Sentença de Julgado de Paz
Processo: 390/2020-JPSTB
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO DO IMÓVEL
Data da sentença: 05/14/2021
Julgado de Paz de : PALMELA/SETÚBAL
Decisão Texto Integral:
Sentença
Parte Demandante:
1) A, portador do cartão de cidadão n.º -------, contribuinte fiscal número ------------, residente na Rua ------------------ Mem Martins. ---
2) B, portadora do cartão de cidadão n.º , ------ contribuinte fiscal número ----------, residente na Rua -------------------- Mem Martins. ---
3) C, portador do cartão de cidadão n.º --------, contribuinte fiscal número ----------, residente na Rua -------------------- Mem Martins. ---

Parte Demandada:---
D, portador do cartão de cidadão n.º --------, contribuinte fiscal n.º --------, residente na Rua --------------------------------- Alhos Vedros.---
Mandatário: Dr. E , com escritório na Rua ------------------ Amora.---
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Matéria: ações que respeitem a responsabilidade civil contratual e extracontratual, al. h), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, doravante designada por Lei dos Julgados de Paz.------------------------------------
Objeto do litígio: pagamento de indemnização. ---------------------------
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Os Demandantes instauraram a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 4 a 8, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação do Demandado a pagar-lhes a quantia global de €9.640,00 (nove mil seiscentos e quarenta euros), a título de danos patrimoniais, bem como, os juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento. ------------------------------------------------------------------------
Para tanto alegaram, em síntese que, na sequência da partilha do acervo hereditário do falecido pai de ambas as partes, os Demandantes e o irmão “F, não interveniente na presente ação e na proporção de ¼ para cada um” adquiriram a fração autónoma destinada a habitação e serviços, que faz parte integrante do prédio urbano sito na Rua G Palmela, descrito na conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º ----- .---------------------------------
Até ao dia 21-10-2017, o Demandado estabeleceu residência na parte habitacional do referido imóvel.----------------------------------------
Por carta datada de 14-06-2016, os Demandantes exigiram ao Demandado a entrega do imóvel devoluto, mas o mesmo continuou a habitar no local contra a manifesta vontade dos Demandantes.----
Os Demandantes instauraram ação executiva em 13-10.2017, para entrega de coisa certa, tendo o Demandado entregue o imóvel em 23-10-2017.------------------------------------------------------------------------
Os Demandantes ficaram privados do gozo do imóvel durante o referido período de tempo, o que corresponde a um prejuízo estimado em €600,00 por mês, com o correspondente enriquecimento do Demandado.----------------------------------------------
Concluíram pela procedência da ação, e juntaram documentos de fls. 9 a 25; e 62 a 83.-------------------------------------------------------------
Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação de fls. 31 a 42, que aqui se declara integralmente reproduzida, defendendo-se por exceção e por impugnação.--------------------------
O Demandado excecionou deduzindo ilegitimidade ativa dos Demandantes nos termos constantes dos artigos 5.º a 19.º, da contestação, e ainda, exceção de prescrição nos termos dos artigos 20.º a 25.º, da douta contestação. ---------------------------------
O Demandado suscitou exceção de ilegitimidade ativa, alegando, em suma, que os Demandados não são os únicos proprietários do imóvel pelo que não poderiam reclamar para si a totalidade do valor indemnizatório peticionado, mas apenas a parte correspondente à soma das respetivas quotas-partes no imóvel.---------------------------
Por outro lado, o Demandado deduziu exceção perentória de prescrição (cf. art.º 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), alegando, sucintamente, que tendo a ação por fundamento a responsabilidade extracontratual e, subsidiariamente, o instituto do enriquecimento sem causa, por privação do uso do imóvel correspondente a 16 meses e 2 dias, à razão de 600,00 por mês, “o prazo de prescrição deverá ser considerado em relação a cada um dos meses em questão” (sic).------------------------------------------
Por impugnação, o Demandado alegou, em síntese, que residiu no imóvel até ao dia 23-10-2017, mas que o fez durante 30 anos, na companhia da sua mãe e sendo essa a vontade do falecido pai, pelo que se sentia autorizado para o efeito.--------------------------------
Para além disso, os Demandantes não pagaram o direito de tornas que eram devidas ao Demandado como contrapartida da adjudicação do imóvel em partilha.-------------------------------------------
