Sentença de Julgado de Paz
Processo: 30/2017-JPAGB
Relator: CRISTINA POCEIRO
Descritores: USUCAPIÃO
Data da sentença: 01/10/2018
Julgado de Paz de : AGUIAR DA BEIRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
I – RELATÓRIO:

Identificação das partes:

Demandantes:

A, portador do bilhete de identidade nº 000, emitido em 07/05/2003, vitalício e do número de identificação fiscal 0000 e B, portadora do cartão de cidadão nº 000, válido até 11/09/2018 e do número de identificação fiscal 000, casados entre si e residentes na Rua X, Aguiar da Beira.

Demandados:

C, viúvo, residente em X, França, D, divorciada, residente em X, França, E e E1, casados entre si e residentes em X, França, todos, excepto a última, na qualidade de únicos e universais herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de F e seus representantes;

Objeto do litígio:

Os demandantes instauraram a presente ação declarativa de simples apreciação positiva (artigo 10º, nºs 1, 2 e 3, alínea a) do Código de Processo Civil), enquadrada na alínea e) do nº 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, pedindo, com base nos fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial, que a mesma seja julgada procedente e que, em consequência:

a)Os demandados sejam declarados únicos e universais herdeiros da falecida F;

b)Os demandantes sejam declarados donos e legítimos proprietários dos prédios rústicos descritos no artigo 3º do requerimento inicial;

c)Os demandados sejam condenados em custas e condigna procuradoria; e

Mais requerem o cancelamento do registo feito a favor da falecida F e de seu marido, ou outro que venha eventualmente a incidir sob o prédio descrito no artigo 3º, alínea a) do requerimento inicial. Para tanto, os demandantes alegaram os factos constantes do respetivo requerimento inicial, de fls. 1 a 5 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, segundo os quais, resumidamente, são donos e legítimos proprietários de dois prédios rústicos, um composto de terra de batata, centeio, pinhal com oliveiras, sita à X, limite da freguesia de Carapito, a confrontar de norte com G e H, de sul com I, poente com I e de nascente com H, inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo 1253º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 00000 da dita freguesia, e o outro composto de terra de pastagem, sita no lugar do X, limite da freguesia de Carapito, a confrontar de norte com J, sul com K, nascente com L, poente com limite do Eirado, inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo 000º, omisso na Conservatória do Registo Predial, os quais usam, há mais de trinta anos, como seus únicos e exclusivos donos, invocando diversos atos de uso e fruição dos mesmos e alegando diversos factos caracterizadores da respetiva posse que invocam, bem como que também já assim eram usados pelos respetivos antepossuidores, concluindo que os adquiriram por via da usucapião. Os demandantes juntaram procuração forense e sete documentos ao respetivo requerimento inicial, três documentos a convite do tribunal e um documento na primeira sessão da audiência de julgamento, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Tramitação e Saneamento:

Atenta a espécie e finalidade da presente ação, a resolução do presente litígio não foi tentada através do serviço de mediação existente neste julgado de paz, não tendo sido marcada sessão de pré-mediação. Na sequência dos despachos proferidos a fls. 41 e a fls. 54 dos autos e do requerimento dos demandantes de fls.45 e 46 dos mesmos, cujo teor aqui se reproduz integralmente, foi admitida a modificação subjetiva da instância, prosseguindo os autos também contra o cônjuge do demandado E, a demandada E1. Após a frustração de diversas tentativas de citação pessoal dos demandados, por via postal registada, no estrangeiro e durante mais de quatro meses atenta a demora na devolução das respetivas cartas, os demandados foram, pessoal e regularmente, citados (conforme resulta de fls. 62 a 66 e 74 a 82 dos autos), e não apresentaram contestação, nem impugnaram os documentos juntos ao requerimento inicial. Notificados para tal (conforme resulta de fls. 95, 95 verso, 96, 96 verso e 98 dos autos), não compareceram à audiência de julgamento (primeira sessão) e não justificaram as respetivas faltas no prazo legal, tendo aquela sido suspensa para tal efeito. Nessa sequência, foi cumprido o princípio do contraditório quanto aos documentos juntos na pendência dos autos pelos demandantes, os quais não foram impugnados pelos demandados. Na segunda sessão da audiência de julgamento, apenas os demandantes foram ouvidos, nos termos do disposto no artigo 57º, nº 1, 1ª parte da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, tendo reiterado os factos alegados no requerimento inicial. Como os demandados também não compareceram à referida sessão (segunda), não foi possível realizar a tentativa de conciliação, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 26º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de julho. E, sem prejuízo do disposto no artigo 58º, nº 2 da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, por se mostrar essencial para a boa decisão da causa apurar, no caso concreto, as características da posse do direito de propriedade alegado pelos demandantes e cujo reconhecimento é pedido por via do instituto jurídico da usucapião, o tribunal determinou que os presentes autos prosseguissem para produção de prova. A audiência de julgamento decorreu com observância dos legais formalismos, conforme resulta das respetivas atas, que aqui se reproduzem integralmente, tendo sido agendada a sua continuação nesta data para prolação da presente sentença. Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da instância, pois, o julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º, nº 1, 8º, 9º, nº 1, alínea e) e 11º, nº 1, todos da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhes foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho). As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há outras exceções, nulidades ou quaisquer questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Valor da ação: Fixa-se em € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), em conformidade com a posição das partes e as disposições conjugadas dos artigos 296º, nº 1, 297º, nº 2, 302º, nº 1, 305º e 306º, todos do Código Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho.

