Sentença de Julgado de Paz
Processo: 79/2013-JP
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data da sentença: 08/07/2013
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Proc.º 79/2013-JP
Demandante: A
Demandada: B
*
OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante intentou contra a Demandada a presente ação declarativa, enquadrável na alínea h) do nº 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe o montante de € 4.308,12, aos quais acrescerão juros à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento, na sequência de um acidente de viação com o veículo matrícula CC.
*
A Demandada contestou nos termos plasmados a fls. 25 a 36, impugnando parcialmente a matéria de facto alegada pelo Demandante.
*
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Ata.
*
FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO
No dia 3 de Abril de 2012, na EN nº12 (Estrada Interior da Circunvalação) no Porto, ocorreu um acidente de viação.
A. No qual foram intervenientes, o ligeiro de passageiros matrícula SC, propriedade de C e conduzido pelo próprio.
B. E o veículo ligeiro de passageiros, matrícula CC propriedade do Demandante e conduzido pelo próprio.
C. À data do acidente, o proprietário do veículo SC havia transferido para a Demandada a sua responsabilidade civil automóvel através da apólice nº xxxxx.
D. No espaço envolvente ao local do embate, existe um cruzamento formado pela Estrada da Circunvalação (Interior e Exterior) e, do lado Sul, pela R. Direita do Viso, do lado Norte pela R. do Senhor, cujo trânsito é regulado por semáforos.
E. No sentido Nascente/Poente (Estrada Exterior da Circunvalação) a via desenvolve-se em 3 faixas de rodagem: as duas da direita para o trânsito que pretende seguir em frente, e a terceira para virar à esquerda ou inverter a marcha tomando a Estrada Interior da Circunvalação.
F. No sentido Poente/Nascente (Estrada Interior da Circunvalação) a via desenvolve-se em 3 faixas de rodagem: as duas da direita para o trânsito que pretende seguir em frente, e a terceira para fazer inversão de marcha, tomando a Estrada Exterior da Circunvalação.
G. Na Rua Direita do Viso não existe qualquer semáforo, já que o trânsito se faz, apenas, no sentido Norte/Sul.
H. Na Rua do Senhor, existem semáforos para regular o trânsito que se processa apenas no sentido Norte/Sul; no entanto, ao entroncar com a Estrada Exterior da Circunvalação, o trânsito pode virar à direita - entrando nesta última via - seguir em frente e entrar na Rua Direita do Viso ou entrar na Estrada Interior da Circunvalação.
I. A sinalização semafórica instalada no local funciona da seguinte forma:
Quando os semáforos que regulam o trânsito da Estrada da Circunvalação no sentido Nascente/Poente e Poente/Nascente, isto é, Exterior e Interior, emitem luz verde, o que regula o trânsito da terceira faixa de rodagem, que apenas permite a mudança de direção à esquerda, emite luz amarela intermitente; de seguida, o semáforo que regula o trânsito da Estrada da Circunvalação (Interior e Exterior) em ambos os sentidos passa a emitir luz vermelha; o que regula o trânsito da referida terceira faixa de rodagem que apenas permite a mudança de direção à esquerda emite, também, luz vermelha, já que os semáforos da Rua do Senhor estão a emitir luz verde, quer para o trânsito que pretende virar à direita entrando na Estrada Exterior da Circunvalação, quer para o que pretende seguir em frente, tomando a Estrada Interior da Circunvalação ou a Rua Direita do Viso.
J. Nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, o SC circulava na Estrada Exterior da Circunvalação, sentido Nascente/Poente, e no supra mencionado cruzamento, virava à esquerda para tomar a R. Direita do Viso.
K. O CC circulava na mencionada Estrada Interior da Circunvalação, sentido Poente/Nascente, isto é, subia a citada via.
L. Ocupava a primeira faixa de rodagem, ou seja, a mais à direita atento o sentido que levava.
M. Quando o SC cortou, repentina e inesperadamente, a sua linha de passagem.-
N. Não tendo a Demandante conseguido evitar o embate no SC e, a seguir, num veículo terceiro que estava estacionado na berma - do lado direito, atento o seu sentido de marcha.
