Sentença de Julgado de Paz
Processo: 135/2018-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESOLUÇÃO CONTRATUAL - INDEMNIZAÇÃO.
Data da sentença: 05/30/2018
Julgado de Paz de : SINTRA
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo a resolução do contrato celebrado com a demandada e consequente condenação na devolução da quantia de € 1.861,50 (mil oitocentos e sessenta e um euros e cinquenta cêntimos), bem como no pagamento de indemnização do montante de € 2.490,50 (dois mil quatrocentos e noventa euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 20 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que é cidadã alemã, residindo na Alemanha, e que procedeu à reserva, na plataforma booking, de quatro suites júnior e uma suite familiar júnior, na Quinta da demandada, para uma estadia entre os dias 15 e 18 de dezembro de 2016 (data em que se realizaria o casamento em Portugal), o que fez considerando a elevada qualidade, nível e condições das instalações e serviços, aferidas pelas fotografias e referências constantes da plataforma Booking. Alega que, após efectuar tal reserva, entrou em contacto com a demandada, onde lhe foram garantidas as características do alojamento e realizada nova proposta para a estadia, por um preço inferior. Por a reserva anterior permitir o cancelamento, fê-lo; tendo, de seguida, efectuado nova reserva, outra vez na plataforma Booking, dos mesmos quartos, por preço inferior ao proposto telefonicamente, mas já sem opção de cancelamento. Alega ainda que na sequência das atividades preparatórias do casamento, decidiu, na companhia de sua irmã, realizar uma visita prévia às instalações da demandada, nos dias 8 e 9 de novembro de 2016, reservando um quarto para o efeito. Nessa visita é surpreendida com as condições das instalações da demandada, que não correspondiam com as anunciadas na plataforma Booking: estavam degradadas, as paredes dos quartos continham diversas manchas de humidade e de bolor, a estrutura do quarto apresentava sinais evidentes de deterioração e danos óbvios em portas e janelas, o fornecimento de água quente era limitado e o sistema de aquecimento central não funcionava. Alega ainda que o índice de humidade e bolor era de tal forma elevado que, por padecer de problemas crónicos respiratórios, viu-se obrigada a ter de recorrer a medicação para minorar a dificuldade em respirar que já sentia devido ao ambiente em que se encontrava. Alega que, face a tal situação, interpelou a demandada com vista a cancelar a reserva que tinha efetuado para os dias 15 a 18 de dezembro de 2016, o que a demandada nunca aceitou, tendo, posteriormente, sido cobrado o respectivo preço. Inconformada, pediu o livro de reclamações do estabelecimento, que lhe foi negado e os funcionários da demandada expulsaram-na das instalações da Quinta, o que a deixou constrangida, envergonhada e humilhada. Pretende, assim, a resolução do contrato de prestação de serviços celebrado, por o objeto contratado não apresentar as condições e características asseguradas no momento da celebração do contrato de prestação de serviços, nomeadamente por as instalações e serviços de hospedagem da demandada apresentarem as qualidades asseguradas pela demandada. Consequentemente, peticiona a condenação da demandada na devolução da quantia de € 1.861,50 (mil oitocentos e sessenta e um euros e cinquenta cêntimos), referente à reserva que a demandada não acedeu em cancelar e a pagar-lhe indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de € 2.490,50 (dois mil quatrocentos e noventa euros e cinquenta cêntimos).
Juntou procuração forense e 14 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada contestou (de fls. 60 a 66 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), impugnando a versão fática articulada pela demandante, alegando que, ao contrário do alegado pela demandante, em data anterior a novembro de 2016, a demandante tentou cancelar a sua reserva (com tarifa Genius, substancialmente mais barata por não ser reembolsável, não contemplar a opção de cancelamento) e, por a demandada o não ter aceite, agendou a ida às instalações da demandada com o objectivo de perturbar o funcionamento da unidade hoteleira e reunir fotografias alteradas dos quartos para utilizar como fundamento de reclamações baseadas em factos falsos. Alega ser falso que as suas instalações estejam degradadas, que as paredes dos quartos tenham manchas de humidade e bolor, que a estrutura do quarto tenha sinais evidentes de deterioração e danos óbvios em portas e janelas, que o fornecimento de água quente seja limitado, que o sistema de aquecimento central não funcione e que tenha sido negado o livro de reclamações do estabelecimento. Impugna que as fotografias juntas aos autos sejam das suas instalações. Alega que a demandante apresentou reclamações e denúncias à ASAE, com iguais fundamentos ao ora alegado e, após três inspecções da ASAE às instalações da demandada, não foi levantada qualquer contra-ordenação ou advertência da ASAE. Alega ainda, que em início de outubro de 2016, a demandante solicitou à demandada o cancelamento da reserva, alegando doença grave e crócica de familiar e a inviabilização da celebração do casamento, tendo pedido o “reajustamento” da sua reserva para uma reserva de cancelamento livre, o que a demandada não aceitou, propondo a prorrogação da reserva por seis meses, ou seja, a possibilidade da demandante usufruir da reserva até meados do ano de 2017, o que a demandante recusou. Juntou procuração forense e 7 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos
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As partes aderiram à mediação, não tendo obtido acordo nessa sede. Em consequência foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatárias, sido devidamente notificadas.
