Sentença de Julgado de Paz
Processo: 57/2017-JPLNH
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: DIREITO DO CONSUMO.
DEFEITO.
ABUSO DE DIREITO DO CONSUMIDOR
Data da sentença: 02/23/2018
Julgado de Paz de : OESTE-LOURINHÃ
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO
Identificação das partes

Demandantes: A, NIF n.º 000, e mulher B, portadora no NIF n.º 000, ambos residentes na X, Sobreda.
Demandada: C, NUIPC n.º 000 com sede no X, Lourinhã.

OBJECTO DO LITIGIO:
Os Demandantes propuseram a presente ação declarativa, pedindo a condenação da Demandada à substituição do pavimento flutuante por aquela comercializado bem como a sua aplicação sem qualquer ónus ou encargos para estes e entrega do imóvel em perfeito estado, despesas de acondicionamento do recheio da casa e alojamento durante o tempo em que as obras decorrerem e limpeza do apartamento.
Para tanto, alegaram os factos constantes do requerimento inicial de fls. 5 a 16 , cujo teor se dá por reproduzido e juntaram 7 documentos.
Citada nos termos do nº 1 e 5 do art.º 229º CPC, a demandada apresentou a sua contestação, impugnando os factos alegados pelos demandantes, alegando em suma que inexistiu qualquer relação comercial entre as partes, sendo a demandada alheia ao contrato de compra e venda, fornecimento e aplicação do material. Mais alega que o material aplicado no imóvel dos demandantes não apresentava qualquer defeito e que o comportamento material apresentou se deve a problemas graves de humidade daquela habitação. Mais requereu a condenação dos demandantes por litigância de má-fé, cuja resposta consta dos autos a fls 140 a 145., requerendo o seu contrário, o que mereceu a resposta de fls.150 a 152 por parte da demandada.
Realizada sessão de mediação em 30 de Agosto de 2017, as partes não lograram chegar a acordo, pelo que foi agendada audiência de discussão e julgamento para o dia 5 de Dezembro de 2017, tendo sido suspensa para continuar no dia 9 de janeiro de 2018, cumprindo-se todas as formalidades legais conforme das respectivas actas se alcança.
Notificadas as partes, na audiência de julgamento, para juntar documentos vieram estas dar cumprimento ao solicitado como consta de fls.177 a 226 e 229 a 231.

