Sentença de Julgado de Paz
Processo: 109/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO RESPEITANTE A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL - INDEMNIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS NA SEQUÊNCIA DE ACIDENTE
Data da sentença: 01/23/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 109/2016 -.JP.

RELATÓRIO:

A Demandante: M. da C. R. V. de J., NIF. xxxxxxxx, residente na estrada C. entrada 3, porta n.º 1, Jardim da Serra, no concelho de Câmara de Lobos.

Encontra-se representada por mandatária constituída, com domicílio profissional na rua Dr. J. G. de A., n.º 42, Edif. G., Campanário, no concelho da Ribeira Brava.

Requerimento Inicial: Alega em síntese que, a demandada A. dedica-se à atividade de seguros e a demandada M. à atividade de comércio a retalho em supermercados e hipermercados. Que a demandada M. transferiu a sua responsabilidade civil para a demandada A. A 26/10/2015, a demandante dirigiu-se ao hipermercado do C. no Estreito de Câmara de Lobos, para fazer compras. Após o pagamento das compras, quando se dirigia para o estacionamento, ao descer a rampa de acesso ao estacionamento, escorregou e magoou o joelho esquerdo, tendo sido socorrida pelos colaboradores do supermercado. Alega que o chão estava molhado com água e sabão, na sequência de trabalhos de limpeza a cargo da demandada M. O local não tinha qualquer proteção, nem estava sinalizado que o piso estava escorregadio. Sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais. A demandada não cumpriu com os deveres de segurança e de proteção devidos, tendo omitido as medidas de precaução e prevenção necessárias para evitar o dano. Foi transportada pela ambulância dos Bombeiros de Câmara de Lobos, do local do acidente para o Hospital Nélio Mendonça, onde foi assistida. Em consequência do acidente foi diagnosticado à demandante uma lesão contusão no joelho esquerdo com sinais de inflamação. Foi passada medicação para o ambulatório e considerado grau de incapacidade previsível indeterminado. Permaneceu no hospital entre as 16h52 e as 18h08. No dia seguinte voltou ao serviço de urgência do Hospital devido a muitas dores no joelho esquerdo e mal disposição. Onde permaneceu entre as 15h07 e as 23h12. Apresentou uma carta de médico especialista e um relatório médico. Deslocou-se diversas vezes ao hipermercado para falar com o gerente, que apesar de muita insistência recusou-se a identificar o seguro. O gerente alegou que não era necessário entregar a carta do médico, mas sim facultar posteriormente as faturas à demandada M. para reembolso. Contudo, a demandante é doméstica e não tem meios financeiros para suportar as despesas. De modo, que solicitou ao gerente da demandada M. que o seguro assumisse todas as despesas o quanto antes. A demandante ficou impedida de fazer as tarefas do lar, nomeadamente a limpeza da casa devido a dores insuportáveis no joelho. Face ao incidente, a demandante sofreu prejuízos que peticiona a título de danos patrimoniais na quantia global de 365,79€. No dia 30/10/2015 apresentou reclamação no livro de reclamações da demandada M. Pretende que a demandada M. accione o seguro e aceite a carta elaborada pelo médico a fim de tratar-se sem ter despesas visto que não tem muitas condições económicas para o tratamento de fisioterapia e medicação. No dia 06/11/2015 submeteu a reclamação ao Serviço de Defesa do Consumidor. O Serviço de Defesa do Consumidor tentou resolver extrajudicialmente o conflito, mas sem sucesso porque a demandada recusou a mediação. Pretende uma indemnização por danos não patrimoniais de 2.000€ pela dor física que tem sofrido desde o acidente, angústia, sofrimento moral e físico, perda de saúde e qualidade de vida, stress, transtornos e noites mal dormidas. O incidente abalou a harmonia do lar porque a demandante passou a sofrer de insónias e tem dificuldade em realizar as tarefas do lar, mesmo para as mais pequenas coisas como vestir, com as dores insuportáveis. Conclui pedindo que as demandadas sejam condenadas a: A) Pagar uma indemnização por danos não patrimoniais na quantia de 2.000€; B) Indemnização na quantia global de 365,79€ por danos patrimoniais, conforme reproduzido no art.º 30 do requerimento inicial; C) Acrescida de juros civis desde a citação e até efetivo e integral pagamento. Junta 18 documentos.