Assim, cumpre apreciar e decidir:
II - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Discutida a causa, consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
1.No dia 03 de fevereiro de 2011 faleceu F;
2.Em 14 de novembro de 2017, no Cartório Notarial da Notária M, sito em Pinhel, foi outorgada escritura pública de habilitação de herdeiros da referida F, tendo os respetivos outorgantes declarado que aquela faleceu, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, no estado de casada, em primeiras núpcias de ambos, sob o regime da comunhão de adquiridos, com C;
3.Na referida escritura foi também declarado, pelos respetivos outorgantes, que a falecida F deixou como únicos e universais herdeiros o seu cônjuge C e os filhos comuns do casal, D e E;
4.Está inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 0000, da freguesia de Carapito, concelho de Aguiar da Beira, a favor de F, um prédio sito à Fonte Nova, composto por terra de batata, centeio, pinhal com oliveiras, com a área de 8000m2, a confrontar a Norte com G e H, a Sul e a Poente com I e a Nascente com H, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira sob o nº 0000, da referida freguesia, com inscrição de aquisição a favor daquela, pela apresentação 3 de 28-01-2008;
5.A inscrição de aquisição a favor de F, pela dita apresentação 3 de 28-01-2008, tem como causa a “partilha da herança” e como sujeito passivo “N; Viúvo(a);
6.Está inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 0000, da freguesia de X, concelho de Aguiar da Beira, a favor de F, um prédio sito ao X, composto por terra de pastagem, com a área de 9300m2, a confrontar a Norte com J, a Sul com K, a Nascente com L e a Poente com Limite do Eirado, omisso na Conservatória do Registo Predial;
7.Os Demandantes casaram, sem convenção antenupcial, no dia 28 de junho de 1975;
8.Há mais de trinta anos que os demandantes usam, fruem e dispõem dos prédios rústicos identificados nos anteriores parágrafos números quatro e seis, como seus únicos e exclusivos donos, de forma visível e permanente, deles tirando todas as utilidades e proveitos, designadamente plantando batatas, centeio e pastoreando o gado;
9.Agindo sempre na convicção de exercerem direito próprio e de que não lesam direitos de terceiros, incluindo dos demandados;
10.O que sempre fizeram sem violência e sem oposição de quem quer que seja, incluindo dos demandados;
11.À vista e com o conhecimento de toda a gente, incluindo dos demandados;
12.De forma contínua e ininterrupta até ao presente;
13.Agindo sempre na convicção de que os referidos prédios rústicos lhes pertencem como coisas exclusivamente suas;
14.E agindo sempre como seus verdadeiros e únicos donos, e assim sendo reputados por toda a gente daquele lugar de Carapito e também pelos demandados;
15.Tal como já antes de si acontecia com os respetivos ante possuidores, que também usavam os prédios rústicos identificados nos anteriores parágrafos números quatro e seis nos termos referidos nos anteriores parágrafos oito a catorze;
16.Os demandantes depararam-se com o registo de aquisição mencionado no anterior parágrafo cinco e falaram com a falecida F e com os aqui demandados, que reconheceram que os prédios aqui em causa não lhes pertenciam, nem pertencem, e iriam resolver a situação através da realização de uma escritura de compra e venda a favor dos demandantes, o que, contudo, nem a falecida F, nem os aqui demandados fizeram até ao presente; Factos não provados com interesse para a decisão da causa: que o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 0000, da freguesia de Carapito, foi levado à partilha, por morte de N, e foi adjudicado a F. Com efeito, tal factualidade carecia de ser provada através de documento, designadamente a escritura pública de partilha mencionada na respetiva caderneta predial, uma vez que, diferentemente do que ocorre com o artigo rústico 000, aquele se acha omisso no Registo Predial. Ou seja, ainda que tal facto pareça resultar da dita caderneta predial, a mesma não se considera documento bastante para, sem dúvida, se considerar comprovada tal factualidade. Dúvida que, naturalmente, não se verifica em face da certidão do Registo Predial junta aos autos respeitante ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 0000, da freguesia de Carapito. Como competia aos demandantes o ónus da prova de tais factos e os mesmos não lhe deram cumprimento, consideram-se tais factos não provados (conforme imposição das disposições conjugadas dos artigos 342º e seguintes do Código Civil e dos artigos 414º e 568º, alínea d), ambos do Código de Processo Civil).

