Sentença de Julgado de Paz
Processo: 36/2017-JPSTB
Relator: LILIANA SOUSA TEIXEIRA
Descritores: ARRENDAMENTO/CUMPRIMENTO DEFEITUOSO/ERRO
Data da sentença: 03/09/2018
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral: Sentença
Relatório:
I – Identificação das partes
Demandantes: A, cartão de cidadão n.º 0000, número de identificação fiscal 000, e B, cartão de cidadão n.º 0000, número de identificação fiscal 0000 ambos residentes na ZZZZZ, Alcácer do Sal.
Mandatário: Dr. C, Advogado com escritório na Rua ZZZZ, Setúbal.
Demandados: D, cartão de cidadão n.º 00000, número de identificação fiscal 0000 e E, bilhete de identidade número 0000, contribuinte número 0000, com última morada conhecida em ZZZZZZZZ, Austrália.
Defensor Oficioso dos Ausentes: Dr. F, Advogado com escritório na Rua ZZZZZ, Setúbal.
Valor da acção: 6159,50 euros
II- Objecto do Litígio:
Os Demandantes intentaram contra os Demandados a presente acção enquadrável nas alíneas g) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho, doravante designada Lei dos Julgados de Paz, peticionando o valor de 3 160,00 euros, sendo: 1. 2100,00 euros relativo ao primeiro mês de renda e caução; 2. 60,00 euros relativo a custos suportados com inspecção de gás; 3. 1000,00 euros, sendo 500,00 euros a cada Demandante a titulo de danos não patrimoniais.
Os Demandados deduziram em contestação com pedido reconvencional a fls. 67 a 71.
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Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento nos dias 24 de Novembro de 2017 e 17 de Janeiro de 2018, com observância do formalismo legal consoante resulta das actas a fls. 108 e 109, 121 e 122, respectivamente.
Os Demandantes reduziram o pedido em 100,50 euros, importância que foi ressarcida pelos Demandados aos Demandantes, após a cessação do contrato a título de restituição do montante de rendas e caução recebida para deduzir segundo estes dos custos que suportaram pela Mediação imobiliária e outros custos de reparação do imóvel.
A redução do pedido foi admitida em despacho constante de acta a fls. 108 e 109.
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Tendo sido frustrada a citação dos Demandados, foram os mesmos considerados citados na pessoa do Ilustre defensor oficioso Dr. F, nomeado a fls.58, tendo sido apresentada contestação a fls. 67 a 71, na qual foi deduzida reconvenção nos termos seguintes: o valor de 2100,00 euros relativo a rendas de maio, junho, julho de 2016 e valor de 1050,00 euros relativo a litigância de má-fé em multa, acrescidos de juros à taxa legal desde a notificação da reconvenção até o efectivo pagamento e ainda rendas vincendas até à resolução do contrato e indemnização nos termos legais no valor de 1000,00 euros. Em contestação requereram ainda a intervenção de terceiros tendo contra estes deduzido também o pedido reconvencional de 3160,00 euros.
Os Demandantes responderam ao pedido reconvencional e ao pedido de intervenção de terceiros, conforme fls. 77 a 80.
A reconvenção foi admitida e a intervenção de terceiros e assim também o respectivo pedido reconvencional quanto a estes terceiros, foram indeferidos conforme despacho constante a fls. 85 a 88.
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Verifica-se que se encontram reunidos os pressupostos de regularidade da instância, pelo que este Julgado de Paz é competente nos termos da Lei dos Julgados de Paz, em razão do objecto, artigo 6.º, n.º 1, em razão da matéria, artigo 9.º, n.º 1 alínea g), em razão do valor, nos termos dos artigo 8.º, 48.º da Lei dos Julgados de Paz, artigos 583.º, 299.º n.º 2 do Código de Processo Civil, que se fixa em 6159,50 euros, artigos 297.º, nº 1 e 306.º, n ºs 1 e 2 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 391/10.5TBTNV-A.C1, relator: Juiz Desembargador Alberto Ruço, disponível em www.dgsi.pt, com o sumário: “O valor da indemnização pedida com base em litigância de má fé não entra no cômputo do valor da causa, determinando-se este valor apenas de acordo com a utilidade imediata do pedido, nos termos do artigo 305.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, conceito que não compreende, na sua extensão, a mencionada indemnização”.