Saneamento
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em 4.000,00€ – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C.
Quanto á alegada inexistência de relação comercial entre as partes, conducente a eventual ilegitimidade, diga-se que o DL n° 67/2003, de 8 de Abril (que transpôs a Directiva nº 1999/44/CEE), veio consagrar, pela primeira vez, medidas jurídicas relativas às garantias voluntariamente assumidas pelo vendedor, fabricante ou por qualquer intermediário (art. 9º), bem como a responsabilidade directa do produtor perante o consumidor, pela reparação ou substituição da coisa defeituosa (art. 6º), facultando ao consumidor, sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, a chamada “ acção directa” contra o produtor ou seu representante, a fim de reclamar a reparação ou substituição da coisa defeituosa. Nesse sentido vem o acórdão do STJ de 08/11/2001 ao afirmar que “não estamos perante um qualquer contrato de direito civil ou comercial, mas tipicamente no âmbito do direito do consumo, em que a obrigação de indemnizar, se existir, tem fonte extracontratual e pode ser objetivamente imputável ao produtor”.
Ora sendo a Demandada representante/importadora do fabricante do pavimento, dúvidas não restam de que tem legitimidade para ser parte na presente acção, improcedendo a alegação vertida na contestação.
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A questão a decidir por este tribunal circunscreve-se á responsabilidade objectiva do produtor ou seu representante, na relação com o consumidor final e á ressarcibilidade dos danos alegados.
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FUNDAMENTAÇÃO de Facto
Com relevância para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1 – Os demandantes procederam a obras de remodelação na sua residência, sita na X, Sobreda, Almada;
2 – A demandada é uma sociedade comercial que se dedica ao desenvolvimento para a produção de fabricação de pavimentos e revestimentos, de folheados, contraplacados, lamelados e outros painéis, bem como, o comércio, representação, distribuição, importação e exportação de materiais, bens e equipamentos industriais e para a construção.
3 – Os demandantes adquiriam a D, revendedor autorizado da demandada, um pavimento flutuante da marca X, pelo valor de €11,35 m2.
4- Tendo o custo de 1.682,54€ - que incluía aplicação - que foi pago parcialmente pelo empreiteiro H, por força de crédito a favor dos demandantes, resultante do contrato de empreitada que celebraram;
5 – Foi contratada a empresa D para aplicar o material adquirido, o que fez em Dezembro de 2015.
6 - Em Julho de 2016, o pavimento apresentava folgas ou aberturas entre tábuas.
7 – Os demandantes contactaram a empresa D reclamando o defeito, no mês de Julho de 2016, em data não concretamente apurada.
8 – O D1 deslocou-se a casa dos demandantes e procedeu a ajustamentos com a ferramenta “Bulldog”.
9 - Em 1 de Agosto de 2016, o Sr. E, gestor comercial da demandada, visitou o apartamento dos demandantes a pedido de D1, tendo constatado folgas nas juntas das tábuas do pavimento e procedido a novas rectificações com a ferramenta “Bulldog”.
10 – Em Setembro de 2016, voltou a ser feita verificação por D1 desta vez acompanhado por E e o F (ambos em representação de C), que alertados pelos demandantes para algumas tábuas com folgas, foram retiradas amostras e enviadas para a fábrica que havia produzido o pavimento.
11 – Em 17 de Outubro de 2016, em reunião havida entre demandantes e demandada, foram aqueles informados que esta estaria disposta a substituir o material pelas seguintes alternativas, em face de o produto aplicado ter sido descontinuado na cor Faia:
a)- X em 10 cores alternativas com as dimensões de 1200x190x7mm, com classificação de desgaste da classe 32 A/C4 e garantia de 15 anos
b) X no acabamento Faia – com as dimensões 1249x134x8mm, com classificação de desgaste da classe 32 A/C4 e garantia de 20 anos
c)X no acabamento Faia- com as dimensões 1380x156x8mm, com classificação de desgaste da classe 32 A/C4 e garantia de 25 anos.
12 – As alternativas a) e b), são produtos equivalentes ao adquirido e aplicado e a alternativa c), é de qualidade e preço superior (cerca de 25€/m2).
13 – Pelo que, foi proposto pela demandada que os demandantes suportasse a diferença de custo entre materiais.
14– A demandada atenta ao facto de que a exacta cor inicialmente escolhida pelos demandantes tinha sido descontinuada pelo fabricante, estava na disposição de substituir o pavimento com defeito X, pelo pavimento X a suas exclusivas expensas.
15– A proposta descrita em 11, 12 e 13 apresentada pela demandada foi rejeitada pelos demandantes. Cfr. Doc fls. 80 e 81
16– Em 14 de Dezembro de 2016 foi apresentado, pela empresa G, relatório de vistoria ao imóvel com vista a apurar defeitos construtivos.
17 – Do referido relatório, consta que “No dia 28-11-2016, executámos uma segunda visita para avaliação e vistoria dos trabalhos executados sobre as anomalias detectadas no decorrer da primeira visita ao imóvel (dia 29-09-2015). Vistoriamos que todo o pavimento de madeira tinha sido substituído, constatamos que o mesmo revestimento está com defeito (X). Os elementos de madeira estão avalizados nas juntas entre os topos e encaixes laterais, ganhou folgas, juntas abertas.”;
Factos não provados:
1- Após submeter as amostras do material á fábrica, a C recebeu informação de que o material apresentava juntas no limite de tolerância.
2- Os defeitos verificados no pavimento resultam de infiltrações na habitação dos demandantes.

