Sentença de Julgado de Paz
Processo: 47/2017-JP
Relator: ISABEL ALVES DA SILVA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL; INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Data da sentença: 11/10/2017
Julgado de Paz de : ALJUSTREL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Demandante: A, residente em … Alemanha, aqui representada pelo seu procurador B, residente em … Aljustrel
Mandatário da demandante: C
Demandada: D, residente na Rua … Aljustrel
Mandatário da demandada: E
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I. Relatório

A demandante intentou a presente acção pedindo a condenação da demandada no pagamento de 450€. Fundamenta o seu pedido, em síntese, na circunstância de ter acordado com a demandada celebrar um contrato de arrendamento e, para sinalizar e garantir a fiel execução do contrato, a demandada entregou-lhe um cheque pós-datado no valor de 450€; subsequentemente, a demandada desistiu do negócio e, ao proceder ao depósito do cheque, o mesmo foi devolvido por ter sido revogado.

A demandada foi regularmente citada e não contestou. Realizou-se uma sessão de pré-mediação, não tendo as partes acordado prosseguir para a mediação.

A demandante juntou 5 documentos com o requerimento inicial, os quais não foram impugnados. Realizou-se a audiência de julgamento conforme a respectiva acta, na qual foi o procurador da demandante declarado parte ilegítima para consigo prosseguir a acção, foram ouvidas as partes e inquirida uma testemunha, apresentada pela demandada. Os mandatários, em sede de alegações orais, defenderam, em suma, a aplicação do regime previsto no artigo 442.º do Código Civil (a demandante) e a nulidade do contrato (a demandada).


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II. Fundamentação da matéria de facto

Factos provados

Com relevância para o conhecimento do mérito da causa, estão provados os seguintes factos:

1 – A demandante A e os filhos são proprietários do prédio urbano, destinado a habitação, sito na … Aljustrel, enquanto herdeiros de F.

2 – No início de Maio de 2017, B, procurador da demandante, acordou com a demandada D, em nome daquela, o arrendamento do prédio referido em 1, para habitação da demandada.

3 – B e a demandada acordaram no pagamento de uma renda mensal de 450€, com início em Junho de 2017.

4 – A pedido da demandada, porque pretendia utilizar as suas próprias mobílias, B começou a desmobilar o prédio referido em 1.

5 – Ainda no início de Maio, face à existência de outra pessoa interessada em arrendar o prédio, B solicitou à demandada a entrega de 450€, a título de sinal, o que esta fez, entregando-lhe um cheque desse valor, datado de 01-06-2017, que serviria de pagamento do 1.º mês.

6 – Ainda no início de Maio, a demandada comunicou a B que não iria “ficar com a casa” por ter terminado o relacionamento com o companheiro e pediu a devolução do cheque, o que aquele negou.

7 – O contrato de arrendamento não chegou a ser celebrado por escrito.

8 – Em 10-05-2017 e em 06-06-2017 o cheque entregue pela demandada foi devolvido depois de depositado, sendo indicado como motivo de devolução: cheque revogado por justa causa – falta ou vício.


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Motivação dos factos provados

Os factos provados resultaram quer do teor dos documentos juntos aos autos quer das declarações das partes e do depoimento da testemunha inquirida. O procurador da demandante, B, descreveu de modo que mereceu credibilidade as circunstâncias que rodearam o acordo firmado com a demandada e a desistência desta em prosseguir com o negócio, circunstâncias estas que foram corroboradas pela testemunha G, apresentada pela demandada e seu ex-companheiro, que acompanhou a demandada quando esta foi visitar o prédio da demandante e negociou com B.

Factos não provados e respectiva motivação

Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.


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III. Fundamentação de direito

Da matéria dada como provada resulta que a demandante (através do seu procurador), como senhoria, e a demandada, como inquilina, acordaram na celebração de um contrato de arrendamento, para habitação desta última (artigos 1022.º, 1064.º e 1067.º, todos do Código Civil – CC).