, ambos do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi o artigo 63.º da referida Lei (tal como todos os artigos do Código de Processo Civil referidos) e ainda e em razão do território, artigos 10.º e 12.º n.º 1 da Lei dos Julgados de Paz.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, nos termos do disposto nos artigos 11.º, 15.º, 25.º e 30.º do Código de Processo Civil.
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Não há nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Com relevo para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Os Demandantes, pretendiam estabelecer residência em Setúbal, tendo procurado um apartamento para arrendar através da G;
2. Com a intermediação da G, os Demandantes vieram a outorgar o contrato de arrendamento do mencionado imóvel em 31/03/2016, pelo período de três anos e com início em 08/04/2016;
3. No acto da outorga contrato de arrendamento, os Demandantes pagaram aos Demandados a quantia de € 2.100,00 para pagamento da primeira renda (700,00 euros) e respectiva caução (1400,00 euros);
4. Todavia, logo após a entrega das chaves do imóvel aos Demandantes por parte do representante da G, Sr. H, estes verificaram a existência de diversas deficiências do mesmo, as quais comunicaram aos Demandados por correio electrónico;
5. O imóvel não tinha contrato activo de fornecimento de gás canalizado, o que foi requerido pelos Demandantes;
6. O imóvel carecia de uma inspecção prévia da instalação de gás, a qual foi solicitada e paga pelos Demandantes, tendo esta orçado em € 60,00;
7. Na sequência da referida inspecção à instalação de gás, foram os Demandantes verbalmente informados que a mesma não se apresentava em condições de vir a receber o fornecimento de gás;
8. O imóvel foi objecto de uma segunda inspecção à instalação de gás, por empresa indicada pelos Demandados, tendo a mesma reprovado;
9. No final do mês de Abril de 2016, o gás ainda não estava em pleno funcionamento;
10. A 1.ª inspeção do gás, foi aprovada embora não totalmente, dado que o gás no imóvel foi ligado apenas para possibilitar ligar o fogão temporariamente. Nessa inspecção foi indicado que o imóvel não dispunha de esquentador (aparelhos tipo B);
11. Não obstante o referido em 10.º nunca foi emitido um certificado de aprovação de inspecção de gás no imóvel;
12. A impossibilidade de fornecimento de gás canalizado levou a que o imóvel não pudesse ser utilizado pelos Demandantes como habitação;
13. Os Demandantes desde a celebração do contrato de arrendamento nunca habitaram o imóvel;
14. Os Demandantes pediram aos Demandados a anulação do contrato de arrendamento por correio electrónico e por carta registada datada de 29/04/2016;
15. Em 29/04/2016 os Demandantes também solicitaram aos Demandados a restituição quantia da renda e caução pagas, bem como o valor pago pela inspecção ao gás canalizado, num total de 2.160,00 euros;
16. Os Demandantes deslocaram-se por diversas vezes ao locado, quando solicitados pelos Demandados ou por pessoas por estes indicadas, sem que tal resultasse na resolução dos mencionados vícios;
17. O vício relativo ao fornecimento de gás já existia em data anterior ou concomitantemente ao contrato de arrendamento celebrado entre as partes;

IV – Da discussão da causa resultaram os factos não provados seguintes:
18. Esta situação criou nos Demandados uma enorme ansiedade e frustração, dado que tinham como objectivo de vida a sua constituição enquanto casal no imóvel locado, a qual se viu gorada, por força da impossibilidade de habitarem no apartamento que haviam arrendado exclusivamente para esse fim;
19. O que fez os Demandantes sofrer um abalo psicológico em resultado do incumprimento dos Demandados, para os quais foram impotentes para obviar;
20. Os Demandantes agiram de má-fé, ao intentarem a presente ação, sem qualquer fundamentação subjacente;
21. Os Demandantes tenham rendas em atraso de maio, junho e julho de 2016;

V- I- Fundamentação dos factos provados:
Os factos supra referidos a 1 a 17 encontram-se provados pela conjugação com as regras da experiência comum com as declarações dos Demandantes que se afiguraram isentas e credíveis e pelos documentos juntos aos autos, a saber: contrato de arrendamento a fls. 11 a 17; declaração a fls. 18;comprovativo de transferência a fls. 19; relatório da inspecção de gás a fls. 20; carta e registo a fls. 21 a 23; verso do relatório de inspecção de gás a fls. 110.
