Sentença de Julgado de Paz
Processo: 301/2016-JP
Relator: LUÍSA ALMEIDA SOARES
Descritores: RELAÇÕES CONDOMINIAIS – UTILIZAÇÃO DAS PARTES COMUNS – COMINATÓRIA
Data da sentença: 09/12/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
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Processo n.º 301/2016-JP
I. RELATÓRIO
A) IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES--
Demandante: A.F. ---- sociedade comercial anónima com o NIPC ----, com sede no Parque ----, lote 3, 9125-042 Caniço, concelho de Santa Cruz, representada pelo seu administrador, ----, portador do BI n. ---- e com o nif ----.

Demandado: S----, residente na rua Dr. ----, n.º -, Bloco -, 3.º Dt.º, Edifício ----, 9000 Funchal.
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Aberta a anterior sessão de Audiência de Julgamento perante a falta do Demandado foi esta suspensa, ficando os autos a aguardar o decurso do prazo para a justificação de falta por parte daquele, nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do Art.º 58.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, designando-se, desde logo, a presente data para a sua continuação. Não tendo o Demandado justificado a sua falta, profere-se sentença.
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B) PEDIDO
A Demandante propôs contra o Demandado a presente ação declarativa enquadrada na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, peticionando a condenação deste a no prazo máximo de 15 dias, após sentença, manter as partes comuns do prédio livre de bens pessoais a obstruir, designadamente a abster-se de: a) colocar os sapatos nas partes comuns do prédio, designadamente na porta de entrada da sua casa; b) colocar o móvel destinado a sapatos (sapateira) nas partes comuns do prédio, designadamente na porta de entrada da casa; c) colocar uma corda com barra fixa na escadaria e partes comuns para fazer exercício físico; d) utilizar a corete técnica como arrecadação e alfaias agrícolas que podem ser perigosas. Alegou nos termos do seu requerimento inicial (que posteriormente, e a convite, aperfeiçoou) e que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
Juntou 7 (sete) documentos.
O Demandado foi regularmente citado em 22.12.2016 e não apresentou contestação. Uma vez que é cidadão de nacionalidade estrangeira, foi, por despacho de fls. 51 em 13.03.2017 considerado que se encontrava em posição de manifesta inferioridade (artigo 38.º n.º 2 da Lei 78/2001 de 13 de julho), tendo-lhe sido nomeada Defensora Oficiosa a fls. 53 a 55 em 21.03.2017, sendo que, citada, não contestou.
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Designada data para a realização da sessão de pré-mediação e audiência de julgamento o Demandado não compareceu.
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II- SANEAMENTO
Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância: o Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.
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III- OBJETO DO LITIGIO
A questão a decidir por este tribunal circunscreve-se ao apuramento da utilização que o Demandado faz das partes comuns e se tal utilização resulta contrária à Lei.
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IV – QUESTÕES A DECIDIR
As questões controvertidas nos autos consistem em saber se o Demandado:
a) coloca os sapatos nas partes comuns do prédio, designadamente na porta de entrada da sua casa;
b) coloca um móvel destinado a colocar sapatos (sapateira) nas partes comuns do prédio, designadamente porta de entrada da sua casa;
c) coloca uma corda com barra fixa na escadaria e partes comuns para fazer exercício físico;
d) utiliza a corete técnica como arrecadação de alfaias agrícolas que podem ser perigosas.
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V- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Dispõe o artigo 58.º, n.º 2 da Lei 78/2001 de 31 de julho que, se o Demandado, tendo sido regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo Demandante.
Neste caso, o Demandado encontra-se regularmente citado, não apresentou contestação, não compareceu à Audiência de Julgamento e não justificou a sua falta.
Opera, assim, a cominação prevista no supra mencionado normativo, pelo que se consideram confessados os factos articulados pela Demandante, sendo que a convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se à confissão por parte do Demandado, operada pela ausência de contestação escrita e falta, injustificada, à Audiência de Julgamento e aos documentos de fls. 3 a 12, 34 a 48 e 68 a 80, considerando-se provados todos os factos alegados pela Demandante.
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VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A relação material controvertida circunscreve-se às relações condominiais e ao incumprimento por parte do Demandado das suas obrigações de condómino, pela ocupação das partes comuns com objetos pessoais, designadamente sapatos, barra de exercício e alfaias agrícolas.
O que trouxe a Demandante a este tribunal foi a impossibilidade de usar e fruir livre e plenamente da área comum – vulgo “hall comum às frações” – devido à colocação na mesma de objetos pessoais do Demandado e da sua família, sem o seu consentimento.
Caraterizam a propriedade horizontal a existência de partes comuns – que pertencem em compropriedade a todos os condóminos – e de partes próprias, as frações autónomas (artigos 1420.º e 1421.º, do Código Civil), que pertencem em exclusivo a cada um dos condóminos.
Conforme explicita o artigo 1421.º, n.º 1 alínea c), são comuns “as entradas, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos”.
As frações autónomas são individualizadas no título constitutivo da propriedade horizontal, e dele constam as partes do edifício pertencentes a cada condómino (art.º 1428.º, do Código Civil), sendo que o que no título constitutivo não esteja especificado como pertencente a cada fração, será, em princípio, tida como parte comum.
Cada condómino é titular de um direito real plural, que se revela na titularidade do direito de compropriedade sobre as partes comuns do edifício e na titularidade do direito de propriedade exclusiva da sua fração autónoma.
Pode suceder que uma parte comum seja afetada ao uso exclusivo de determinado condómino e, nesse caso, apesar de ser propriedade de todos, apenas aquele tem o direito de a usar.
Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 1422.º, do Código Civil, os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, quanto às partes comuns, às limitações impostas aos comproprietários de imóveis, de onde resulta que ainda que não haja acordo sobre a utilização da coisas comum cada condómino tem de usar o seu direito de propriedade sobre as partes comuns sem prejudicar o direito de uso dos demais (cfr.artigo 1406.º n.º 1 do Código Civil).
No caso dos presentes autos, resultou provado que o Demandado é proprietário da fração --, sendo que juntamente com a sua família tem por hábito colocar no hall comum à sua fração e de outro condómino, os seus sapatos, um móvel de sapateira, uma corda com barra fixa na escadaria que supostamente usa para fazer exercício físico e na corete técnica coloca alfaias agrícolas.
Resulta pois que o Demandado não tem vindo a usar, mas sim a ocupar uma parte comum, e este é, manifestamente, um direito que não lhe assiste e contraria o regime legalmente previsto (entre outros, cfr. Ac. TRP de 2011.1997, Coletânea de Jurisprudência, XXII, 5, 195).
Pelo exposto, têm de proceder totalmente os pedidos de condenação do Demandado.