MOTIVAÇÃO:
Os factos considerados provados sob os n.º 1,3 e 11 resultam por acordo entre as partes, por não terem sido impugnados.
Quanto aos factos sob os n.ºs 2,4,14 a 16 foram considerados provados atentos os documentos juntos aos autos pelas partes e por consulta da certidão permanente da demandada.
Os restantes factos consideram-se provados em face do teor dos depoimentos das testemunhas conjugados com a restante prova produzida e atentas as declarações das partes. Assim,
1 – D1, gerente da empresa D, revendedora autorizada da demandada, confirma que o pavimento em causa nos autos foi adquirido á sua empresa, confirmando o teor dos documentos 1 e 2 juntos com o requerimento inicial por si produzidos. Esclareceu que foi o empreiteiro H quem procedeu ao pagamento, motivo pelo qual a factura/recibo foi emitida em seu nome, uma vez que “tinha havido problemas com o pavimento que exisita anteriormente na habitação” e que os demandantes pagariam o restante material necessário à aplicação do pavimento adquirido.
Refere que em meados de Dezembro de 2015 efectuou a aplicação do pavimento no apartamento dos demandantes e que após 5 meses dessa aplicação, foi contactado pelo demandante a reportar problemas, motivo pelo qual se deslocou ao apartamento em três ocasiões, uma delas em companhia do Sr. E. Quando se deslocou com o Sr. E intervieram com uma “Bulldog” para fechar as juntas, mas cerca de três meses o pavimento voltou a abrir, altura em que foram tiradas duas réguas e enviadas à fábrica para análise.
Aquando da aplicação, não se detetava humidade e o pavimento estava seco. Na aplicação do piso, não foram detetadas falhas ou folgas e declarou que trabalha na área desde 1997 e que foi o seu primeiro caso com folgas em apartamentos. Explicou que o material trabalha por baixo do rodapé e deixa-se folga com cerca de 1 cm. Refere ter cumprido as regras de colocação do fabricante.
Esclareceu que foi chamado, pela primeira vez, ao apartamento dos demandados, em abril/maio, não se lembra ao certo, e havia dois ou três pontos – na sala, no quarto da filha -, sendo que o demandante teve de lhe mostrar exatamente onde eram. Os tipos de folga, nomeadamente nos topos, estavam relacionados com variações de temperatura.
A demandada resolveu substituir o pavimento porque aquele havia sido descontinuado. Informou os clientes da situação, mas como aqueles pretendiam a mesma cor, uma vez que a habitação estava toda em faia, procurou-se várias soluções, em reuniões, na loja, sendo que a última solução encontrada pelos clientes foi com uma diferença de preço de 700,00€.
Declarou ainda que não teve acesso a qualquer relatório da fábrica, sendo a primeira vez que lhe ocorreu uma situação desta natureza
A gama X é de categoria idêntica à X, em faia.
O X existe em faia, mas a dimensão é diferente, com cerca de 2 cm de diferença.
2 - I, técnico fiscal de obras da empresa X, co-responsável pelo relatório junto aos autos a fls19 a 77.

Pese embora não tenha sido o autor do relatório, acompanhou a obra posteriormente e confirma o seu teor, explicando, no que ao pavimento diz respeito, que o afastamento entre as peças se dá com mais calor e que naquele caso concreto na casa dos demandantes, a dilatação está “fora do normal”.

No entanto, refere não ter apurado a responsabilidade da anomalia.

Confirmou os defeitos reportados na pág. 8. do relatório e na sua opinião trata-se de defeito de fabrico, pois não é um comportamento normal do chão.

