Sentença de Julgado de Paz
Processo: 977/2013-JP
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: PRIVAÇÃO DE USO
Data da sentença: 06/05/2015
Julgado de Paz de : JULGADO DE PAZ DO PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 977/2013-JP em que são partes:

Demandante: A, residente na Rua --------, ------, -----., ----- Maia.------------------------------------------------------------------
Demandada: B, S.A., com sede na --------, -----, ------ Lisboa.----------------------------------------------------------------
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OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante intentou a presente acção contra a Demandada enquadrável na alínea h) do nº 1 do artº 9º da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação desta a pagar-lhe:
- a quantia de € 250,00, respeitante ao valor da franquia suportada;
- a quantia de € 1.203,27, relativa ao aluguer de veículo de substituição;
- a quantia de € 666,00, relativa aos danos da privação de uso do GD;
- os juros vincendos sobre a quantia indemnizatória total de € 2.119,27 à laxa de 4% ao ano, a contar da citação da Ré até integral pagamento;
- as custas.
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A Demandada contestou nos termos plasmados a fls.46 a 49, impugnando parcialmente a matéria de facto alegada pelo Demandante.--------------------------------------------------
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Acta.-------------------------------------------------------------------
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FACTOS PROVADOS

A. No dia 19 de Novembro de 2010, pelas 17,15 horas, ao quilómetro 9,1 da Auto-Estrada nº 20 (A20), freguesia de Campanhã, concelho do Porto, ocorreu um acidente de viação entre o veículo de passageiros matrícula GD, propriedade do Demandante e conduzido por C e o veículo tractor pesado de mercadorias matrícula FH, propriedade de "D" e conduzido por E.-----------------------
B. À data do acidente, estava em vigor um contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor, celebrado entre a “D, Lda”, na qualidade de F Ldaª, na qualidade de locatária, cujo objecto era o veículo tractor pesado de mercadorias matrícula FH.-----------------
C. E, no dia 19/11/2010, conduzia o veículo matrícula FH, sob a direcção e no interesse de F Lda.------------------
D. À data do acidente, o proprietário / locatário do veículo FH havia transferido a sua responsabilidade civil automóvel para a Demandada através da apólice nº --------
E. No local do embate e atento o referido sentido, a A20 compõe-se por quatro vias.---------------------------------
F. Sendo que, junto ao local do acidente as duas primeiras vias foram suprimidas pela concessionária "Brisa" devido a um outro acidente, que tinha ocorrido minutos antes e que ocupava as ditas vias.--------------------------------
G. Passando o tráfego a processar-se, apenas, na 3ª e 4ª via da A20 e a baixa velocidade, dada a acumulação verificada.------------------------------------------------------------
H. As duas primeiras vias passaram a estar delimitadas relativamente às outras duas por cones sinalizadores, colocados pelos funcionários da Brisa.--------------------------
I. Assim, no dia e hora indicados em A. supra, o veículo GD circulava na 3ª via da A20, sentido Freixo/Arrábida, com velocidade reduzida, a cerca de 40 km/hora.-------------------------------------------------------------
J. Sendo que na via mais à direita circulavam outros veículos.---------------------------------------------------------------
K. Por seu turno, o FH seguro na Demandada circulava na 2ª via da A20, quase paralelamente ao veículo do Demandante, com ligeiro adiantamento deste.----------------
L. Junto à predita supressão de vias, o condutor do FH mudou de via de trânsito.-----------------------------------------
M. Via essa que era ocupada pelo GD.----------------------
N. Consequentemente, a parte frontal direita do FH veio a embater na parte lateral esquerda do GD.-------------
O. Por causa do embate e em acto contínuo, o GD assumiu uma trajectória para a esquerda e acabou por ir embater no separador central da A20.--------------------------
P. Deste embate resultaram danos materiais no GD o qual ficou, nomeadamente, com o pára-choques frontal e farol direito partido, com a porta esquerda raspada, com o guarda-lamas traseiro esquerdo igualmente raspado, com o guarda-lamas dianteiro direito e spoiler partidos, com o braço da suspensão danificada, com a blindagem do radiador partida e com o apoio do motor também partido.---------------------------------------------------------------
Q. A reparação dos danos no GD foi orçada pela Demandada na quantia de € 4.980,00, que concluiu pela sua perda total.------------------------------------------------------
R. Em carta datada de 14 de Fevereiro de 2011, ou seja, cerca de 3 meses após o sinistro, a Demandada propôs-se regularizar o presente sinistro com base numa divisão equitativa de responsabilidades.-------------------------
S. Proposta essa que o Demandante não aceitou.---------------------------------------------------------------
T. Devido aos danos provocados por este acidente, o GD ficou impedido de circular pelos próprios meios.-----------------------------------------------------------------