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Iniciada a audiência, na presença da parte demandada e mandatárias de ambas as partes, a Juíza de Paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art.º 26.º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem sucedida.
Foi ouvida a parte presente, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas pela demandada. A demandante não apresentou testemunhas.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 4.352 (quatro mil trezentos e cinquenta e dois euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer, nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou somente provado que:
1 – A aqui Autora é cidadã alemã, residindo na Alemanha.
2 – Em 18 de julho de 2016, a demandante procedeu à reserva, nas instalações da demandada, de quatro suítes júnior com vista montanha e uma suíte familiar júnior de montanha, por três noites, entre os dias 16 e 19 de dezembro de 2016, pelo preço total de € 2.190 (dois mil, cento e noventa euros), reserva que poderia ser cancelada sem qualquer custo até dois dias antes da data prevista de chegada (Doc. de fls. 23 a 25).
3 – Na plataforma Booking encontram-se as fotografias de fls. 26 a 27 verso dos autos como sendo das instalações da demandada e, efectivamente, são-no.
4 – Após essa reserva a demandante contactou telefonicamente a demandada, que lhe propôs a reserva das mesmas suítes, no mesmo período, por € 2.055 (dois mil e cinquenta e cinco euros);
5 – Referindo que para o jantar de casamento precisava de informações adicionais, solicitadas no e mail a fls. 29 e 30 dos autos.
6 – Em 21 de julho de 2016, a demandante procedeu à reserva, nas instalações da demandada, de quatro suítes júnior com vista montanha e uma suíte familiar júnior de montanha, por três noites, entre os dias 15 e 18 de dezembro de 2016, pelo preço total de € 1.861,50 (mil e oitocentos e sessenta e um euros e cinquenta cêntimos), reserva sem opção de cancelamento, não reembolsável.
7 – Em data não apurada, a demandante cancelou a reserva referida no número 2.
8 – No dia 7 de outubro de 2016 a demandante, procedeu à reserva, nas instalações da demandada, de quarto, por uma noite, de dia 8 para 9 de novembro de 2016.
9 – Em 10 de outubro de 2016, a demandante, invocando doença grave de familiar, solicitou o “reajustamento” da reserva referida em 6 para uma reserva de cancelamento livre e que lhe fossem devolvidas as quantias pagas.
10 – O que a demandada não aceitou, propondo uma prorrogação da reserva feita por seis meses, até meados do ano de 2017 sem qualquer constrangimento, estando disponíveis para negociar as novas datas.
11 – O que a demandante não aceitou.
12 – No dia 7 de outubro de 2016 a demandante, procedeu à reserva, nas instalações da demandada, de quarto, por uma noite, de dia 8 para 9 de novembro de 2016.
13 – No decorrer desta estadia, a demandante reiteradamente solicitava a presença de funcionários da demandada no seu quarto, sem motivo justificativo (designadamente, não utilizava o código de abertura da porta, obrigando os funcionários a fazê-lo) e apresentou várias reclamações infundadas (designadamente, não haver água quente, a televisão não funcionar ou o aquecimento não funcionar).
14 – Na manhã do dia 9 de novembro de 2016, na sala de pequenos-almoços, onde se encontravam vários hóspedes, a demandante encetou uma discussão com os representantes da demandada, gritando, ofendendo os representantes da demandada e ameaçando-os com queixas e de comentários negativos em todas as plataformas de hotelaria.
15 – Tendo os representantes da demandada convidado a demandante a abandonar as instalações da Quinta.
16 – Após a sua estadia, demandante pretendeu, mais uma vez, cancelar a reserva referida no número 6, o que a demandada não aceitou.
17 – A demandante não compareceu nas instalações da demandada nos dias 15 e 18 de dezembro de 2016.
18 – A demandada não aceitou reservas, nem cedeu o uso a terceiros, dos quartos referidos em 6 para as datas aí referidas.
19 – A demandante apresentou reclamações e denúncias à ASAE, que fez três inspecções às instalações da demandada.
20 – A ASAE não instaurou qualquer processo de contra-ordenação ou advertência registada à demandada.
Não ficou provado:
Com interesse para a decisão da causa, não resultou provado mais nenhum facto alegado pelas partes, designadamente, que o elemento decisivo na vontade de contratar com a demandada foi as boas condições que as instalações apresentavam plataforma Booking, assim como a existência de serviços de comodidade e alojamento e que, na realidade, as instalações da demandada estavam degradadas, as paredes dos quartos continham diversas manchas de humidade e de bolor, a estrutura do quarto apresentava sinais evidentes de deterioração e danos óbvios em portas e janelas, o fornecimento de água quente era limitado e o sistema de aquecimento central não funcionava.

Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das duas testemunhas apresentadas pela demandada.

As duas testemunhas apresentadas pela demandada depuseram de forma segura, convincente e demonstrando terem conhecimento direto de todos os factos sobre os quais depuseram, tendo ambas confirmado todos os factos acima dados como provados.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos factos admitidos, dos documentos juntos aos autos e da audição das duas testemunhas apresentadas pela demandada.
Esclareça-se que para prova dos factos por si alegados, a demandante apresentou somente os documentos de fls. 22 a 52 dos autos, não tendo apresentado qualquer outra prova, designadamente testemunhal.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a mediação e/ou conciliação teria sido o meio ideal, útil, e único de, no caso em apreço, se conseguir conciliar as partes e solucionar o litígio. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade.
Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Dos factos provados resulta que demandante e demandada celebraram um contrato de prestação de serviços, previsto no artigo 1154.º, do Código Civil, por via do qual esta obrigou-se a proporcionar àquela o resultado da sua actividade comercial mediante o pagamento de uma retribuição.
À relação jurídica em apreço aplica-se, atenta a natureza e qualidade das partes (consumidor e vendedor/prestador de serviços, ou seja, quanto a este último, pessoa que exerce com carácter profissional a actividade económica em causa), é aplicável a legislação sobre defesa do consumidor, a Lei n.º 24/96, de 31 de julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio. A Lei de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos de fornecimentos de bens e de prestação de serviços ou da transmissão de quaisquer direitos, apenas no âmbito dos contratos de consumo, ou seja, daqueles que envolvem actos de consumo, que vinculam o consumidor a um profissional (produtor, fabricante, comerciante, ..). E embora numa primeira análise pareça que o citado Decreto-Lei nº 67/2003 é aplicável somente ao contrato de compra e venda, tal não se verifica, sendo aplicável também, e nomeadamente, aos contratos de fornecimento de bens de consumo a fabricar ou a produzir, e, no que a este caso interessa, à prestação de serviços acessória da compra e venda (cfr. artigo 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 67/2003).
Prescreve a Lei de Defesa do Consumidor, no seu artigo 4.º, que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”; tal Lei, complementada pelo prescrito no já citado Decreto-Lei n.º 67/2003 (na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio) que, além de presumir os casos em que os bens de consumo não são conformes com o contrato (n.º 2 do artigo 2.º), responsabiliza o vendedor pela falta de conformidade do bem no momento da sua entrega, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos (no caso de coisas móveis) a contar da data de entrega, já existiam nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade do bem (artigo 3º), prescrição com importantes reflexos a nível do ónus da prova: o comprador apenas terá de alegar e provar o mau funcionamento da coisa durante o prazo de garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega, enquanto que o vendedor, para se ilibar da responsabilidade, terá de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega, imputável ao comprador, ou a terceiro, ou é devida a caso fortuito. E, provado o mau funcionamento ou defeito, o consumidor tem a faculdade de exercer os direitos que lhe são concedidos no artigo 4.º do referido Decreto-Lei: reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato.
Por outro lado, nos termos do art.º 8.º da Lei de Defesa do Consumidor “O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objetiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, nomeadamente sobre: a) As características principais dos bens ou serviços, tendo em conta o suporte utilizado para o efeito e considerando os bens ou serviços em causa (…)”.
Chegados a este ponto, olhemos para o caso concreto:
Alega a demandante que o serviço reservado/adquirido não tinha as boas condições anunciadas na plataforma Booking e informadas pelo prestador de serviço e que, ao contrário do anunciado/informado nessa plataforma, as instalações da demandada estavam degradadas, as paredes dos quartos continham diversas manchas de humidade e de bolor, a estrutura do quarto apresentava sinais evidentes de deterioração, danos em portas e janelas, o fornecimento de água quente era limitado e o sistema de aquecimento central não funcionava. Competia-lhe, nos termos da supra citada disposição legal, bem como do disposto do nº 1 do artigo 342º, do Código Civil (“Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”), provar os factos que constituem a causa de pedir, ou seja os factos constitutivos do direito que alega, no caso, a verificação das condições das instalações que atrás referimos, o que não logrou fazer, já que não apresentou qualquer prova nesse sentido.
Assim sendo, como é, a presente ação improcedente na sua totalidade.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a demandada do pedido.
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CUSTAS
Custas pela demandante, que deverá proceder ao pagamento de € 35 (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, em relação à demandada.
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Notifique as partes, e mandatárias, da presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da citada Lei n.º 78/2001).
Registe.
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Julgado de Paz de Sintra, 30 de maio de 2018
A Juíza de Paz,

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(Sofia Campos Coelho)