Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1082/2017-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS
Data da sentença: 01/22/2019
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Processo nº 1082/2017 JPLSB

Objeto: Responsabilidade civil contratual – indemnização por danos.

Demandante: A. S.A.
Mandatária: Srª. Drª. B.

Demandadas: 1 – C., S.A.
Mandatário: Sr. Dr. D.
2 – E., LDA.
3 – F.
Mandatária: Srª. Drª. G.

Relatório:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra as demandadas, também devidamente identificadas nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que estas sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de € 1.921,34 (mil novecentos e vinte e um euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 9 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que no dia 10 de julho de 2017, pelas 17:00 horas, no recinto da Bomba de Gasolina …, junto à marina da …, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros marca ….., matrícula 00-00-MC (doravante MC), propriedade da demandante, que esta utiliza no exercício da sua actividade comercial, o qual é objecto de um contrato de seguro celebrado com a demandada C, S.A. Alega que nesse dia, após um acidente, solicitou o reboque do seu veículo através do serviços contratualizado “Assistência em Viagem”, tendo este sido realizado pela 2.ª demandada E., LDA. e que, na execução da manobra de reboque, devido à incorreta instalação do mecanismo de reboque, soltou-se o cabo de aço que segurava ao veículo rebocador e o MC deslizou pela plataforma cerca de oito metros e caiu no chão. De seguida, o funcionário da 2.ª demandada reiniciou a manobra de reboque, tendo exercido extrema força na peça para engate do guincho, danificando-a em 50% da sua extensão. Tendo sido aconselhada a não circular, por ser impossível proceder ao seu reboque, a demandante comunicou o sinistro à 1.ª demandada, a qual lhe transmitiu que a 2.ª demandada havia, também, comunicado o sinistro à sua seguradora, aqui 3.ª demandada. E, não podendo circular, e precisando do veículo, procedeu à reparação do mesmo, tendo despendido € 306,77 (trezentos e seis euros e setenta e sete cêntimos). E, durante o período em que o veículo não circulou teve de recorrer aos serviços de aluguer de viaturas e de táxi, tendo despendido a quantia de € 1.457,41 (mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e quarenta e um cêntimos), e viu-se obrigada a recorrer aos serviços de advocacia, tendo despendido € 369 (trezentos e sessenta e nove euros), peticionando a condenação das demandadas no pagamento destas quantias. Juntou procuração forense e 12 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Devidamente citada, a demandada C., S.A., atual denominação da H., S.A., apresentou a contestação de fls. 100 a 106 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, alegando ser parte ilegítima, por ter através de tratado de resseguro que juntou aos autos, ter transferido para a I., S.A., a cobertura de “Assistência em Viagem”, requerendo a intervenção provocada desta e a declaração da sua ilegitimidade. Quanto ao sinistro, aceita a participação dos factos alegados no requerimento inicial, alegando que o funcionário da 2.ª demandada não apertou suficientemente a peça no encaixe do carro, o que originou o deslize do carro em distância inferior à participada, mas desse deslize não resultou qualquer dano para o MC, que foi, de seguida, rebocado e entregue em oficina sita em Lisboa, sem qualquer observação. Impugna que o reboque tenha causado qualquer dano ao MC, a sua reparação, bem como os factos alegados quanto à privação de uso do MC e despesas. Juntou procuração forense e 2 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos
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Devidamente citada, a demandada E., LDA., apresentou a contestação a fls. 81 e 82 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, alegando a incompetência territorial do Julgado de Paz de Lisboa, requerendo a remessa dos autos para o Julgado de Paz da Nazaré. Alega que o seu funcionário não teve dificuldade no reboque da viatura e que a rosca poderia já ter sido danificada em reboque anterior, já que não estava em boas condições. Mais alega que transferiu a sua responsabilidade civil decorrente da exploração da sua actividade comercial para a 3.ª demandada, a quem participou o sinistro.