Motivação dos factos provados:

A convicção do tribunal fundou-se na apreciação e conjugação crítica de toda a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento, designadamente nos documentos juntos aos autos pelos demandantes, na prova testemunhal apresentada pelos mesmos, na conduta processual dos demandados, que não apresentaram contestação, nem impugnaram os documentos juntos pelos demandantes e nas declarações do demandante. Ponderou-se também a conduta processual das partes, particularmente dos demandados, especialmente em face do disposto no artigo 58º, nº 2 da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, devendo considerar-se os factos articulados pelos demandantes no respetivo requerimento inicial confessados. Ora, os demandados não deduziram qualquer oposição aos factos alegados pelos demandantes, aceitando-os tacitamente, o que no entender do tribunal reforça a convicção de que a posse dos prédios rústicos aqui em causa pelos aqui demandantes tem sido exercida, desde o seu início e até ao presente, há mais de trinta anos, de boa fé e de forma contínua, pública e pacífica, nos exatos termos dados como provados, e não colide com direitos de terceiros, desde logo dos próprios demandados. Atendeu-se ainda às regras de repartição do ónus da prova (artigos 342º e seguintes do Código Civil), bem como às presunções legais e às regras de experiência (artigo 349º a 351º do dito Código). Foram também considerados pelo tribunal, os factos adquiridos nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea a) do Código do Processo Civil. Quanto aos documentos juntos aos autos pelos demandantes, o tribunal considerou-os relevantes, uma vez que não foram impugnados, nem contrariados por qualquer outro meio de prova produzido em audiência. Sendo que, a declaração de óbito nº X, do ano 2011, de fls. 12 a 14 dos autos, emitida em 09-03-2017, pelo Registo Civil de Vila de Courbevoie, comprova a factualidade dada como provada sob o parágrafo número 1; as certidões de nascimento e de casamento de fls. 15 a 23 e a certidão da escritura pública de habilitação de herdeiros, de fls. 100 a 102 dos autos, emitida em 14 de novembro de 2017, pelo Cartório Notarial da Notária N, sito em Pinhel, comprovam a factualidade dada como provada sob os parágrafos números 1 a 3; a certidão da caderneta predial rústica de fls. 6 a 8 dos autos, emitida em 17 de maio de 2017, pelo Serviço de Finanças de Trancoso, comprova a factualidade dada como provada sob o parágrafo número 4 e 6; a certidão permanente da descrição predial de fls. 112 e 113 dos autos, disponibilizada em 28-11-2017 e válida até 28-05-2018, emitida pela Conservatória do Registo Predial de Trancoso, que também comprova a factualidade dada como provada sob os parágrafos números 4 e 5; a certidão negativa de fls. 114 e 115 dos autos, emitida em 28 de novembro de 2017, pela Conservatória do Registo Predial de Trancoso, que também comprova a factualidade dada como provada sob o parágrafo número 6; a informação do Assento de Casamento nº 48 do ano de 2008 de fls. 119 e 120 dos autos, emitida em 05 de dezembro de 2017, pela Conservatória do Registo Civil de Aguiar da Beira, comprova a factualidade dada como provada sob o parágrafo número 7; o documento comprovativo de pagamento do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de fls. 24 e 25 dos autos, datado de 19 de Maio de 2008, emitido pelo Ministério das Finanças, comprova a factualidade dada como provada sob o parágrafo número 16. A demais factualidade, designadamente a vertida nos parágrafos números 8 a 16, foi dada como provada atendendo à conjugação dos anteriores meios de prova com a prova testemunhal apresentada pelos demandantes e as declarações de parte do demandante produzidas em audiência de julgamento, e que foram, criticamente, apreciados pelo tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e à luz das regras de experiência (artigo 351º e 396º, ambos do Código Civil e artigos 466º, nº 3, 1ª parte e 607º, nºs 4 e 5, ambos do Código do Processo Civil). Quanto às testemunhas inquiridas, O, com 63 anos de idade, P, com 71 anos de idade e Q, com 62 anos de idade, todas mostraram ter conhecimento direto e pessoal da situação dos prédios rústicos em causa nos autos, uma vez que todas foram “nascidas e criadas”, conforme referiram, na freguesia de Carapito, Concelho de Aguiar da Beira, onde residem desde sempre e localidade onde se situam os referidos imóveis. Por outro lado, a primeira disse ser caçador, percorrendo frequentemente as terras daquela localidade; a segunda disse que o seu pai tinha um terreno sito também no lugar da Fonte Nova e que ela própria também tem uma “sorte” (um terreno) sita no lugar do X; todas esclarecendo que conheceram também os ante possuidores dos prédios rústicos aqui em causa, bem como os confinantes do prédio que se situa na X e a confinante K do prédio do X. Razões de ciência que convenceram o tribunal quanto ao conhecimento demonstrado quanto aos referidos factos considerados provados. As referidas testemunhas prestaram depoimento de forma clara, tranquila