Sentença de Julgado de Paz
Processo: 28/2017-JP
Relator: JOSÉ JOÃO BRUM
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM A RESTITUIÇÃO DA QUANTIA
Data da sentença: 07/27/2017
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE PAIVA
Decisão Texto Integral:

SENTENÇA
(arts. 26.º, n.º 1 e 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13/07 – LJP, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07)

Processo n.º 28/2017 – JP Vila Nova de Paiva

Identificação das partes
Demandante: A, -----, portadora do Cartão de Cidadão n.º -------, válido até ------, com o NIF n.º ------, residente na Rua do ----------------- Vila Nova de Paiva.

Demandada: B, SA, Sociedade Anónima, com sede na Rua --------- São João de Lourosa, -------- Viseu, representada pelo seu sócio-gerente, C, ----------, com o NIF n.º ---------, com domicílio profissional na morada da sede atrás indicada, acompanhado pelo Dr. D, advogado, portador da cédula profissional n.º ---------, com escritório na ---------------- Viseu, munido de Procuração com Poderes Especiais a fls. 36 dos autos.

OBJETO DA Ação
A Demandante veio intentar a presente ação ao abrigo do art. 9º, n.º 1 al. h) da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07, fundamentada em responsabilidade contratual e extracontratual contra a Demandada pedindo:
a) Resolução do contrato de compra e venda com a restituição da quantia de €1 000,00 (mil euros) paga.
b) Condenação da Demandada no pagamento de uma indemnização de €500,00 (quinhentos euros) a título de dano de privação de uso de veículo, no período 16/02/17 e 13/03/17, e de €200,00 (duzentos euros) a título de danos não patrimoniais.
Peticionou, ainda, a condenação da Demandada no pagamento de juros de mora desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, ter celebrado em 14/02/17 um contrato de compra e venda verbal para aquisição do veículo ligeiro, usado para uso do seu filho, com a matrícula GM da marca volkswagen, modelo Polo 1.4 pelo valor de €1 000,00 (mil euros).

Relata a Demandante que no dia da compra, no regresso a casa, o tejadilho da viatura abriu-se e, no dia seguinte, no tablier da viatura a luz do óleo acendeu-se, bem como detetou que o motor fazia um ruído estranho.
A Demandante, por indicação da Demandada, levou o veículo a uma oficina onde foi verificado, pelo mecânico da sua confiança, que a viatura precisava de um motor novo.
A Demandada entendeu proceder a uma reparação tendo entregue o veículo volvidas duas semanas, mais precisamente no dia 13/03/17. Sucede que, no entender da Demandante, as anomalias detetadas não foram solucionadas.
A Demandante enviou carta com Aviso de Receção concedendo um prazo de 8 dias para que fosse solucionada a situação.
Valor da ação: € 1 562,14 (mil quinhentos e sessenta e dois euros e catorze cêntimos).
Juntou: cinco (5) documentos a fls. 7 a 11 dos autos

A Demandada, regularmente citada, apresentou Contestação que se encontra junta a fls. 27 e segs. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Admitiu, por acordo nos termos e para os efeitos do art. 574º, n.º 2 do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06, aplicável por remissão do art.º 63º da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redação da Lei n.º 54/2013 de 31/07, o alegado nos artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 14º do Requerimento Inicial.
Impugnou, por se tratarem de factos pessoais ou de que a Demandada deva ter conhecimento, o alegado nos artigos 9º, 23º, 31º, 34º, 35º, 36º do Requerimento Inicial, o artigo 22º por ser falso, a restante matéria por conclusiva e não corresponder à verdade também foi impugnada.
A Demandada alega que procedeu às reparações necessárias ao bom funcionamento do veículo solicitadas pela Demandante, mais concretamente, a substituição da bomba de óleo, filtro de óleo, óleo, distribuídor de velas e o quadrante com um custo de €170,93 (cento e setenta euros e noventa e três cêntimos), conforme documentos juntos a fls. 34 e 35 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
A Demandada relata que um amigo da Demandante após ter sido efetuada a substituição do distribuidor das velas e após experimentar o veículo procedeu ao levantamento da viatura afirmando: “realmente o carro não tem nada está tudo ok”.
Foi, no entanto, posteriormente, em 15/03/17 enviada carta pela Demandante pretendendo a resolução do negócio.
A Demandada confrontada com tal pretensão solicitou que a viatura fosse colocada nas suas instalações o que não aconteceu.
Nestes termos a Demandada conclui que o pedido de resolução do contrato é manifestamente abusivo e infundado por não existir qualquer defeito ou deficiência da viatura pugnando desta forma pela improcedência da ação.
Juntou: Procuração Forense a fls. 36 e dois (2) documentos a fls. 34 e 35 dos autos.

Foi realizada uma Sessão de Julgamento. Produzida a prova e dada a palavra para alegações às partes profere-se a seguinte sentença na presente data agendada para o efeito.

