Sentença de Julgado de Paz
Processo: 21/2017-JP
Relator: LILIANA SOUSA TEIXEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 11/06/2017
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral: Sentença

I – Identificação das partes
Demandante: A, portador do cartão de cidadão n.º …, titular do número de identificação fiscal …, residente na Rua … Azeitão.
Demandada: B., com número de identificação da pessoa colectiva …, com sede na …, actualmente BB, com o mesmo número de identificação da pessoa colectiva e sede, aqui representada por C.
II- Objecto do Litígio:
O Demandante intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea h) do nº 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho, doravante designada Lei dos Julgados de Paz, peticionado 9768,73 euros em virtude de serviços prestados com a montagem e desmontagem de um Stand, transporte e acondicionamento de materiais, acrescido de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento e custas e procuradoria condigna.
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A Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 18 a 21.
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Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento nos dias 25 de Setembro de 2017, 13 de Outubro de 2017 e 24 de Outubro de 2017 com observância do formalismo legal consoante resulta das actas a fls. 41, 55, 67.
A Demandada não obstante apresentar contestação faltou às datas designadas para as Audiências de Discussão e Julgamento não tendo os seus legais representantes apresentado qualquer justificação até à presente data.
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Verifica-se que se encontram reunidos os pressupostos de regularidade da instância, pelo que este Julgado de Paz é competente nos termos da Lei dos Julgados de Paz, em razão do objecto, artigo 6.º, n.º 1, em razão da matéria, artigo 9.º, n.º 1 alínea h), em razão do valor nos termos do artigo 8.º, que se fixa em 7025,05 euros
(5835,12 euros acrescido de juros 1189,93 euros até data de hoje), artigos 297.º, nº 1 e 306.º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi artigo 63.º da referida Lei (tal como todos os artigos do Código de Processo Civil adiante referidos) e ainda e em razão do território, artigos 10.º e 12.º n.º 1 da Lei dos Julgados de Paz.----
O valor da acção peticionado foi rectificado em acta no dia 24 de Outubro de 2017 pela ilustre Mandatária do Demandante dado tratar-se de um mero erro de escrita. Valor esse que a Demandada na contestação apresentada também disse padecer de lapso.
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Com referência à legitimidade passiva da Demandada, cumpre referir que a empresa BB é a nova designação social da B, conforme a certidão permanente a fls. 38 a 40 verso. A referida certidão bem como a acta da Audiência de Discussão e Julgamento de 25 de Setembro de 2017, foi notificada à Demandada conforme fls. 44 e 45, que nada disse.-------------
Assim a alteração da firma releva nestes autos pelo que prossegue a presente acção contra BB, (sociedade que tem a mesma matricula na Conservatória do Registo Comercial e o mesmo número de identificação da pessoa colectiva que B).
As partes nos termos anteriormente referidos gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, nos termos do disposto nos artigos 6.º , 11.º, 15.º, 25.º e 30.º do Código de Processo Civil e artigos 11.º, 14.º n.º 1 75.º n.º 1 do Código de Registo Comercial (Decreto-Lei n.º 403/86, de 03 de Dezembro, na redacção da Lei n.º 89/2017, de 21/08) e ainda artigos 32.º e seguintes do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas colectivas (Decreto Lei n.º 129/98, de 13 de Maio na redacção Lei n.º 89/2017, de 21/08),
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Não há nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Com relevo para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. O Demandante é empresário em nome individual no ramo das remodelações de edifícios;
2. No exercício da sua actividade o Demandante efectuou à Demandada a solicitação desta, a montagem e desmontagem de stand, transporte e acondicionamento de materiais no valor de € 5835,12;