e isenta, afigurando-se os respetivos depoimentos credíveis, também pelo facto de não terem qualquer interesse no desfecho desta causa, e permitiram ao tribunal formar a convicção quanto à duração e caraterísticas da posse dos demandantes em causa nos presentes autos, bem como dos respetivos ante possuidores, os pais do aqui demandante. Com efeito,As aludidas testemunhas esclareceram que conhecem os terrenos aqui em causa, os quais pertenciam e eram agricultados pelos pais do demandante e que, após o regresso dos demandantes de Angola (depois do “25 de Abril” disseram, referindo-se ao 25 de Abril de 1974), passaram a ser usados apenas por estes últimos (“sempre o lá conheci”, disse a terceira, referindo-se aos terrenos dos autos e ao demandante); que os demandantes usam tais terrenos, desde então e até hoje, à vista de toda a gente de X e dos demandados (afirmaram, perentoriamente, que sempre lá viram os demandantes à luz do dia; “não anda lá de noite”, disse a segunda); e que nunca ninguém reclamou desse uso, incluindo os respetivos confinantes e os demandados; que no terreno da Fonte Nova, situado perto da povoação de X, os demandantes têm plantado batatas, têm lá árvores de fruto (cerejeiras e macieiras, disse a segunda), colhem as azeitonas das oliveiras para fazer azeite (disseram as duas primeiras), limpam o mato do pinhal e aproveitam a lenha dos pinheiros; que a terra do X fica na serra (lugar também conhecido por “X”, disse a segunda) e é usada sobretudo para aproveitamento do mato (porque tem muitas urgueiras (servem de pastoreio ao gado) e alguns pinheiros); que na localidade de Carapito os terrenos, como os dos autos, são delimitados através de marcos (em pedra) e cruzes, sendo as estremas respeitadas pelos demandantes e respetivos confinantes (tanto os indicados nas matrizes, que já faleceram, como pelos seus herdeiros); que nunca viram ou ouviram falar de qualquer “guerra” entre familiares dos demandantes ou confinantes e os próprios demandantes no que respeita aos prédios aqui em causa; que, por eles próprios e por toda a gente de X, os demandantes são reputados como donos dos terrenos em causa nos autos e, antes deles, pelos pais do demandante (que nos lugares da X e do X, não tinham outros terrenos para além dos que aqui estão em causa, disse a terceira). A testemunha P esclareceu ainda que considera os demandantes os donos dos terrenos, pois, desde que eles vieram de Angola “nunca lá conheceu outras pessoas”; que muitas vezes o demandante lhe disse que ia regar as batatas para a X, pois, tem lá um poço; que se lembra bem de o pai do demandante lavrar essa mesma terra para as batatas, não com um trator como se faz hoje em dia, mas com uma “junta de vacas amarelas”; que ele próprio comprou uma “sorte” (um terreno) no lugar do X, há cerca de vinte anos, e que, por isso, sempre viu o demandante cortar o estrume na “sorte” que aí tem (referido ao terreno do X aqui em causa). Atendeu-se também às declarações de parte do demandante, no presente já com 70 anos de idade, particularmente quanto às características da posse dos prédios rústicos aqui em causa, ao seu uso e fruição exclusivos, como seus únicos e verdadeiros donos, desde que vieram de Angola (no ano de 1975) até ao presente, ficando o tribunal convencido da inexistência de qualquer conflito com os aqui demandados ou com terceiros, que nunca reclamaram da ocupação exclusiva dos mesmos. Esclareceu que vieram de Angola sem nada e que estes terrenos lhes foram dados, de boca, pela sua mãe (o pai faleceu poucos anos antes), com o conhecimento e acordo dos irmãos, e que foram essenciais para a subsistência do casal, pois, sempre os trabalharam, colhendo batatas, frutos, azeite e lenha, pastoreando cabras. Mas que, por lapso, na escritura de partilha que fizeram por óbito da sua mãe, os prédios aqui em causa ficaram adjudicados à irmã, a falecida F, quando deveriam ter ficado no nome dele; e que, quando foi às Finanças para “registar” os terrenos dele, deu conta desse engano e foi-lhe recomendado falar com a irmã para resolver a situação, o que podiam fazer através de uma escritura de compra e venda; e que, confiando no que lhe disseram e por a irmã ter concordado com essa solução, até foi pagar o imposto (referindo-se ao pagamento do IMT junto aos autos). Porém, a irmã, que morava em França, nunca chegou a vir a Portugal resolver a situação, assim como, após a sua morte e até hoje, o seu cunhado e sobrinhos (referindo-se aos aqui demandados), que admitiram o erro cometido, bem sabendo e reconhecendo que os terrenos aqui em causa não lhes pertencem, mas aos aqui demandantes. Assim, conjugando todos os depoimentos e declarações produzidos em audiência com o teor dos documentos juntos aos autos pelos demandantes e com a conduta processual dos aqui demandados, ficou o tribunal convencido da demonstração da realidade dos factos que deu como provados acima elencados (artigo 341º do Código Civil), e que tendo sido alegados no requerimento inicial, se têm por confessados pelos próprios demandados.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

