Sentença de Julgado de Paz
Processo: 13/2018-JPSNT
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - ENTREGA DE DOCUMENTAÇÃO E RECONHECIMENTO DE JUSTA CAUSA DE RESCISÃO CONTRATUAL.
Data da sentença: 02/22/2018
Julgado de Paz de : SINTRA
Decisão Texto Integral: Objecto: Incumprimento contratual – entrega de documentação e reconhecimento de justa causa de rescisão contratual.

Demandante: A, X, SINTRA.

Demandada: B
Mandatária: Srª. Drª. C.
RELATÓRIO:
O demandante, devidamente identificado nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a entregar-lhe toda a documentação, chaves e demais pertences do condomínio que tenha em seu poder, e a reconhecer a existência de justa causa na resolução do contrato celebrado entre as partes. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 2 a 4 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que, a demandada exerceu até 24 de outubro de 2017 as funções de administradora do condomínio demandante, data em que a assembleia de condóminos elegeu nova administração. Alega que notificou a demandada da sua exoneração, mas esta não se conformou com a deliberação e instada a entregar toda a documentação e pertences do demandante em seu poder, e a prestar-lhe contas e informação, nunca o fez. Juntou 5 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada apresentou a contestação de fls. 23 a 34 dos autos (que aqui se dão por integralmente reproduzidas), na qual impugna os factos articulados no requerimento inicial, alegando que o contrato de prestação de serviços celebrado pelas partes não foi denunciado dentro do prazo nele previsto e que não foi invocada qualquer justa causa de resolução. Não o tendo feito, tem a demandada direito de retenção dos documentos e pertences do condomínio, nos termos do disposto no art.º 754.º do Código Civil, por o demandante lhe dever a quantia de € 350,55 (trezentos e cinquenta euros e cinquenta e cinco cêntimos) a título de retribuições acordadas e não pagas, peticionando a condenação do demandante no seu pagamento, a título de reconvenção. Mais peticionou a condenação do demandante como litigante de má-fé, com o pagamento de multa não inferior a € 1.000 (mil euros). Juntou 5 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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O demandante afastou a mediação, pelo que foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatária, sido devidamente notificadas.
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Foram realizadas duas sessões da audiência de julgamento, na presença das partes, e mandatária, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, diligência que não foi bem sucedida.
Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata e ouvidas as testemunhas apresentadas pelas partes.
Foi proferido o despacho de fls. 56 e 57 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, pelo qual o tribunal, após dar a palavra à parte demandante para se pronunciar sobre o pedido reconvencional, não admitiu a reconvenção apresentada, por inadmissível.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 500 (quinhentos euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 - A demandada exerceu o cardo de administradora do prédio sito na X, concelho de Sintra, até ao dia 24 de outubro de 2017.
2 - Da assembleia de condóminos do prédio identificado no número anterior realizada em 24 de outubro de 2017 foi lavrada a ata de fls. 8 a 10 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, que teve como pontos da ordem de trabalhos: "1. Exoneração da administração. 2. Eleição da administração. 3. Outros assuntos de interesse geral para o condomínio", tendo no âmbito do primeiro ponto da ordem de trabalhos sido "deliberado por maioria, com abstenção da proprietária da fração correspondente ao 1.º Dtº., exonerar a atual empresa administradora B"e no âmbito do segundo ponto da ordem de trabalhos sido nomeada, por unanimidade, a empresa D, administradora do condomínio.
3 - Por mail de 26 de outubro de 2017, foi comunicado à demandada a sua exoneração "pelos fundamentos que constam da data n.º 87, cuja cópia segue em anexo" e solicitada a entrega de toda a documentação do condomínio em poder da demandada, com o respetivo fecho de contas, assim como informação dos processos judiciais em curso. (cfr. Doc. a fls. 5).
4 - Tendo a demandada respondido, pelo mail a fls. 7, que aqui se dá por reproduzido, alegando a falta de fundamentação da exoneração e a falta de pré-aviso para rescisão do contrato de prestação de serviços celebrado.
5 - Ao qual o demandante não respondeu.
6 - Por carta registada com aviso de receção, de 16 de novembro de 2017, foi, mais uma vez, comunicado à demandada a sua exoneração "pelos fundamentos que constam da data n.º 87 (cópia novamente em anexo) (…)" e reiterada a solicitada entrega de toda a documentação do condomínio em poder da demandada, com o respetivo fecho de contas, assim como informação dos processos judiciais em curso. (cfr. Doc. a fls. 11)
7 - À qual a demandada não respondeu.