O. Em consequência direta e necessária do acidente acabado de descrever, o CC sofreu danos no valor de € 3.738,47.
P. Durante o tempo em que o CC esteve privada do uso do veículo, a Demandante teve de se deslocar de táxi, entre a sua residência e o local de trabalho e vice-versa, por não possuir outro veículo automóvel.
Q. Com as deslocações, despendeu a quantia de € 569,65.

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
*
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final, sendo que os factos constantes em A., B., E., F., H., I., L., K, O e P, consideram-se admitidos por acordo – art.º 490º nº2 do C.P.C.
Quanto à dinâmica do acidente, teve-se essencialmente em consideração a conjugação dos depoimentos da testemunha D e do Agente da PSP, E, este último, no que concerne ao funcionamento da sinalização semafórica existente no local do acidente, sendo os respetivos depoimentos coerentes, seguros e credíveis.
*
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
*
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor que se fixa em € 4.308,12 – artºs 306º nº1 e 315º nº2, ambos do C.P. Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandada por representação – artº 21º do C.P. Civil) e são legítimas.
*
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Visa o Demandante, com a presente ação, a condenação da Demandada no pagamento de uma indemnização, por entender que o acidente em causa nos autos, se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo 12-68-SC.
Da Responsabilidade dos intervenientes no acidente:
O art.º 483 CC determina que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjetivos absolutos, ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. Pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa.
Nos termos do artº 487º do Cód. Civil, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão.
Quanto à dinâmica do acidente, provou-se que o SC circulava na Estrada Exterior da Circunvalação, sentido Nascente/Poente e no cruzamento formado pela Estrada da Circunvalação (Interior e Exterior) e, do lado Sul, pela R. Direita do Viso, do lado Norte pela R. do Senhor, cujo trânsito é regulado por semáforos, virava à esquerda para tomar a R. Direita do Viso. Por sua vez, o CC circulava na mencionada Estrada Interior da Circunvalação, sentido Poente/Nascente, isto é, subia a citada via., ocupando a primeira faixa de rodagem, ou seja, a mais à direita atento o sentido que levava, quando o SC cortou, repentina e inesperadamente, a sua linha de passagem, não tendo a Demandante conseguido evitar o embate no SC e, a seguir, num veículo terceiro que estava estacionado na berma - do lado direito, atento o seu sentido de marcha.
Com efeito, a testemunha D, que seguia na mesma via que o veículo CC, confirmou que o semáforo estava verde, no sentido em que seguiam, daí que o semáforo que regula o trânsito da terceira faixa de rodagem que apenas permite a mudança de direção à esquerda, emitia luz amarela intermitente (funcionamento da sinalização confirmado pelo Agente E), o que quer dizer que o condutor do SC só poderia concretizar a sua manobra de mudança de direção se da mesma não resultasse perigo para o trânsito que circulava na via e no mesmo sentido do veículo CC.
Face à matéria assente, há que concluir que a responsabilidade do acidente em apreço, se deve exclusivamente à conduta do condutor do veículo SC, o qual violou o o nº 2 do art.º 3º do Código da Estrada e nº 1 alínea c) do art.º 69º e nº1 do art.º 71º do Decreto Regulamentar nº 22-A/98 de 1 de Outubro, violações essas que foram causa adequada para a ocorrência do acidente.
Conclui-se pois, estarem preenchidos todos os pressupostos (supra mencionados) do nascimento da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos por parte do condutor do SC.
*
Da Obrigação de indemnizar
O proprietário do veículo SC havia transferido a responsabilidade civil, por danos emergentes da sua circulação para a Demandada seguradora, pelo que sobre ela recai a obrigação de indemnizar pelos danos provocados pelo acidente.