Os Demandantes conformaram-se durante largo período de tempo com o facto de o Demandado e a sua mãe habitarem no imóvel, pelo que, a presente ação representa abuso de direito.-----------------
Mais, alegou o Demandado que não se encontra demonstrado nos autos que tivesse havido alguém interessado em arrendar o imóvel pelo valor de €600,00, por mês.-----------------------------------------------
Concluiu pela procedência das exceções e pela improcedência da ação, juntou documentos e procuração forense de fls. 43 a 45.-------
A parte Demandante manifestou-se no sentido de rejeitar a mediação. -------------------------------------------------------------------------
Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, doravante designada abreviadamente por Lei dos Julgados de Paz). -------------
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei dos Julgados de Paz), a sentença inclui uma sucinta fundamentação. -----------------------------
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Cumpre ter presente que, em processo de Julgado de Paz não há lugar a despacho saneador, pelo que, em princípio, o conhecimento e decisão sobre a matéria de exceções fica relegado para sede de sentença.---------------------------------------------------------------------------
Assim importa apreciar, desde já, a legitimidade das partes, cf. art.º 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que constitui um pressuposto processual de verificação oficiosa, da qual depende o conhecimento do mérito da causa, e afere-se pelo interesse direto dos Demandantes em demandar e pelo interesse direto do Demandado em contradizer. --------------------------------------------------
Efetivamente, a ilegitimidade é uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância, nos termos das disposições conjugadas do art.º 576.º, n.º1 e nº 2; art.º 577.º, alínea e); art.º 578.º; e art.º n.º 278.º, alínea d); todos do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 63.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei 54/2013, de 31 de julho (Lei dos Julgados de Paz). ----------------------------------------------------
O artigo 30.º, nº 1, do Código de Processo Civil, consagra uma noção funcional de legitimidade, dispondo que “O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.”-----------------
Decorre do citado normativo que, a legitimidade é concretizada pelo posicionamento das partes relativamente à substância do pedido formulado, e à factualidade que serve de base à causa de pedir, ou seja, a relação existente entre o sujeito e o objeto do processo. -----
Estabelece o n.º 3, do referido artigo 30.º, do Código de Processo Civil que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, tal como a mesma é configurada pelos Demandantes. -------------------------------
Assim, as partes legítimas na ação correspondem aos sujeitos da relação jurídica em crise, tendo esta a amplitude que os Demandantes lhe imprimem no seu requerimento inicial. --------------
Ou seja, a ilegitimidade de qualquer das partes apenas ocorrerá quando em juízo não se encontrar o titular da alegada relação material controvertida, ou, quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação.----------------------------------------------------
Resulta da matéria alegada que, os Demandantes assentam a sua pretensão na alegada privação do uso do imóvel identificado na ação, o que, no seu entendimento, causou a lesão do seu direito de propriedade sobre a coisa, e a produção dos danos nos termos constantes no requerimento inicial. ------------------------------------------
Todavia, são os próprios Demandantes a alegar que não são os únicos proprietários do imóvel, admitindo que a ação foi instaurada com a falta de um dos quatro proprietários, e irmão de ambas as partes, na sequência da partilha do acervo hereditário do falecido pai.-----------------------------------------------------------------------------------
De fls. 62 a 64 verso, encontra-se junto aos autos a certidão predial do imóvel, pela qual se constata que a propriedade sobre o mesmo está registada a favor dos Demandantes e de F, derivando a sujeição do imóvel ao regime da compropriedade, regulado nos artigos 1403.º a 1413.º, do Código Civil.-------------------------------------
Ora, o n.º 1, do art.º 1405.º, do Código Civil, determina que “Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular (…)”.-----------------------------------
Efetivamente, na ação não está em causa a reivindicação do imóvel, mas sim a indemnização por danos, o que afeta por igual o direito de compropriedade titulado pelos quatro aquirentes da coisa, em virtude da referida via sucessória.---------------------------------------
Tendo em conta que, pela letra da lei resulta claro que é necessária a intervenção de todos os comproprietários para exercer o direito que cabe ao titular singular, tem aplicação o disposto no art.º 33.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, que determina a existência de ilegitimidade pela falta de qualquer interveniente exigido pela lei ou negócio.--------------