VII- DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação totalmente procedente, porque provada, decido condenar o Demandado a, no prazo de 15 dias após trânsito em julgado da presente sentença, abster-se de:
a) colocar os sapatos nas partes comuns do prédio, designadamente na porta de entrada da sua casa;
b) colocar o móvel destinado a colocar sapatos (sapateira) nas partes comuns do prédio, designadamente porta de entrada da casa;
c) colocar uma corda com barra fixa na escadaria e partes comuns para fazer exercício físico;--
d) utilizar a corete técnica como arrecadação e alfaias agrícolas.
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VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS:
Declaro o Demandado parte vencida, o qual vai condenado no pagamento das custas do processo.
O Demandado deverá efetuar o pagamento das custas em dívida, 70€ (setenta euros) num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorrer numa sobretaxa de 10,00€ por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos artigos 8.º e 10.º da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.
Proceda-se, nos termos do artigo 9.º da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro, ao reembolso de 35,00€ à Demandante.
Decorridos 10 dias sobre o termo do prazo supra referido sem que se mostre efetuado o pagamento, será enviada conta de custas ao Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Funchal, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, para que proceda a execução por custas pelo valor então em dívida.
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Notifique o Demandado e o legal representante da Demandante que não compareceram e registe.
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A sentença, supra, foi lida (artigo 60.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho) ao Ilustre Mandatário da Demandante e à Ilustre Defensora Oficiosa do Demandado, pelo que se consideram pessoalmente notificados.--
Funchal 12 de setembro de 2017
A Juíza de Paz


Luísa Almeida Soares
(Processei e revi. Art.º 31 n.º 5 CPC/Art.º 18 LJP)