Em declarações de parte A referiu que o gás foi chumbado e que o aconselharam a não habitar o prédio até estar em condições. Esteve três semanas sem habitar o apartamento. Disse que entende que “Não se brinca com casas. Alugamos e pagamos. Se fosse electricidade pedia ao vizinho agora gás”. Pagou 2100,00 euros e também pagou 60,00 euros, o que está ali pedido na acção não é nada dos problemas que realmente existiram. Também o intercomunicador tinha problemas mas isso resolvia-se agora sem gás é que a casa não era habitável. Teve contactos com o senhorio por e-mail e foi informando o senhorio do que ia acontecendo. Teve cerca de um mês com isto do gás. Contratou também os serviços da I mas esta não aceitou a resolução do contrato. Referiu que teve “problemas e chatices como qualquer um”. Confrontado com fls. 20 que se refere à inspecção de gás que foi realizada em 18 de Abril de 2016 confirma que a mesma foi aprovada. Todavia tal inspecção tem a menção que não tem aparelhos de tipo B ligados. Mas isso aconteceu a seu pedido e da outra parte no processo. O técnico deixou o gás ligado para apenas ligarem o fogão. Os aparelhos “tipo B” referem-se apenas ao esquentador. O resto dos aparelhos (para além do fogão) não foram ligados por causa do monóxido de carbono. Foi feita a inspecção mas chumbou mas para aprovar o fogão o técnico omitiu o esquentador (tipo b). O técnico referiu que eram problemas das condutas. Posteriormente foi chamado outro técnico com a conivência do Senhorio e ele chumbou também a inspecção. Esta 2.ª inspecção foi pedida pela sogra do senhorio. Na sequência do chumbo as inspecções trocou emails com o senhorio e em virtude disso o senhorio lhe devolveu o valor de 100,50 euros pensa que em Junho de 2016.
Disse que entende que se a inspecção tivesse sido aprovada teria sido emitido um certificado de inspecção, o que não foi, dado que o único documento que dispõe já consta dos autos.
Referiu que lhe entregaram a chave antes uns dias do dia 08 de abril de 2016, e que foi logo de imediato às entidades, tais como a J, empresa de gás, empresa de inspecção.
A casa era mobilada levaram roupas e demais coisas necessárias para habitar a casa não obstante não dormirem lá. Gostava da casa porque tinha duas casas de banho “foi aquela mas podia ter sido outra.”.
Disse que quem lhe mostrou a casa foi o H o qual tem bom relacionamento com o senhorio mas quando os problemas começaram a surgir entrou a sogra do senhorio. O contrato veio da Austrália assinado pelos Demandados e eles assinaram. Disse que o contrato foi declarado nas finanças tendo já ele desistido da casa. Referiu que o senhorio não lhe devolveu os valores entregues porque disse que a culpa era dele.
A Demandante B em declarações de parte, referiu que levaram os pertences para a casa arrendada e trataram do fornecimento de serviços. Não tinha água quente e ela queria fazer a limpeza da casa com água quente daí o documento da 1.ª inspecção estar assim. O contacto com o senhorio foi feito por email, os problemas com o arrendamento eram comunicados por email. Na sequência da comunicação é que veio a sogra do senhorio. O técnico da 2.ª inspecção foi levado pela sogra do senhorio. Acha que foi outra empresa a fazer inspecção. O problema do monóxido de carbono levava a que os Demandados tivessem que fazer obras na habitação por causa do esquentador e das condutas.
Nunca chegaram a habitar a casa e trabalhava nas portagens de Setúbal e queria trazer a mãe dado que mora em Alcácer do sal. A sua mãe é doente crónica e isso não era equacionável com estes problemas. O esquentador nunca esteve ligado. Daí pedirem a anulação do contrato e também o comunicarem por email. Quanto à devolução de 100,50 não houve explicação, apareceu-lhe na conta esse valor e mandou email a perguntar que valor era esse. O senhorio ficou a dever o valor de 2100,00 euros. Quanto à informação fiscal esta foi obtida por si dado que as finanças lhe enviou um email a dizer que tinha sido emitido recibo em seu nome daí ir ver ao site. O Senhor D não lhe tinha dito nada.