8 - Em 15 de novembro de 2011 demandante e demandada celebraram o contrato de prestação de serviços de fls. 35 a 37 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual teve o seu "(…) início de vigência em 15 de novembro de 2011 e vigorará pelo período de um ano, tacitamente renovável", podendo qualquer dos contraentes denunciá-lo "independentemente de quaisquer motivos, desde que a denúncia revista a forma escrita, registada com aviso de receção e efetuada com 60 dias de antecedência", sendo que "a falta de aviso prévio estabelecido na clausula anterior obriga a parte faltosa ao pagamento, a título de indemnização, dos honorários respeitantes ao período em falta".
9 - Dá-se aqui por integralmente reproduzida a ata da assembleia de condóminos realizada em 10 de abril de 2017, de fls. 38 a 41 dos autos.
10 - Dá-se aqui por integralmente reproduzida a convocatória para a assembleia de condóminos a realizar em 28 de outubro de 2017, a fls. 42 dos autos, datada de 12 de outubro de 2017, remetida em 13 de outubro de 2017 aos condóminos por carta registada (Docs. fls. 43 e 58 a 65).
11 - Dá-se aqui por integralmente reproduzida a ata da assembleia de condóminos realizada em 28 de outubro de 2017, a fls. 44 e 45 dos autos, na qual estiveram somente presentes dois dos treze condóminos do prédio, representativos de 160 permilagem do capital investido.
12 - Dá-se aqui por integralmente reproduzida a reclamação apresentada por condómino do demandante no livro de reclamações da demandada, a sequente carta da demandada para o Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção e a resposta deste Instituto (Docs. de fls. 46 a 50 dos autos).
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os documentos juntos aos autos, os factos admitidos e o depoimento das testemunhas apresentadas por ambas as partes.
Quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas esclareça-se que a primeira testemunha apresentada pelo demandante não confirmou a este tribunal que tenha ouvido a legal representante da demandada a proferir as palavras e frases que na ata da assembleia de condóminos realizada em 24 de outubro de 2017 lhe são imputadas. Recorda contudo que a legal representante da demandada e a condómina Sofia Vaqueiro não conseguiam falar, e que tiveram uma discussão (da qual não consegue concretizar factos), onde as duas não se portaram bem". Mais "disse que a legal representante da demandada nunca lhe faltou ao respeito. Depôs também sobre obra urgente que a representante da demandada que pediu que fizesse, e fez, e depois o ressarciu, referindo uma questão pouco clara sobre a respetiva fatura.
A segunda testemunha apresentada pelo demandante disse que a demandada não diligenciava para os condóminos devedores cumprirem a sua obrigação de pagamento das cotas. Contudo, perguntando-se-lhe a que caso concreto se referia, disse o caso de um condómino que foi declarado insolvente e que a demandada " não se precaveu na insolvência", embora sabendo que foi intentada ação neste Julgado de Paz. Mais à frente no seu depoimento disse saber existirem processos a correr em tribunal para cobrança de quotas em dívida, sabendo também que há acordos celebrados com condóminos incumpridores, não sabendo contudo concretizar. À pergunta se a legal representante da demandada alguma vez foi incorreta consigo, respondeu negativamente. Esclareceu que algumas das assembleias convocadas não eram realizadas por falta de quórum, e quanto ao modo como eram feitas/dirigidas as assembleias refere nada ter a apontar. Refere contudo que a demandada não fazia diligências para substituir a canalização do prédio.
A terceira testemunha apresentada pelo demandante não conseguiu depôr com a isenção e imparcialidade necessárias, já que tem animosidade notória com a legal representante da demandada, facto que de imediato afirmou a este tribunal. Do seu depoimento conseguimos concluir que o prédio é antigo e que precisa de várias obras de remodelação/melhoramento, sendo que o condomínio não tinha fundo de reserva suficiente para aprovar essas obras e que a aprovação de contribuições extraordinárias era difícil.
A primeira testemunha apresentada pela demandada depôs no sentido de não ter qualquer coisa a apontar quanto ao modo como a demandada desempenhou as funções de administradora do condomínio. A segunda testemunha apresentada pela demandada, colaborador da mesma, disse que foi ele que dirigiu várias assembleias que respondia a todas as questões que lhe eram colocadas e prestava todas as informações que lhe pediam - facto que se pode comprovar pela leituras das atas, referindo-se aos processos pendentes em tribunal, e cumprimento/incumprimento de acordos celebrados. Quanto a orçamentos apresentados disse que a demandada, por norma, apresenta sempre dois orçamentos à assembleia para desta decidir; orçamentos que são apreciados pela assembleia em conjunto com os apresentados por qualquer condómino.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição das partes e das testemunhas apresentadas.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a mediação e/ou conciliação teria sido o meio ideal, útil, e único de, no caso em apreço, se conseguir conciliar as partes e, inclusivamente, solucionar o litígio. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade.
Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo.