O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

FUNDAMENTAÇÃO
Os Factos

Factos provados:

Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes factos
alegados pela Demandante no seu Requerimento Inicial:

1- A Demandada é uma sociedade comercial que tem como objeto a compra e venda de veículos automóveis;

2- No âmbito da sua atividade, celebrou com a Demandante, no dia 14.02.2017, um contrato de compra e venda verbal de um veículo automóvel usado de marca Volkswagen, modelo Polo 1.4, para uso do seu filho, com a matrícula GM;

3- Por esse contrato, a Demandada obrigou-se a vender à Demandante e esta obrigou-se a comprar;

4- Foi estipulado o preço de € 1 000,00 (mil euros), conforme fatura-recibo n.º55-20/2017, emitida em 14.02.2017;

5- O pagamento foi efetuado no momento em numerário;

6- A Demandante levou o veículo e pouco tempo depois contatou a Demandada reclamando problemas ao nível do tejadilho;

7- A Demandada de imediato se prontificou a examinar e reparar eventuais desconformidades;

8- No dia 17/03/17 a Demandante reclamou anomalias relacionadas com problemas de ruído do motor e com a luz do óleo;

9- O veículo foi levado, por acordo entre as Partes, a uma oficina cujo mecânico era da confiança da Demandante para que fosse verificado o estado da viatura;

10- A viatura foi encontrada com alguns componentes desmontados, nomeadamente o cárter e a bomba de óleo, tendo o mecânico de nome Adérito Martins indicado a necessidade da substituição do motor;

11- A Demandada, pretendendo solucionar os problemas da viatura, procedeu à substituição da bomba de óleo, filtro de óleo, óleo, distribuidor das velas e o quadrante;

12- A viatura, após a reparação, foi levantada por um amigo da Demandante.

Factos não provados:

O veículo adquirido pela Demandante necessita de um motor novo.

A viatura em causa nos presentes autos padece de defeitos ou anomalias.

Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa.

Motivação

Para a convicção do Tribunal, quanto aos factos assentes, contribuíram o Requerimento Inicial a fls. 1 a 6, a Contestação a fls. 26 a 33, os documentos juntos a fls. 7 a 11 pela Demandante e a fls. 34 e 35 pela Demandada, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, as Declarações de Parte da Demandante, bem como os depoimentos das testemunhas, E apresentada pela Demandante e F e G apresentadas pela Demandada.

O DIREITO
Em função da prova produzida verifica-se que as partes celebraram um contrato de compra e venda, no qual a Demandada se obrigou a entregar à Demandante um veículo da marca Volkswagen, modelo Polo, 1.4 com a matrícula GM, pelo valor de €1 000,00 (mil euros).
Este contrato encontra-se previsto no art. 879º do C. C., definido como, “aquele pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa mediante a entrega de um preço”.

Este é um contrato bilateral, pois resultam obrigações para ambos os contraentes, são elas: a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço.
No caso concreto dos autos, estabeleceu-se uma relação que podemos enquadrar no âmbito da Lei n.º 24/96 de 31/07, vulgarmente chamada de “Lei de Defesa dos Consumidores”.
Esta estabelece, no seu artigo 2º, a definição de consumidor estabelecendo: “será consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
Observada a definição constata-se, efetivamente, que a Demandante tem de ser considerada consumidora e como tal goza da protecção estabelecida no artigo 3º da supra- citada lei, tendo assim direito à qualidade dos bens que lhe é vendido.

Acrescenta o artigo 4º: “o entendimento legal quanto ao significado de qualidade, assim terá qualidade um bem quando for apto a satisfazer os fins a que se destina e produzir os efeitos que se lhe atribuem”.
No caso dos autos é questão controvertida.

Vejamos. Resultou provado que a Demandante e Demandada celebraram, no dia 14.02.2017, um contrato de compra e venda verbal de um veículo automóvel usado, de marca Volkswagen, modelo Polo 1.4, para uso do seu filho, com a matrícula GM tendo sido estipulado o preço de € 1 000,00 (mil euros), conforme fatura-recibo n.º 55-20/2017, emitida em 14.02.2017, junta aos autos a fls. 8 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

A Demandante, pouco tempo depois de levantar o veículo, contatou a Demandada reclamando problemas ao nível do tejadilho.

A Demandada de imediato se prontificou a examinar e reparar eventuais desconformidades tendo sido resolvido o defeito.

A Demandante, no dia 17/03/17, reclamou novas anomalias desta feita relacionadas com problemas de ruído do motor e com a luz do óleo que não apagava.

Neste contexto, o veículo foi levado, por acordo entre as Partes, a uma oficina cujo mecânico era da confiança da Demandante para que fosse verificado o estado da viatura.

A Demandante alega que o motor necessita de ser substituído pretendendo a resolução do contrato com a consequente restituição da quantia de €1 000,00 (mil euros) por ela paga.