O contacto com o senhorio era por email ou pelo H da imobiliária. Quando surge o problema o H ficou surpreendido dado que as pessoas eram conhecidas dele dizendo que tinha que resolver com o proprietário.
Disse que o contrato veio em pdf e que iam fazer inventário, mas primeiro ficaram de verificar se as coisas estavam em condições, entretanto agendaram a inspecção do gás. Disse que “tiraram fotos dos móveis, loiças, cadeiras e viram que as coisas não estavam em condições, o proprietário foi confrontado, meteu-se a situação do gás e o inventário nunca foi enviado ou assinado. O esquentador era do senhorio, colheres, talheres, tinha a casa toda equipada. Isto deu origem a um desentendimento entre as partes e alugou um quarto em Setúbal. Já não vive em união de facto com o outro Demandante.”. Referiu ainda que casa seria para viverem os dois e também com a sua mãe, daí duas casas de banho e também a localização do apartamento. Não viram mais casas, desentenderam- se os dois.
V – II Fundamentação dos factos não provados:
Os factos não provados resultam da ausência de prova nesse sentido ou de prova diversa.
O pedido reconvencional deduzido padece de deficiências dado que os únicos factos invocados constam da matéria de facto não provada, sendo todos os outros conclusões tecidas sobre documentos constantes dos autos e conclusões de direito. Os reconvintes dado até por estarem representados por defensor oficoso por terem sido considerados ausentes, não indicam também prova dos poucos factos alegados.
Acresce que o reconvintes referiram que existiam valores em dívida que iam ser calculados e apresentados oportunamente, não o tendo feito até à data.

VI – Fundamentação de direito:
Nestes autos a questão decidenda prende-se com o regime do contrato de arrendamento para fins habitacionais de duração determinada, constante dos artigos 1022.º a 1107.º e n.º 1 alínea a), c) e n.º 2 do artigo 204.º do Código Civil e cujo regime jurídico é aplicável também aos bens móveis que do mesmo fazem parte integrante, dado que estamos perante um imóvel mobilado e equipado (artigo 1065.º do Código Civil, cuja epígrafe: imóveis mobilados e acessórios).
As partes celebraram um contrato no qual os Demandados se obrigaram a proporcionar aos Demandantes o gozo temporário de um imóvel mediante retribuição (artigo 1022.º do Código Civil).
Conforme cláusula terceira do contrato de arrendamento este foi celebrado pelo prazo de 3 anos, conforme acordo entre as partes, com início a 08 de Abril de 2016 e término a 07 de Abril de 2019.
O regime do contrato de locação estipula direitos e obrigações para as partes, sendo que as obrigações do locador constam do artigo 1031.º do Código Civil.
Nos termos do referido artigo “São obrigações do locador a) Entregar ao locatário a coisa locada; b) Assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina.”.
A primeira obrigação do locador constante deste artigo foi cumprida conforme factos provados (cfr. facto provado n.º 4), todavia a 2.ª obrigação não foi.
Conforme cláusula sétima do contrato de arrendamento “1 – Os Arrendatários obrigam-se ao pagamento integral dos consumos do arrendado, havidos durante a vigência do presente contrato, relativos ao fornecimento de água municipalizada, energia eléctrica, gás entre outros. Mais se obrigam os Arrendatários a proceder, no prazo de cinco dias úteis contados a partir da data do presente contrato, à alteração da titularidade dos contratos de fornecimento de serviços acima mencionados. 2 – Eventuais custos com a alteração da titularidade dos contratos de fornecimento referidos no número anterior serão de conta dos Arrendatários. 3 – Para os casos em que não existam contratos em vigor com os serviços pretendidos, será de responsabilidade dos Arrendatários o pagamento de taxas, comissões, vistorias, inspecções ou outros serviços eventualmente requeridos pelas empresas prestadoras dos serviços.”.
A cláusula sétima do contrato de arrendamento equaciona a possibilidade de existirem serviços que não existam contratos em vigor (n.º 3) todavia no n.º 2 diz expressamente que quanto ao serviço de gás os Arrendatários se obrigam a proceder, no prazo de cinco dias úteis contados a partir da data do contrato, à alteração da titularidade dos contratos de fornecimento de serviços.
