Sentença de Julgado de Paz
Processo: 70/2017-JP
Relator: LILIANA SOUSA TEIXEIRA
Descritores: DANO
RESOLUÇÃO CONTRATUAL
Data da sentença: 11/13/2017
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral: Sentença


I – Identificação das partes
Demandante: A, portador do cartão de cidadão n.º …, com o número de identificação civil …, residente na … Setúbal.Demandada: B, número de identificação da pessoa colectiva …, com sede na … Maia e estabelecimento comercial no C, Avenida … Setúbal.
II- Objecto do Litígio
O Demandante intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea i) do nº 1 do artigo 9º da Lei nº 78/2001 de 13 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho, doravante designada Lei dos Julgados de Paz, peticionando:
A) Declarar resolvido o contrato de compra e venda correspondente à factura de compra n.º FS 0450A/027593, condenando a Demandada a devolver ao Demandante a quantia de € 349,90 acrescido de juros e correcção monetária a contar da data da compra; ou
B) Alternativamente, a substituição do bem, por um outro telemóvel de outra marca, em estado novo, com preço e características técnicas equivalentes ou superiores ao aparelho que em 30/10/2015 lhe comprou;
C) Condenar a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de € 360,00 a título de privação de uso;
D) Condenar a Demandada a pagar ao Demandante, a quantia de € 10,00 diários, contados de 07 de Abril de 2017, até à devolução da quantia de € 349,90, ou substituição do bem conforme pedido contido nos itens A) e B).
E) Condenar a Demandada no pagamento das custas.
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A Demandada apresentou contestação nos termos constantes a fls. 22 a 25.
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Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento no dia 23 de Outubro de 2017, com observância do formalismo legal consoante resulta da acta a fls. 62e 63.
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Verifica-se que se encontram reunidos os pressupostos de regularidade da instância, pelo que este Julgado de Paz é competente nos termos da Lei dos Julgados de Paz, em razão do objecto, artigo 6.º, n.º 1, em razão da matéria, artigo 9.º, n.º 1 alínea i), em razão do valor nos termos do artigo 8.º, que se fixa em 709,90 euros de acordo com os artigos 297.º, nº 1 e 306.º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi artigo 63.º da referida Lei (tal como todos os artigos do Código de Processo Civil adiante referidos) e ainda e em razão do território, artigos 10.º e 12.º n.º 1 da Lei dos Julgados de Paz.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, nos termos do disposto nos artigos 6.º , 11.º, 15.º, 25.º e 30.º do Código de Processo Civil.
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Não há nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III – Com relevo para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 30 de Outubro de 2015 o Demandante adquiriu, na loja da Demandada sita em Setúbal, um telemóvel modelo D, pelo preço de 349,90 euros;
2. No dia 12 de Novembro de 2015, treze dias após a compra, o Demandante detectou um defeito no telemóvel;
3. O telemóvel não recebia carga, aquecia de tal forma que não se conseguia tocar no aparelho, ou seja, não funcionava;
4. No dia 13 de Novembro de 2015 o Demandante dirigiu-se à loja da Demandada em Setúbal, tendo o Demandante solicitado a substituição do telefone;
5. Todavia foi-lhe negada a substituição;
6. O Demandante foi informado que o telemóvel teria que ser enviado para a assistência técnica.
7. O Demandante no dia 13/11/2015 apresentou uma reclamação no livro de reclamações sob o n.º 21123884;
8. Nessa mesma data (13/11/2015) o telemóvel foi enviado pela Demandada para a assistência técnica;
9. Após essa 1.ª intervenção, a Demandada em 07/12/2015 devolveu o telemóvel ao Demandante;
10. Nessa data foi entregue um relatório ao Demandante dizendo que no equipamento “foram substituídas as seguintes peças: “Placa pequena, placa mãe”;
11. A avaria inicial voltou a surgir, pelo que em 03/05/2016 o Demandante entregou o equipamento novamente à Demandada;
12. Após essa 2.ª intervenção, a Demandada em 12/05/2016 devolveu o telemóvel ao Demandante;
13. No relatório entregue ao Demandante consta que no equipamento foram substituídas as seguintes peças: “Placa mãe, Lcd”;
14. Em 04/04/2017 o telemóvel avaria pela 3.ª vez, tendo o Lcd ficado escuro, com linhas e manchas, tornando o telefone imprestável para o fim que se destina;
15. O Demandante foi pela 3.ª vez à loja da Demandada localizada em Setúbal em 05 de Abril de 2017 e apresentou a um funcionário da Demandada um pedido de resolução do contrato de compra do telemóvel com devolução do valor pago;
