Sentença de Julgado de Paz
Processo: 71/2017-JPVNP
Relator: CRISTINA POCEIRO
Descritores: USUCAPIÃO
Data da sentença: 01/11/2018
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE PAIVA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

I – RELATÓRIO

Identificação das partes:

Demandante:

A, instituto canonicamente ereto, pessoa coletiva religiosa com o número de identificação 000, com sede na freguesia de X, concelho de Sátão;

Demandados:

B, portadora do bilhete de identidade nº 000, emitido em 000, pelo Serviço de Identificação Civil de X e do número de identificação fiscal 0000 e marido C, portador do bilhete de identidade nº 000, emitido em 000, pelo Serviço de Identificação Civil de X e do número de identificação fiscal 0000, residentes no X, Sátão;

Objeto do litígio:

A demandante instaurou a presente ação declarativa de condenação, enquadrada na alínea e) do nº 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, pedindo, com base nos fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial, que a mesma seja julgada procedente e que, em consequência:

a) Seja declarado que, por o haver adquirido por usucapião, a demandante é dona e legítima possuidora de um prédio rústico, constituído por terra de pousio, com a área de 965m2, a confrontar a norte com Rua X, a sul com D, a nascente com B e a poente com Adro da Igreja, omisso na matriz e Conservatória por se ter autonomizado do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sátão sob o n.º 000000, inscrito 1/3 a favor da demandante e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de X sob o artigo 0000; Ordenando-se consequentemente:

b) A inscrição na matriz do prédio da demandante, com a descrição constante na anterior alínea a) e o registo do mesmo na Conservatória de Registo Predial de X a favor da demandante por o haver adquirido por usucapião. E condenando-se os demandados,

c) A reconhecerem o peticionado nas anteriores alíneas a) e b).

Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do respetivo requerimento inicial, de fls. 3 a 9 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, segundo os quais, resumidamente, no Verão de 1997, por compra e venda verbal celebrada com E, adquiriu a supra referida parcela de terreno como coisa autónoma, demarcada e individualizada do restante terreno que antes fazia parte do prédio inscrito na matriz rústica da freguesia de X sob o artigo 000, parcela de terreno que, desde aquela data até ao presente, usa como sua única e exclusiva dona, invocando diversos atos de uso e fruição do mesmo e alegando diversos factos caracterizadores da respetiva posse que invoca, pois, já assim era usado e assim lhe foi transmitido pelo dito vendedor, seu antepossuidor, concluindo que o adquiriu por via da usucapião. A demandante juntou procuração forense e três documentos ao respetivo requerimento inicial, um documento na primeira sessão, um documento na segunda sessão e dois documentos na terceira sessão da audiência de julgamento, e ainda dois documentos a convite do tribunal, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Tramitação e Saneamento:

Atenta a espécie e finalidade da presente ação, por não se vislumbrar possível a resolução do litígio através do serviço de mediação existente neste julgado de paz, não foi marcada sessão de pré-mediação.

Os demandados foram, pessoal e regularmente, citados (conforme fls. 17 a 30 dos autos), e não apresentaram contestação.

Na primeira sessão da audiência de julgamento, as partes foram ouvidas, nos termos do disposto no artigo 57º, nº 1, 1ª parte da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho e tendo surgido a possibilidade de resolução do litígio por acordo das partes, a audiência foi suspensa e agendada a sua continuação para nova data.

Na segunda sessão da audiência de julgamento, as partes esclareceram que não foi possível alcançar a resolução do litígio por acordo das partes, pelo que, as mesmas continuaram a ser ouvidas, nos termos do disposto no artigo 57º, nº 1, 1ª parte da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, tendo a demandante confirmado e reiterado os factos alegados no requerimento inicial e os demandados declarado que reconhecem que a parcela de terreno em causa nos autos é ocupada exclusivamente pela demandante, motivo pelo qual não contestaram a presente ação. Após, a convite do tribunal (conforme despacho de fls. 58 e 59 dos autos, cujo teor aqui se reproduz integralmente), foram juntos dois documentos pela demandante, tendo sido observado o princípio do contraditório quanto aos mesmos.

Na terceira sessão da audiência de julgamento, foi admitida a junção de novo levantamento topográfico das parcelas em causa nos autos pela demandante e exercido o respetivo contraditório pelos demandados, conforme resulta da respetiva ata, cujo teor aqui se reproduz integralmente. A audiência de julgamento decorreu com observância dos legais formalismos, conforme resulta das respetivas atas, que aqui se reproduzem integralmente, tendo sido agendada a sua continuação nesta data e, após uma breve suspensão da mesma, a audiência foi reaberta para prolação da presente sentença. Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da instância, pois, o julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º, nº 1, 8º, 9º, nº 1, alínea e) e 11º, nº 1, todos da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhes foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho). As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há outras exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Valor da ação: Fixa-se em € 6.000,00 (seis mil euros), em conformidade com a posição das partes e as disposições conjugadas dos artigos 296º, nº 1, 297º, nº 2, 302º, nº 1, 305º e 306º, todos do Código Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho.--

Assim, cumpre apreciar e decidir:

II - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Discutida a causa, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:

1. Está inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 000, da freguesia de X, concelho de X, a favor de E, um prédio sito ao X, composto por terreno de cultura, com a área declarada de 3140m2, a confrontar do Norte com caminho, do Sul com X, a Nascente com F e a Poente com Adro da Igreja Paroquial, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sátão sob o N.º0000, da referida freguesia, com inscrição de aquisição de 1/3 a favor da demandante pela apresentação 5 de 17-12-2004;

2. A referida inscrição de aquisição a favor da Demandante, pela dita apresentação 5 de 17-12-2004, tem como causa a “compra” e como sujeito passivo E, viúvo, cujo negócio foi formalizado por escritura pública outorgada em 27-03-2003;

3. Em tempos, o prédio rústico indicado no parágrafo número um era usado apenas por E;

4. Em data que não foi possível apurar, mas há mais de trinta anos, o prédio rústico indicado no parágrafo número um foi dividido, material e verbalmente, pelos descendentes do dito E, que delimitaram de imediato, entre si, as parcelas de terreno com marcos;

5. Uma parcela de terreno ficou para G, outra parcela de terreno para E, passando cada um deles a usar e fruir, como coisa exclusivamente sua, a respetiva parcela de terreno que lhe coube na divisão material que efetuaram do referido prédio;

6. O dito E ocupou apenas a parcela de terreno que fica a Poente do referido prédio, composta de terra inculta ou de pousio, com a área de 899,5m2, a confrontar a Norte com Rua X, a Sul com D, a Nascente com B e a Poente com Adro da Igreja;

7. O dito G ocupou apenas a parcela de terreno que fica a Nascente do referido prédio e que depois passou a ser usada apenas pelos aqui demandados, composta por terreno de cultura, com a área de 899,5m2, com um souto de castanheiros, a confrontar a Norte com Rua X, a Sul com D, a Nascente com F e a Poente com a demandante;

8. Desde data que não foi possível apurar em concreto, mas há mais de trinta anos, que o dito Senhor Alfredo Ramos da Silva passou a usar e a dispor, como coisa exclusivamente sua, totalmente individualizada e demarcada do prédio rústico indicado no parágrafo número um, a parcela de terreno identificada no parágrafo número seis, designadamente para fins agrícolas;

9. Em data que não foi possível apurar, mas há mais de quinze anos, o Senhor E transmitiu, verbalmente, à demandante a parcela de terreno identificada no anterior parágrafo número seis, que a adquiriu daquele;

10. A partir de tal momento, tal como acontecia antes com o dito Senhor E, a demandante passou, de imediato, a usar e a dispor da parcela de terreno identificada no anterior parágrafo número seis, com a composição e confrontações aí referidas, como sua única e exclusiva dona, de forma visível e permanente, procedendo à sua limpeza, vigiando-a, permitindo que as pessoas da aldeia de X e aldeias vizinhas, essencialmente os jovens, nela jogassem e joguem futebol, aí estacionassem e estacionem os seus veículos quando vão à Igreja dessa localidade;

11. Agindo sempre na convicção de estar a exercer direito próprio;

12. Com respeito pelas estremas, linhas divisórias e marcos da respetiva parcela de terreno;

13. Agindo sempre na convicção de que não lesa direitos de terceiros, incluindo dos demandados;

14. O que sempre fez, e continua a fazer, sem violência e sem oposição de quem quer que seja, incluindo dos demandados;

15. À vista e com o conhecimento de toda a gente, incluindo dos demandados;

16. De forma contínua e ininterrupta;

17. Agindo, relativamente à parcela de terreno aqui em causa, sempre na convicção de que a mesma lhe pertence como coisa exclusiva, própria e separada do restante terreno do prédio identificado no anterior parágrafo número um;

18. E agindo sempre como sua verdadeira e única dona, e assim sendo reputada por toda a gente daquele lugar de X, incluindo pelos demandados;

19. Tal como já antes de si acontecia com o dito Senhor E, que também usava a parcela de terreno identificada no parágrafo número seis nos termos referidos nos anteriores parágrafos onze a dezoito.

Factos não provados com interesse para a decisão da causa:

A - Que a divisão material e informal do imóvel, identificado no anterior parágrafo número um, tenha sido efetuada pelos descendentes do Senhor E em meados dos anos setenta;

B - Que a aquisição verbal da parcela de terreno, identificada no anterior parágrafo número seis, pela aqui demandante ao Senhor E, tenha sido efetuada no Verão de 1997;

C – Que a parcela de terreno da demandante apresenta a área de 965m2;

Com efeito, não foi produzido qualquer meio de prova que permitisse afirmar a verificação de tal factualidade. Antes pelo contrário, todas as testemunhas inquiridas afirmaram que, tendo por referência a idade dos castanheiros hoje existentes na parcela de terreno usada apenas pelos demandados, com pelo menos trinta anos, a divisão material do imóvel identificado no anterior parágrafo número um teria, com toda a certeza, mais de trinta anos, uma vez que os ditos castanheiros até já foram plantados pelo aqui demandado, por isso, não ficou o tribunal convencido, sem qualquer dúvida, que a mesma tivesse ocorrido em meados dos anos setenta.