MATÉRIA: Ação respeitante a responsabilidade civil extracontratual, enquadrada no art.º 9, n.º 1, alínea H) da L.J.P.
OBJETO: Indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais na sequência de acidente
VALOR DA AÇÃO: 2.365,79€.

DEMANDADAS: A. E. L. – S. em P., NIPC. xxxxxxxxx, com sede na Av. da L., Edifício C. L., n.º 131, 3.º, no concelho de Lisboa; e,
- M. C. H, S.A., NIPC. xxxxxxxxx, com sede na rua J. M., n.º 505, União das Freguesias de São Mamede de Infesta e Senhora da Hora, no concelho de Matosinhos.
A demandada M. representada por mandatário constituído com domicílio profissional na rua do C., n.º 4, 1.º andar, sala 3, no concelho do Funchal.

Contestação da demandada M: Alega em suma que, dedica-se ao comércio a retalho de produtos alimentares e não alimentares, sendo a entidade que na RAM explora os hipermercados de marca “C”. No âmbito da sua atividade, cabe-lhe prover pela segurança da circulação de pessoas e bens no interior do seu estabelecimento, bem como assumir a responsabilidade por acidentes causados por equipamentos cuja propriedade lhe pertença. Para o efeito, tem contratado uma apólice de seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros por sinistros ocorridos, desde que a responsabilidade dos mesmos lhe seja atribuída. No caso em apreço, procedeu à competente participação do sinistro à respetiva companhia de seguros. A eventual responsabilidade à data do sinistro encontra-se transferida para a demandada A. Transferência de responsabilidade civil que determina a ilegitimidade da demandada M. e, consequentemente, a sua absolvição da instância. Entende que não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a imputação de responsabilidade extracontratual à demandada M. Carece de demonstração a ilicitude do facto, a imputação do facto à demandada M. e a existência de um nexo de causalidade entre o suposto facto imputado à demandada M. e o dano verificado. A zona em causa estava assinalada com um cavalete de sinalização de piso escorregadio. Foram por isso tomadas todas as medidas de precaução e segurança que se impunham e eram necessárias para evitar a produção do dano. Pelo que não se pode presumir a culpa da demandada M. e muito menos imputar-lhe qualquer tipo de responsabilidade. Conclui: pela procedência da excepção processual dilatória invocada, por ilegitimidade da demandada M., por se encontrar transferida para a demandada A. a sua eventual responsabilidade em virtude do contrato de seguro válido e eficaz, e consequentemente, seja determinada a sua absolvição da instância; pela improcedência da ação, com absolvição da demandada.

A demandada A. estando regularmente citada, conforme consta do registo a fls. 42, a demandada A. não apresentou contestação, no prazo legal. Posteriormente apresentou um requerimento aderindo ao teor da contestação apresentada pela demandada M., de fls. 132. O qual foi apresentado por mandatário constituído com domicílio profissional no concelho de Lisboa.

Resposta às exceções: Veio a demandante responder à exceção de ilegitimidade arguida pela demandada M. alegando em suma, que na eventualidade de ter sido estabelecida uma franquia no contrato de seguro, essa importância, em caso de sinistro, fica a cargo do M. e que a demandada M. tem interesse direto em contradizer porque tem todo o interesse em evitar que esse prejuízo se repercuta na sua esfera jurídica e tem a ganhar com a contradição dos factos alegados no requerimento inicial. Conclui: pela improcedência da exceção e procedência da ação.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação, por ausência das demandadas.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada, dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º 1 da L.J.P., sem obtenção de consenso entre as partes. Seguiu-se para produção de prova com audição de testemunhas, terminando com alegações finais, conforme ata de fls. 142 a 144.

- FUNDAMENTAÇÃO –
I – FACTOS ASSENTES (Por Acordo):
A) A demandada A dedica-se à atividade de seguros.
B) No âmbito da sua atividade, cabe à demandada M. prover pela segurança da circulação de pessoas e bens no interior do seu estabelecimento, bem como assumir a responsabilidade por acidentes causados por equipamentos cuja propriedade lhe pertença.
C) A demandada M. tem uma apólice de seguro de responsabilidade civil por danos causados a terceiros por sinistros ocorridos, desde que a responsabilidade dos mesmos lhe seja atribuída.
D) No dia 26/10/2015, a demandante foi ao hipermercado da demandada M., no Estreito de Câmara de Lobos fazer compras.

