Sentença de Julgado de Paz
Processo: 75/2018 - JPVNP
Relator: CRISTINA POCEIRO
Descritores: COMPRA E VENDA. INCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO. PAGAMENTO DO PREÇO.
Data da sentença: 11/28/2018
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE PAIVA
Decisão Texto Integral:
Processo nº 75/2018 – JP Vila Nova de Paiva
SENTENÇA
I – RELATÓRIO:
Identificação das partes:
Demandante: A , sociedade comercial por quotas, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ---, com sede na --- Vila Nova de Paiva;
Demandada: B, sociedade com o número --- , com sede na ---, França.
Objeto do litígio:

A demandante instaurou a presente ação declarativa de condenação pedindo, com base nos fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial, que aqui se reproduzem, que a mesma seja julgada procedente e, em consequência, que a demandada seja condenada a pagar à demandante a quantia de € 582,20 (quinhentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos na pendência da ação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do respetivo requerimento inicial, segundo os quais, resumidamente, no âmbito da sua atividade comercial, a pedido da demandada, forneceu-lhe diversos bens que comercializa, no valor total acordado de € 582,20 (quinhentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos), isento de IVA; que entregou os bens à demandada na data da emissão da fatura dos autos, dos quais aquela não reclamou; que a demandada, até à data da instauração da ação, não lhe pagou tal valor, apesar de interpelada para tal.

Juntou dois documentos ao respectivo requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Tramitação e Saneamento:
A demandada faltou à sessão de pré-mediação e não justificou a respectiva falta no prazo legal, motivo pelo qual não foi possível obter a resolução do litígio através do serviço de mediação existente neste julgado de paz.

A demandada, pessoal e regularmente citada, não apresentou contestação. Notificada para tal, faltou à audiência de julgamento e não justificou a respetiva falta no prazo legal.

A audiência de julgamento decorreu com observância dos legais formalismos.

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Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da instância, pois, o julgado de paz é competente em razão da nacionalidade, do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º, nº 1, 8º, 9º, nº 1, alíneas a) e i) e 12º, nº 1, todos da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhes foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de Julho, e artigos 59º e 62º, alíneas a) e b), ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de Julho, conjugados com o artigo 7º, alínea b), 1ª parte do Regulamento (UE) nº 1215/2012, de 12 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (UE) nº 542/2014, de 15/05 e pelo Regulamento (UE) nº 281/2015, de 25/02).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
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Valor da ação: fixa-se o valor da presente ação em € 582,20 (quinhentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos), em conformidade com a posição das partes e as disposições conjugadas dos artigos 296º, nº 1, 297º, nº 1, 299º, 305º e 306º, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho.
Não há exceções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Questão a decidir: incumprimento pela demandada da obrigação de pagar o preço total acordado com a demandante, pela aquisição dos bens em causa nos autos.
Assim, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

1. A demandante é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica às atividades de comércio por grosso de madeiras e materiais de construção, transportes rodoviário de mercadorias, comércio a retalho de material de bricolage, equipamento sanitário, ladrilhos e materiais similares, em estabelecimentos especializados;

2. No exercício das respetivas atividades, a demandada solicitou à demandante o fornecimento de diversos bens, que esta aceitou fazer;

3. Para tal efeito, a pedido da demandada, a demandante forneceu-lhe 284 (duzentos e oitenta e quatro) sacos de cimento ---, com 25 Kg cada, pelo preço de € 2,05 (dois euros e cinco cêntimos) cada um, no valor total acordado de € 582,20 (quinhentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos);

4. O acordo referido no número anterior encontra-se titulado pela fatura nº A11/37297, emitida em 10-02-2018, com vencimento acordado para a mesma data, no valor total de € 582,20 (quinhentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos);

5. A demandante entregou, efetivamente, os referidos bens à demandada na data da emissão da fatura referida no número anterior, tendo sido carregados na sede da demandante e transportados pela demandada no veículo com a matrícula MAT VI ---;

6. Os aludidos bens foram aceites pela demandada, sem qualquer reclamação;

7. A fatura referida no anterior número quatro foi entregue, em mão, à demandada no momento da entrega dos mencionados bens, à qual também não apresentou qualquer reclamação;

8. Até ao presente, a demandada não apresentou qualquer reclamação quanto aos referidos bens e fatura;
9. Até ao presente, a demandada não pagou à demandante o valor de € 582,20 (quinhentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos), titulado pela fatura indicada no número quatro, apesar desta ter desenvolvido várias tentativas junto daquela, nomeadamente através de contato telefónico e pessoalmente, com vista à sua liquidação.