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Devidamente citada, a demandada F., atual denominação de …… COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., apresentou a contestação de fls. 57 a 64 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, aceitando a celebração de contrato de seguro com a 2.ª demandada, pelo qual esta lhe transferiu a responsabilidade civil decorrente da exploração da sua actividade, bem como a participação do sinistro aludido nos autos, impugnando a factualidade vertida nos autos, referindo que a rosca não estaria já em circunstâncias normais e que o MC ao soltar-se teria percorrido cerca de 50 centímetros. Alega que para reparação da rosca foi estimado o custo de € 271,81 (duzentos e setenta e um euros e oitenta e um cêntimos) com um dia de duração. Alega ainda que dos danos referidos nos autos não decorre qualquer impossibilidade de circulação, a qual era prévia, daí a necessidade de se chamar a Assistência em Viagem. Juntou procuração forense e 6 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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A demandada F. afastou a mediação, pelo que foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatários, sido devidamente notificados.
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Iniciada a audiência, na presença das partes e mandatários, a Juíza de Paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art.º 26.º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem-sucedida.
Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas pelas partes.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 1.921,34 (mil novecentos e vinte e um euros e trinta e quatro cêntimos).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – No dia 10 de julho de 2017, pelas 17:00 horas, no recinto das Bombas de Gasolina …, junto à marina da …, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros marca …, matrícula 00-00-MC (doravante MC), propriedade da demandante (Doc. fls. 11).
2 – À data, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo MC encontrava-se transferida para a demandada C., S.A., atual denominação da H., S.A., ao abrigo do contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice nº 0000, que incluía também a cobertura “Assistência em Viagem” (Doc. fls. 13 e seguintes).
3 – Ao abrigo de tal cobertura, a demandante solicitou o reboque do seu veículo (Doc. fls. 21).
4 – Reboque que foi realizado pela 2.ª demandada E., LDA. (Doc. fls. 21)
5Na execução da manobra de reboque, soltou-se o cabo de aço que segurava o MC ao veículo rebocador e o MC deslizou pela plataforma menos de um metro e caiu no chão.
6 – Não sendo visível qualquer dano no MC, o funcionário da 2.ª demandada reiniciou a manobra de reboque, tendo rebocado o MC até ao seu destino: oficina em Lisboa.
7 – Nesta oficina constata-se que a peça onde encaixa o mecanismo de reboque estava danificada em 50% da sua extensão.
8 – Em 12 de julho de 2017 a demandante comunicou o incidente à sua Seguradora, informando da necessidade de substituição da rosca moída e que “entretanto a fim de evitar mais atrasos solicitei à oficina que avançasse com a reparação porque o carro por ser o único que possuo me fazer muita falta” (Doc. fls. 23).
9 – Em 14 de julho de 2017 a demandante foi informada que a 2.ª demandada comunicou não ter danificado a rosca e que iria participar o sinistro à sua Companhia de Seguros (Doc. fls. 24), o que fez nesse dia (Doc. fls. 68 e 69).
10 – Em 17 de julho de 2017 a demandante remeteu a comunicação electrónica de fls. 24 verso a 25 verso à Seguradora.
11 – Em 18 de julho de 2017 a mandatária da demandante remeteu à 1.ª demandada a comunicação electrónica de fls. 27 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a solicitar um veículo de substituição.
12 – Em 21 de julho de 2017 a mandatária da demandante remeteu à 3.ª demandada a carta a fls. 29 e 30 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a solicitar uma tomada de posição sobre o sinistro e informar que irá proceder à reparação imputando-lhe o custo.
13 – À data, a responsabilidade civil decorrente da exploração da actividade comercial da 2.ª demandada encontrava-se transferida para a demandada F., atual denominação de ….. COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., ao abrigo do contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice nº 0000 (Doc. fls. 66 e 67).
14 – Dá-se aqui por integralmente reproduzida a fatura a fls. 33 dos autos, datada de 4 de agosto de 2017, referente a “reforço pára choques” e “Mão de obra” no valor de € 306,77 (trezentos e seis euros e setenta e sete cêntimos).
15 – Dá-se aqui por integralmente reproduzida a comunicação electrónica a fls. 72 dos autos, pela qual a entidade que emitiu a fatura identificada no número anterior, orçamentou a reparação da peça do reboque do MC em € 271,81, acrescido de IVA.
16 – Em data não apurada a demandante reparou a peça onde encaixa o mecanismo de reboque do MC.
