Sentença de Julgado de Paz
Processo: 10/2018-JPAJT
Relator: ISABEL ALVES DA SILVA
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE; DECRETAMENTO
Data da sentença: 03/07/2018
Julgado de Paz de : ALJUSTREL (AGRUPAMENTO DE CONCELHOS)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 10/2018-JP
Matéria: Procedimento cautelar – artigo 41.º-A da Lei de organização, competência e funcionamento dos Julgados de Paz (LJP) – Lei n.º 78/2001, de 13-07, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07)
Objecto de litígio: Restituição provisória da posse de imóvel
Demandante/requerente: A, com residência na Rua ZZ, Aljustrel
Mandatário do requerente: Dr. B, advogado, com escritório na Rua ZZ, Aljustrel
Demandada/requerida: C, residente na Rua ZZ, Aljustrel
Valor da acção: 2.130,68€
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I. Relatório

A intentou contra C procedimento cautelar de restituição provisória da posse do imóvel sito na Rua ZZ, em Aljustrel ao abrigo do artigo 41.º-A da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (de ora em diante LJP), e dos artigos 362.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC).

Para tanto alega no requerimento inicial que desde sempre morou no identificado imóvel (excepto no período em que esteve casado ou a trabalhar fora do país), o qual é a sua residência habitual e onde se encontram todos os seus pertences; alega ainda que a requerida mudou as fechaduras da casa, impedindo-o de entrar, e que a mesma ameaça deitar fora e queimar alguns dos seus bens pessoais.

Face ao exposto, aos requisitos previstos no artigo 377.º do CPC conjugados com o que dispõem o n.º 2 do artigo 255.º e o n.º 2 do artigo 1261.º do Código Civil (CC), e no entendimento de que constitui conduta violenta para efeitos de caracterização do esbulho a alegada substituição das fechaduras do imóvel, foi recebida a presente providência. Foi dispensada a fase de mediação por a mesma não ser compatível com a celeridade própria dos procedimentos cautelares e por a natureza da requerida restituição provisória de posse a isso obstar, e designada data para a realização da inquirição de testemunhas, sem citação nem audiência da requerida conforme previsto no artigo 378.º do CPC e 1279.º do Código Civil.

Realizou-se a diligência agendada e no decurso da mesma o requerente juntou cópia de uma escritura de partilha (documento de fls. 12-16), certidão da Autoridade Tributária relativa a processo de liquidação de imposto sobre sucessões (documento de fls. 17-24) e certidão de registo predial do prédio urbano cuja restituição é peticionada (documento de fls. 25-26). O requerente juntou também, no prazo que lhe foi concedido para o efeito, cópia de factura da Z (documento de fls. 33) e notificação sobre a caducidade do seu contrato de trabalho (documento de fls. 34).

II. Valor da acção

Face aos elementos que se dispõem, por ora, no processo, nos termos do disposto nos artigos 304.º, n.º 3, al. b) e 306.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis por remissão do artigo 63.º da LJP, fixo ao presente procedimento o valor de 2.130,68€ (dois mil, cento e trinta euros e sessenta e oito cêntimos), conforme documento de fls. 12-16.


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III. Fundamentação da matéria de facto

Factos provados

Face à prova produzida e com relevância para a decisão, dão-se indiciariamente como provados os seguintes factos:

1 – A requerida foi casada com o pai do requerente, em segundas núpcias deste.

2 – O prédio urbano sito na Rua ZZZ, na vila, freguesia e concelho de Aljustrel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aljustrel sob o n.º 00000 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 0000, composto por edifício de rés-do-chão e quintal, é propriedade da requerida.

3 – A requerida adquiriu a propriedade do prédio identificado em 2. por:

a) Aquisição, em 21-12-2009, da quota de ¼ do prédio, de que era titular o requerente, através de compra por negociação particular em processo de execução;

b) Aquisição, em 15-01-2010, da quota de ¾ do prédio, por adjudicação, em partilha da herança aberta por óbito de D, pai do requerente.

4 – O requerente e a requerida são os únicos herdeiros de D.

5 – O único bem objecto da partilha da herança aberta por óbito D foi o prédio referido em 2.

6 – Em 06-01-2010, data da escritura de partilha, o prédio referido em 2. tinha registada uma hipoteca, cujo cancelamento o requerente e a requerida, interessados na partilha, declararam estar assegurado, e três penhoras registadas por apresentações de 06-06-2007, 02-03-2009 e 06-03-2009.

7 – O requerente viveu no prédio identificado em 2., até ao seu casamento e depois de se divorciar, o que ocorreu em data não concretamente apurada, mas cerca de 2006/2007.

