Sentença de Julgado de Paz
Processo: 49/2018-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: USUCAPIÃO- AUTONOMIZAÇÃO DE PARCELA
Data da sentença: 05/15/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:

II ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Aos quinze dias do mês de maio de dois mil e dezoito, pelas 16:15 horas, realizou-se no Julgado de Paz de Carregal do Sal, a continuação da Audiência de Julgamento do Processo n.º 49/2018 - JPCSal, em que são partes:
Demandantes: -A; B; C, casado no regime da comunhão de adquiridos com D, todos na qualidade de herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de E.
Demandados: F e G, casados entre si no regime da comunhão de adquiridos;
Realizada a chamada verificou-se que apenas se encontrava presente a Ilustre Solicitadora do demandante A, Dr.ª H com Procuração a fls. 64 dos Auto.
O Julgamento foi presidido pela Ex.ma Senhora Juíza de Paz, Dra. Elisa Flores.
Aberta a audiência a Srª Juíza de Paz proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante e entregou cópia à Ilustre Solicitadora presente que se comprometeu a notificar o seu constituinte.
Nada mais havendo a salientar a Sra. Juíza de Paz deu como encerrada a Audiência.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
A Juíza de Paz, Elisa Flores
O Técnico de Apoio Administrativo, Miguel Alberto Baptista Mendes
SENTENÇA
Demandantes: A, B; e C, casado com D, na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de E;
Demandados: F, G, casados entre si.
RELATÓRIO
Os demandantes propuseram contra os demandados, todos acima identificados, a presente ação declarativa para autonomização de parcela com base na usucapião, que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que se declare que o prédio rústico identificado no artigo 3.º da petição inicial, prédio mãe, tem na realidade menos área do que a que consta da Matriz; Que a parcela dos demandantes se autonomizou por via da usucapião, atenta a demarcação de facto alegada; Se reconheça os demandantes como donos e legítimos proprietários do prédio melhor identificado na alínea a) do art.º 5.º da petição inicial e que consta delimitado a vermelho no Levantamento Topográfico junto, que efetivamente possuem, em comum e sem determinação de parte ou direito; Se condene os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo; E em consequência, se corrija a área do prédio originário, subtraindo a do prédio agora autonomizado e se ordene a atribuição de artigo matricial e registo deste a seu favor, cessando a sua compropriedade na restante área do prédio.
Para o efeito, juntaram seis documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados, regular e pessoalmente citados, não apresentaram contestação mas compareceram na Audiência de Julgamento onde só os demandantes apresentaram prova testemunhal.
Valor da ação: Fixo em € 550,14 (quinhentos e cinquenta euros e catorze cêntimos).

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Encontra-se inscrito na Matriz predial sob o artigo 3455.º, em nome da herança de E e do demandado, e descrito na Conservatória do Registo Predial de I sob o n.º 1429/19941117 em nome do primeiro demandante e do demandado, na proporção de ½ para cada um, um prédio rústico sito ao Outeiro do Sacho, freguesia de J, com a área de 18 278 m2, composto de terra de cultura, vinha, 50 oliveiras, 6 fruteiras e 1 castanheiro e a confrontar a Norte e a Poente com Caminho, a Sul com L e a Nascente com M e outro;
2.º- A titularidade deste prédio adveio à posse do primeiro demandante e esposa E, já falecida, por partilha da herança de seu pai, N, realizada em 15 de março de 1990, no Cartório Notarial de I, na proporção de ½, sendo que a outra parte coube a seu irmão, aqui demandado;
3.º- À data o primeiro demandante e a falecida esposa, bem como os demandados já eram casados entre si, os primeiros no regime de comunhão geral de bens e os segundos no regime de comunhão de adquiridos;
4.º- No ano de 1994, o demandante e a esposa e os demandados procederam à divisão do referido prédio em duas parcelas completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas por um caminho fazendeiro, construído por ambos e que serviu de linha divisória entre as duas parcelas, tendo sido por ambos utilizado, e posteriormente a ter uso apenas pelos demandados, a cuja parcela pertence e que nele colocaram um portão.
Assim:
a) A parcela delimitada a vermelho no levantamento topográfico a fls. 31, composta por terra de cultura, vinha, oliveiras, fruteiras e castanheiros, com a área de 9.960 m2, a confrontar atualmente a Norte com Caminho; a Sul com F; a Nascente com M e outro; e a Poente com caminho, que ficou a pertencer ao primeiro demandante e falecida esposa;
b) A parcela delimitada a verde no levantamento topográfico, a fls. 31, composta por terra de cultura, vinha, oliveiras, fruteiras e castanheiros, com a área de 6.665 m2, a confrontar atualmente a Norte com herdeiros de E; a Sul com L; a Nascente com M e outro e a Poente com caminho, que ficou a pertencer aos demandados;
5.º- Tendo daí resultado dois prédios autónomos e independentes um do outro, conforme configuração constante no referido Levantamento topográfico;
6.º- A partir da demarcação de facto, quer o primeiro demandante e a sua esposa, até à data do seu falecimento, e posteriormente os seus herdeiros, quer os demandados, passaram a usar e fruir cada parcela individualizada, autónoma e distinta, como coisa sua, e exclusiva;
7.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
8.º- Por forma visível e permanente;
9.º- Por si ou interposta pessoa, cuidando das videiras, colhendo as uvas, apanhando a azeitona, semeando batatas, milho, limpando o terreno de ervas e plantas que por ali crescem;
10.º- Retirando dali todas as utilidades em proveito próprio;
11.º- Melhorando-a e benfeitorizando-a;
12.º- Na convicção de que, com sua posse, não lesavam direitos de outrem;
13.º- O que sempre fizeram e fazem à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma singular, contínua e ininterrupta, pública e de boa-fé;
14.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos aqui demandados;
15.º- E sempre na convicção de que a mesma lhes pertencia, como bem próprio, e separada da outra parcela que compõe o “prédio mãe”;
16.º- Em 22/04/2016 faleceu a esposa do primeiro demandante, E, em primeiras núpcias de ambos, sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido aquele e os seus dois filhos B e C, aqui também demandantes, o primeiro já divorciado e o segundo já casado com a demandante D, no regime de comunhão de adquiridos, conforme Escritura de Habilitação de Herdeiros junta aos autos.
17.º- O “prédio mãe”, a que se refere o n.º 1 supra, tem, ao contrário do inscrito na matriz, a área real de 16.625m2 e não 18.278 m2, conforme Levantamento topográfico a fls. 31 dos autos;
18.º- A redução de área resultou do facto de terem cedido terreno à Autarquia para alargamento da via pública.

Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente ao Levantamento Topográfico, às declarações das partes e ao depoimento das testemunhas que os demandantes apresentaram: O e P. O primeiro, com 70 anos de idade, que mora perto do prédio e que “quase sempre esteve por ali”; E a segunda, com 71 anos, prima afastada do primeiro demandante e do demandado, vizinha das terras e criada com eles e que, quando solteira, trabalhou no prédio dos autos, ainda para os pais daqueles.
Revelaram conhecer o prédio desde muito jovens, as parcelas de cada um e os atos de posse, com exclusividade, e em nome próprio, pacífica e publicamente.
Ambas depuseram com isenção e conhecimento direto dos factos, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civil.

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelos demandantes por falta de mobilidade probatória.

FUNDAMENTAÇÃO De direito:
Os demandantes visam com a presente ação retificar a área do prédio descrito no ponto 1.º supra e adquirir por usucapião uma parcela deste prédio, identificada a vermelho no Levantamento Topográfico e descrita no ponto 4.º, a) da factualidade assente, por dele se ter autonomizado.
Resulta, efetivamente, da matéria de facto dada como provada que o prédio originário, “prédio mãe”, na realidade, e atualmente, não tem a área inscrita na Matriz Predial, mas a área de 16.625m2.
E a função do instituto da usucapião é não só atribuir o direito de propriedade ao possuidor, mas também consolidar, afirmar e determinar com rigor os limites materiais do objeto sobre o qual se praticam os atos materiais, reveladores do direito real de gozo em causa (cf. artigo 1251º do C. Civil).
Apurado ficou também que pelo menos desde 1994 este imóvel se encontra dividido, informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, passando o primeiro demandante e a falecida esposa, e após o falecimento os seus herdeiros, a explorar exclusivamente a sua parcela, com a configuração que hoje tem.
Apurado ficou também que aqueles, bem como os demandados têm exercido a posse, por inversão do título de comproprietário para proprietário exclusivo, desde o ano de 1994 até ao presente. Posse que é titulada, por escritura de partilhas, mas que não reflete a realidade jurídica possessória, que existe há muitos anos. O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1316º, 1287º, 1297º, 1258º a 1262º, 1265º e 1300º, todos do C. Civil); E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal superior à legalmente exigida.
O artigo 7º do Código de Registo Predial estabelece que o registo definitivo faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas esta presunção legal no que à titularidade em regime de compropriedade respeita, foi aqui elidida mediante prova em contrário pelos demandantes (cf. artigo 350º, nº 2 do C. Civil) e não oposição dos outros comproprietários registados.
O artigo 1268º do C. Civil estabelece também uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela. Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche também estes requisitos.
E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados, resulta do exposto que os demandantes reúnem os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela.
Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretendem os demandantes com a presente ação. Assim sendo, o exercício efetivo e com caráter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do prédio pelos demandantes, como titulares de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhes o direito de adquirir esse mesmo direito, embora sem determinação de parte ou direito, por via da usucapião, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos.
Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor dos demandantes.

decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, sito ao Outeiro do Sacho, freguesia de J, concelho de I, inscrito na Matriz predial rústica sob o artigo 3455.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de I sob o n.º 1429/19941117, tem na realidade, e atualmente, no seu todo, a área total de 16.625m2;
b) Declaro que pertence exclusivamente a A, B, e C, em comum e sem determinação de parte ou direito, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário a que se refere a alínea anterior [a)], o seguinte prédio rústico situado ao Outeiro do Sacho, freguesia de J, concelho de I, identificado a vermelho no Levantamento Topográfico junto aos autos a fls. 31:
- Terra de cultura, vinha, oliveiras, fruteiras e castanheiros, com a área de 9 960 m2, a confrontar atualmente a Norte com Caminho; a Sul com F; a Nascente com M e outro; e a Poente com caminho, o qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do “prédio mãe”, e do qual se destacou;
c) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio referido na alínea antecedente [b)] como autónomo e distinto do prédio rústico a que se refere a alínea [a)] da presente decisão, “prédio mãe”, assim como o direito de propriedade exclusiva de A, B, e C sobre o mesmo, em comum e sem determinação de parte ou direito;
d) Em conformidade, ordeno:
- A retificação da área do “prédio mãe”, devendo também a área do prédio agora autonomizado ser nela abatida;
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado, a favor de A, B, e C, em comum e sem determinação de parte ou direito, com a composição e da forma indicada [cf. alínea b) supra], cessando a compropriedade no “prédio mãe”.
Dada a natureza do processo custas totais pelos demandantes.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 15 de maio de 2018
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº 5 do C P C)