17 – Dá-se aqui por integralmente reproduzida a fatura a fls. 35 dos autos, datada de 19 de julho de 2017, referente ao aluguer de viatura de 20 a 24 de julho de 2017, no valor de € 211,84 (duzentos e onze euros e oitenta e quatro cêntimos).
18 – Dá-se aqui por integralmente reproduzida a fatura-recibo a fls. 37 dos autos, datada de 24 de julho de 2017, referente ao aluguer de viatura de 20 a 24 de julho de 2017, no valor de € 123,20 (cento e vinte e três euros e vinte cêntimos).
19 – Dá-se aqui por integralmente reproduzida a fatura-recibo a fls. 39 dos autos, datada de 4 de agosto de 2017, referente ao aluguer de viatura de 24 de julho a 4 de agosto de 2017, no valor de € 889,53 (oitocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e três cêntimos).
20 – Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as três faturas de transporte em Táxi a fls. 41 dos autos, datadas de 20 de julho e 4 de agosto de 2017, no valor total de € 21 (vinte e um euros).
21 – Dá-se aqui por integralmente reproduzida a fatura-recibo a fls. 43 dos autos, emitida em 7 de agosto de 2017 pela mandatária da demandante no valor de € 369 (trezentos e sessenta e nove euros), incluindo a quantia de IRS retida.
22 – A 1.ª demandada celebrou com a I., S.A. o contrato de resseguro de fls. 112 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, pelo qual transferiu para esta os riscos da cobertura Assistência em Viagem contratualizada com a demandante.
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1 – A demandante foi aconselhada a não circular por ser impossível proceder ao reboque do MC.
2 – A peça onde encaixa o mecanismo de reboque do MC já não estava em boas condições.
3 – O funcionário da 2.ª demandada não apertou suficientemente a peça no encaixe do carro.
4 – A demandante utiliza o MC no exercício da sua atividade comercial.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas pelas partes.
Quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas esclareça-se que todas prestaram depoimentos de modo seguro, isento e convincente, demonstrando terem conhecimento direto dos factos sobre os quais depunham, tendo a testemunha da demandante admitido que o MC quando caiu do reboque não ficou muito longe e que, nesse momento, não tinha danos visíveis. A testemunha apresentada pela 2.ª demandada não presenciou os factos relatados nos autos, sendo que todos os factos que relatou ao tribunal sido os que o funcionário da 2.ª demandada lhe transmitiu, ou seja, todo o seu depoimento foi indirecto. Por último a testemunha apresentada pela 1.ª demandada (funcionário da I. responsável pelo sinistro) que disse que as partes (demandante e 2.ª demandada) acordam quanto ao modo como os factos ocorreram, diferindo somente no seguinte aspecto: a demandante diz que o rebocador estragou a peça (rosca) do MC e este diz que a peça estava estragada.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição das partes e testemunhas. Esclareça-se que não foi apresentada qualquer prova quanto aos factos dados como não provados sob os números 1 e 4 já que a testemunha apresentada pela demandante não depôs sobre os mesmos.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
O caso em apreço é revelador do espírito de litigância que ainda impera nas relações sociais, avessas à conciliação como modo de resolução amigável dos conflitos. No caso era essa a via indicada para que a justiça fosse feita. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciar a questão que nos é colocada sob o prisma da legalidade. E, neste prisma, não basta alegar: é preciso provar. Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Com a presente ação a demandante pretende ser indemnizada no montante de € 1.921,34 (mil novecentos e vinte e um euros e trinta e quatro cêntimos), correspondente aos danos para si advenientes do serviço de reboque efetuado pela 1.ª demandada, no âmbito da cobertura de “Assistência em Viagem” do contrato de seguro que celebrou com a mesma, pelo qual essa demandada assumiu a obrigação de, em caso de acidente ou avaria, transporte do veículo desde o local onde se encontra até oficina a indicar pelo segurado; fundamentando, assim, a sua pretensão na responsabilidade contratual, derivada do contrato de seguro que celebrou com a 1.ª demandada, que incluía, além da cobertura de responsabilidade civil obrigatória, a cobertura de assistência em viagem.