8 – Após o divórcio, o requerente trabalhou em Espanha, regressando ao prédio identificado em 2., sempre que vinha a Portugal, nomeadamente para passar as férias.

9 – O requerente deixou de trabalhar em Espanha definitivamente em 2013 e retornou ao prédio identificado em 2., para onde levou os pertences que trouxe de Espanha.

10 – O requerente tem um quarto de solteiro no prédio identificado em 2. e, bem assim, os seus bens pessoais como roupas e ferramentas.

11 – O requerente faz criação de galinhas no quintal do prédio identificado em 2.

12 – O requerente, desde que veio de Espanha, sempre viveu no prédio identificado em 2., até cerca de Junho/Julho de 2017.

13 – Em Junho/Julho de 2017 a namorada do requerente, que se encontra a trabalhar em França, veio a Portugal passar férias e, face à oposição da requerida em que ambos ficassem a pernoitar no prédio identificado em 2., o requerente foi para casa de um amigo.

14 – Onde permanece desde então, aí pernoitando.

15 – Essa casa onde o requerente se encontra foi cedida gratuita e provisoriamente por E.

16 – O requerente vai todos os dias ao prédio identificado em 2. tratar dos animais.

17 – O requerente paga à Z os serviços de telecomunicações do prédio identificado em 2.

18 – O requerente não paga água, luz ou gás do prédio identificado em 2., nem contribui para estas despesas.

19 – Um pouco antes do início do ano de 2018, a requerida comunicou ao requerente que pretendia vender o prédio identificado em 2., que não queria que o mesmo aí dormisse e para retirar as suas roupas.

20 – Em data não concretamente apurada mas que se situa há cerca de duas semanas atrás, a requerida mudou as fechaduras das portas de acesso à casa de habitação e, neste momento, o requerente só tem acesso ao quintal.

21 – O contrato de trabalho do requerente caducou em 13-04-2017.

22 – Os negócios descritos em 3., foram feitos de forma concertada entre o requerente e a requerida para que não “ficassem sem a casa” face à existência de processos executivos em que o requerente era executado.

23 – O requerente receia que as suas roupas e demais pertences que se encontram no prédio identificado em 2., sejam destruídos ou deitados para o lixo.

Factos não provados

- Que o requerente e a requerida tivessem acordado que aquando da venda futura do prédio identificado em 2., dos factos provados, a requerida restituiria o preço da quota-parte do requerido no imóvel.


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Motivação da matéria de facto

Os factos provados resultaram do teor dos documentos juntos aos autos (factos 1 a 6, 17 e 21) do depoimento das testemunhas inquiridas e das declarações do requerente que foram conjugadas com a demais prova produzida (factos 7 a 16, 18 a 20, 22 e 23). As testemunhas F e E são amigos do requerente e depuseram com isenção, relatando, em suma, que o mesmo sempre viveu na casa da Rua ZZ, excepto durante o período em que esteve casado, e disseram desconhecer qualquer acordo com a requerida sobre a propriedade do prédio, sendo a testemunha E quem lhe cedeu um sótão independente da sua casa para morar. A testemunha G é filho do requerente, facto que o não o impediu de depor com isenção e credibilidade, tendo referido, em suma, que a requerida é como se fosse sua avó, que a casa da Rua ZZZ é a casa do seu avô paterno, onde o pai sempre viveu, excepto durante o casamento, e que o pai e a requerida fizeram negócios relativos à casa para a avó “não ir para a rua”. Todas as testemunhas sabem que as fechaduras da casa foram mudadas porque o requerente lhes disse, tendo sido valoradas as declarações do requerente quanto a este aspecto, não só porque é um facto em que teve intervenção pessoal como porque, no conjunto, as suas declarações mereceram credibilidade (o mesmo ocorre quanto aos factos elencados em 18, 19 e 23). Quanto à data e aos motivos da saída do requerente do prédio da Rua ZZZ atendeu-se ao relatado pelo requerente e pelas testemunhas G e E, que referiram a oposição da requerida à presença da namorada do requerente aquando da vinda desta em férias a Portugal e a necessidade de terem de encontrar outro sítio para ficar.

Já o facto não provado resultou da ausência de prova sobre o mesmo.


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IV. Fundamentação de direito

Dispõe o artigo 1277.º do CC que “O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do artigo 336.º, ou recorrer ao tribunal, para que este lhe mantenha ou restitua a posse”, e o artigo 1279.º que “Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.” Este último preceito conexiona-se com o vertido no artigo 377.º do CPC que prevê que o possuidor possa ser restituído provisoriamente à posse no caso de esbulho violento, sendo forçoso para a procedência da providência que alegue e prove os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.