16. O Demandante não aceita que o telemóvel vá novamente para reparação.
17. O pedido de resolução do contrato de compra do telemóvel com devolução do valor pago foi negado por um funcionário da Demandada dado ser contrário à política da empresa;
18. O Demandante no dia 05/04/2017 apresentou mais uma reclamação no livro de reclamações (reclamação n.º 22151413);
19. A Demandada nunca respondeu às reclamações feitas pelo Demandante;
20. O Demandante por duas vezes perdeu todos os seus dados (fotos, contratos, e-mails, documentos, etc.);
21. O Demandante ficou privado do uso de seu aparelho, por 36 dias, nos termos seguintes:
21.1 quanto ao 1º defeito: 24 dias 13-11-2015 a 07-12-2015;
21.2 quanto ao 2.º defeito: 10 dias 03/05/2016 a 12/05/2016;
21.3 quanto ao 3º defeito: 2 dias 04/04/2017 a 06/04/2017;
22. O Demandante ficou frustrado com aquisição de um aparelho, que após 13 dias após a sua compra, estava completamente impróprio para utilização que se destinava;
23. As marcas que prestam às garantias de conformidade aos seus produtos e determinam quem presta a assistência técnica aos mesmos;
24. As duas avarias do telemóvel foram reparadas no âmbito da garantia de conformidade e dentro dos prazos legais estabelecidos na Lei;
25. Denunciada uma avaria o aparelho tem que ser enviado à assistência técnica da marca para que esta se pronuncie sobre as causas da mesma de modo a determinar se tal anomalia é defeito de funcionamento originário ou de mau manuseamento;
26. A Demandada não tem técnicos e/ou conhecimentos que lhe permitam determinar as razões da avaria.

IV - Da discussão da causa resultaram os seguintes factos não provados
27. A terceira avaria seja pelos mesmos problemas que a 1.ª e 2.ª avaria.

V - Fundamentação da matéria de facto:
Os factos descritos sob o número 1,8,10,13 admitidos por acordo nos termos do disposto no artigo 574.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Os factos descritos sob os números 1 a 26 a encontram—se provados pela conjugação (nos termos adiante referidos) das declarações do Demandante A com o depoimento das testemunhas E e F, com os documentos juntos aos autos a saber: factura de compra de telemóvel D pelo valor de 403,90 euros no dia 30.10.2015 (fls 11); folha de reclamação n.º 21123884 apresentada em 13-11-2015, na qual dá conta que o telemóvel ficou impróprio para utilização, desliga sozinho e não carrega a bateria e apresenta uma temperatura elevada. Solicitou a substituição ou devolução da quantia paga o que foi recusado. Requer que a loja lhe dê um aparelho novo ou então devolva a quantia paga há 13 dias atrás (fls. 12); nota de serviço cliente n.º 130317151– serviço de pós venda – reparação – entrega do equipamento datada de 13.11.2015 (fls. 13); relatório de reparação de 2015-12-03 – dando conta que foram substituídas as peças placa pequena e placa mãe (fls. 14); nota de serviço cliente n.º 130317151– Radio Popular serviço de pós venda – reparação – entrega do equipamento datada de 12.05.2016 (fls. 15);relatório de reparação de 2016-05-10 (RMA: PTB1650217) – dando conta que foram substituídas a Placa mãe, Lcd.(fls. 16);folha de reclamação n.º 22151413 datada de 05.04.2017, na qual dá conta que foi novamente recusada a substituição e enviado para reparação. Disse que o aparelho apresenta pela 2.ª vez problema com o Lcd e que a loja se nega a substituir o aparelho. Não concorda que o aparelho vá mais uma vez para reparação. Exige que seja substituído por outro aparelho ou ressarcido do valor pago pelo aparelho; fotografia do aparelho ligado (fls. 8); mensagens de email na qual é apresentada proposta de entrega de um aparelho novo da mesma marca (fls. 54 a 60).