Factos não provados: Não há quaisquer factos não provados a especificar com relevância para a decisão dos autos.

Motivação dos factos provados:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação e conjugação crítica dos documentos juntos aos autos, na conduta processual das partes e na confissão dos factos alegados pela demandante no respetivo requerimento inicial, decorrente da citação pessoal e regular da demandada, da ausência de qualquer contestação sua e da respetiva falta injustificada à audiência de julgamento agendada nos autos.
Com efeito, o nº 2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, determina que “quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
Sendo que, além disso, os factos acima elencados, designadamente sob os números 2 a 9 são suscetíveis de prova por confissão (artigos 352º e 354º, ambos do Código Civil, diploma a que pertencem todas as normas posteriormente referidas sem expressa menção da sua fonte legal).
Atendeu-se ainda às regras de repartição do ónus da prova (artigos 342º e seguintes).

Dos documentos juntos aos autos, o tribunal atendeu à certidão permanente da matrícula da demandante junta a fls. 5 e 6 dos autos, que comprova a factualidade dada como provada sob o número 1 e à fatura junta a fls. 7 dos autos, que também confirma a factualidade dada como provada sob os números 2 a 5.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
De acordo com a factualidade considerada provada com interesse para a apreciação do mérito da presente ação, as partes celebraram entre si, por referência ao fornecimento dos 284 sacos de cimento Cosmos, titulado pela fatura acima identificada, um contrato de compra e venda.
Sendo a demandante uma sociedade comercial, a compra e venda realizada tem natureza comercial, face ao disposto nos artigos 2º, 13º, nº 2 e 463º, nº 1, todos do Código Comercial.
De acordo com o regime geral do Código Civil, aplicável subsidiariamente nos termos do artigo 3º do Código Comercial, o contrato de compra e venda, independentemente da sua natureza civil ou comercial, é um contrato bilateral e sinalagmático, já que importa obrigações recíprocas para ambas as partes; sujeito ao princípio da liberdade de forma (artigos 219º e 875º, este a contrario).
A compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (artigo 874º). A transmissão da propriedade dos bens, a obrigação de os entregar e a obrigação de pagar o respetivo preço são os efeitos essenciais produzidos no âmbito de tal contrato (artigo 879º). Isto é, o contrato de compra e venda tem um efeito real automático, de transmissão da propriedade dos bens vendidos (artigo 408º) e constitui efeitos obrigacionais recíprocos para as partes, ou seja, para o vendedor, a obrigação de entrega dos bens, e para o comprador, a obrigação de os pagar (conforme artigos 879º e 882º).
É, precisamente, o que ocorre no caso dos presentes autos quanto ao acordo celebrado entre demandante e demandada, uma vez que, atenta a factualidade considerada provada, a demandada solicitou à demandante a aquisição ou o fornecimento de 284 sacos de cimento Cosmos, com 25Kg cada saco, pelo preço unitário de € 2,05 (dois euros e cinquenta cêntimos), que esta aceitou fazer, tendo entregue à demandada os referidos bens na data da emissão da fatura.
Quanto ao preço acordado, a demandada não procedeu ao seu pagamento, estando ainda em dívida a totalidade desse valor.
Segundo o artigo 762º, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado e o contrato deve ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes (artigo 406º). No caso concreto dos autos, ficou demonstrado que a demandante, quanto ao fornecimento dos referidos sacos de cimentos --- efetuado à demandada aqui em causa, cumpriu pontual e integralmente as respetivas obrigações, pois, entregou à demandada os bens por esta solicitados, dos quais esta não reclamou.
Ademais, resulta também da fatura dos autos que “Os artigos facturados foram colocados à disposição do adquirente na data dos documentos mencionados.”, ou seja, na data de emissão da mesma. Ora, atenta a conduta processual da demandada, nenhuma oposição foi feita ao referido documento e respectivo teor, concluindo-se que o mesmo se acha em conformidade com as condições contratuais acordadas entre as partes, como também decorre das regras normais de experiência, pelo que, deveria a demandada ter efetuado o pagamento do preço acordado em simultâneo com a entrega do bem (o “pronto pagamento” também referido na fatura dos autos), tal como decorre da matéria de facto provada.