A última vez que viu o pavimento, que foi há cerca de 1 mês, mantinham-se os defeitos, ou seja, as folgas no chão não estavam dentro dos parâmetros de fabrico, tinham mais de 1 cm, em vários locais a olho nú, não sendo preciso andar à procura dos locais, nomeadamente na sala e quarto.
3 - J, Eng .º Civil e Director comercial da demandada prestou depoimento referindo que se deslocou ao apartamento dos demandantes em Agosto de 2016, fruto de uma reclamação ao Sr. D1 e devido às suas habilitações serem na área da Engenharia Civil.
Aparentemente o pavimento não tinha defeitos, tendo sido alertado posteriormente para alguns detalhes pelo demandante. Resolveram deixar passar algum tempo, por não ter achado alarmante. Não teve a perceção imediata das folgas, tendo-as visto com dificuldade, tratando-se de coisas muito ténues no corredor. Acabaram por retirar uma ou duas peças, em Setembro, e enviar para a fábrica, que não confirmou defeito. Quando as peças foram retiradas não estava presente.
Declarou que o edifício não era novo e que tinha sido sujeito a obras de remodelação, não tendo tido acesso às condições onde o pavimento foi instalado.
A demandada predispôs-se a substituir o piso porque o Sr. D1 é um bom cliente e por tratar-se de quererem manter uma boa relação comercial.
A alternativa apresentada aos clientes era similar, uma vez que o X em faia havia descontinuado. As outras referências X não foram aceites pelos clientes. A gama X (faia) é equivalente, embora ligeiramente mais cara, e a gama X (faia) é o dobro, tendo de pagar os clientes a diferença. Estas duas últimas soluções têm dimensões similares. Mas não chegaram a entendimento. Não tem conhecimento de mais casos de desconformidades, sendo usual é em rodapés, fruto de humidades.
Relativamente à resposta da fábrica no que respeita não estava certo se foi por email ou contacto telefónico.
4 - E, gestor comercial da demandada, declarou que a análise que fez da situação foi que” não se tratava de uma reclamação evidente, para ser realizada à fabrica” e utilizou o Bulldog, aguardando três meses. Não visualizou nada de especial, apenas ligeiras e pequenas alterações, mas que não lhe pareciam ser resultantes de defeito de material.
No final de setembro, houve uma nova reclamação, e regressou ao local com o Eng.º J e recolheram duas réguas, o que deu origem a um processo de reclamação interna.
Na primeira intervenção, realizada em Agosto, algumas situações ficaram resolvidas, outras não. Afirmou só ter estado no apartamento em agosto e ter sido contactado pelo Sr. D1.
Não detetou nada à vista, tendo que lhe ser indicado.
Refere que a demandada se disponibilizou a dar uma solução, procurando resolver o assunto através de uma atitude comercial da segunda vez que foram chamados. Nesta ocasião pediu o apoio ao Eng.º J e retiraram as tábuas para tentar perceber ser era humidade excessiva ou excesso de calor, mas não houve reconhecimento de defeito pela fábrica.
Não conseguiu fechar todas as juntas com o uso do bulldog e não pode afirmar que as tábuas estavam dentro dos parâmetros admissíveis devido aos movimentos de contração e dilatação.
Transmitiu o resultado da fábrica aos Sr. D1 e ainda que o material colocado estava descontinuado.
Os demandantes recusaram a gama X porque não havia em faia, a gama X não faz ideia porque recusaram, apesar da dimensão ser diferente. X e X são da mesma fábrica.
Seria possível reparar apenas as zonas que tinham as falhas nas juntas caso houvesse material igual disponível.

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Quanto á matéria considerada não provada, o facto n.º 1 resulta da falta de apresentação de documento pela demandada e o facto n.º 2 resulta da conjugação do teor do documento n.º 3 junto com o requerimento inicial conjugado com as declarações da testemunha identificada em 1.
De facto, pese embora a existência de problemas construtivos no apartamento dos demandantes, certo é que a demandada não logrou estabelecer conexão entre as mesmas e o defeito que o pavimento apresentou, sendo certo que quem aplicou o pavimento em Dezembro de 2015 referiu, sem dúvidas, que não existiam vestígios de humidades ou infiltrações e que cumpriu as regras de aplicação.