Por outro lado, também todas as referidas testemunhas declararam que a aquisição verbal da parcela de terreno aqui em causa pela demandante ao Senhor E foi efetuada uns anos antes da outorga da escritura pública de fls. 77 e 78 dos autos, que data de 27-03-2003, sem, porém, saberem concretizar o ano. E, por isso, com toda a certeza, há mais de quinze anos, manifestando, porém, dúvidas que tivesse ocorrido há mais de vinte anos a esta data. Motivo pelo qual, na falta de qualquer outro elemento probatório que pudesse corroborar a realidade de tal factualidade, designadamente documental, não ficou o tribunal convencido, sem qualquer dúvida, que a mesma tivesse ocorrido no referido Verão de 1997. Como competia à demandante o ónus da prova de tais factos e a mesma não lhe deu cumprimento, consideram-se tais factos não provados (conforme imposição das disposições conjugadas dos artigos 342º e seguintes do Código Civil e do artigo 414º do Código de Processo Civil). Quanto à concreta área da parcela de terreno da demandante ficou demonstrado que a mesma possui apenas 899,5m2, conforme resulta do levantamento topográfico de fls. 85 e 86 dos autos e não a alegada de 965m2.

Motivação dos factos provados:

A convicção do tribunal fundou-se na apreciação e conjugação crítica de toda a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, designadamente nos documentos juntos aos autos pela demandante, na prova testemunhal apresentada pela mesma e na conduta processual dos demandados, que não apresentaram contestação, nem impugnaram os documentos juntos pela demandante.

Aliás, a conduta processual dos demandados reforça, fortemente, a convicção do tribunal de que a posse da parcela de terreno aqui em causa quer pela demandante, quer pelo respetivo antepossuidor, o Senhor E, tem sido exercida, desde o seu início até ao presente e, portanto, no seu conjunto há mais de trinta anos, de boa fé e de forma contínua, pública e pacífica, nos exatos termos dados como provados, e não colide com direitos de terceiros, desde logo dos próprios demandados.

Atendeu-se ainda às regras de repartição do ónus da prova (artigos 342º e seguintes do Código Civil), bem como às presunções legais e às regras de experiência (artigo 349º a 351º do dito Código). Foram também considerados pelo tribunal, os factos adquiridos nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2, alíneas a) e b) do Código do Processo Civil, em relação aos quais os demandados tiveram oportunidade de se pronunciar em sede de audiência de julgamento, não lhes tendo deduzido qualquer oposição ou contraprova.

Quanto aos documentos juntos aos autos pelos demandantes, o tribunal considerou-os relevantes, uma vez que não foram impugnados nem contrariados por qualquer outro meio de prova produzido em audiência. Sendo que, a caderneta predial rústica de fls. 10 dos autos, obtida no Serviço de Finanças de Sátão em 26 de julho de 2017, comprova a factualidade dada como provada sob os parágrafos números 1 e 3; a descrição predial de fls. 11 dos autos, datada de 02 de novembro de 2017, da Conservatória do Registo Predial de Sátão, que também comprova a factualidade dada como provada sob os parágrafos números 1 e 2; a certidão da escritura pública de fls. 77 e 78 dos autos, emitida em 27 de dezembro de 2017, pelo Cartório Notarial de Sátão, que também comprova a factualidade dada como provada sob o parágrafo número 2; a planta topográfica de fls. 85 dos autos comprova a factualidade dada como provada sob o parágrafo número 6 relativamente à área que compõe a parcela de terreno da aqui demandante, já que se trata de documento produzido e confirmado por técnico habilitado para tal efeito, conforme resulta dos documentos de fls. 73 a 75 e 86 dos autos; e a fotografia aérea de fls. 54 dos autos relativa ao local onde se situa a parcela de terreno aqui em causa, obtida através do sítio da internet www.XXXXX.pt, reportada ao ano 2017, também comprova a factualidade dada como provada sob os parágrafos números 6, 7, 10, 12 e 15. Valorou-se o levantamento topográfico de fls. 85 e 86 dos autos, quanto à concreta área das respetivas parcelas de terreno das partes, o qual mereceu total concordância por parte dos demandados, e do qual resulta que a parcela de terreno da demandante é composta por 899,5m2 e não por 965m2, conforme havia inicialmente alegado, tendo ficado esclarecido que tal se deveu a um mero lapso do topógrafo, corrigido no levantamento ora junto a fls. 85 dos autos. Mostrou-se particularmente relevante a fotografia aérea junta a fls. 54 dos autos, uma vez que aquando da sua junção aos autos, em audiência de julgamento, tendo sido dada a palavra aos demandados para se pronunciarem sobre tal documento, com total espontaneidade, própria de quem sabe do que fala e diz simplesmente a verdade, no auge dos seus 85 e 81 anos de idade, declararam que reconheciam o local em causa na fotografia, sabendo identificar a parcela de terreno que pertence à aqui demandante, que conseguiram sinalizar na fotografia e que designaram como “campo da bola”, bem como a sua própria parcela, onde existem os castanheiros, a Igreja de X e as “XXX” que ficam ali perto e são visíveis na dita fotografia. Circunstâncias que permitiram ao tribunal formar convicção segura quanto à fidedignidade e genuinidade do documento, bem como de que no mesmo se acha representada a parcela de terreno em causa nos autos, permitindo o seu concreto confronto com os demais imóveis confinantes, também nele, perfeitamente, visíveis e delimitados. Por outro lado, em tal documento, a parcela de terreno usada e ocupada pela demandante apresenta-se perfeitamente delimitada, sendo visíveis os muros de vedação a Poente e a Sul, a Igreja a Poente, a estrada a Norte e o souto de castanheiros dos demandados a Nascente. É possível verificar que o terreno se encontra sem qualquer vegetação, de pousio, de cor esbranquiçada, por confronto com a parcela de terreno dos demandados, toda com vegetação, designadamente várias árvores, aparentemente de grande porte, atenta a dimensão da copa que aí é possível visualizar. O que também reforça a convicção do tribunal de que o terreno da parcela da demandante tem sido usado, com o conhecimento e anuência da demandante, para estacionamento de carros dos utentes da Igreja de Mioma e para nele jogarem à bola, bem como demonstra que a sua própria composição e afetação a distingue e delimita dos prédios confinantes. A demais factualidade, designadamente a vertida nos parágrafos números 3 a 19, foi dada como provada atendendo à conjugação dos anteriores meios de prova com a prova testemunhal apresentada pela demandante em audiência de julgamento, e que foi também, criticamente, apreciada pelo tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e à luz das regras de experiência (artigos 351º e 396º, ambos do Código Civil e artigo 607º, nºs 4 e 5 do Código do Processo Civil). Quanto às testemunhas inquiridas, H, com 52 anos de idade, I, com 63 anos de idade e J, com 73 anos de idade, todas mostraram ter conhecimento direto e pessoal da situação da parcela de terreno em discussão nos autos, uma vez que todas residem, desde sempre, na freguesia de X, onde se situa a parcela de terreno em causa nos mesmos. Por outro lado, todas frequentam a Igreja de X e já estacionaram os seus carros no terreno da parcela de terreno da demandante aqui em causa para se deslocarem à dita Igreja; a primeira faz parte da Junta de Freguesia de X há 20 anos e fez parte da Comissão da Fábrica da Igreja há 10 anos; e a segunda, por sua vez, também presidiu à referida Junta de Freguesia de X por 28 anos. Razões de ciência que convenceram o tribunal quanto ao conhecimento demonstrado quanto aos referidos factos considerados provados. As referidas testemunhas, especialmente as duas primeiras, prestaram depoimento de forma clara, tranquila, e todas de forma isenta, afigurando-se os respetivos depoimentos credíveis, também pelo facto de não terem qualquer interesse no desfecho desta causa, e permitiram ao tribunal formar a convicção quanto à duração e caraterísticas da posse da demandante em causa nos presentes autos, bem como do respetivo antepossuidor, o Senhor E, pois, confirmaram e concretizaram os factos alegados pela mesma no respetivo requerimento inicial. Com efeito,