3. A factura relativa aos serviços descritos em 2.º encontra-se vencida;
4. O valor de 5835,12 euros relativo à prestação de serviços descritos em 2.º tem como data de vencimento 2014-12-11;
5. O Demandante efectuou várias insistências junto da Demandada para esta proceder ao pagamento da factura n.º 2014/36;
6. Até à presente data o valor integral da factura encontra-se em dívida;
7. A Demandada é uma Agência de Publicidade, Comunicação e Marketing de Serviço Completo.
IV - Da discussão da causa resultaram os seguintes factos não provados------------
8. A Demandada devido à dificuldade de operar no território nacional, acabou por internacionalizar a sua actividade, designadamente para Angola;
9. Desde finais de 2014, inícios de 2015, Angola deixou de cumprir os seus pagamentos;
10. E mesmo aqueles que eram feitos, encontravam as empresas obstáculos para retirar o dinheiro de Angola;
11. Tal circunstância, aliadas às promessas constantes de que tudo ia mudar em Angola, levou a que a Demandada se visse numa situação de extrema precariedade financeira;
12. Tanto assim é que, chegou a ter mais de 8 colaboradores, contando agora apenas com 2, os quais, não raras as vezes não recebem o seu merecido salário pontualmente, devido às contingências acima mencionadas;
13. A Demandada tem actividade (pouca), mas não tem bens, devido à necessidade que existiu para realizar dinheiro e honrar compromissos ainda que com atrasos.
V - Fundamentação da matéria de facto:
Os factos supra referidos a 1 e 3 encontram-se admitidos por acordo nos termos do disposto nos termos do artigo 574.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Tais factos também tinham suporte documental a fls. 7 e 7 verso que consiste numa factura (2014/36) emitida pelo Demandante relativa a montagem e desmontagem de stand, transporte e acondicionamento do cliente da Demandada D, …, Porto Salvo, com o valor de 5835,12 e com data de vencimento em 2014-12-11.
Os factos n.º 4 a n.º 7 resultam da conjugação dos documentos dos autos com as declarações de parte de A, que se nos afiguraram credíveis, o qual referiu que foi acordado entre as partes a data de vencimento imediato da factura mediante apresentação da mesma no final do trabalho por si prestado, o que ocorreu em Dezembro de 2014 e na data referida na factura n.º 2014/36 junta aos autos a fls. 7 e 7 verso.
Tais factos mais se encontram provados por certidão permanente da Demandada a fls. 38 a 40 verso e pelas de mensagens de correio electrónico entre E irmã do gerente da Demandada que consigo colaborava e ainda F que também era colaboradora da Demandada, constantes de fls. 71 a 78 dos autos. Disse que contactou por diversas vezes telefonicamente a Demandada sendo que lhe era referido que estavam a passar por dificuldades económicas mas que iriam proceder ao pagamento da factura em dívida.
Em declarações de parte A referiu que enviou a factura também pelo programa informático TOC online para a Demandada, tal como faz com todos os seus clientes. Disse que este programa envia directamente facturas por e-mail para os clientes e os registos do envio de facturas constam do programa informático do TOC online, sendo que emitiu e enviou a factura à Demandada no próprio dia em que finalizou o trabalho conforme combinado entre si e o gerente da Demandada. Tendo ainda enviado em várias datas posteriores ao vencimento por diversas vezes a factura com vista a lograr o seu pagamento.
Os factos não provados n.º 8 a 13 resultaram da ausência de prova dos mesmos nos presentes autos.
VI – Fundamentação de direito
Nestes autos a questão decidenda prende-se com a responsabilidade civil contratual nos termos do disposto nos artigos 798.º seguintes do Código Civil.
Estamos perante um contrato de prestação de serviços que consistiu na montagem e desmontagem de stand, transporte e acondicionamento de materiais. Nisto consiste o seu objecto contratual.
Tal contrato encontra a sua regulamentação nos artigos 1154.º a 1156.ºdo Código Civil e ainda nos artigos 1157.º a 1184.º relativos ao contrato de Mandato, mas que aplicáveis ex vi o artigo 1156.º do mesmo Código, com as necessárias adaptações e apenas quanto às modalidades de prestação de serviços que a lei não regule especialmente, como é o caso.