U. Após a recepção da comunicação de divisão equitativa de responsabilidades – meados de Fevereiro de 2011, ocorrida cerca de três meses após o sinistro, o Demandante veio a regularizar junto da "G.", accionando a apólice de seguro contratada, o valor da perda total.--------
V. Tendo suportado o pagamento de uma franquia contratual de € 250,00.---------------------------------------------
W. Nesses cerca de três meses, o Demandante esteve impedido de poder utilizar um bem que é seu, o que lhe provocou bastantes transtornos e limitações, uma vez que o GD era permanentemente utilizado nas suas deslocações diárias, quer para o emprego, quer para a realização de afazeres pessoais, nomeadamente, para compras e lazer.-------------------------------------------------------------------
X. Como a Demandada não facultou um veículo de substituição, o Demandante viu-se também obrigado a alugar uma viatura, tudo para que as suas deslocações diárias ficassem asseguradas.-------------------------------------
Y. Assim, entre o dia 20/11/2010 e o dia 8/01/2011, o Demandante pagou pelo aluguer de um veículo a quantia de € 1.203,27.--------------------------------------------------------
Z. Nos dias seguintes e pelo menos até meados de Fevereiro de 2011 (altura da recepção da carta da Demandada), o Demandante continuou impedido de poder utilizar o GD.-----------------------------------------------
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.----------------
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final, sendo que os factos constantes em A., D., E., J., K., O., P., Q., R. e T., consideram-se admitidos por acordo – artº 574º nº2 do C.P.C..------------------------------------------------------------
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Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.-------------------------------------------------------------
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor que se fixa em € 2.119,27 – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C.P.Civil.--------------
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandada por representação – artº 25º do C.P.Civil) e são legítimas.---------------------------------------------------------
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Visa o Demandante, com a presente acção, a condenação da Demandada no pagamento de uma indemnização, por entender que o acidente em causa nos autos, se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo FH.--------
Da Responsabilidade dos intervenientes no acidente:
O art.º 483 CC determina que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.----------------------------------------------------------------------------
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjectivos absolutos, ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. Pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa.-----------------
Nos termos do artº 487º do Cód. Civil, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo existindo presunção de culpa, o que é precisamente o caso dos autos.------------------------------------------------------------------
Com efeito, à data do acidente, estava em vigor um contrato de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor, celebrado entre a “D, Lda”, na qualidade de F Ldaª, na qualidade de locatária, cujo objecto era o veículo tractor pesado de mercadorias matrícula FH, sendo que, E, no dia 19/11/2010, conduzia o veículo FH, sob a direcção e no interesse de F Lda, pelo que, nos termos do artº 503º nº3 do Cód. Civil, estamos perante uma presunção de culpa deste condutor na produção do acidente.--------------------------------------------------------------
Quanto à dinâmica do acidente, resultou provado que o veículo GD circulava na 3ª via da A20, sentido Freixo/Arrábida, com velocidade reduzida, a cerca de 40 km/hora, sendo que na via mais à direita circulavam outros veículos. Por seu turno, o veículo FH circulava na 2ª via da A20, quase paralelamente ao veículo do Demandante, com ligeiro adiantamento deste. Junto à predita supressão de vias, o condutor do FH mudou de via de trânsito, via essa que era ocupada pelo GD, pelo que, consequentemente, a parte frontal direita do FH veio a embater na parte lateral esquerda do GD.---------------------------------------------------
Face à matéria assente, há que concluir que a responsabilidade do acidente em apreço, se deve exclusivamente à conduta do condutor do veículo FH, com culpa efectiva, o qual violou o nº 2 do artº 11º e nº2 do artº 14º, ambos do Código da Estrada, violações essas que foram causa adequada para a ocorrência do acidente.--------------------------------------------------------------
Conclui-se pois, estarem preenchidos todos os pressupostos (supra mencionados) do nascimento da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos por parte do condutor do FH.--------------------------------------------------------------------
Da Obrigação de indemnizar
A Demandada é a responsável pela indemnização de danos causados a terceiros pela circulação do veículo matrícula FH, através da apólice nº --------------. -------------
Os Danos:
Nos termos do art. 562º do C.Civil a obrigação de indemnizar visa, desde logo, a reconstituição da situação que existiria na esfera jurídica do lesado, no caso de não se ter verificado o evento que obriga à reparação.---------------
São assim, indemnizáveis, os danos de carácter patrimonial (quer os prejuízos emergentes quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 564º do C.Civil) e os de carácter não patrimonial (estes apenas no caso de mereceram a tutela do direito, nos termos do nº 1 do art. 496º do C.Civil).-------------------