Os demandantes, por via da presente ação, pretendem designadamente que os aqui demandados C, D e E sejam declarados como únicos e universais herdeiros da falecida F. Tal qualidade resulta documentalmente comprovada nos autos, atenta a habilitação de herdeiros junta aos mesmos, pelo que, pode, fundadamente, concluir-se que os referidos demandados, nas respetivas qualidades de cônjuge (o viúvo C) e de filhos (a D e o E), são os únicos e universais sucessores da falecida F, enquanto seus herdeiros legítimos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2131º, 2132º, 2133º, nº 1, alínea a) e 2139º, todos do Código Civil. Encontrando-se, pois, a presente ação devidamente instaurada contra os herdeiros da falecida F, representantes da respetiva herança ilíquida e indivisa aqui demandada na pessoa daqueles. Por outro lado, os demandantes, por via da presente ação, também pretendem que lhes seja reconhecido o direito de propriedade exclusivo sobre os prédios rústicos dos autos, que usam, como únicos donos, há mais de trinta anos. Para tal efeito, alegam a aquisição originária, por via do instituto da usucapião, dos respetivos terrenos, um sito à X e o outro ao X. A aquisição por usucapião funda-se, diretamente, na posse, cuja extensão e conteúdo definem a extensão e o conteúdo do direito prescricionalmente adquirido (prescrição aquisitiva), com absoluta independência em relação aos direitos que antes daquela aquisição tenham incidido sobre a coisa. A aquisição por usucapião é uma forma de aquisição originária porque o direito de propriedade se adquire pelo estabelecimento de uma relação direta entre o sujeito adquirente e a coisa reconhecida pela lei como apta à aquisição do direito, independentemente da intervenção do anterior proprietário. E, também quando adquirido por usucapião, o direito de propriedade é um direito real de gozo, que beneficia de eficácia absoluta ou erga omnes, ou seja, o direito impõe-se a todos os restantes sujeitos que, por isso, ficam vinculados ao cumprimento do dever geral de abstenção, isto é, do dever de não interferir no exercício do direito real. No caso dos autos ficaram provados atos materiais e exclusivos de posse dos demandantes sobre os terrenos da X e do X aqui em causa, desde há mais de trinta anos, pois, desde então e até ao presente que os usam, ocupam, fruem e dispõem das suas utilidades, designadamente plantando batatas, colhendo frutos (cerejas e maças), azeite e lenha, pastoreando cabras da X e mato e lenha do X. E, antes si, eram usados apenas pelos pais do demandante, conforme referido pelo próprio demandante e pelas testemunhas ouvidas em audiência. A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil). No caso concreto dos autos, trata-se da posse do direito de propriedade, que mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, por via da usucapião (artigo 1287º do Código Civil). A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta (artigo 1258º do Código Civil). A posse dos demandantes sobre os terrenos da X e do X aqui em causa, considera-se não titulada, uma vez que os demandantes não provaram a existência de título (artigo 1259º, nº 2 do Código Civil), pelo que, não se encontra fundada num modo legítimo de adquirir (artigo 1259º do Código Civil). Contudo, a falta de título (ou até a invalidade formal do título, tendo por referência o artigo 947º do Código Civil) não determina que os demandantes deixam de ser possuidores dos terrenos aqui em causa, uma vez que a posse resulta, tão só, do poder de facto exercido sobre a coisa. E é essa qualidade, de possuidores, de “senhores ou donos de facto”, que os demandantes aqui alegam como causa de pedir, com vista a harmonizar a realidade jurídica do direito de propriedade que alegam com a realidade material do respetivo objeto. Daí o seu interesse em agir no âmbito dos presentes autos, com vista a legalizar matricial e registalmente o seu direito sobre tais coisas imóveis. Sendo uma posse não titulada, presume-se de má fé (artigo 1260º, nº 2 do Código Civil). No entanto, atentos os factos dados como provados, os demandantes demonstraram que ignoravam, ao adquiri-la, que lesavam o direito de outrem (artigo 1260º, nº 1), designadamente dos demandados ou de outros terceiros, já que, de acordo com a prova produzida, convencidos de que ninguém tinha direito algum sobre tais terrenos, que os demandantes sempre usaram como seus únicos donos, à vista de todos de X e dos demandados, que nunca reclamaram, nem deduziram qualquer oposição ao uso exclusivo dos demandantes. Por outro lado, a posse dos demandantes é uma posse pacífica porque foi adquirida sem violência e sem qualquer oposição (artigo 1261º, nº 1 do Código Civil); e é pública porque foi exercida à vista de toda a gente, de modo a poder ser conhecida por quaisquer interessados, desde logo, os aqui demandados e toda a gente daquele lugar de X, concelho de Aguiar da Beira (artigo 1262º do Código Civil). De facto, todas as testemunhas confirmaram que nunca foi feita qualquer oposição ao uso exclusivo que os demandantes fazem dos terrenos aqui em causa, desde logo os seus familiares, os demandados, os respetivos confinantes, pois que, o fazem à vista de toda a gente de X, à luz do dia, inferindo-se, portanto, que se houvesse algum terceiro lesado poderia, querendo, reclamar ou opor-se a tal uso, o que nunca se verificou até ao presente. Os demandantes, enquanto possuidores, gozam da presunção da titularidade do direito de propriedade que invocam sobre os terrenos da X e do X aqui em causa, desde o início da sua posse, isto é, há mais de trinta anos a esta parte, logo, pelo menos desde data anterior a 1987, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1252º, 1254º, 1268º, nº 1 e 1288º, todos do Código Civil. Mas também a falecida F, autora da herança ilíquida e indivisa aqui demandada na pessoa dos respetivos herdeiros e representantes, goza da presunção de titularidade do direito de propriedade sobre o prédio rústico sito à X, identificado