Tal contrato não chegou a ser reduzido a escrito conforme prescrito no artigo 1069.º do CC. Nesta conformidade – e na senda da tese defendida pela demandada nas suas alegações – existiria nulidade do contrato com a consequente não produção de efeitos ab initio e com o restabelecimento da situação em que as partes se encontravam antes do negócio, implicando a restituição das prestações feitas e, nessa medida, a demandada nada teria a pagar à demandante. Esta, por seu turno, pugna pela aplicação do regime previsto no artigo 442.º do CC, defendendo que foi feita uma reserva com vista ao arrendamento, que foi prestado sinal e que este não deve ser restituído.

Não obstante estas posições, entendemos que a factualidade provada aponta antes para a responsabilidade pré-contratual prevista no artigo 227.º do CC, nos termos do qual «Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte», instituto que visa tutelar a confiança no âmbito do tráfego negocial.

Efectivamente, no caso dos autos, não só houve um acordo quanto à celebração do contrato de arrendamento, firmado entre o procurador da demandante e a demandada, como o mesmo foi reforçado poucos dias após ter sido “apalavrado”, mediante a entrega, pela demandada, de um cheque pós-datado no valor da renda mensal, a título de sinal e garantia da conclusão do contrato, face à existência de outra pessoa interessada no arrendamento. Tal entrega consolidou a confiança de que o negócio seria concluído, o que só não ocorreu por desistência da demandada.

Neste âmbito, a ruptura negocial que é susceptível de fundar a obrigação de indemnização é aquela que seja injustificável. Conforme se pode ler no Acórdão da Relação de Lisboa de 23-03-2004, processo n.º 514/2004-1, em que é relator André dos Santos, disponível em www.dgsi.pt, “existe ilicitude, quando deliberadamente se crie na contraparte a convicção de que irá haver contratação e, sem justificação, se promova a ruptura.” No caso, a motivação apresentada pela demandada para a não celebração do contrato foi o fim do seu relacionamento, sendo certo que não foi sequer alegado ou se provou que seria essencial para a celebração do contrato de arrendamento, do ponto de vista da demandada, a existência desse relacionamento.

No que diz respeito aos danos indemnizáveis, a jurisprudência tem entendido que a indemnização abrange o interesse contratual negativo, “podendo, em casos limites e de acordo com as circunstâncias concretas do caso, incluir o interesse contratual positivo, se já existia um acordo global e faltava apenas a formalização do negócio” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2012, proferido no âmbito do processo n.º 2625/09.0TVLSB.L1.S1, em que é relator Bettencourt de Faria, disponível em www.dgsi.pt). No mesmo sentido, se a culpa “estiver na violação de um dever de conclusão de um contrato, é de indemnizar o interesse positivo, ou seja, o interesse do cumprimento” (vd. Ac. Relação de Lisboa, já citado).

De todo o exposto, a conduta da demandada ao desistir do contrato nos termos em que o fez, tendo contribuído reforçadamente para a confiança investida pela demandante na conclusão do contrato de arrendamento, mas desistindo injustificadamente do mesmo e solicitando a devolução do cheque entregue e, posteriormente, procedendo à sua revogação, é de molde a justificar a tutela da confiança na celebração do negócio ao abrigo do artigo 227.º do Código Civil nos termos acima explanados. E, neste sentido, havendo violação do dever de conclusão do contrato de arrendamento, deve a demandada indemnizar o interesse contratual positivo, ou seja, o interesse do cumprimento que, neste caso, corresponde ao montante dos 450€ sinalizados.

IV. Decisão

Nestes termos, julgo a presente acção procedente e, em consequência, condeno a demandada D a pagar à demandante A o montante de 450€ (quatrocentos e cinquenta euros).

Custas:

Pela demandada, que se declara parte vencida, no montante de 70€, a pagar neste julgado de paz, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10,00€, por cada dia de atraso (artigos 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada pela Portaria n.º 209/2005, de 24 de Fevereiro, e n.º 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil).

Reembolse-se a demandante no valor de 35€ (artigo 9.º da mesma Portaria).


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Registe e notifique – artigo 60.º, n.º 2 da LJP.


Julgado de Paz de Aljustrel (Agrupamento de Concelhos), em 10-11-2017

A Juiz de Paz

Isabel Alves da Silva