Deste modo, verifica-se que a presente ação foi instaurada com preterição de litisconsórcio necessário ativo, e consequentemente, deve ser declarada a absolvição do Demandado da instância. -------
Pelo que, muito embora por fundamentos diversos dos indicados na douta contestação, tendo em conta que a ilegitimidade configura uma exceção do conhecimento oficioso, deve a mesma ser declarada nos termos e para os efeitos previstos, designadamente, no art.º 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz.----------------------------------
A procedência da exceção de ilegitimidade obsta ao conhecimento do mérito da causa, e prejudica a decisão sobre a exceção perentória de prescrição, bem como, toda a restante matéria alegada pelas partes, nomeadamente, o abuso de direito pelos Demandantes, cf., art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.---
A declaração de ilegitimidade e a absolvição do Demandado da instância, não impede que, nos termos do art.º 39.º, da Lei dos Julgados de Paz, a instância seja renovada no prazo de 10 dias, mediante regularização do litisconsórcio necessário.-------------------
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DECISÃO
Atribuo à causa o valor de €9640,00 (nove mil seiscentos e quarenta euros), por corresponder à quantia em dinheiro que os Demandantes pretendiam obter no momento da propositura da ação, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. --
Pelo exposto, sem prejuízo do disposto no art.º 39.º, da Lei dos Julgados de Paz, e com os fundamentos acima invocados, julgo procedente a exceção de ilegitimidade ativa, por preterição do litisconsórcio necessário e consequentemente, absolvo o Demandado da instância. -------------------------------------
Custas:
As custas nos Julgados de Paz estão atualmente regulamentadas pela Portaria n.º 342/2019, de 01/10. ----------------------------------------
Nos termos da primeira parte, da al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da referida Portaria, por não ter havido acordo em sede de Mediação, a taxa de justiça da presente ação corresponde ao montante de €70,00 (setenta euros).---------------------------------------------------------
Para efeito de apuramento da responsabilidade tributária do processo, declaro os Demandantes parte vencida, nos termos previstos na al. b) do n.º 2, do art.º 2.º, da citada Portaria. -------------
Deste modo, os Demandantes deverão proceder à regularização das custas do processo, mediante liquidação do respetivo Documento Único de Cobrança (DUC), emitido pela secretaria do Julgado de Paz, no montante de €70,00 (setenta euros), a efetuar no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação da presente decisão, sob cominação do pagamento de uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação, até ao montante máximo de €140,00 (cento e quarenta euros), cf., n.º 4.º, do art.º 3.º, da citada Portaria 342/2019, de 01/10. --------------------------------------------------
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Extraia o DUC, respeitante à responsabilidade tributária do processo, e notifique aos Demandantes, juntamente com a cópia da presente decisão, para liquidação das custas. -----------------------
Na notificação advirta os responsáveis pelo pagamento das custas nos termos da Deliberação n.º 33/2020, do Conselho dos Julgados de Paz, salientando desde já que, o prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente decisão (três dias úteis), pelo que, o prazo indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) corresponde ao prazo de validade desse documento, o qual permite a respetiva liquidação, mesmo após o decurso do referido prazo legal.-----------------------------------------------
Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta os responsáveis do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis.--------------------------------------------------------------------------
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Verificando-se a falta de pagamento das custas acrescidas da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). ---------------------
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Atendendo à atual situação de saúde pública, decido não reabrir a audiência de julgamento para prolação de sentença, nos termos do art.º 57.º, n.º 1, da Lei dos Julgados de Paz, e determino a notificação a mesma às partes e Ilustres Mandatários constituídos nos autos. -------------------------------------------------------------------------
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Registe e notifique às partes com informação expressa que, o Julgado de Paz está disponível para prestar esclarecimentos sobre o teor da presente sentença. --------------------------------------------------
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Julgado de Paz de Palmela, em 14 de maio de 2021
O Juiz de Paz

Carlos Ferreira
(Em substituição)