O administrador do condomínio é, regra geral, eleito pela assembleia de condóminos (cfr. artigo 1435.º, n.º 1 do Código Civil). O ato de nomeação/eleição do administrador do condomínio é uma das competências/atribuições da assembleia de condóminos (somente se a assembleia de condóminos não eleger administrador é que poderemos recorrer à figura do administrador provisório (cfr. artigo 1435.º-A, do Código Civil) ou, caso este recuse, poderá recorrer-se à nomeação de administrador pela via judicial).
O administrador do condomínio é eleito e exonerado pela assembleia de condóminos. Mas se a assembleia de condóminos não conseguir eleger o administrador do condomínio, qualquer condómino pode requerer ao tribunal a nomeação de administrador, indicando a pessoa que ajuizar idónea e justificando a escolha (cfr. artigo 1435.º do Código Civil).
Em regra o administrador do condomínio é um órgão singular encarregue da gestão corrente dos bens comuns, a quem compete executar as deliberações da assembleia de condóminos e tomar as medidas necessárias à conservação do edifício. A duração do cargo de administrador do condomínio é de um ano, renovável (cfr. artigo 1435.º, n.º 4, do Código Civil), porém, tendo a disposição do n.º 4 do artigo 1435.º do Código Civil carácter supletivo, nada obsta a que seja fixado, pelo título constitutivo da propriedade horizontal e/ou pela assembleia de condóminos, outro período de duração do cargo. E, conforme estipula o n.º 5 no mesmo artigo o administrador mantem-se em funções até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor.
O enquadramento jurídico da actividade de administrador de condomínio, cujo conteúdo funcional está definido, no essencial, no artigo 1436.º, do Código Civil, deve ser encontrado nas normas que regem o contrato de Prestação de Serviços, em geral, previsto no artigo 1154º, do Código Civil, e em particular os contratos de Mandato e Depósito, previstos, respectivamente, nos artigos 1157.º e 1185.º, do Código Civil, ficando o seu regime subordinado a uma ou outra modalidade, conforme a factualidade em concreto. No exercício das funções de administrador cabe, no essencial - pois outras funções podem-lhe ser atribuídas pela assembleia de condóminos, ou limitado o exercício de algumas das que citaremos - e conforme prescrito no artigo 1436.º, do Código Civil "a) Convocar a assembleia dos condóminos; b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano; c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro; d) Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns; e) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas; f) Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns; g) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum; h) Executar as deliberações da assembleia; i) Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas; j) Prestar contas à assembleia; l) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio; m) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio".
Ora, neste autos resultou provado que a assembleia de condóminos realizada em 24 de outubro de 2017 exonerou a demandada B do cargo de administradora do condomínio demandante. Porém, dos factos provados resulta também que demandante, por um lado, e demandada, por outro lado, celebraram uma modalidade do contrato de prestação de serviços ("Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição" - cfr. artigos 1154.º e 1155.º, do Código Civil), mais concretamente um contrato de mandato, o qual, nos termos do disposto no artigo 1157.º, do Código Civil, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra, presumindo-se oneroso, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1158.º, do mesmo Código, quando tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão, como se verifica in casu. Ora, conforme prescreve o artigo 1156º do Código Civil, o contrato de prestação de serviços está sujeito, e com as necessárias adaptações, ao regime do mandato, designadamente ao previsto no artigo 1170º do mesmo diploma, que prescreve: "1 - O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação -, acrescentando o nº 2 que “Se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa" e no artigo 1172.º, do Código Civil, que prescreve "A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer: a) se assim tiver sido convencionado (...) c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente; (...),. Ou seja, nos termos da lei civil portuguesa perante a revogação unilateral de um mandato oneroso, sem ser invocada justa causa, a parte que vir o contrato revogado tem o direito de ser indemnizada pelos prejuízos sofridos, se assim as partes convencionarem ou sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente. Ora, no caso em apreço, temos que no contrato celebrado entre as partes foi expressamente acordado que o contrato vigorava "pelo período de um ano, tacitamente renovável", e que qualquer dos contraentes podia denunciá-lo "independentemente de quaisquer motivos, desde que a denúncia revista a forma escrita, registada com aviso de receção e efetuada com 60 dias de antecedência", sendo que "a falta de aviso prévio estabelecido na cláusula anterior obriga a parte faltosa ao pagamento, a título de indemnização, dos honorários respeitantes ao período em falta"; isto é, as partes acordaram a “antecedência conveniente". Por outro lado, a resolução dos contratos pode efectuar-se por acordo, declaração à outra parte e judicialmente, sendo que esta última, normalmente, ocorre quando, após comunicada à contra parte, por esta não é aceite. Contudo o direito de resolução contratual depende de um fundamento, ou seja, tem que existir um facto ou situação que, de acordo com a lei, ou o acordado, confira tal direito ao contraente. E, o direito de resolução conferido pela lei está sempre condicionado a uma situação de incumprimento definitivo ou impossibilidade (total ou parcial) definitiva - ou seja, situações suficientemente graves para pôr em crise um contrato celebrado. E, obviamente, apenas o contraente cumpridor tem o direito de resolver o contrato.
