, por todos tido como uma pessoa alegre e bem-disposta;
40.º- Granjeando, acima de tudo, junto de clientes e gentes locais a imagem de excelente profissional.

Motivação dos factos provados:
Os factos assentes resultaram do conjunto da prova produzida, ou seja, das declarações do demandante e dos representantes legais da demandada, dos documentos juntos aos autos, que, apesar de terem sido impugnados, foram corroborados pelas declarações do demandante e por depoimento das testemunhas produzidos em Audiência de Julgamento, tudo tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civ.).

De facto, embora os representantes da demandada tenham afirmado que só fazem retificações a cambotas e tenham negado que tenham dito ao demandante que fariam diagnósticos, das declarações do demandante e da testemunha F resultou credível a versão do demandante: que contou ao gerente da demandada H que teria um problema na cambota do veículo de um cliente e este lhe disse para levar a cambota às suas instalações para verificar o a origem e que este pediu esta testemunha que a levasse, o que este fez; Tendo este deposto que na B nada disse, só entregou a cambota, porque o demandante já tinha conversado diretamente com o Sr. H e que é normal ser assim porque não conhece os problemas específicos do material, não trabalha com mão-de-obra nem manda reparar peças, só compra e vende; Que não foi ele que foi buscá-la nesta altura e não sabe como foi entregue ao Sr. A; Que quando foi a Coimbra pela terceira vez, agora com o demandante e porque lhe haviam dito que poderia ser de outra coisa, levaram o motor completo, o bloco todo montado dentro da bagageira da carrinha; Que nesta altura o Sr. H disse que assumia a retificação da cambota porque viram que ela estava fissurada e que o problema era dali; E disse ainda que só assumia esse valor porque foi a única coisa que faturou e que cada qual assumiria aos seus custos, a sua mão-de-obra; Que o Sr. A disse logo que iria por isto em Tribunal;

Foi também relevante o depoimento das restantes testemunhas arroladas pelo demandante, J, retificador na "Rectificadora G” há volta de 30 anos, e que referiu que apesar de não conhecer nenhuma máquina para verificar se a cambota está em condições, é possível verificar se uma cambota se encontra fissurada, através de um “calorzinho leve” (e o óleo sai pela zona da fissura) ou pondo-a na máquina de calibrar; E, dono do veículo a que pertencia a cambota e que depôs sobre o estado de espírito do demandante enquanto o problema não se resolveu, confirmando ainda que aquele só se pagou pela cambota nova e substituição; E L, trabalhadora do demandante à data e agora noutra empresa dele, mas que apenas foi relevante quanto à análise das faturas do material juntas aos autos, ao preço/hora da mão-de-obra e também quanto à personalidade e estado de espírito do demandante; Disse, nomeadamente que o demandante primeiramente substituiu o volante bimassa, verificou que não era disso o barulho e a vibração e abriu o motor e verificou que na parte em que trabalha a cambota tinha um bronze de outra cor, e que então falou a sr. H, retificaram e ficou na mesma; A tudo mais, não assistiu;
E quanto às testemunhas arroladas pela demandada, M, seu trabalhador há mais de trinta anos, que apesar de pouco colaborante, referiu que foi quem fez a retificação da cambota em causa nos autos da primeira vez, porque a primeira Folha de Obra está assinada por ele; Que tivesse visto ela não estava fissurada e se tivesse posto na máquina dava sinal e ele parava; Que referiu que o gerente I é o chefe das retificações e também faz retificação de cambotas; e N, seu trabalhador há 22 anos, que está ao balcão, bem como outro colega e os gerentes e disse que não conhece pessoalmente o demandante mas que falou telefonicamente com ele, por este e por outros serviços; Que foi ele que verificou a cambota, que tinha riscos e a enviou para retificar; Que se for visível que as cambotas estão partidas, não se retifica, e nesta não era; Que “se lembra deste caso por causa das circunstâncias do que se passou”; Que às vezes, quando erram, e para cativar o cliente, abatem ao valor, dão outro tipo de material, etc., mas que essa parte é com a Contabilidade.
Todos os depoimentos foram relevantes na parte em que foram prestados sobre factos de que tinham conhecimento direto.
E mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil (CPC), factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa, e relativamente aos quais todos tiveram a possibilidade de se pronunciar.
Factos não provados e respetiva motivação:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados, com interesse para a decisão da causa, por deficiente ou falta de mobilidade probatória, nomeadamente:
- Que, na sequência, um representante da demandada, deslocou-se ao estabelecimento do demandante e, após verificar a Cambota, reiterou que esta não tinha qualquer problema. Mais, referiu, na ocasião, que o problema do BMW advinha da bomba de óleo;
- Que a demandada aceitou o serviço, após o que transmitiu ao demandante que verificou o referido componente e que este não apresentava qualquer problema;
- Que um representante da demandada transmitido verbalmente então ao demandante que o problema do veículo advinha da falta de afinação dos contrabalanços da cambota;
- Que durante mais de um ano, nem a F Unipessoal, Lda., nem o demandante ou fosse quem fosse efetuou qualquer denúncia ou comunicação à demandada relativamente a alegados defeitos na execução da retificação da cambota, nem a interpelação para a correção dos mesmos, nem devolveram à demandada a cambota para que esta a pudesse analisar e verificar os danos ora alegados;
Que a restituição do valor da retificação foi por cortesia para com a referida empresa, por quanto na existência de dúvidas sobre a origem dos danos na viatura, em julho de 2011, cada qual assumiria a sua quota-parte de custos, ou seja, quer a B, quer a F, Unipessoal, Lda. arcaria com os custos da sua mão-de-obra.