Nos termos do artigo 236.º do Código Civil “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”. Diz ainda o artigo 238.º do Código Civil “Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente impresso.”.
Um declaratário normal, medianamente instruído, interpretaria a referida cláusula no sentido de que o imóvel objecto do presente contrato de arrendamento já tinha contrato de gás activo e que teria, em 5 dias, de proceder à alteração de titular do mesmo.
De facto e conforme o teor de ambas as declarações dos Demandantes, estes logo no início do contrato de arrendamento diligenciaram por colocar o contrato de fornecimento de gás em seu nome.
De todo modo e com grande interesse chama-se ainda à colação o disposto no artigo 358.º do Código Civil que dispõe “1. A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente. 2. A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.”. Assim, estamos perante uma confissão extrajudicial em documento particular com força probatória plena conforme o mencionado no disposto no artigo 358.º n.º 2 do Código Civil e com efeitos na análise do erro na declaração dos Demandantes e no incumprimento contratual.
Na verdade, estamos no caso sub judice, perante um vício na formação da vontade dos Demandantes, erro sobre o objecto do negócio, constante do artigo 251.º do Código Civil. De acordo com este artigo O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º.”.
Adianta ainda o artigo 247.º do Código Civil, o seguinte “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”.
Os Demandantes pediram aos Demandados a anulação do contrato de arrendamento por correio electrónico e por carta registada datada de 29/04/2016 (facto provado n.º 20).
Resulta até das regras da experiência comum que uma fracção autónoma sem possibilidade de ser instalado o gás (com aparelhos que necessitam do mesmo para seu funcionamento), não permite o gozo desta para os fins a que a mesma se destina, isto é, para habitação dos Demandantes em virtude de contrato de arrendamento celebrado e tal facto que é essencial para os Demandantes não é desconhecido dos Demandados.
Tal vício estrito/desconformidade com o assegurado não era facilmente reconhecível aquando de uma inspecção à casa e era anterior ou concomitante à celebração do contrato de arrendamento.
Estamos aqui perante um cumprimento defeituoso por parte do locador, o qual só poderá ser afastado nos termos constantes do artigo 1033.º do Código Civil, cuja epígrafe: casos de irresponsabilidade do locador “O disposto no artigo anterior não é aplicável: a) Se o locatário conhecia o defeito quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa; b) Se o defeito já existia ao tempo da celebração do contrato e era facilmente reconhecível, a não ser que o locador tenha assegurado a sua inexistência ou usado de dolo para o ocultar; c) Se o defeito for da responsabilidade do locatário; d) Se este não avisou do defeito o locador, como lhe cumpria.”.
Pelos motivos supra adiantados não estamos perante um caso do artigo 1033.º do Código Civil.
Assim, o locatário poderia proceder à anulação do contrato por erro ou dolo nos termos gerais sendo que o regime dos artigos 1032.º a 1034.º do Código Civil, não afasta essa possibilidade (artigo 1035.º do Código Civil).
Refira-se que para além da possibilidade de anulação contratual com base em erro pelos Demandantes também existiu incumprimento contratual e com isso direito a indemnização.
Nos termos dos artigo 798.º e seguintes e 562.º e seguintes do Código Civil, o locador responde pelos danos causados ao locatário( responsabilidade obrigacional).
Nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil “Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”. Estabelece, portanto, este artigo uma presunção de culpa do devedor, in casu, dos Demandados. Tal presunção não só não foi ilidida como até foi provada a culpa dos Demandados.
Conforme cláusula quarta, número dois, do contrato de arrendamento, “No ato da assinatura do presente contrato, os Arrendatários entregam aos Senhorios, via transferência bancária para a conta mencionado no número anterior, a quantia de 2.100,00 € (dois mil e cem euros), dando esta última a respectiva quitação após boa cobrança, respeitante às seguintes verbas: a) 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros), a título de caução e para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações assumidas pelos Arrendatários; b) 700,00€ (setecentos euros) correspondente à renda do mês de Abril de 2016.”.