Dos factos provados resulta que a 1.ª demandada obrigou-se contratualmente a prestar o serviço de assistência em viagem à demandante, dever que se consubstancia na obrigação de efetuar o transporte/reboque do veículo objeto do contrato de seguro desde o local de recolha até ao local que lhe é indicado como de entrega, sem causar qualquer dano ao mesmo, já que desde o momento em que o veículo lhe é entregue até ao momento em que o entrega fica fiel depositária do veículo, estando obrigada a guardar a coisa que lhe é entregue, e conservá-la, até à sua restituição.
Nos termos do n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil, que prescreve Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, competia ao demandante provar que após o MC ser entregue à 2.ª demandada – que, em nome da 1.ª demandada, cumpria a obrigação contratualmente assumida pela 1.ª demandada – e enquanto esta executava o reboque foi causado um dano a peça do MC, facto que logrou provar. Por sua vez, competia à 1.ª, 2.ª ou 3.ª demandada provar, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º, do Código Civil, que prescreve “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” que a peça onde encaixava o mecanismo de reboque do MC já não estava em boas condições, ou seja que o danos pré existia, no momento da entrega do veículo à 2.ª demandada ou que o funcionário desta 2.ª demandada não apertou suficientemente a peça no encaixe do carro, factos que não ficaram provados nestes autos. E, assim sendo, urge concluir que o dano no MC foi causado enquanto a 2.ª demandada executada o serviços de reboque do mesmo, em nome da 1.ª demandada, sendo, assim, esta responsável pelos danos causados à demandante.
Esclareça-se ainda que só no caso de se ter provado, que não foi, que o funcionário da 2.ª demandada tinha causado o dano com dolo ou mera culpa é que a 3.ª demandada seria responsável pelo dano causado ao demandante, atento o contrato de seguro identificado no número 13 de factos provados.
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Sendo obrigação da 1.ª demandada ressarcir os danos causados ao demandante, passemos à análise dos danos peticionados nos autos.
A obrigação de indemnizar abrange todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, que tiveram como causa adequada o acidente, impendendo sobre o lesante o dever de reparar o prejuízo causado (danos emergentes), bem como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência do evento danoso, incluindo os danos futuros, desde que previsíveis, segundo um juízo de normalidade (lucros cessantes) – (art.ºs 563º e 564.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Resultou provado que no momento em que o MC é entregue em oficina de Lisboa, a peça onde encaixa o mecanismo de reboque estava danificada em 50% da sua extensão. Alega a demandante que na sua reparação despendeu € 306,77 (trezentos e seis euros e setenta e sete cêntimos), como resulta do documento a fls. 33 dos autos. E, sendo certo que nessa fatura consta como trabalhos executado “reforço pára choques” e “Mão de obra”, e não a reparação da peça concreta que ficou danificada, a verdade é que na comunicação eletrónica a fls. 72 dos autos, a mesma entidade que emitiu a fatura identificada, orçamentou a reparação da peça do reboque do MC em € 271,81, acrescido de IVA, ou seja em montante superior ou posterior e efetivamente pago. Assim, concluímos que tal fatura consubstancia a quantia efetivamente paga pela reparação da peça danificada no MC, prejuízo causado pela 1.ª demandada, indo a mesma condenada em ressarcir o demandante desse valor.
A demandante peticiona ainda a condenação da demandada no pagamento das quantias que despendeu em aluguer de viaturas e de táxi, no montante total de € 1.457,41 (mil quatrocentos e cinquenta e sete euros e quarenta e um cêntimos), por ter estado privada do uso do seu veículo, que utiliza no exercício da sua atividade comercial.
O peticionado subsume-se à apreciação da obrigação de indemnização por privação do uso de veículos. No caso da privação do uso de veículo, temos por assente que a mesma não constitui, só por si, autonomamente, um dano indemnizável, ou seja, sem que se comprove um prejuízo concreto, na medida em que a simples detenção do veículo pode não traduzir qualquer utilização.
A jurisprudência nem sempre tem sido uniforme relativamente a esta questão, entendendo uns que a indemnização pela privação do uso de um veículo automóvel depende da prova de um dano concreto, ou seja, da demonstração de prejuízos decorrentes diretamente da não utilização do bem, sustentando outros que a simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que dele se faça, ou não, durante o período da privação.