Em declarações de parte que se nos afiguraram isentas e credíveis o Demandante confirmou os factos descritos no requerimento inicial e disse ainda que adquiriu um aparelho novo no mês de agosto do corrente ano dado que viajou para o Brasil e teve necessidade de ter outro telemóvel (com características similares ao dos autos, designadamente acesso à Internet). Disse que durante o tempo em que ficou sem o aparelho em causa nestes autos esteve também impedido de usar o pacote de 5 gigas de Internet (G) no mesmo, tendo pago para o efeito semanalmente o valor de 3,99 euros. Usa o telemóvel nas suas comunicações pessoais mas também para contactar clientes uma vez que é Advogado, tendo em virtude desta situação ficado impedido estabelecer contactos por telemóvel. Assim também os contactos com os seus clientes inicialmente por dois meses tiveram que ser efectuados exclusivamente pelo telefone do escritório. No mais disse que ficou muito incomodado com esta situação e que era e é cliente habitual da Demandada, tendo inclusive aí comprado um novo telemóvel em Agosto de 2017 e grande parte dos equipamentos que possui na sua habitação. Disse que desde o início esta situação o chateou porque no 13.º dia a partir da compra o telemóvel deixou de funcionar e que desde aí a atitude da Demandada não lhe parece bem e que não percebe a desculpa da política da empresa dado que deu “todas as oportunidades” à Demandada. Disse que tem o telemóvel para o entregar à Demandada mas não para reparação.
Disse que sempre teve o aparelho disponível para entrega à Demandada todavia antes de dar entrada da acção no Julgado de Paz estava disposto a aceitar um aparelho novo agora apenas quer ser ressarcido do dinheiro que pagou pelo equipamento. Esta situação chateia-o dado que considera que não tem que aceitar terceira reparação do telemóvel.
Disse que em 04.04.2017 não entregou equipamento uma vez que apenas disseram que o reparavam. Negando devolver o dinheiro e dar equipamento novo.
A testemunha E, trabalhador da Demandada, é coordenador de serviços, incluindo de pós-venda da Demandada (loja de Setúbal), disse que a sua intervenção nos factos descritos nestes autos foi na 3.ª avaria, quando o Demandante se deslocou à Demandada. Disse que informou o Demandante que o equipamento teria que ir para o serviço autorizado da marca e que a avaliação é feita pela marca sendo assim a marca é que decide a intervenção a efectuar (a marca é que sabe se dentro da garantia ou não, se vícios possui técnicos ou não) e não a Demandada. Pelo que tem que haver sempre a entrega do equipamento para esse efeito.
A testemunha F, trabalhador da Demandada, presta os seus serviços na caixa pós-venda disse que fez um telefonema ao Demandante (18/04/2017), para saber se este queria dinheiro ou equipamento novo, tendo o Demandado dito que não queria o dinheiro mas equipamento. Esta conversa reportou-a à gerente H que disse a I.
Os factos não provados resultaram da ausência de prova nesse sentido, considerando que este Tribunal não dispõe de conhecimentos técnicos para aferir das desconformidades. Resultando da fotografia junta aos autos apenas que a avaria poderá ser similar dado fotografia do écran do telemóvel ligado.

VI – Fundamentação de direito
Entre as partes foi celebrado um contrato de compra e venda de bens de consumo cujo regime jurídico encontra-se regulado no Decreto-Lei n.º 67/2003 de 08 de Abril, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio, doravante designado regime da venda de bens de consumo e garantias a ela relativas). Sendo aplicável ainda a Lei de defesa do consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, na redacção da Lei 47/2014, de 28/07 e o regime das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17/12).
A Demandado é profissional, pessoa colectiva que exerce com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios e o Demandante é consumidor (pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional), para efeitos do disposto nos artigos 1.º n.º 1 e 1.º -B- do referido regime e artigo 2.º n.º 1 da Lei de defesa do consumidor.
A propósito do destino a uso não profissional diga-se que o Direito tem que acompanhar a realidade da vida, isto é um Advogado, profissional liberal, pode ter no seu telemóvel um instrumento de trabalho todavia e como no caso destes autos não o destina exclusivamente ao uso profissional mas também assim para uso pessoal e familiar. Pelo que qualquer outro entendimento desvirtuaria o espírito da Lei de protecção do consumidor.