A testemunha H esclareceu ainda que antes de estar na Junta de Freguesia de X já existia a divisão material entre as parcelas de terreno da demandante e dos demandados, tal como se mostra delimitada no presente; que tais parcelas estão divididas através de marcos e de uma rede divisória e têm entradas independentes pela estrada (a designada Rua X), que sinalizou na fotografia de fls. 54 dos autos; que quem vai à Igreja de X estaciona o carro no terreno da parcela da demandante; que sabe que nunca ninguém reclamou da ocupação e uso desse terreno, incluindo os demandados, pois, estes só usam o terreno da respetiva parcela, onde ninguém mais apanha as castanhas (incluindo a demandante); disse saber que, em tempos, as parcelas eram um só prédio da família da Senhora B (a aqui demandante), mas que depois uma parte ficou para o pai da Dona B (o Senhor G, conforme resulta do documento de fls. 43 dos autos), hoje dos demandados, e outra parte ficou para um tido da Dona B, hoje da demandante, ao qual a demandante comprou apenas a parcela de terreno correspondente ao “campo de futebol”; que o vendedor vivia no Brasil e que, por isso, os documentos foram feitos alguns anos mais tarde (o que sabia por ter pertencido à Comissão da Fábrica da Igreja conforme acima referido); esclareceu também que toda a gente de X conhece do uso e ocupação do terreno da demandante apenas por esta (“a população assim o vê”) e, por isso, se alguém lhe dissesse que queria comprar tal parcela de terreno dir-lhe-ia que tinha, para tal efeito, que se dirigir à aqui demandante. A testemunha I também esclareceu ainda que foi o Sr. K que comprou, verbalmente, a parcela de terreno aqui em causa para a demandante; que tal terreno, antigamente, era dos avós da Dona B (a aqui demandada), os Senhores G (titular ainda hoje inscrito na matriz) e L, o qual foi depois dividido, há mais de trinta anos, pelos filhos, e que uma parte ficou para o pai da Dona B (o Senhor G), a parte que hoje é dos demandados, e a outra parte para o tio da Dona B (o Senhor E), a parte que hoje é da demandante; que alguns dos castanheiros existentes na parcela de terreno dos demandados têm mais de trinta anos e já foram plantados pelo Senhor C (o aqui demandado); que já deixou a Junta de Freguesia de X há cinco anos, mas que foi na sua presidência que tal Junta, a pedido da demandante, pagou as despesas com a aquisição das balizas que existem na parcela de terreno da demandante, com vista a que as crianças e os jovens da localidade aí pudessem jogar à bola (não soube precisar o respetivo concreto momento temporal, embora afirmasse que tal ocorreu há já muitos anos). A testemunha J esclareceu ainda que a parcela de terreno aqui em causa é usada pela demandante para os utentes da Igreja aí estacionarem os seus carros e para os miúdos jogarem à bola; que tal terreno era do Senhor E que estava no Brasil, que o vendeu à aqui demandante; que a parte de terreno que tem castanheiros é do Senhor C (o aqui demandado); que as parcelas de terreno da demandante e dos demandados estão divididas, há mais de 20 anos, “com um marco ao fundo e ao cimo”, que têm uma vedação de rede a separá-las e também entradas independentes pela estrada. Ademais, todas as testemunhas, quando foram confrontadas com a fotografia aérea do imóvel aqui em causa, de fls. 54 dos autos, confirmaram, sem quaisquer dúvidas, a localização, a destinação, a entrada, as linhas divisórias e as confrontações da parcela de terreno da aqui demandante, bem como da parcela de terreno dos demandados. Assim, conjugando todos os depoimentos produzidos em audiência com o teor dos documentos juntos aos autos pela demandante, ficou o tribunal convencido da demonstração da realidade dos factos que deu como provados acima elencados (artigo 341º do Código Civil).