II – DOS FACTOS PROVADOS:
1) A demandada M. dedica-se ao comércio a retalho de produtos alimentares e não alimentares, sendo a entidade que na RAM explora os hipermercados de marca “C”.
2) No dia 26/10/2015, a demandante escorregou no início de uma rampa, a descer, a caminho do estacionamento, no hipermercado da demandada M.
3) A demandante magoou o joelho esquerdo, sendo socorrida pelos colaboradores do supermercado.
4) No dia 26/10/2015, a demandante foi transportada pela ambulância dos Bombeiros de Câmara de Lobos, do local do acidente para o Hospital Dr. Nélio Mendonça, onde foi assistida.
5) Em consequência do acidente foi-lhe diagnosticado uma lesão, contusão no joelho esquerdo com sinais de inflamação.
6) E foi passada medicação para o ambulatório, considerando o grau de incapacidade previsível indeterminado.
7) A demandante esteve no Serviço de Urgência do Hospital, no dia 26/10/2015, entre as 16h52 e as 18h08.
8) No dia 27/10/2015, a demandante voltou ao serviço de urgência do Hospital Dr. Nélio Mendonça onde esteve entre as 15h07 e as 23h12.
9) A demandada M. participou o sinistro à demandada A. a 20/11/2015.
10) A demandante foi assistida por um médico especialista.
11) Posteriormente, foi assistida por médico ortopedista, o qual elaborou um relatório médico, cujo teor se considera reproduzido a fls. 14.
12) A demandante suportou as seguintes despesas: 20,65€ em taxas moderadoras no serviço de urgência do Hospital Dr. Nélio Mendonça; 35,64€ em medicamentos; 220€ em consultas médicas de clínica geral e de ortopedia.
13) No dia 31/10/2015, a demandante apresentou reclamação no Livro de Reclamações da demandada M.
14) No dia 06/11/2015, a demandante apresentou reclamação no Serviço de Defesa do Consumidor.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal sustenta a sua fundamentação na análise de toda a documentação junta pelas partes, conjugada com a prova testemunhal e as regras da experiência comum.

A testemunha, M. L. R. de J. é irmã da demandante, não presenciou a totalidade dos factos. A maioria do seu depoimento foi indireto, pelo que na ausência de qualquer outro depoimento que o possa corroborar não foi valorizado nessas partes. Auxiliou na prova dos factos com os números: 3, 4, 5, 7 e 8.

A testemunha, L S. F. é funcionária da demandada M. Presenciou os factos, limitando-se a esclarecer os procedimentos da demandada M. O seu depoimento foi isento e esclarecedor. Foi relevante na prova dos factos números 1, 2 e 4.

Os factos complementares de prova resultam dos documentos juntos pela demandante, de fls. 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28.

III – DO DIREITO:

O caso dos autos trata-se de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, na sequência de um acidente com danos físicos, sendo a demandante a vítima.

I - DA LEGITIMIDADE DA DEMANDADA M. C. H., S.A.

A demandada M. sustentou a sua ilegitimidade passiva no facto de ter transferido para a Demandada A. a responsabilidade civil por eventuais danos decorrentes da sua atividade no espaço comercial onde ocorreu o acidente.

A legitimidade é uma questão de direito material, um pressuposto processual (geral) cuja falta configura uma exceção dilatória (art.º 577, alínea e) do C.C.) que, nos termos dos artigos 576, n.º 2 e 278, todos do C.P.C., acarreta a absolvição da instância.

A demandada é parte legítima quanto tem interesse direto em contradizer (art.º 30, n.º 1 do C.P.C.). O interesse em contradizer exprime-se pelo prejuízo que da procedência da ação advenha, nos termos do art.º 30, n.º 2 do C.P.C., sendo que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo demandante (art.º 30, n.º 3 do C.P.C.).

A demandada A., em sede de requerimento, confirma o contrato de seguro.