Sendo que, como os bens foram entregues à demandada na sede da demandante (o seu local de carga, como refere a fatura aqui em causa) e transportados pela demandada (como também refere a fatura e foi considerado provado), aquela deveria ter efetuado o pagamento no momento da entrega dos bens e na sede da demandante.
O que, aliás, se mostra conforme à regra supletiva do artigo 885º, segundo a qual o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida, consagrando, assim, o princípio do cumprimento simultâneo das obrigações das partes.
Atenta a factualidade provada, a demandada, por sua vez, não cumpriu, integral e pontualmente, a respetiva obrigação de pagar o preço ajustado à demandante, quanto ao fornecimento dos bens aqui em causa, pois, apesar de vencida a sua obrigação, não fez o pagamento do preço acordado.
Sendo que, não fez prova nos autos do contrário, atenta a respetiva conduta processual, pois, não alegou qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pela demandante ao pagamento do preço em dívida aqui reclamado.
Com efeito, para assim não ser, competia à demandada fazer alegação e prova de factos que impedissem a produção do efeito jurídico pretendido pela demandante, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 342º, o que não se verifica nos autos. Já a demandante cumpriu o disposto no nº 1 da citada norma, uma vez que alegou e provou os factos constitutivos do respetivo direito alegado (a existência da relação contratual nas condições consideradas provadas e a entrega dos referidos bens).
Conclui-se, por outro lado, que a demandada faltou, culposamente, ao cumprimento pontual e integral da respetiva obrigação, sendo responsável pelo prejuízo que causou ao credor com a sua conduta, uma vez que, incumbindo-lhe o ónus de provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (artigos 798º e 799º), também não fez prova de tal facto. E, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz (artigo 350º, nº 1).
De acordo com o disposto nos artigos 804º e 806º, verificando-se um retardamento do pagamento do preço, por causa imputável ao devedor, este constitui-se em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados à demandante, aqui também peticionados pela mesma. Como se trata de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, e se a obrigação tiver prazo certo, como ocorre no caso dos autos, o devedor fica constituído em mora a partir dessa data [artigo 805º, nº 2, alínea a)], isto é, no caso em apreço, a partir da data de vencimento da fatura aqui em causa.
Atento o exposto, a demandante tem, efetivamente, direito ao pagamento da quantia de capital em dívida de € 582,20 (quinhentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos) e dos respetivos juros comerciais vencidos desde a data de vencimento da fatura aqui em causa até à data da instauração dos presentes autos (21-08-2018), calculados às respetivas taxas legais e semestrais estabelecidas para tal período, de 8,00% (conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 102º, nº 5 do Código Comercial e dos Avisos nº 1989/2018, de 13-02 e nº 9939/2018, de 28-06, ambos da Direção Geral do Tesouro e Finanças), na importância total ora liquidada de € 24,50 (vinte e quatro euros e cinquenta cêntimos), atenta a mera necessidade de se efetuar um simples cálculo aritmético, bem como dos vincendos desde 22-08-2018 até efetivo e integral pagamento, como também peticionou.

IV- Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, condeno a demandada, B, a pagar à demandante a quantia global de € 606,70 (seiscentos e seis euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora comerciais vincendos, à taxa legal, sobre o capital em dívida de € 582,20 (quinhentos e oitenta e dois euros e vinte cêntimos), calculados desde 22-08-2018 até efetivo e integral pagamento.
As custas totais, no valor de € 70,00 (setenta euros), são a cargo da demandada, que declaro parte vencida, sendo que tal importância deve ser paga nos três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento da presente decisão, sob pena de aplicação e liquidação de uma sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso, até ao valor de € 140,00 (cento e quarenta euros), atento o disposto no artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, e nos artigos 1º, 8º e 10º, todos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, na redação que lhe foi conferida pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro.---
Reembolse-se a demandante, nos termos do artigo 9º da mesma Portaria.
Notifique e registe.
Vila Nova de Paiva, 28 de novembro de 2018
A juíza de paz,

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(Cristina Maria da Costa Rodrigues Poceiro)
Processado por meios informáticos (artigo 131º, nº 5 do Código de Processo Civil), versos em branco e revisto pela signatária.---