O DIREITO
A relação material controvertida circunscreve-se á responsabilidade do produtor ou seu representante por defeito ou desconformidade do bem adquirido pelo consumidor.
Sobre a natureza jurídica da responsabilidade do produtor com pessoas que com ele não contratam directamente, debatem-se na doutrina duas teses: por um lado, a tese contratualista, através das figuras do contrato com protecção acessória de terceiros, contrato de garantia, liquidação do dano de terceiro, da acção directa; por outro, a tese extracontratual, segundo a qual a responsabilidade civil do produtor é uma responsabilidade aquiliana objectiva.
Foi esta última teoria que veio a ser consagrada no DL nº 383/89 de 6/11, que determina que que o produtor é responsável, independente de culpa, pelos danos causados pelos defeitos dos produtos que põe em circulação (cf. CALVÃO DA SILVA, Da Responsabilidade Civil do Produtor, pág.352, e Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág.177 e segs., MOTA PINTO, C.J. ano X, tomo III, pág.19 e segs., PEDRO MARTINEZ, Direito das Obrigações, pág.148, SANTOS JÚNIOR, Da Responsabilidade Civil de Terceiro Por Lesão do Direito de Crédito, pág.172 ).
Trata-se, em bom rigor, de uma objetividade relativa e não absoluta, face às causas de exclusão e de redução da responsabilidade (arts.5º e 7º), que visam alcançar uma justa repartição dos riscos do lesado e produtor, cabendo a este ilidir qualquer das presunções legais estabelecidas.
Como se disse, mais tarde o legislador ao transpor a Directiva nº 1999/44/CEE (DL n° 67/2003, de 8 de Abril), veio consagrar a responsabilidade directa do produtor perante o consumidor, pela reparação ou substituição da coisa defeituosa (art.6º), visando “estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor pelos defeitos de segurança, já hoje prevista no DL nº383/89 de 6 de Novembro “. (vide preambulo do referido diploma legal).
O referido art.º 6 do citado diploma faculta ao consumidor, sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, a chamada “acção directa” contra o produtor ou seu representante, a fim de reclamar a reparação ou substituição da coisa defeituosa.
Assim, no quadro legislativo vigente, a responsabilidade civil do produtor perante terceiros assume uma dupla natureza, conforme os respectivos pressupostos: por um lado, a natureza de responsabilidade delitual objectiva, por outro, a natureza de responsabilidade contratual (acção directa).
No caso presente, pela matéria que resulta provada entendemos tratar-se do segundo caso, ou seja, não está em causa a segurança do produto adquirido pelos demandantes e danos dele resultantes, mas sim um defeito ou vicio do bem adquirido.
Sendo certo que, a o art. 3º dispõe que “as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos (…) presumem-se existentes já nessa data” (leia-se da sua entrega). Tal presunção não foi ilidida pela demandada, pois na realidade não juntou, apesar de instada a tal oficiosamente, o relatório da fábrica para onde foram remetidas amostras do material aplicado no apartamento para sua análise. De facto, o depoimento das testemunhas no que diz respeito a tal facto afigurou-se pouco convincente no que toca á eventual resposta da fábrica.
Por outro lado, todas as testemunhas, em maior ou menor medida, foram unânimes em referir que existiam folgas nas juntas das tábuas do pavimento, (fora do normal comportamento do material) o que terá justificado, aliás a sua referida remessa para análise do fabricante.
Por outro lado, não logrou a demandada provar que os defeitos verificados tenham resultado de factores exógenos do pavimento – infiltrações no edifício. Entende-se não ter sido estabelecido tal nexo causal.
E ainda, terá de relevar o facto de a demandada ter proposto aos demandantes a substituição do pavimento, como “aceitação tácita” de que existia um problema com aquele material. (ainda que alegue tê-lo feito por cortesia comercial, não nos podemos esquecer que a demandada é uma sociedade comercial que tem como escopo o lucro).
Por tudo quanto foi exposto, havemos de considerar que existia, um defeito no material aplicado, sendo que o mesmo deverá ser reparado ou substituído.
Afigurando-se que não é possível proceder á reparação do pavimento com substituição das tábuas das zonas onde ocorre o defeito, (porquanto resulta provado que o mesmo material já não é produzido pelo fabricante), haveria este de ser substituído na sua totalidade, sendo essa a opção dos demandantes.
A substituição do pavimento deverá obedecer a critérios de razoabilidade, proporcionalidade e boa-fé. Não pode o consumidor - sob pena de actuar com abuso de direito, - exigir que seja aplicado material com valor ou qualidade muito superior daquele que adquiriu. A substituição do bem haverá se ser feita por produto igual - e sem defeito - ou seu equivalente, caso não se afigure possível. (art.º 6º n. 1 in fine)
In casu, como já expendido, resulta provado que o produto X foi “descontinuado”, pelo que haveria a demandada que fornecer produto de idênticas características (qualidade, cor e preço) aplicado segundo as regras do fabricante.
No entanto, os demandantes pedem a condenação da demandada á “substituição de todo o pavimento de madeira com marca X, em faia” (vide art. 49º do requerimento inicial) e terminam o seu articulado peticionando a substituição do pavimento, “pelo chão escolhido pelos AA.”(sublinhado nosso)
Ora, tendo os demandantes adquirido um determinado pavimento (que escolheram) não podem pretender a sua substituição por um produto de qualidade e preço muito superiores ao material que apresentou defeito.
O princípio da proporcionalidade implica uma justa medida, isto é, a escolha das soluções de que decorram menos graves, sacrifícios ou perturbações para a posição jurídica dos interessados, acabando por funcionar como factor de equilíbrio, de garantia e de controle dos meios e medidas adoptadas.
A conclusão sobre a desproporção “resulta da prevalência da lei pela reparação natural ( artº 4º do DL 67/2003 de 08.04. e arts. 562º e 566 do CC) e da perspectivação primacial do direito do lesado à reposição ante factum lesivo -, postulando uma interpretação restritiva do conceito exigente de um sacrifício exorbitante ou desmesurado para o empreiteiro. “ in Ac.Tribunal da Relação de Coimbra de 10.3.2015 in www. dgsi.pt.
Segundo o Art.º 334.º CC “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Temos então que o exercício de um direito nunca é totalmente livre, pois estará sempre condicionado pela boa-fé, bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito.
Julgamos que aquilo que aqui importa esclarecer é que o consumidor pode de facto optar livremente por qualquer uma das soluções que a lei lhe concede, junto do vendedor ou produtor, nomeadamente a substituição do bem defeituoso. O que não pode é exercer esse direito de forma considerada abusiva, porquanto desproporcionada ao seu efectivo prejuízo, como ocorre in casu. De salientar que resultou provada a existência de produto equivalente ao pavimento em causa, que a demandada disponibilizou.
Como sabemos, o nosso direito adjectivo civil determina que o Tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que for pedido – art. 609º CPC, sob pena de o aresto a proferir ficar afectado de nulidade, quer no caso de o Juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda quando condene em quantidade superior ou em objecto diferente do pedido (artº. 615.º nº. 1, d) e e) do CPC).
Ora, não resulta dos autos, um pedido alternativo, ou seja, que os demandantes pretendam a substituição do pavimento, senão por aquele que concretamente escolheram, motivo pelo qual não pode o tribunal determinar, - pese embora o expendido e verificação da existência do defeito, - que o mesmo seja substituído por material equivalente. Não se concebe, na verdade, que, não haja correspondência entre o conteúdo da decisão e a vontade expressa pela parte no pedido formulado.
Motivo pelo qual a acção haverá de improceder e sendo os restantes pedidos o desenvolvimento do primeiro, ficam assim prejudicados.