III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

A demandante, por via da presente ação, pretende que lhe seja reconhecido o direito de propriedade exclusivo sobre a parcela de terreno que adquiriu, verbalmente, ao Senhor E, seu antepossuidor, há mais de quinze anos, com a composição, localização, confrontações e área indicada na alínea a) do pedido formulado no requerimento inicial dos autos. Para tal efeito, alega a aquisição originária, por via do instituto da usucapião, da aludida parcela de terreno, autónoma e perfeitamente individualizada relativamente ao demais terreno que fazia parte do prédio identificado no parágrafo número um, e que foi dividido em substância pelo próprio Senhor E e pelo seu irmão, pai da aqui demandada. A aquisição por usucapião funda-se, diretamente, na posse, cuja extensão e conteúdo definem a extensão e o conteúdo do direito prescricionalmente adquirido, com absoluta independência em relação aos direitos que antes daquela aquisição tenham incidido sobre a coisa. A aquisição por usucapião é uma forma de aquisição originária porque o direito de propriedade se adquire pelo estabelecimento de uma relação direta entre o sujeito adquirente e a coisa reconhecida pela lei como apta à aquisição do direito, independentemente da intervenção do anterior proprietário. De modo que, os vícios que possam incidir sobre a operação constitutiva do fracionamento de um prédio rústico são irrelevantes, pois, o possuidor de uma determinada fração, decorrido o tempo necessário à usucapião adquire, desde que reunindo os seus pressupostos legais, o direito de propriedade sobre a coisa possuída. E, também quando adquirido por usucapião, o direito de propriedade é um direito real de gozo, que beneficia de eficácia absoluta ou erga omnes, ou seja, o direito impõe-se a todos os restantes sujeitos que, por isso, ficam vinculados ao cumprimento do dever geral de abstenção, isto é, do dever de não interferir no exercício do direito real. No caso dos autos ficaram provados atos materiais e exclusivos de posse da demandante sobre a parcela de terreno correspondente ao apelidado “campo da bola”, por si desde há mais de quinze anos, e por si e seu antepossuidor, desde há mais de trinta anos, pois, desde então e até ao presente que a usam, ocupam, fruem e dispõem das suas utilidades, designadamente a demandante para estacionamento dos utentes da Igreja de X e para as crianças de jovens da referida localidade aí jogarem à bola, onde colocaram uma vedação em rede e balizas para o efeito, e o antepossuidor para fins agrícolas e posterior venda à aqui demandante. A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil). No caso concreto, trata-se da posse do direito de propriedade, que mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, por via da usucapião (artigo 1287º do Código Civil). A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta (artigo 1258º do Código Civil). E, aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua posse a posse do antecessor (artigo 1256º, nº 1 do Código Civil). Tal circunstância verifica-se nos autos, uma vez que a demandante adquiriu, por compra e venda, ao Senhor E apenas a parcela de terreno aqui em causa, logo, não a adquiriu por sucessão por morte. A posse da demandante, apenas sobre a referida parcela de terreno, considera-se não titulada, uma vez que, atenta a divisão informal do prédio rústico originário identificado no parágrafo número um dos factos provados, do qual se autonomizou, não se encontra fundada num modo legítimo de adquirir (artigo 1259º do Código Civil). Contudo, a invalidade formal de tal divisão não determina que a demandante deixa de ser possuidora da parcela de terreno aqui em causa, uma vez que a posse resulta, tão só, do poder de facto exercido sobre a coisa. E é essa qualidade, de possuidora, de “senhoria de facto”, que a demandante aqui alega como causa de pedir, com vista a harmonizar a realidade jurídica do direito de propriedade que alega com a realidade material do respetivo objeto. Daí o seu interesse em agir no âmbito dos presentes autos, com vista a legalizar matricial e registalmente o seu direito. Ademais, a posse da demandante é uma posse de boa-fé, já que a demandante demonstrou que ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem (artigo 1260º, nº 1), designadamente dos demandados ou de outros terceiros. Com efeito, aquando da aquisição verbal da parcela de terreno aqui em causa pela demandante, há mais de quinze anos a esta parte, já a referida parcela existia com autonomia há outro tanto tempo, tendo, na realidade, a demandante adquirido essa concreta e delimitada parcela de terreno, e não uma fração do imóvel originário no seu todo, convencida, portanto, de que mais ninguém tinha direitos sobre essa concreta parcela de terreno. Com efeito, foi esclarecido pelas testemunhas que a demandante, na pessoa do Sr. K (disse a segunda), apenas comprou aquele exato e concreto pedaço de terreno. Portanto, apesar da inscrição de aquisição referida no parágrafo terceiro dos factos provados, ficou demonstrado nos autos que, tal negócio, foi formalizado depois da aquisição verbal da parcela de terreno aqui em causa, dele não tendo resultado a inversão do título de posse por parte da aqui demandante para uma posse em compropriedade (artigos 1263º, alínea d) e 1265º, ambos do Código Civil), pois que adquiriu apenas a parte concreta e devidamente delimitada do imóvel originário identificado no parágrafo primeiro, correspondente à parcela de terreno identificada no parágrafo número seis dos factos provados, e não uma sua fração ou uma quota ideal do terreno originário. Com efeito, atenta a prova testemunhal produzida em audiência, ficou demonstrado nos autos que a demandante, desde a sua aquisição verbal até ao presente, adquiriu e passou a usar apenas a sua própria parcela de terreno, como sua única dona, e não, indistintamente, todo o terreno do prédio originário a que pertencia (por exemplo, nunca apanhou as castanhas na parcela de terreno dos demandados). Ora, de acordo com as regras de experiência, é frequente nos meios rurais os negócios, como o dos autos, serem efetuados pelas partes de forma meramente verbal, pois que, têm na sua base divisões materiais dos prédios também elas apenas verbais. Mas que, atenta a seriedade e propósito com que são feitos pelas partes, se consolidam entre as mesmas e por elas são respeitadas, contínua e ininterruptamente, ao longo dos anos, assim como pelos posteriores adquirentes. É o que ocorre no caso dos autos, pois que, a divisão material do prédio rústico originário aqui em causa já se achava consolidada e respeitada entre os respetivos antepossuidores, isto é, no que respeita à parcela aqui em causa, consolidada na posse do Senhor E, que assim a transmitiu à demandante tal qual a possuía. De maneira que, a outorga da escritura pública e respetivo negócio em causa nos autos se interpreta e contextualiza nos termos expostos (artigo 393º, nº 3 do Código Civil). Por outro lado, a posse da demandante é uma posse pacífica porque foi adquirida sem violência e sem qualquer oposição (artigo 1261º, nº 1 do Código Civil); e é pública porque foi exercida à vista de toda a gente, de modo a poder ser conhecida por quaisquer interessados, desde logo, o respetivo antepossuidor, os aqui demandados e toda a gente daquele lugar de X, concelho de X (artigo 1262º do Código Civil). Com efeito, da prova testemunhal produzida também resultou que a ocupação é feita à vista de toda a gente e que nunca ninguém dela reclamou. A demandante, enquanto possuidora, goza da presunção da titularidade do direito de propriedade que invoca sobre a dita parcela de terreno, composta por terra inculta ou de pousio, destinada a estacionamento e recreio, desde o início da sua posse, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1252º, 1254º, 1268º, nº 1 e 1288º, todos do Código Civil. Sendo certo que a demandante está na posse do aludido imóvel há mais de quinze anos, já que a venda verbal se realizou uns anos antes da data da outorga da referida escritura. E, juntando a sua posse à do seu antepossuidor-transmitente, o Senhor E, há mais de 20 anos. E, como acima se referiu, os próprios demandados não se acham prejudicados no seu direito de propriedade pela autonomização em substância de tal parcela de terreno do prédio rústico identificado no parágrafo primeiro dos factos provados, nem pelo reconhecimento do direito de propriedade da demandante sobre a mesma. De facto, cada um deles tem vindo a usar apenas a sua própria parcela de terreno, como seus únicos donos, respeitando a delimitação e ocupação que já antes vinha sendo feita pelos respetivos antepossuidores, como foi, abundantemente, esclarecido pelas testemunhas que prestaram declarações em audiência, confirmando todas que o prédio originário pertencia em propriedade plena à família da aqui demandada, mas depois foi dividido, materialmente, entre os descendentes e, desde então, cada um passou a usar apenas a respetiva parcela de terreno. Note-se, aliás, que a demandante, como também os demandados, não tem o seu direito de propriedade exclusivo sobre a respetiva parcela de terreno registado ou reconhecido na Conservatória Predial a seu favor, mas nem por isso deixa de merecer a tutela do respetivo direito, pois, a aquisição do direito de propriedade fundada na usucapião é oponível a terceiros, mesmo que não registada na Conservatória do Registo Predial (artigo 5º, nº 2, alínea a) do Código do Registo Predial).