Os Danos:
Nos termos do art.º 562º do C.Civil a obrigação de indemnizar visa, desde logo, a reconstituição da situação que existiria na esfera jurídica do lesado, no caso de não se ter verificado o evento que obriga à reparação.
São assim, indemnizáveis, os danos de carácter patrimonial (quer os prejuízos emergentes quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, nos termos dos nºs 1 e 2 do art.º 564º do C.Civil) e os de carácter não patrimonial (estes apenas no caso de mereceram a tutela do direito, nos termos do nº 1 do art.º 496º do C.Civil).
Provou-se que o veículo matrícula CC é propriedade da Demandante (a participação de acidente faz fé em juízo quanto aos factos comprovados pelo agente), pelo que tem direito a ser ressarcida dos prejuízos sofridos em consequência do embate.
A Demandante peticionou danos patrimoniais, designadamente o valor da reparação do CC e os danos pela privação do uso do veículo.
Nesta matéria, provou-se que a reparação do veículo CC foi orçada pela Demandada na quantia de € 3.738,47, pelo que deverá a Demandante ser reembolsada desta quantia.
Quanto à alegada paralisação, peticiona a Demandante a quantia de € 569,65, pelo período em quem esteve privada do uso do mesmo.
Tendo em conta a orientação da jurisprudência mais recente, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária. Neste sentido, Ac. STJ de 09.05.02, págs. 125 a 129 do I volume de António Santos Abrantes Geraldes – Indemnização do Dano de Privação do Uso, 2ª Ed. Almedina.
Neste sentido, também o Ac. RP de 15.03.2005 in www.dgsi.pt: “o lesado, durante o período da imobilização da viatura, ficou privado das utilidades que esta poderia proporcionar-lhe; e isto constitui um prejuízo, uma realidade de reflexos negativos no património do lesado, mesmo se, como é o caso, não se provou em concreto um aumento das despesas em razão da privação do seu uso.”
Citando novamente Abrantes Geraldes (Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, 2001), no que concerne à temática dos autos (§ 5.14):
“Pressupondo que a privação do uso do veículo representa sempre uma falha na esfera patrimonial do lesado e que, em regra, será causa de um prejuízo material, impõe-se avaliar qual a compensação ajustada ao caso, de acordo com a gravidade das repercussões negativas e o destino que, em concreto, era dado ao bem.”
“Essa compensação pode variar de acordo com o circunstancialismo presente em cada caso, designadamente, tendo em consideração, a disponibilidade de outro veículo com idêntica função ou o grau de utilização que, efetivamente, lhe seria dado durante o período da privação. Mas, em princípio, a privação deverá ser compensada com a atribuição de um quantitativo correspondente ao desvalor emergente da ação.”
Mesmo não se tendo provado prejuízos efectivos, é possível determinar com o recurso à equidade, o valor dos danos da paralisação” – Ac. STJ, de 09.06.96, in BMJ 457/325).
In casu, provaram-se prejuízos efetivos, designadamente que a Demandante durante o tempo em que esteve privada de utilizar o CC, teve de se deslocar de táxi, entre a sua residência e o local de trabalho e vice-versa, por não possuir outro veículo automóvel, tendo com as deslocações, despendido a quantia de € 569,65, pelo que deverá ser ressarcida dessa quantia.
*
Os juros de mora.
Nos termos do art.º 804º e art.º 559º do Cód. Civil, sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. Nos termos do art.º 805º nº 3 do citado cód., serão devidos juros de mora, à taxa legal de 4%, sobre a indemnização desde a data da citação até integral pagamento (Portaria nº 291/2003, de 08.04).
*
DECISÃO:
Pelo exposto julgo a ação procedente e, em consequência, condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia de € 4.308,12 (quatro mil, trezentos e oito euros e doze cêntimos), acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação, até integral pagamento.
Declaro parte vencida a Demandada com as custas a seu cargo (art.º 8º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.
Porto, 7 de Agosto de 2013

A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)