Da litigância de má-fé
Dispõe o art.º 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, litiga de má-fé quem, “com dolo ou negligência grave: a)Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; e c) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Na litigância de má-fé, é necessário que se deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento as partes não ignoram, se tenha conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais, ou que se tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal ou de entorpecer a ação da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.” entre muitos outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-09-2013.
Em face da prova produzida, não se vislumbram razões para a condenação de qualquer das partes como litigantes de má-fé com os fundamentos deduzidos.
De facto, não se provou o nexo de causalidade entre quaisquer defeitos construtivos do edifício e os defeitos que o pavimento apresentou, por um lado e por outro, a falta de apresentação, pela demandada, de documento da fábrica relevou para efeitos probatórios.
O dolo ou negligencia das partes, para efeitos da aplicação deste instituto terá de se afigurar “grave” e deve ser aplicado em casos em que essa gravidade é relevante e influi na decisão da causa. Não sendo o caso dos autos, absolvem-se ambas as partes dos pedidos formulados entre si.

DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis,
julga-se a presente ação totalmente improcedente, absolvendo-se a demandada do pedido.
Mais se absolvem as partes dos pedidos e condenação por litigância de má-fé.
Custas:
A cargo dos Demandantes, que se declaram parte vencida, nos termos e para os efeitos dos nº. 8º da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12 devendo ser pagas, no Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (nº 10 da Port. n.º 1456/2001, de 28-12; o n.º 10 com a redação dada pelo art.º único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).

Em relação à Demandada, cumpra-se o disposto no n.º 9 da mesma portaria, com restituição da quantia de € 35,00, referente à taxa de justiça paga.

Registe e notifique

Julgado de Paz do Oeste, 23 de Fevereiro de 2018
A Juíza de Paz,
(Cristina Eusébio)