Assim, não havendo registo do título (pois, não há título), nem da mera posse, como não há no caso concreto da demandante, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé (artigo 1296º do Código Civil). Ora, no caso dos autos, ficaram provados atos materiais e exclusivos de posse da demandante apenas sobre a parcela de terreno aqui em causa e correspondente ao apelidado “campo da bola” de X, desde há mais de quinze anos até ao presente e sem qualquer interrupção, e juntando a sua posse à do seu antepossuidor há mais de vinte anos. A posse da parcela de terreno pela aqui demandante considerou-se de boa-fé, pois, foi convicção do tribunal, e por isso tal factualidade foi considerada provada, que a sua posse foi, desde então até ao presente, adquirida e exercida pela demandante com o conhecimento e anuência dos próprios demandados e de quaisquer outros terceiros interessados, que nunca dela reclamaram e à qual nunca deduziram qualquer oposição, logo convencida de que não lesava direitos de outrem, sem qualquer violência ou oposição de quem quer que seja, à vista de toda a gente daquele lugar de X, na convicção de exercer um direito próprio e exclusivo. Por outro lado, presume-se que quem pratica atos materiais de posse (o corpus), atua, igualmente, por forma correspondente ao exercício, no caso, do direito de propriedade (o animus possidendi), presunção que não foi ilidida nos autos (neste sentido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-05-1996, publicado no Diário da República, II Série, de 24-06-1996). E, a posse adquire-se, designadamente, pela prática reiterada, com publicidade (à vista de todos os eventuais interessados), dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito (artigo 1263º, alínea a) do Código Civil), pelo que, mostram-se preenchidos todos os requisitos legais para verificação da aquisição do direito de propriedade por via da usucapião, já que, para tal efeito, aqui foi invocada pela demandante. Ademais, ao reconhecimento do direito de propriedade aqui em causa, também não obstam as regras respeitantes ao fracionamento de prédios rústicos, já que de prédio rústico se trata, uma vez que é uma terra apta para cultura (tendo sido usada para fins agrícolas pelo respetivo antepossuidor), embora agora se encontre inculta, uma vez que tem sido destinada a estacionamento e a “campo de bola” das crianças e jovens de X. Com efeito, a eventual invalidade do fracionamento do prédio rústico originário dos autos não se encontraria já, em tempo, de ser apreciada. Tais regras cedem perante os direitos adquiridos por usucapião e em face do regime de invalidade consagrado no artigo 1379º do Código Civil, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei nº 111/2015, de 27 de agosto, que seria a aplicável ao caso dos autos. Isto é, decorrido o prazo da anulabilidade, a violação da referida norma deixa de relevar seja para que efeito for, não podendo, por conseguinte, impedir a aquisição de direitos por usucapião. A demandante tem, portanto, direito a invocar o instituto jurídico da usucapião como forma de aquisição originária do direito de propriedade pleno e exclusivo sobre a parcela de terreno aqui em causa, com a sua atual composição, e que aqui reclama como, unicamente, sua. Aliás, em situações de não observância integral das regras de operações urbanísticas ou de fracionamento de prédios rústicos, pode dar-se prevalência aos efeitos jurídicos da usucapião, se esta for invocada. Já que, como defende Durval Ferreira, Ilustre Advogado,“ (…), face ao direito constituído, seria violar o conteúdo normativo do usucapião, a sua norma, ajuizar-se sequer que a sua invocação (ao abrigo dos arts. 1287.º e seguintes), ou da posse que a causa, possa ser ilícita ou nula, justa ou injusta, ou que contrarie disposições legais de carácter imperativo, a ordem pública ou os bons costumes. Pelo contrário, essa invocação é lícita, se se baseia num “senhorio de facto” tal como o densificam os respectivos preceitos legais sobre a posse (arts. 1251.º a 1267.º) e se é mantido pelo lapso de tempo exigido, e com as demais características, densificadas nos preceiros legais do usucapião (arts. 1287.º e seguintes).” (…) “E a posse que possa ser invocada para usucapião terá de ter uma idade adulta, será uma posse mantida por 15, 20 ou mais anos: e a posse vê-se. Ora, se à Administração cabe ajuizar dum correcto ordenamento do território, também lhe cabe intervir preventivamente; e para tanto teve muitos anos para atuar. (...)”, (vide in Posse e Usucapião, 3ª edição, pág. 532 e 533, Almedina). No sentido de que o entendimento dominante é a tese da prevalência da usucapião e a título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 22-06-2006, proferido nos autos do processo 0632159, nos termos do qual “I - Incidindo a posse sobre bens corpóreos, a invocação da usucapião apenas é vedada perante obstáculos legais expressos, como sucede nos casos assinalados no artº 1293º (direito de