no parágrafo número quatro dos factos provados, uma vez que tem inscrita a seu favor a respetiva aquisição junto do Registo Predial, pela apresentação 3 de 28 de janeiro de 2008 (artigo 7º do Código do Registo Predial). Contudo, de acordo com os factos dados como provados, a dita F nunca esteve na posse de tal terreno, pois, há mais de trinta anos que ele está na posse dos demandantes, portanto, pelo menos desde 1987. As testemunhas ouvidas em audiência afirmaram que sempre lá viram o A (referindo-se ao aqui demandante), que nunca lá viram a F (a autora da referida herança), nem os seus herdeiros, que em vida da falecida até só vinham a Portugal de férias. Assim sendo, no caso concreto dos autos, e de acordo com o disposto no artigo 1268º do Código Civil, a presunção da titularidade do direito de propriedade de que gozam os demandantes, enquanto possuidores, prevalece sobre a presunção fundada no registo predial de que beneficia a falecida F, uma vez que o início da posse dos demandantes – pelo menos desde 1987 – é anterior à data do registo predial da aquisição do direito daquela – 28 de janeiro de 2008. Tanto mais que, a aquisição do direito de propriedade fundada na usucapião é oponível a terceiros, mesmo que não registada na Conservatória do Registo Predial (artigo 5º, nº 2, alínea a) do Código do Registo Predial). Com efeito, embora o registo predial estabeleça uma presunção de titularidade do direito a favor do titular inscrito, não dá nem tira direitos, desde logo, precisamente porque a presunção de titularidade derivada do registo poder entrar em conflito com a presunção de titularidade resultante da posse de outrem sobre o mesmo prédio, resultando do aludido artigo 1268º que a presunção derivada do registo predial apenas prevalece se for anterior ao início da posse, pois, de contrário, prevalece a presunção a favor do possuidor. É assim, por se presumir que existe na titularidade do possuidor o direito real correspondente. É o que se verifica no caso concreto dos autos. Assim sendo, beneficiando os demandantes, enquanto possuidores, da referida presunção de titularidade do direito de propriedade sobre o prédio rústico sito à X, e prevalecendo a sua presunção sobre a presunção derivada do registo a favor da falecida F, competia aos demandados ilidir a presunção que a lei estabelece a favor dos mesmos (artigo 350º do Código Civil), o que, atenta a respetiva conduta processual, não lograram alcançar nos presentes autos. Logo, os demandantes devem considerar-se, por presunção legal, os titulares de tal direito, sendo fundado o pedido de cancelamento do registo de aquisição a favor da referida F, efetuado pela apresentação 3 de 28-01-2008, respeitante à descrição 1242, freguesia de Carapito, da Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira. De facto, é entendimento pacífico que a usucapião está na base de toda a nossa ordem imobiliária, valendo por si e em nada sendo prejudicada pelas vicissitudes ocorridas no Registo Predial. Se o titular inscrito no referido Registo não consegue ilidir a presunção prevalecente a favor do possuidor, nada pode fazer contra o reconhecimento da titularidade do direito a favor do mesmo, quando o possuidor o adquiriu, originariamente, por via da usucapião, como ocorre no caso dos autos. Assim, não havendo registo do título (pois, não há título), nem da mera posse, como não há no caso concreto dos demandantes, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé (artigo 1296º do Código Civil). Ora, no caso dos autos, ficaram provados atos materiais e exclusivos de posse dos demandantes sobre os terrenos da X e do X aqui em causa, desde há mais de trinta anos até ao presente e sem qualquer interrupção, pelo que, tal requisito legal também se acha preenchido na situação concreta dos presentes autos. Por outro lado, presume-se que quem pratica atos materiais de posse (o corpus), atua, igualmente, por forma correspondente ao exercício, no caso, do direito de propriedade (o animus possidendi), presunção que também não foi ilidida nos autos (neste sentido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-05-1996, publicado no Diário da República, II Série, de 24-06-1996). E, a posse adquire-se, designadamente, pela prática reiterada, com publicidade (à vista de todos os eventuais interessados), dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito (artigo 1263º, alínea a) do Código Civil), pelo que, mostram-se preenchidos todos os requisitos legais para verificação da aquisição do direito de propriedade, por via da usucapião, que, para tal efeito, aqui foi invocada pelos demandantes. Os demandantes têm, portanto, direito a invocar o instituto jurídico da usucapião como forma de aquisição originária do direito de propriedade pleno e exclusivo sobre os terrenos da X e do X aqui em causa, melhor identificados, respetivamente, nos parágrafos quatro e seis dos factos provados, dos quais provaram ser possuidores, presumindo-se, portanto, titulares do direito de propriedade sobre os mesmos, ou seja, seus legítimos donos. Em sentido semelhante ao que aqui defendemos e a título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14-11-2013, proferido nos autos do processo 74/07.3TCGMR.G1.S1, disponível para consulta pública no sítio da internet www.dgsi.pt, segundo o qual e no que aqui importa, “(…) 2. A presunção derivada do registo predial pode entrar em conflito com a presunção da titularidade resultante da posse de outrem sobre o mesmo prédio. Resultando do art. 1268.º do CC que a presunção derivada do registo apenas prevalecerá se for anterior ao início da posse, pois, de contrário, será a presunção a favor do possuidor que prevalecerá. (...). 3. A usucapião, forma de aquisição originária do respectivo direito de propriedade, está na base de toda a nossa ordem imobiliária, valendo por si, em nada sendo prejudicada pelas vicissitudes registais. Nada podendo fazer contra ela o titular inscrito no registo.”