Seguimos a primeira corrente jurisprudencial por considerar mais consentânea com os textos legais da responsabilidade civil: é que a obrigação de indemnizar pressupõe a existência de um dano real, concreto, efetivo - art.ºs 563.º e 564.º, n.º 2, do Código Civil - pelo que não basta demonstrar-se a simples privação, é necessário, ainda, que o lesado alegue e prove que a privação da coisa lhe acarretou prejuízo, ou seja, que seria por ele utilizada durante o período da privação (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 3/5/2011, processo n.º 2618/08.06TBOVR.P1, in www.dgsi.pt/jstj).
Não oferece dúvidas que a mera utilização ou uso de um veículo automóvel traduz-se numa vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária e, consequentemente, inscrita nos danos indemnizáveis (artºs 483º, 562º e segs. e 1305.º do C. Civil), de acordo com critérios de equidade, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, nos termos do art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil (neste sentido o Ac. do T. da Rel. do Porto, de 22/9/2011 e Ac. do STJ de 29/11/2005, CJ/STJ, Tomo III, pág. 151).
Neste âmbito, competia à demandante provar, nos termos do n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil, que tinha sido aconselhada a não circular por ser impossível proceder ao reboque do MC e que utilizava o MC no exercício da sua atividade comercial, factos que sabemos não ter logrado provar por não ter apresentado qualquer prova nesse sentido. Cumpre, aqui, esclarecer que o dano que se discute nos presentes autos é o existente na peça onde encaixa o mecanismo de reboque do MC, dano que não causa a impossibilidade de circulação do MC; e este dano não se pode confundir com o dano que o MC teria no momento em que é acionada a assistência em viagem, dano este que supomos, devido à utilização desta cobertura do seguro, causou a impossibilidade de circulação do MC. E, assim, não tendo resultado provado que a demandante tenha sido aconselhada a não circular com o MC por ser impossível proceder ao reboque do MC no caso de necessidade, bem como e que utilizava o MC no exercício da sua atividade comercial, a sorte deste seu pedido terá de ser a sua improcedência.
Por último, analisemos o pedido de condenação da demandada no pagamento da quantia que a demandante despendeu em honorários da sua mandatária: de € 369 (trezentos e sessenta e nove euros).
Considerando que o nosso sistema jurídico, com a disposição “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam ocorrido se não fosse a lesão” (art. 563º do C.C), acolheu a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstrato, ele seja causa adequada desse mesmo dano. Ora a contratação da mandatária da demandante, e o pagamento dos seus honorários, é um prejuízo que a demandante tem por se ter visto obrigada a recorrer a este Julgado de Paz para fazer valer o seu direito, consequente um prejuízo também a indemnizar.
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Por último, quanto à condenação da demandada no pagamento de juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento, verificando-se existir, como se disse, um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ao demandante (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar a partir do dia de constituição de mora (artigo 806º do Código Civil). Nos termos do nº 1 do artigo 805º do Código Civil, o devedor fica constituído em mora, nomeadamente, após ter sido judicialmente interpolado ao pagamento. Deste modo, tem o demandante direito a juros de mora, à taxa de 4%, (nos termos do artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 8 de Abril) desde a data da citação (28 de setembro de 2017, cfr. documento a fls. 54 dos autos), conforme pedido, até efectivo e integral pagamento.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a demandada C. S.A. a pagar à demandante a quantia de € 675,77 (seiscentos e setenta e cinco euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 29 de setembro de 2017 até efetivo e integral pagamento, indo no demais absolvida.
Mais absolvo as demandadas E., LDA. e F. do pedido.
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CUSTAS
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro, condeno demandante e demandada C., S.A. no pagamento das custas em partes iguais, que se encontram integralmente pagas.
Cumpra-se o disposto no número 9 da referida Portaria em relação às demandadas E., LDA. e F.
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Remeta-se cópia às partes, e mandatários, da presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da LJP).
Registe.
Após trânsito, encontrando-se as custas integralmente pagas, arquivem-se os autos.
Julgado de Paz de Lisboa, 22 de janeiro de 2019
A Juíza de Paz,

(Sofia Campos Coelho)