uso e habitação e servidões prediais não aparentes), naqueles que resultem de normas jurídicas que impedem a apropriação individual de determinados bens do domínio público ou de baldios ou das que obstam à colocação de certos bens no comércio jurídico. II - Mas não existe obstáculo a que a usucapião sirva para legitimar uma operação de divisão material de um prédio, ainda que, na sua origem, tenham sido desrespeitados certos condicionalismos impostos. III - Na verdade, não valem contra isto os obstáculos legais para afastar a figura da usucapião, desde que, uma determinada situação de facto se tenha constituído em posse e esta se mantenha durante um período prolongado de tempo, pois, decorre das regras que lhe são aplicáveis, que o direito correspondente à posse exercida é um direito “ex novo” e, por isso, imune aos vícios que anteriormente lhe pudessem ser apontados.”. Veja-se ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09-10-2008, proferido nos autos do processo 08B1914, ambos disponíveis para consulta pública no sítio da internet www.dgsi.pt. Ora, nos termos sumariados neste último e no que aqui importa, “(…) 5. O estado de facto criado pela divisão em parcelas e autonomização destas, operada pelos comproprietários de um prédio rústico, pode converter-se em estado de direito pelo funcionamento das regras da usucapião. 6. Tal significa que na compropriedade, a unidade predial pode parcelar-se por usucapião desde que os comproprietários passem a utilizar partes distintas do prédio como se estivesse materialmente dividido em fracções, ocupando cada um sua fracção, perfeitamente delimitada e circunscrita, sem oposição, de modo exclusivo, à vista de toda a gente, sem violência, na convicção de exercer um direito próprio, como se seu verdadeiro dono fosse, sem invasão de parcelas alheias. 7. A base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião: as vicissitudes registrais não contendem nem abalam os efeitos da usucapião.”. Já que, a jurisprudência acolhe o entendimento de que, tendo a usucapião como causa genética apenas a posse, a nulidade formal ou substancial do título ou mesmo a falta de título apenas relevam quanto ao tempo necessário para usucapir a coisa. Importa referir ainda que a matriz predial e o registo predial devem refletir a realidade material do imóvel e ser harmonizadas entre si, designadamente quanto à composição, localização, área, artigo matricial e titularidade, atento o objetivo essencial de dar publicidade à situação jurídica dos prédios e segurança ao comércio jurídico imobiliário, conforme resulta dos artigos 1º e 28º e seguintes do Código do Registo Predial, importando fazer, consequentemente, a realização dos respetivos averbamentos de desanexação (artigos 60º, nº 6 e 80º, nº 2, 2ª parte, do referido Código).- De facto, o instituto da usucapião permite também definir, com exatidão, os elementos descritivos e identificadores dos prédios, isto é, a composição, as áreas, os limites, as confrontações. A este respeito, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 03-12-2013, proferido nos autos do processo 194/09.0TBPBL.C1, também disponível no dito sítio da internet, defende-se que “ (…) IX - A usucapião, como forma de aquisição originária, não só se abstrai, como inclusivamente se sobrepõe a certas vicissitudes ou irregularidades formais ou substanciais relativamente a actos de alienação ou oneração de bens ou até mesmo à prática de actos que originariamente pudessem considerar-se ilegais ou até mesmo violadores dos direitos de outrem. X - O criador de tal instituto entendeu que, ponderados determinados aspectos, certas situações de facto, pudessem converter-se num verdadeiro direito, como ocorre no caso da posse, desde que se prolongue durante um período de tempo significativo, o qual se sobrepõe inclusivamente aos próprios vícios que hajam inquinado a posição do possuidor face ao bem possuído, pois surge um direito ex novo, por mera vontade do respectivo titular, na sua esfera jurídica, desde que judicialmente verificada e declarada a situação de facto que lhe subjaz e que, inclusivamente retrotrai à data do início de tal situação de facto.”. E, sendo assim, mostram-se também legalmente fundados os pedidos formulados pela demandante sob a alínea b) no respetivo requerimento inicial. Finalmente, importa sublinhar que, apesar de ter sido convicção do tribunal que a posse das respetivas parcelas de terreno tem sido exercida de forma pública, pacífica e de boa fé, tanto pela aqui demandante, como pelos demandados, e respetivos antepossuidores, a presente sentença, definindo os concretos limites materiais da parcela de terreno da demandante e, consequentemente, do correspondente direito de propriedade, vem conciliar o direito de propriedade de demandante e demandados, delimitando-o no seu concreto conteúdo e objeto e, ainda, permitir a sua harmonização a nível matricial e registal, tutelando-se a certeza e segurança das relações jurídicas.