. Também no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 26-05-2015, proferido nos autos do processo 8423/06.5TBMTS.P1, igualmente disponível no aludido sítio da internet, se defende expressamente que “(…) V - A circunstância de um imóvel se encontrar registralmente inscrito a favor de alguém, tendo por base uma aquisição derivada, não obsta à aquisição por usucapião a favor de outrem, pois que, a usucapião inutiliza por si as situações registais existentes, em nada sendo prejudicada por estas vicissitudes.”A jurisprudência acolhe o entendimento de que, tendo a usucapião como causa genética apenas a posse, a nulidade formal ou substancial do título ou mesmo a falta de título apenas relevam quanto ao tempo necessário para usucapir a coisa. Por outro lado, a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem reafirmando, na nossa ordem jurídica, a prevalência do instituto da usucapião sobre o registo. Importa referir ainda que a matriz predial e o registo predial devem refletir a realidade material do imóvel e ser harmonizadas entre si, designadamente quanto à respetiva titularidade, atento o objetivo essencial de dar publicidade à situação jurídica dos prédios e segurança ao comércio jurídico imobiliário, conforme resulta dos artigos 1º e 28º e seguintes do Código do Registo Predial, importando, consequentemente, quanto ao prédio rústico identificado no parágrafo número quatro dos factos provados, descrito sob o nº 000, freguesia de X, na Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira, a realização do cancelamento do registo de aquisição efetuado, pela apresentação 3 de 28-01-2008, a favor da falecida F (artigo 13º do Código Registo Predial). E, sendo assim, mostra-se legalmente fundado apenas o pedido de cancelamento de tal registo formulado pelos demandantes no respetivo requerimento inicial (ficando, consequentemente, prejudicado o pedido de cancelamento de “outro que venha eventualmente a incidir” sobre o mesmo prédio, uma vez que, por um lado, tal circunstância não se verifica, conforme resulta da certidão permanente junta aos autos, consultada electronicamente nesta data, e, por outro, os demandantes poderiam, querendo, prevenir tal risco através do registo da presente ação junto da Conservatória do Registo Predial (artigo 3º, nº 1, alínea a) do Código Registo Predial), o que, contudo, não fizeram).Ademais, dos factos dados como provados resulta que a posse exclusiva dos demandantes, sobre os terrenos da Fonte Nova e do Mato Raso aqui em causa, melhor identificados, respetivamente, nos parágrafos quatro e seis dos factos provados, teve o seu início na constância do respetivo casamento, que celebraram no regime da comunhão de adquiridos, pelo que, o direito de propriedade exclusivo sobre tais prédios rústicos pertence a ambos os demandantes, sendo um bem comum do casal (conforme artigos 1717º, 1722º, nº 1, alínea c) e nº 2, alínea b) a contrario e 1724º, alínea b), todos do Código Civil). O próprio demandante esclareceu que voltou de Angola casado com a aqui demandante., sendo que o respectivo assento de casamento refere que o casamento se realizou nesse país. Importa sublinhar ainda que, a presente sentença, declarando os demandantes como únicos donos e legítimos possuidores e proprietários dos referidos prédios, vem conciliar a realidade jurídica com a realidade material dos mesmos, permitindo a sua harmonização a nível matricial e registral, tutelando-se a certeza e segurança das relações jurídicas. Finalmente, apesar dos demandantes terem pedido também a condenação dos demandados no pagamento das custas e condigna procuradoria, tal pretensão não pode ser atendida nos presentes autos. Com efeito, no que respeita às custas, importa ter presente que a presente ação foi configurada pelo tribunal como sendo de simples apreciação positiva e não de condenação (como indicam os demandantes no requerimento inicial), uma vez que os demandantes não pediram que os demandados fossem condenados a reconhecer o direito de propriedade invocado ou a restituir os terrenos, já que sempre estiveram e estão na posse dos demandantes (segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22-01-2004, proferido nos autos do processo 03B3959, também disponível para consulta pública no supra aludido sítio da internet, “I - Nem todas as acções reais, isto é, destinadas a fazer valer um direito real, são acções de reivindicação. II - A acção de reivindicação caracteriza-se pelos pedidos de reconhecimento do direito invocado (pronuntiatio), de natureza formal, e de entrega do bem reivindicado (condemnatio). III - Quando limitada a pretensão submetida a juízo à declaração do direito invocado estar-se-à perante acção de simples apreciação positiva, e não perante acção de reivindicação, que é uma acção de condenação.”), pelo que, não tendo os demandados deduzido oposição ao direito dos demandantes, não devem, no caso concreto e com o devido respeito, suportar as custas da ação (até porque não se discutiu nos autos, nem se fez qualquer prova de que o alegado lapso na escritura de partilha e no registo predial lhes fosse imputável).Por sua vez, no que respeita à condenação de pagamento em “condigna procuradoria”, importa ter presente que o procedimento dos julgados de paz tem regras próprias quanto às custas, fixadas no artigo 5º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e na Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, na redação que lhe foi conferida pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro, de onde resulta a fixação de uma taxa única, com reembolso à parte vencedora da respetiva taxa paga, a efetuar pelo próprio julgado de paz, e não pela parte vencida. E, por isso, não há aqui lugar ao pagamento de custas de parte (taxas, encargos ou despesas e honorários do mandatário) como ocorre no âmbito do Regulamento das Custas Processuais. Motivo pelo qual e atenta a responsabilidade dos demandantes pelo pagamento da taxa única devida nos presentes autos, como infra se determinará, não se pode atender à referida pretensão.