De acordo com o artigo 2.º do regime da venda de bens de consumo e garantias a ela relativas “1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda… 2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos: d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.” Nesta alínea estão em causa as próprias características do bem de consumo objecto do contrato. O bem tem que ter o desempenho habitual durante o período de tempo adaptado aos bens da mesma categoria.
No caso destes autos o telemóvel deixou de funcionar normalmente, por 3 vezes, por causas que se prendem com placa pequena, placa mãe, Lcd e na última avaria conforme a fotografia (do telemóvel ligado) constante dos autos também consiste numa desconformidade similar (monitor), todas não imputáveis ao Demandante. As avarias são desconformidades, uma vez que esse facto não corresponde ao desempenho normal de um telemóvel, pelo que a Demandada incorre em responsabilidade contratual nos termos do disposto nos artigos 798.º e seguintes, 875.º e seguintes do Código Civil em conjugação com os diplomas de protecção do consumidor supra mencionados.
Dispõe o artigo 3.º n.º 2 do referido regime que “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.”.
Considerando existir uma presunção de desconformidade que verificando-se no período de garantia se reporta à entrega da coisa (móvel), caberia à Demandada fazer prova que tal desconformidade não lhe era imputável. Não logrou a Demandada tal prova.
Assim dada esta falta de conformidade diz o artigo 4.º do referido regime “1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.”
Estes meios que o consumidor tem ao seu dispor para reagir contra a venda de um objecto com falta de conformidade, não têm qualquer hierarquização ou precedência na sua escolha. O único limite é impossibilidade do meio ou pela natureza abusiva da escolha nos termos gerais (este último por referência ao instituto do abuso de direito constante do artigo 334.º do Código Civil), tal como constante do artigo 4.º n.º 5 do referido regime.
De acordo com o artigo 3.º n.º 1 alínea a) e artigo 4.º da Lei de defesa do consumidor, cuja epígrafe: Direito à qualidade dos bens e serviços “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.”.
O artigo 12.º, a Lei de defesa do consumidor, cuja epígrafe “Direito à reparação dos danos” “ 1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos. 2 - O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei.”. Para haver exercício destes direitos tem que haver denúncia por falta de conformidade nos temos do artigo 4.º e 5.º-A- do regime da venda de bens de consumo e garantias a ela relativas, o que o Demandante fez por 3 vezes, nesta última vez embora não tenha entregue o equipamento à Demandada, denunciou a falta de conformidade conforme factos provados.
No caso sub judice, considerando que a 1.ª avaria ocorreu em 13-11-2015 a 2.ª avaria em 03-05-2016 e a 3.ª avaria em 04-04-2017, ou seja, a 1.ª avaria 13 dias após a compra, a 2.ª avaria decorridos 6 meses e a 3.ª avaria decorridos de 11 meses, cremos que assiste direito à resolução contratual por parte do Demandante dado que a mesma não excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (artigo 334.º do Código Civil), reportando-nos a um bem cujo prazo de garantia legal são dois anos e no primeiro ano de “vida” teve 3 avarias de natureza similar, tendo sido reparado o equipamento já por duas vezes.
Na verdade, não obstante em acto seguido à denúncia da uma avaria pelo consumidor o equipamento ter que ser enviado para a marca para averiguar da natureza das desconformidades, tal (falta de meio técnicos) não pode ser imputado ao consumidor que numa terceira vez se desloca ao vendedor para efeitos de denúncia de defeitos mostra o equipamento com a desconformidade e apresenta reclamação no livro de reclamações dando conta do problema do seu equipamento e manifesta a vontade (à data ainda) de substituição equipamento ou devolução do valor pago.
Ao deixar ao critério da marca o exercício legítimo dos direitos do consumidor (a sua escolha) está-se claramente a não cumprir o espírito da Lei de defesa do consumidor que transpôs a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio.
O Demandante com a entrada da presente acção neste Tribunal perdeu objectivamente o interesse na reparação/substituição do equipamento (artigo 808.º do Código Civil), sendo que pretende ser ressarcido do valor pago pelo equipamento (pedidos subsidiários deduzidos).
O Demandante peticionou dano de privação do uso do equipamento (artigo 566.º n.º 3 do Código Civil). Nada alegou relativamente a pedido de um equipamento de substituição à Demandada nesse período. Reportou o período de privação do uso do equipamento: quanto a 1.ª avaria: 24 dias 13-11-2015 a 07-12-2015; quanto à 2.ª avaria: 10 dias 03/05/2016 a 12/05/2016 e quanto à 3.ª avaria: 2 dias 04/04/2017 a 06/04/2017.