As modalidades típicas do contrato de prestação de serviços são o Mandato, o Depósito e a Empreitada (artigo 1155.º do Código Civil).
Na verdade o contrato de prestação de serviços é um contrato atípico, que possui três modalidades típicas as quais estão longe de esgotar o seu campo de aplicação Nesse sentido Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume III, contratos em especial, 5.ª edição – Almedina, página 428;.
O contrato de prestação de serviços reveste natureza obrigacional, nos termos do qual uma das partes se obriga a proporcionar um certo resultado (manual ou intelectual), com ou sem retribuição (artigo 1154.º do Código Civil).
De acordo com o artigo 1158.º, n.º 1, 2ª parte do Código Civil aplicável ex vi o artigo 1156.º, o mandato (rectius contrato de prestação de serviços) presume-se oneroso dado ter por objecto actos que o mandatário/prestador de serviços pratique por profissão. A lei não prescreve qualquer forma legal, bastando o mero acordo convergente de vontades para vincular as partes.
Tratando-se de responsabilidade contratual importa assim chamar à colação o disposto no artigo 798.º do Código Civil que estipula que devedor que falta culposamente ao cumprimento da sua prestação é responsável pelo prejuízo que causa ao credor e o disposto no n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil que dispõe “ Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”. Este último artigo prevê assim a culpa presumida do devedor (presunção legal relativa), in casu culpa presumida da Demandada.
Nestes autos, estamos perante um incumprimento de uma obrigação contratual de pagamento do preço dos serviços prestados.
Nos termos do artigo 406.º do Código Civil, o contrato deve ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes (pacta sunt servanda) e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 762.º n.º 1 do Código Civil)), devendo as partes regerem-se tanto no cumprimento da obrigação como no exercício do direito correspondente, pelo princípio da boa-fé (artigos 762.º n.º 1 e 763.º n.º1 do Código Civil).
Resultando provado que a Demandada não procedeu ao pagamento da factura n.º 2014/36, a que estava obrigada contratualmente até à presente data, incorre a mesma em responsabilidade contratual.
Tendo a Demandada faltado culposamente ao cumprimento da sua obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao Demandante.
Assim de acordo com o disposto no artigo 806.º do Código Civil que estatui “ Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.”, o Demandante, tem direito a ser indemnizado nos juros moratórios a contar do dia imediatamente seguinte à data de vencimento da factura em causa/ interpelação da mesma, dado ser a partir desse dia que a Demandada se constitui em mora.
Estamos face a obrigações pecuniárias com prazo certo de cumprimento, o qual foi acordado pelas partes e não obstante também foi a Demandada interpelada (artigo 805, n.º 1 e 2 alínea a) do Código Civil).
Importa assim para aferir da natureza dos juros se civis ou comerciais, para isso torna-se necessário verificar se o Demandante possui a qualidade de comerciante.
O Demandante A, possui o número de identificação fiscal …. A sua actividade conforme o publicitado no site: G, consiste em remodelações, construção civil, tectos falsos, divisórias, iluminação, pavimentos, arquitectura de interiores, janelas do sótão e pinturas (fls. 79 a 81 verso). Conforme fls. 79 e por referência aos dados constantes da factura a fls. 7 e 7 verso, o Demandante possui alvará de empreiteiro de obras particulares (80475-PAR). Estamos perante em empresário em nome individual cuja actividade não registado no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, dado que o Demandante usa o seu nome completo ou abreviado (conforme factura a fls. 7 e 7verso) – ficheiro central de pessoas colectivas – artigo 4.º h) Regime do Registo Nacional de Pessoas Colectivas.