Fundamentação de direito:
A demandada, em sede de contestação, ainda que não tenha nunca reconhecido, nem reconheça agora, qualquer defeito na execução do trabalho de retificação da cambota, invoca a exceção de caducidade por falta de denúncia a que se refere o artigo 1220º do Código Civil, ou, caso assim se não entenda, se julgue procedente a exceção de caducidade prevista no n.º 1 do artigo 1224º do Código Civil.
Alega, para o efeito, e em síntese, o seguinte:
- Que não efetua diagnósticos a cambotas, mas sim a reparação;
- Que nunca celebrou nenhum contrato de empreitada com o demandante nem com E, dono do veículo a que pertencia a cambota;
- Que foi a empresa F Unipessoal, Lda., por intermedio do seu sócio gerente F, que em 22 de fevereiro de 2011 lhe entregou uma cambota de motor de um veículo automóvel BMW 320, 150 C para que fosse efetuada a sua retificação;
- Que a cambota vinha fora do bloco e não vinha montada no motor;
- Colocada na máquina a fim de ser retificada, a cambota não apresentada quaisquer fissuras ou dano que impedissem a sua retificação;
- A demandada entregou a cambota a quem lha entregou para retificar – ao sócio gerente da referida F Unipessoal, Lda., em conformidade com o acordado, devidamente reparada, em perfeitas condições de funcionamento e sem quaisquer vícios, perfeitamente apta a ser montada no motor;
- Que a empresa F Unipessoal, Lda. recebeu a cambota sem manifestar quaisquer reservas;
- Que foi a F Unipessoal, Lda. ou o próprio demandante que montaram a cambota no motor;
- Que durante mais de um ano, nem a F Unipessoal, Lda., nem o demandante ou fosse quem fosse efetuou qualquer denúncia ou comunicação à demandada relativamente a alegados defeitos na execução da retificação da cambota, nem a interpelação para a correção dos mesmos, nem devolveram à demandada a cambota para que esta a pudesse analisar e verificar os danos ora alegados;