Um dos pressupostos desta medida tutelar é a qualidade de possuidor do requerente, qualidade decorrente do exercício de poderes de facto sobre uma coisa, por forma correspondente ao direito de propriedade ou a qualquer outro direito real de gozo (artigo 1251.º do CC). A tutela é, pois, conferida àquele que exerce poderes de facto sobre coisas corpóreas susceptíveis de constituírem objecto de direitos reais de gozo (direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície e servidão). Tal tutela é também legalmente estendida a outros direitos de raiz obrigacional, como o arrendamento (artigo 1037.º, n.º 2 do CC), o comodato (artigo 1133.º, n.º 2 do CC) e o depósito (artigo 1188.º, n.º 2 do CC), sendo hoje pacífico, na jurisprudência, que também o promitente-comprador com tradição da coisa beneficia da tutela possessória [vd., entre outros, Ac. TRP de 29-01-2009, disponível em www.dgsi.pt].

Atentando nos factos apurados, vemos que o requerente e a requerida são os únicos herdeiros do pai do requerente e que, para fazer face a processos executivos intentados contra o requerente, acordaram na transferência para a requerida da propriedade plena do prédio sito na Rua ZZZ, em Aljustrel.

Não obstante a transmissão da propriedade do prédio, ocorrida em 2010, o requerente manteve o seu centro de vida no prédio em causa: até 2013 trabalhou em Espanha, mas era sempre à residência da Rua ZZZ que retornava quando vinha a Portugal; e, depois, quando regressou definitivamente, foi aí que permaneceu. É aí que guarda os seus pertences e cuida, ainda hoje e todos os dias, dos animais domésticos que possui.

Não foram integralmente apurados os contornos do acordo firmado entre o requerente e a requerida sobre a utilização, pelo requerente, do prédio em causa. Mas mostra-se indiciariamente provado que a requerida concedeu nessa utilização, sem oposição, durante anos. Apenas em Junho/Julho do ano transacto, ante a presença da namorada do requerente, a requerida lhe pediu que saísse e, no final do ano, num processo que culminou com a mudança das fechaduras da casa, a requerida disse-lhe que não queria que ele lá dormisse. Nestes termos afigura-se comprovada, pelo menos, a mera posse ou detenção, fundada em contrato de comodato de parte do prédio identificado, o qual tem por objecto, quanto mais não seja, o quarto de solteiro do requerente e o quintal da casa onde faz criação de galinhas.

Em face da factualidade indiciariamente provada, e atendendo a que a presente providência foi requerida no prazo a que alude o artigo 1282.º do CC, que o requerente se vê impedido de aceder aos seus pertences pessoais (mantendo apenas o acesso ao quintal) e que a mudança das fechaduras de acesso à casa de habitação consubstancia uma situação de violência, no entendimento de que a violência a que se reporta o artigo 377.º do CPC, abarca tanto aquela que se dirige directamente à pessoa do possuidor ou detentor equiparado, como à que é feita através do ataque aos seus bens ou direitos legalmente protegidos [vd., entre outros, Ac. TRL de 20-01-2005, ou Ac. TRG de12-10-2010, disponíveis em www.dgsi.pt], consideram-se verificados todos os requisitos legalmente impostos para o decretamento da providência, reduzida, contudo, à restituição do acesso à casa de habitação porquanto o requerente mantém o acesso ao quintal.

IV. Decisão

Em face do exposto, julgo o presente procedimento cautelar parcialmente procedente, e, em consequência, decreto a restituição provisória da posse ao requerente A do quarto de solteiro de que dispõe no rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua ZZZ, na vila, freguesia e concelho de Aljustrel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aljustrel sob o n.º 0000 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo 000, e do acesso a este edifício, devendo a requerida entregar-lhe a chave da porta de entrada.

Para o cumprimento da providência ora decretada, nomeio o agente de execução, Dr. H, com morada na Rua ZZZ, Beja, indicado pelo requerente, que suportará as despesas e custos inerentes.

Após a investidura na posse, notifique-se a requerida para deduzir oposição, querendo, no prazo de dez dias.

Custas:

Já pagas, por ora, pelo requerente (fls. 5) sem prejuízo da decisão final a proferir após a audição da requerida.


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Registe e notifique – artigo 60.º, n.º 2 da LJP.

Julgado de Paz de Aljustrel (Agrupamento de Concelhos), em 07-03-2018

A Juiz de Paz

Isabel Alves da Silva