A Demandada tem como objecto social (fls. 39) agência de publicidade, comunicação e marketing de serviços completo. Produção de peças de comunicação (televisão, rádio, publicidade exterior, imprensa, folhetos e outros). Pré e pós-produção de imagens, 3d e 2d. Produção de Merchandising, mobiliário urbano e outros no âmbito da Comunicação Web Design desenvolvimento de sites e gestão dos mesmos.
A Lei apenas reconhece existir duas espécies de comerciantes: comerciantes em nome individual e as sociedades comerciais, conforme o artigo 13.º do Código Comercial.
O conceito de comerciante em nome individual estrutura-se na base de duas noções fundamentais: capacidade e profissionalidade do exercício do comércio; por sua vez, esta última subdivide-se em outras duas: profissão e comércio. Porque o exercício do comércio deve ser profissional, ou seja, é comerciante todo aquele que consagra total ou parcialmente a sua actividade à exploração da indústria mercantil, em vista de obter lucros. Nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2007 processo 07B3336, relator Conselheiro Oliveira Vasconcelos, disponível em www.dgsi.pt.
O fim lucrativo deve estar directamente ligado aos actos que qualificam ou identificam a profissão em causa e não a quaisquer outros de que sejam acessório. O fim lucrativo também não se afere em relação a cada acto isolado, mas à actividade no seu conjunto. A actividade desenvolvida pelo Demandante no seu conjunto (e os actos de per si considerados) tem no fim lucrativo o seu móbil principal.
Assim conclui-se que a actividade desenvolvida pelo Demandante se enquadra nos artigos 13.º e 2.º do Código Comercial.
Pelo que os juros de mora são, portanto, comerciais e são devidos desde a data do vencimento da factura n.º 2014/36 (corresponde a data de interpelação e fim do serviço prestado), isto é desde 2014-12-11, o que perfaz o total de 1189,93 euros, com as taxas de juros comerciais sucessivamente em vigor 7,15% (11/12/2014 a 31/12/2014), 7,05% (01/01/2015 a 30/06/2016), 7% (01/07/2016 a 06/11/2017), Aviso n.º 8266/2014, de 16 de Julho, Aviso n.º 563/2015, de 19 de Janeiro, Aviso n.º 7758/2015, de 14 de Julho, Aviso n.º 890/2016, de 27 de Janeiro, Aviso n.º 8671/2016, de 12 de Julho, Aviso n.º 2583/2017, de 14 de Março e Aviso n.º 8544/2017, de 29 de Junho, nos termos do disposto nos artigos 804.º, 805.º, 806.º n.º 1 e n.º 2 e parágrafos 3 e 4 do artigo 102.º, do Código Comercial.

VII – Decisão
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente acção totalmente procedente, e em consequência condeno BB, anterior B, a pagar ao Demandante A:
a) o valor de 5835,12 euros a titulo de serviços prestados;
b) o valor de 1189,93 euros relativos a juros comercias nas taxas sucessivamente em vigor até ao efectivo e integral pagamento.
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VIII – Responsabilidade por custas
Nos termos do artigo 9.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 209/2005, de 24/02, a Demandada é declarada parte vencida para efeitos de custas.
O valor das custas no Julgado de Paz é de 70,00 euros. Assim considerando que aquando da entrega da contestação a Demandada já procedeu ao pagamento de 35,00 euros, deverá proceder ao pagamento dos restantes 35,00 euros em falta, relativos às custas neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação para o efeito, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10,00 euros por cada dia de atraso.
Reembolse-se o Demandante nos termos do artigo 9.º da mesma Portaria.
Esta sentença foi lida às partes, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da Lei dos Julgados de Paz.
Registe.
Setúbal, 06 de Novembro de 2017.
A Juíza de Paz
Liliana Sousa Teixeira


i) Nesse sentido Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume III, contratos em especial, 5.ª edição – Almedina, página 428;
ii) Nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-10-2007 processo 07B3336, relator Conselheiro Oliveira Vasconcelos, disponível em www.dgsi.pt.