Em resposta à exceção de caducidade veio o demandante responder, em síntese, o seguinte:
- Que é falso que durante mais de um ano nem o demandante nem a F Unipessoal, Lda., não tivessem efetuado denúncias ou comunicação à demandada relativamente a alegados defeitos na execução da retificação da cambota, nem a interpelado para a correção dos mesmos, nem permitido que analisasse a cambota e procedesse à verificação dos danos;
- Que não está em causa, em bom rigor, a existência de um defeito na obra mas o incumprimento da prestação a que está adstrita a demandada, ou seja, ao efetuar o diagnóstico à cambota deveria ter verificado que se encontrava partida e, perante este facto, informar o demandante que a sua retificação era tecnicamente inviável;
- Que, assim, está em causa um incumprimento contratual absoluto da demandada (e não uma execução defeituosa do serviço), sujeito ao prazo de prescrição da responsabilidade contratual, previsto no artigo 309º do C. Civ;
- E que, caso assim, não se entenda, por mera cautela de patrocínio, não só a demandada comunicou o erro, verbalmente e por escrito, como a demandada aceitou expressamente que não cumpriu a obrigação de verificar que a cambota estava partida.
Existe assim, um incumprimento definitivo, sujeito ao prazo de prescrição da responsabilidade contratual, previsto no artigo 309º do C. Civ e que implica a derrogação dos prazos de caducidade.
- Peticionando o demandante não a eliminação dos defeitos da cambota ou o valor despendido na reparação, que não ocorreu, mas os danos colaterais do incumprimento contratual da demandada da obrigação a que estava adstrita.
Cumpre decidir:
A situação em litígio tem por base um contrato de subempreitada, que segue o regime da empreitada, modalidade do contrato de prestação de serviços, prevista e regulada nos artigos 1207º e seguintes do Código Civil (doravante designado simplesmente: C. Civ.), tomando o empreiteiro nesta relação jurídica, o aqui demandante, o lugar de dono da obra, o proprietário do veículo, assumindo, neste âmbito, o conjunto de direitos e deveres que a lei confere a este.
Competia ao demandante alegar e provar que, o veículo foi dado a si para conserto, e que, apesar de ter sido o representante da empresa F Unipessoal, Lda., a entregar a cambota na sede da demandada, e dos documentos contabilísticos, Fatura e Nota de Crédito, terem sido emitidos em seu nome, o contrato de subempreitada, verbal, relativamente à reparação da cambota se efetuou entre si e a demandada, o que logrou fazer (cf. artigo 342º do C. Civ.).
Nos termos do artigo 406º do C. Civ., o contrato deverá ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, devendo as partes regerem-se pelo princípio da boa-fé (cf. artigos 762º e 763º do mesmo Código).
Dispõe o artigo 1208.º do C.Civ. que “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”, instituindo um dever de indemnizar os prejuízos sofridos por responsabilidade contratual, independente de culpa.
E poderá ainda gerar responsabilidade civil extracontratual, ou ambas. Nesse sentido refere, em Sumário, o Acórdão da Relação de Coimbra de 02/06/2009 (in www.dgsi.pt), cujo entendimento se perfilha:
“… 3) O incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de empreitada está na origem, não raro, de danos geradores de responsabilidade contratual ou extracontratual, podendo ainda assistir-se a uma cumulação dos dois tipos de responsabilidade.
4) No elenco dos primeiros poderemos enumerar aqueles que se relacionam v.g. com a deficiente realização da obra acordada. Quanto aos segundos salientam-se os classificados como circa e extra rem ou seja aqueles que se filiam no imperfeito incumprimento da obrigação, embora de forma indirecta.
5) Sendo tais danos de índole diversa, quer no que toca à sua natureza quer no tocante à prova respectiva e teleologia intrínseca, é diverso o tratamento que lhes é conferida;
6) Desde logo o particular regime de caducidade de prazos curtos previsto nos artigos 1 218º ss do Código Civil não tem aplicação a todos os danos emergentes do contrato de empreitada. ….”
Na situação dos autos, o demandante alegando, por um lado, não ter sido cumprido pela demandada o dever de informação estipulado no artigo 573º do C. Civ. (que a demandada, sobre a qual impendia o ónus de prova do cumprimento desse dever, não provou tê-lo feito), e que, assim, o serviço prestado não foi apto a produzir o efeito que, legitimamente, o demandante esperava, vem, por outro, peticionar os danos colaterais do incumprimento contratual definitivo da demandada da obrigação a que também estava obrigada de verificar que a cambota estava partida e assim, não proceder à sua retificação.
Da factualidade assente resulta inequivocamente:
- Que apesar de a demandada não fazer diagnósticos, o demandante não foi informado de tal facto pelo representante legal da demandada, que lhe disse para levar a cambota à sua empresa para verificar o problema;
- Que quando o demandante, posteriormente, se queixou a esta que os problemas se mantinham, diziam-lhe que não podia mesmo ser da cambota porque tinha sido retificada e não foi detetado qualquer problema;
- E, assim, convencido que não seria, de facto, problema da cambota, foi substituindo peças do motor (por ex. a bomba de óleo), tendo, para o efeito, de substituir outras peças e componentes e fazer testes, para o que despendeu dinheiro, tempo e mão-de-obra, que seriam perfeitamente evitáveis, se a demandada o tivesse informado prévia, ou posteriormente, que não poderiam diagnosticar os problemas da cambota e/ou que não verificaram antes da retificação se se encontrava partida e que a retificação era tecnicamente inviável.
- Que apesar de a cambota ter sido retificada pela demandada, os problemas no veículo se mantinham e só desapareceram com a substituição da cambota por outra;
- Que quando o demandante mostrou a cambota com a fissura, já visível a “olho nu” ao representante legal da demandada, esta devolveu o valor da retificação, admitindo, assim, que não cumpriu a obrigação de verificar que a cambota estava partida.
Existe, nestes termos, e efetivamente, um incumprimento definitivo da demandada, sujeito ao prazo de prescrição da responsabilidade contratual, previsto no artigo 309º do C. Civ e que implica a derrogação dos prazos de caducidade dos artigos 1220º e n.º 1 do 1224º do mesmo Código, suscitada pela demandada em sede de contestação.
E assim, encontra-se o demandante em tempo para peticionar o ressarcimento dos referidos danos patrimoniais provocados pelo facto de ter de desmontar e montar três vezes o motor, e substituir peças novas e componentes, que, se o problema tivesse sido detetado na primeira intervenção só seriam substituídos uma vez.
Nestes termos, e encontrando-se preenchidos os requisitos legais da obrigação de indemnizar, tem o demandante direito a ser reembolsado dos seguintes valores:
- € 2.173,13 (dois mil cento e setenta e três euros e treze cêntimos), pela Bomba de óleo e por dois jogos de bronze, pela reparação do motor de arranque, por dois injetores, 2 juntas da cabeça, 1 jogo de pernos, 1 jogo de segmentos, 1 jogo de bronzes da viela e 1 jogo de bronzes de apoio (cf. Doc.s 1 a 7 do demandante- a fls. 9 a 16 dos autos);