A demandada M. contestou impugnando, pelo que se considera parte legítima, tendo interesse direto em contradizer os factos que lhe são imputados como decorre do art.º 30, n.º 1 do C.P.C. Logo, é parte legítima na ação.

Improcede, pelo exposto, a exceção de ilegitimidade passiva suscitada pela demandada M.

Vejamos, agora, se as Demandadas estão, ou não, obrigadas a indemnizar a demandante dos danos por esta alegadamente sofridos o que passa por saber se estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

II – DOS FACTOS E DO ENQUADRAMENTO DE DIREITO:

O caso dos autos prende-se com o dever de tomar as medidas de precaução e vigilância das pessoas, deveres de proteção das pessoas que fazem parte do conteúdo das normas da atividade da segurança dos estabelecimentos abertos ao público, em que os utilizadores circulam, livremente, pelo seu interior, em visita ou à procura dos produtos expostos em que, eventualmente estejam interessados e a obrigação de indemnizar quando se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil, caso haja violação desses deveres por ação ou omissão.

São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual nos termos do art.º 483 do C.C. o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Quer dizer que, para que as demandadas pudessem ser responsabilizadas pelos danos reclamados pela demandante, seria necessário que às demandadas pudesse ser imputada a prática (ou omissão) de um ato violador de direitos de terceiros; que o ato tivesse sido praticado com culpa; que o terceiro tivesse sofrido danos e que, entre o ato e os danos, existisse uma relação de causa-efeito (art.º 483 do C.C.).

Porém, como abaixo se explicita, não ficou provada a prática pelas demandadas – seja por ação seja por omissão - de qualquer ato ilícito e culposo.

Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, nos termos do art.º 342, n.º 1 do C.C.

O ato ilícito e lesivo imputado à demandada M. é a falta de sinalização adequada de piso escorregadio.

Dos factos dados como provados não resultou provado que o piso estava molhado ou escorregadio aquando da queda da demandante, como também não resultou provado se havia ou não sinalização de piso escorregadio.

Não se provou que o chão estava molhado ou tão só húmido.

Tudo ponderado e recorrendo, ainda, ao critério do homem médio, ficou o tribunal convicto de que o pavimento, com as caraterísticas que apresenta e atenta a configuração do espaço onde se localiza, é perfeitamente seguro para qualquer transeunte que usasse de normal cuidado e atenção ao local onde estava a circular. A demandante escorregou, mas o motivo não ficou devidamente provado. Prova que competia à demandante fazer nos termos do art.º 342, n.º 1 do C.C.

Posto isto, não se pode concluir que a demandada Modelo tenha omitido quaisquer medidas de precaução e segurança que se impusessem e necessárias para evitar a produção do dano nem que tenha omitido qualquer dever de vigilância, ou outro, necessário a impedir a produção do acidente dos autos (art.º 493, nº 1 do C.C.).

Não estando desde logo verificado o primeiro pressuposto da responsabilidade civil e tratando-se, como supra se afirma, de pressupostos cumulativos fica prejudicada, por inútil, a apreciação dos demais, incluindo a produção dos alegados danos em relação à demandada Modelo.

Em relação à demandada A. tendo em consideração que o seu chamamento à ação deriva do contrato de seguro (acordo através do qual o segurador assume a cobertura de determinados riscos, comprometendo-se a satisfazer as indemnizações ou a pagar o capital seguro em caso de ocorrência de sinistro, nos termos acordados) existente com a outra demandada, e não ficando provada a responsabilidade da demandada M., vai a mesma absolvida do pedido.

DECISÃO:

Nos termos expostos, julga-se a ação improcedente, por não provada, absolvendo-se as demandadas do pedido.

CUSTAS:

São da responsabilidade da demandante, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena de lhe ser aplicada a sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), pelo atraso no cumprimento desta obrigação legal, e eventual execução, nos termos dos art. 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28/12 com a redação dada pela Portaria n.º 209/2005, de 24/02.

Em relação à demandada M. cumpra-se o disposto no art.º 9 da referida Portaria.

Notificada nos termos do art.º 60, n.º 2 da L.J.P.


Funchal, 23 de janeiro de 2017

A Juíza de Paz

(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º 5 C.P.C)


(Margarida Simplício