Sucede que a Demandada procedeu a diversas reparações na sequência das reclamações apresentadas pela Demandante, mais concretamente, substituição da bomba de óleo, filtro de óleo, óleo, distribuidor das velas e o quadrante conforme resultou dos documentos juntos a fls. 34 e 35 dos autos e do depoimento sério, isento e credível da testemunha, G, apresentada pela Demandada que procedeu a esta reparação Esta testemunha relatou que após substituir a bomba de óleo, válvula de pressão, filtro de óleo e mudado o óleo constatou que a luz no tablier relativa à indicação do estado do óleo se mantinha a piscar tendo então substituído o quadrante debelando o último problema que a viatura apresentava, tendo a mesma sido levantada por um amigo da Demandante que a experimentou tendo, inclusivamente, dito que o carro estava óptimo e não tinha barulho nenhum, conforme depoimento da testemunha, F, assistente da Demandada que assistiu à entrega do veículo.

No caso concreto, face às reparações realizadas pela Demandada repondo a conformidade do bem e o levantamento da viatura por intermédio de um amigo da Demandante não se afigura sustentável a posição da Demandante porquanto o mecânico, H, responsável pelo diagnóstico da alegada avaria do motor não foi apresentado pela Demandante como testemunha, nem tão pouco foi junto aos autos qualquer relatório que confirmasse qualquer outra anomalia.

À Demandante competia a prova dos factos constitutivos do seu direito, competia-lhe provar que o motor da viatura padecia de algum defeito o que manifestamente não conseguiu.

Relativamente ao dano de privação do uso de veículo resultou provado que a viatura esteve parada para reparação

Em primeiro lugar, há que assinalar que a privação do uso e fruição do veículo constitui uma restrição do direito de propriedade e como tal capaz de configurar um dano autónomo.

A doutrina, também, se tem debruçado sobre a matéria. A este propósito, cite-se Abrantes Geraldes que na sua obra Temas de Responsabilidade Civil, I vol., Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2ª Edição, refere que o simples uso constitui uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano que deve ser indemnizado como contrapartida da perda de capacidade de utilização normal durante o período de privação.

Neste contexto, veio a Demandante peticionar uma indemnização de €500,00 (quinhentos euros) correspondentes a um período de 60 (sessenta) dias de paralisação da viatura.

Para aferir-se do quantum indemnizatório a fixar há que atender às concretas despesas feitas pelo lesado em consequência da privação de uso, como é o caso do aluguer de outro veículo, o que não sucedeu por falta de junção de documento que o demonstrasse. Há, ainda, outra situação a analisar. Aquela quando não se apura danos mas o lesado utilizava o veículo nas suas deslocações habituais tendo ficado impedido de realizá-las. Neste cenário faz-se apelo à equidade. No entanto como resulta da factualidade alegada, o veículo em causa destinava-se a ser utilizado pelo filho da Demandante e quanto à privação desse uso nada foi alegado tendo-se apurado em Sede de Audiência que a Demandante possuía outro veículo, pelo que improcede também este pedido.
Por último, a Demandante peticiona o valor de €200,00 (duzentos euros) a título de danos morais. A Jurisprudência indica que a apreciação de danos desta natureza tem de assentar na respetiva gravidade, sendo que para serem merecedores de tutela do direito os danos devem ser de tal modo graves que justifiquem a concessão de indemnização pecuniária ao lesado. A este propósito citamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no Processo n.º 1721/08.5TBAVR.C1 datado de 28/05/13,passível de consulta no site: www.dgsi.pt: “Os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser selecionados com extremo rigor, devendo apenas atender-se aos que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”.
Da situação não se afere qualquer incómodo ou sofrimento merecedor de tutela, porquanto o veículo encontra-se reparado.

DECISÃO

Face a quanto antecede, julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada e, em consequência, vai a Demandada absolvida dos pedidos contra ela formulados.

Custas: A cargo da Demandante. A Demandante deverá efetuar o pagamento das custas decorrentes da sua responsabilidade no valor de €35,00 (trinta e cinco euros), atento o pagamento da taxa de justiça inicial no valor de €35,00 (trinta e cinco euros) já efetuado com a entrada do Requerimento Inicial, no prazo de três dias úteis a contar do conhecimento desta decisão, sob pena de, não o fazendo, incorrer no pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação ao abrigo dos n.º 8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, o n.º 10 na redação da Portaria n.º 209/2005 de 24/02.
Proceda-se ao reembolso da Demandada.

Registe e notifique. Após o trânsito arquivem-se os presentes autos.

Vila Nova de Paiva, Julgado de Paz, 27 de julho de 2017.


Processado por meios informáticos e revisto pelo signatário. Verso em branco. (art. 131.º, n.º 5 do CPC, na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06)


O Juiz de Paz,


_________________________
(José João Brum)