- E, tendo havido três intervenções no veículo, à exceção daquela em que montou a cambota nova (que teria sempre de ocorrer), e dado que o demandante não especifica as horas despendidas em cada intervenção, entende-se como justo que o valor pedido, a título de mão-de-obra, seja reduzido para 100 horas. E assim, €12,50*100h= € 1.250,00 + IVA = € 1.537,50 (mil quinhentos e trinta sete euros e cinquenta cêntimos);
- Quanto ao pedido de indemnização por danos morais ao demandante: Ficou efetivamente provado que o mesma, na sequência do exposto e como consequência direta e necessária, foi ofendido na sua saúde (causou-lhe extremo desespero, perturbações no sono e elevado cansaço físico e mental), até conseguir reparar o veículo, vendo lesados os seus direitos à integridade física e psíquica, direitos pessoais suficientemente graves para merecerem a proteção do direito. Desta lesão decorreram danos, não patrimoniais, que, não sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, implicam, contudo, uma compensação pelo sofrimento suportado, através de uma prestação pecuniária a cargo da lesante (cf. artigos 483º e 566º do Código Civil).

Para a fixação do montante da indemnização (equitativamente) pelo tribunal, os danos não patrimoniais do demandante têm também de ser apreciados tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º do C. Civil, por força do disposto no nº 3 do artigo 496º, do mesmo Código e ainda os padrões indemnizatórios geralmente adotados na jurisprudência, pelo que entendemos excessivo o montante indemnizatório peticionado, fixando o valor a pagar pela demandada ao demandante em €300,00 (trezentos euros).
- Por último, e quanto ao pedido de condenação em custas, este não depende do pedido das partes mas resulta legalmente da procedência total ou parcial do pedido nos termos dos nºs 8 e 9 da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, conjugados com o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil, aplicável aos Julgados de Paz por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho.
Atento o exposto, e em conclusão, tem o demandante direito ao pagamento pela demandante do valor global de, € 4010,63 (quatro mil e dez euros e sessenta e três cêntimos), acrescido dos juros de mora legais desde a citação, 06/01/2015, até efetivo e integral pagamento (cf. nº 1 do artigo do 805º do C. Civ.).

Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e em consequência:
- Condeno a demandada, B, Lda., a pagar ao demandante, A, a quantia de € 4010,63 (quatro mil e dez euros e sessenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde seis de janeiro de 2015, até efetivo e integral pagamento;
- Absolvo-a do demais peticionado.
- Custas na proporção do decaimento, que fixam em 30% para o demandante e 70% para a demandada (cf. artº 8º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de dezembro, artº 527º nº 2 do CPC, aplicável aos Julgados de Paz por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001 de 13 de julho na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho).
Registe e notifique.
Aos vinte dias do mês de agosto de 2015.
A Juíza de Paz

(Elisa Flores)

Processado por computador (artigo 131º/5 do C.P.C.)