O Demandante por carta registada datada de 29 de Abril de 2016 com registo datado da mesma data a fls. 21 a 23, dirigida ao Demandado D procede à anulação do contrato de arrendamento em virtude dos vícios que o imóvel apresentava, na qual pode ler-se “ No entanto, apesar de termos organizado as nossas vidas com o intuito de ocupar o referido imóvel a partir da mencionada data, tal possibilidade foi-nos vedada, pois vimos a constatar que o imóvel não se apresenta em condições de habitabilidad, conforme oportunamente vos indicámos, contrariamente às vossas informações.”.
A anulação de um contrato pode ser feita, mediante declaração ao senhorio: só havendo litígio é que se tem que recorrer ao Tribunal. (Neste sentido Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Fevereiro de 1996, relator: Conselheiro Mário Cancela disponível na colectânea de Jurisprudência IV (1996) 1, 107-108 (108/II).
Por todo o exposto são os Demandados responsáveis contratulamente nos termos dos artigos 798.º e seguintes devendo indemnizar os Demandados nos termos dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil. Assim devem os Demandados restituir o valor entregue aquando da celebração do contrato de arrendamento com dedução do valor de 100,50 euros (redução do pedido), ou seja, com referência a esse pagamento restituir o valor de 1999,50 euros e indemnizar os demandados dos danos patrimoniais peticionados no valor de 60,00 euros (dado teor facto provado n.º 21).
No que diz respeito aos danos não patrimoniais peticionados e até pelo próprio teor das declaração das partes resultam como não provados, sendo que o Demandante até referiu que teve “problemas e chatices como qualquer um”.
De todo modo na indemnização por danos não patrimoniais nos termos do artigo 496.º do Código Civil, a sua fixação deve atender aos danos não patrimoniais que mereçam pela sua gravidade a tutela do direito.
No que diz respeito à arguição da litigância de má-fé e pela confrontação do regime do artigo 542.º do Código de Processo Civil aplicável por via do artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz, diga-se que a ser equacionável nestes autos tal situação seria-o apenas com referência à alínea b) do n.º 2 do referido artigo, a qual dispõe que diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa. E quanto a esta arguição apenas se teria em consideração a conjugação das declarações dos Demandantes com o teor do auto de inspecção do gás junto aos autos. Na verdade, os Demandantes relataram de forma lógica o motivo pelo qual o auto de inspecção foi efectuado daquele modo (aprovado mas com a menção de inexistirem aparelhos “tipo B”), não tendo estes ocultado esse facto deste Tribunal. Claro está que o auto de inspecção não corresponde à verdade e não devia ter sido feito com o teor que o foi, nem devia o referido técnico ter ligado o gás sob pena de colocar em risco tanto os próprios Demandantes como terceiros. Os fins não justificam os meios.
Improcede portanto o conhecimento da referida invocação de litigância de má-fé.

VI – Decisão:
I - Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e em consequência condeno os Demandados D, E no pagamento:
1. 1999,50 euros relativo à caução e a renda do mês de Abril de 2016:
2. 60,00 euros relativo ao custo suportado com inspecção: 3. Absolvo os Demandados do demais peticionado pelos Demandantes;
II- Pelas razões exposta, improcede na totalidade o pedido reconvencional deduzido pelos Demandados/Reconvintes;
III - Improcede ainda a arguição da litigância de má-fé feita pelos Demandados.

VII – Responsabilidade por custas:
Custas a suportar pelos Demandados (na totalidade), os quais são declarados parte vencida para efeitos de custas, em conformidade com o artigo 8.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 209/2005, de 24/02.
Todavia dados Demandados estarem representados por defensor oficioso por serem ausentes, situação processualmente idêntica à realizada por Magistrado do Ministério Publico, atento o artigo 4.º n.º 1 alínea a) do Decreto- Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28/12, doravante designado Regulamento das Custas Processuais, conclui-se pelo regime de isenção de custas.
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Dê-se cumprimento ao disposto artigo 60.º n.º 3 da Lei dos Julgados de Paz.
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Reembolse-se os Demandantes nos termos do artigo 9.º da mesma Portaria.
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Esta sentença foi lida às partes, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da Lei dos Julgados de Paz.
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Registe e notifique.
Setúbal, 09 de Março de 2018.

A Juíza de Paz

Liliana Patrícia Sousa Teixeira