IV- Decisão:
Em face do exposto, julgo a acção procedente, por provada e, em consequência:
a) Declaro que os demandados C, D e E são os únicos e universais herdeiros da falecida F;
b) Declaro que os demandantes, A e B, por os terem adquirido por usucapião, são os donos e legítimos possuidores e proprietários dos prédios rústicos descritos e identificados nos supra parágrafos números quatro e seis dos factos provados; Consequentemente,
c) Ordeno o cancelamento do registo de aquisição feito, a favor da falecida F, pela apresentação 3 de 28-01-2008, sobre o prédio rústico descrito sob o nº 000, freguesia de Carapito, na Conservatória do Registo Predial de Aguiar da Beira, identificado no supra parágrafo número quatro dos factos provados.

Contudo, pelos fundamentos expostos, as custas totais, no valor de € 70,00 (setenta euros), são a cargo dos demandantes, uma vez que os demandados não deduziram oposição ao direito dos demandantes e atento o disposto no artigo 535º, nº 1 do Código do Processo Civil, aplicável por força do artigo 63º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, ficando, consequentemente, os demandados absolvidos do seu pagamento, incluindo custas de parte (“procuradoria”), sendo que a segunda parcela de tal importância, no montante de € 35,00 (trinta e cinco euros) deve ser paga nos três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento da presente decisão, sob pena da aplicação e liquidação de uma sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso, até ao valor de € 140,00 (conforme artigos 1º, 8º e 10º, todos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, na redação que lhe foi conferida pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro). Os demandantes, como têm legitimidade para promover o registo da decisão final ora proferida nesta ação, deverão observar os prazos legais do artigo 8º-C do Código do Registo Predial, sob pena do pagamento acrescido de quantia igual à que estiver prevista a título de emolumento (artigo 8º-D do referido Código).

Notifique e registe.

Aguiar da Beira, 10 de janeiro de 2018

A juíza de paz,

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(Cristina Maria da Costa Rodrigues Poceiro)

Processado por meios informáticos (artigo 131º, nº 5 do Código de Processo Civil) e revisto signatária.---