Na 1.ª reparação e na 2.ª reparação foi observado o prazo de 30 dias constante do artigo 4.º n.º 2 do regime de venda de bens de consumo e das garantias e ela relativas, pelo que não assiste direito ao dano de privação do equipamento nesse período.
Quanto à 3.ª avaria (dois dias), não foram alegados factos para aferir dos danos sofridos mesmo com recurso à equidade (não estão determinados os danos).
No caso de o credor/Demandante optar pela resolução do contrato prevê-se mesmo assim o direito a indemnização (também na esteira do artigo 12.º da Lei de defesa do consumidor) que consiste no prejuízo que o credor teve com o facto de celebrar o contrato, ou seja, por outras palavras o prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo).
Todavia o Demandante peticiona juros mas tal indemnização não é compatível com o pedido de resolução contratual, a qual tem efeito retroactivo na qual deve ser restituído tudo que foi prestado ou se a restituição em espécie não for possível o valor correspondente (artigo 289.º n.º 1 aplicável por via do artigo 433.º, ambos do Código Civil).
Nestes autos mesmo sendo a restituição em espécie possível por parte da Demandada tal não é compatível com a Lei de defesa de consumidor porque seria uma substituição do equipamento e não a devolução do valor pago que é o que o Demandante pretende nesta data.
Nos termos do disposto no artigo 432.º do Código Civil “ É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção. 2. A parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato.”. Adianta o artigo 433.º do Código Civil, cuja epígrafe: Efeitos entre as partes “Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes.”.
O Demandante peticionou o preço do telemóvel com correcção monetária a contar da data da compra, tal indemnização a partida poderia ser equacionada (interesse contratual negativo), sucede que a estamos perante uma dívida pecuniária (obrigação pecuniária é obrigação de entregar dinheiro) sujeita ao princípio nominalista (artigo 550.º do Código Civil) e não uma obrigação de valor (nestas obrigações, a quantia em dinheiro a que se chega quando são liquidadas é apenas um meio de fixar o valor de um bem ou de reintegrar um património, como sucede, por exemplo, no enriquecimento sem causa ou na indemnização com fundamento em responsabilidade civil), à qual não seria aplicável o princípio nominalista e assim seria admissível fixação do seu montante em momento posterior ao da constituição da respectiva obrigação.
O Demandante pede que a Demandada seja condenada a pagar a quantia de € 10,00 diários, contados de 07 de Abril de 2017, até à devolução da quantia de € 349,90, ou substituição do bem conforme pedido contido nos itens A) e B).
A este propósito diga-se que estamos perante a figura da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829-A- do Código Civil.
A sanção pecuniária compulsória constante do artigo 829.ºA n.º 4 do Código Civil, sanção pecuniária compulsória legal, o Juiz não pode decretá-la por ser o próprio legislador a fazê-lo. O adicional de juros de 5% é automaticamente devido, de jure, desde o trânsito em julgado da sentença que condenar no pagamento de dinheiro corrente.

VII – Decisão
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente acção parcialmente procedente, e em consequência declaro resolvido o contrato de compra e venda de um telemóvel modelo D e condeno a Demandada a entregar o valor de 349,90 euros ao Demandante.
O Demandante deverá entregar o equipamento a Demandada.
Absolvo a Demandada do Demais peticionado com excepção da responsabilidade por custas que fixo a seu cargo em 50%.
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VIII – Responsabilidade por custas
Nos termos do artigo 9.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 209/2005, de 24/02, a Demandada é declarada parte vencida para efeitos de custas na proporção de 50%.
O valor das custas no Julgado de Paz é de 70,00 euros. Assim considerando que aquando da entrega da contestação a Demandada já procedeu ao pagamento de 35,00 euros tendo inclusive o Demandante procedido ao pagamento de 35,00 euros, nada há a entregar o a receber, estando assim as custas neste Julgado de Paz inteiramente satisfeitas.
Esta sentença foi lida às partes, nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da Lei dos Julgados de Paz.
Registe.
Setúbal, 13 de Novembro de 2017.
A Juíza de Paz
Liliana Sousa Teixeira