IV- Decisão:

Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada e, em consequência:

a) Declaro que, por o haver adquirido por usucapião, a demandante é dona e legítima possuidora de um prédio rústico, sito no lugar de Paul de Baixo, freguesia de X, concelho de Sátão, composto por terra de pousio, com a área de 899,5m2, a confrontar a Norte com Rua X, a Sul com D, a Nascente com B e a Poente com Adro da Igreja, o qual foi, materialmente, autonomizado do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Sátão sob o nº 000 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 000, da referida freguesia de X; Consequentemente,

b) Ordeno a inscrição na matriz do prédio rústico da demandante identificado na alínea anterior, com a descrição constante na referida alínea, e o registo na Conservatória de Registo Predial, a favor da demandante, por o haver adquirido por usucapião, com os consequentes averbamentos de desanexação; e

c) Condeno os demandados a reconhecerem o determinado nas anteriores alíneas a) e b).

As custas totais, no valor de € 70,00 (setenta euros), são a cargo da demandante, uma vez que os demandados não deram causa à ação, nem deduziram oposição ao direito da demandante e atento o disposto no artigo 535º, nºs 1 e 2, alínea a) do Código do Processo Civil, aplicável por força do artigo 63º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, sendo que a segunda parcela de tal importância, no montante de € 35,00 (trinta e cinco euros) deve ser paga nos três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento da presente decisão, sob pena da aplicação e liquidação de uma sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso, até ao valor de € 140,00 (conforme artigos 1º, 8º e 10º, todos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, na redação que lhe foi conferida pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro). A demandante, como tem legitimidade para promover o registo da decisão final ora proferida nesta ação, deverá observar os prazos legais do artigo 8º-C do Código do Registo Predial, sob pena do pagamento acrescido de quantia igual à que estiver prevista a título de emolumento (artigo 8º-D do referido Código).

Registe.

Vila Nova de Paiva, 11 de janeiro de 2018

A juíza de paz,

(Cristina Maria da Costa Rodrigues Poceiro)

Processado por meios informáticos (artigo 131º, nº 5 do Código de Processo Civil), versos em branco e revisto pela signatária.