O Demandante, in casu, peticionou danos patrimoniais, designadamente a franquia legal suportada (€ 250,00) e os danos da privação do uso (€ 1.203,27) + (€ 666,00).---------------------------------------------------------------
Provou-se que o veículo GD sofreu danos, cujo orçamento importou o montante de € 4.980,00, tendo o mesmo ficado impedido de circular pelos próprios meios.------------
Após a recepção da comunicação de divisão equitativa de responsabilidades – meados de Fevereiro de 2011, ocorrida cerca de três meses após o sinistro, o Demandante veio a regularizar junto da "G", accionando a apólice de seguro contratada, o valor da perda total, tendo suportado o pagamento de uma franquia contratual de € 250,00, pelo que deverá ser ressarcido desta quantia.------------------------
Mais se provou que, nesses cerca de três meses, o Demandante esteve impedido de poder utilizar um bem que é seu, o que lhe provocou bastantes transtornos e limitações, uma vez que o GD era permanentemente utilizado em deslocações diárias, quer para o emprego, quer para a realização de afazeres pessoais, nomeadamente, para compras e lazer.-----------------------------------------------------
Não tendo a Demandada facultado um veículo de substituição, o Demandante viu-se obrigado a alugar uma viatura, pelo que, entre o dia 20/11/2010 e o dia 8/01/2011, pagou pelo aluguer de um veículo a quantia de € 1.203,27.------------------------------------------------------------
Nos dias seguintes e pelo menos até meados de Fevereiro de 2011 (altura da recepção da carta da Demandada), o Demandante continuou impedido de poder utilizar o GD e sem veículo de substituição, porque o aluguer passou a ser incomportável sob o ponto de vista financeiro.----------
Tendo em conta a orientação da jurisprudência mais recente, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária. Neste sentido, Ac. STJ de 09.05.02, págs. 125 a 129 do I volume de António Santos Abrantes Geraldes – Indemnização do Dano de Privação do Uso, 2ª Ed. Almedina.-----------------------------
Neste sentido, também o Ac. RP de 15.03.2005 in www.dgsi.pt: “o lesado, durante o período da imobilização da viatura, ficou privado das utilidades que esta poderia proporcionar-lhe; e isto constitui um prejuízo, uma realidade de reflexos negativos no património do lesado, mesmo se, como é o caso, não se provou em concreto um aumento das despesas em razão da privação do seu uso.”------------------------------------------------------------
Citando novamente Abrantes Geraldes (Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, 2001), no que concerne à temática dos autos (§ 5.14):------------------------
“Pressupondo que a privação do uso do veículo representa sempre uma falha na esfera patrimonial do lesado e que, em regra, será causa de um prejuízo material, impõe-se avaliar qual a compensação ajustada ao caso, de acordo com a gravidade das repercussões negativas e o destino que, em concreto, era dado ao bem.” --------------------------
“Essa compensação pode variar de acordo com o circunstancialismo presente em cada caso, designadamente, tendo em consideração, a disponibilidade de outro veículo com idêntica função ou o grau de utilização que, efectivamente, lhe seria dado durante o período da privação. Mas, em princípio, a privação deverá ser compensada com a atribuição de um quantitativo correspondente ao desvalor emergente da acção.”-----------
Mesmo não se tendo provado prejuízos efectivos, é possível determinar com o recurso à equidade, o valor dos danos da paralisação” – Ac. STJ, de 09.06.96, in BMJ 457/325).-------------------------------------------------------------
Face ao exposto, relativamente ao aluguer do veículo, provaram-se prejuízos efectivos no montante de € 1.203,27, pelo que será devida esta quantia.-------------------
No que concerne ao período posterior, desde 09/01/2011 até pelo menos meados de Fevereiro de 2011 (37 dias) fixa-se, equitativamente, a quantia de € 10,00 diários, o que importa o montante de € 370,00, pela paralisação do GD, nos termos dos artºs 4º e 566º nº3, ambos do Cód. Civil.-------------------------------------------------------------------
Os juros de mora.
Nos termos do art. 804º e artº 559º do Cód. Civil, sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. Nos termos do art. 805º nº 3 do citado código, serão devidos juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre a indemnização desde a data da citação até integral pagamento (Portaria nº 291/2003, de 08.04).-----------------
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DECISÃO:
Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de € 1.823,27 (mil, oitocentos e vinte e três euros e vinte e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação, até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.----------------------------------------------------------
Custas na proporção do decaimento que se fixam em 25% para o Demandante e 75% para a Demandada (artº 8º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro).-----------------
Registe e notifique.-------------------------------------------------
Porto, 5 de Junho de 2015
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)
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Processado por computador art.º 131º/5 do C.P.C.
Julgado de Paz do Porto