Ora, alega o demandante que resolveu o contrato com justa causa, peticionando a este tribunal o reconhecimento desta. Em primeiro lugar cumpre, desde logo, referir que a prova da existência do fundamento, ou justa causa, da resolução contratual, cabe ao condomínio demandante, nos termos do prescreve o n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil ("Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado"). Em segundo lugar cumpre, também, referir que o demandante não deu cumprimento ao princípio do dispositivo, segundo o qual compete às partes, em exclusivo, definir objeto do litígio, cabendo-lhes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil), ou seja o demandante não alegou os factos que consubstanciam a justa causa, cujo reconhecimento peticiona, remete para uma ata.
Postas estas considerações e atentos os factos alegados e provados, urge esclarecer que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento sobre a justa causa foi parca, e foi por essa razão que, na motivação fática, fizemos questão de fazer constar o que as testemunhas nos relataram. Na verdade, o confronto entre os factos constantes na ata da assembleia de condóminos em causa, os factos alegados e os factos testemunhados nesta audiência, obriga-nos a concluir que o demandante não logrou provar que fez a prova que lhe competia fazer: a verificação de um incumprimento concreto e grave das obrigações assumidas pela demandada. Acresce que o incumprimento contratual alegado como justa causa tem de ser fático e concretamente alegado, não bastando alegações gerais, abstractas e conclusivas. Há que concretizar que conduta em concreto - o quê, quando e onde - consubstancia o incumprimento contratual.
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, não pode este tribunal reconhecer da existência de justa causa, pelo que a sorte deste pedido terá de ser a sua improcedência.
Esclareça-se que daqui não resulta que a demandada seja ainda administradora do condomínio demandante. Como referimos o administrador do condomínio é exonerado pela assembleia de condóminos, e a assembleia de condóminos realizada em 24 de outubro de 2017 exonerou a demandada B do cargo de administradora do condomínio demandante. Porém, fê-lo sem invocação de justa causa, devendo, consequentemente, e no fiel cumprimento do contrato que celebrou, indemnizar a demandada dos honorários respeitantes ao período em falta, ou seja do período de sessenta dias após a carta registada com aviso de receção a fls. 11 dos autos. Passemos à análise do segundo pedido.
Conforme referimos supra, é função do administrador guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio. Neste particular, o enquadramento jurídico da atividade do administrador de condomínio deve ser encontrado nas normas que regem o contrato de depósito, previsto no artigo 1185.º, do Código Civil. No desempenho desta tarefa o administrador é depositário dos bens e documentos que tem à sua guarda. Deste modo, tem a obrigação de, findo o contrato, proceder à restituição das coisas, conforme se estipula no artigo 1187.º, al. c), do Código Civil; e não procedendo a essa restituição, incorre em incumprimento, nos termos e com as consequências previstas nos artigos 798.º, e seguintes do Código Civil.
Ora, alega a demandada ter direito de retenção das coisas do condomínio que tinha à sua guarda, por lhe serem devidas retribuições.
Na verdade, de acordo com o disposto no art.º 754.º, do Código Civil, o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados. São, pois, requisitos do direito de retenção: a) que alguém retenha licitamente uma coisa cuja entrega é devida a outrem (art.ºs 754.º e 756º, do mesmo Código); b) que o detentor, devedor da entrega da coisa, seja simultaneamente credor daquele a quem ela é devida; c) que o crédito do detentor, esteja diretamente relacionado com a coisa detida, devendo resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
Porém, analisada a única comunicação escrita enviada pela demandada ao condomínio demandante, a fls. 7 dos autos, verificamos que a demandada não interpela o condomínio ao pagamento de qualquer quantia, seja a que título for. Não o tendo feito, tornou ilegítimo o exercício do direito de retenção que se arroga (cfr. artigo 334.º, do Código Civil). Na verdade ao não reclamar o pagamento de qualquer quantia, não interpolando ao pagamento do crédito, a demandada não concedeu ao condomínio demandante a possibilidade de proceder ao seu pagamento, se assim o entendesse. No caso em apreço, a interpelação do condomínio demandante ao pagamento do crédito, e o seu incumprimento, era condição essencial para o legítimo exercício do direito de retenção, ou seja, para tonar licita a retenção.
E, assim sendo, como é, não assiste aqui razão à demandada.
Por último, pede a demandada a condenação do demandante como litigante de má fé, não alegando, em concreto, a conduta censurável da demandante – referindo-nos nós às situações previstas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil - o que, só por si, seria suficiente para se julgar improcedente a peticionada condenação como litigante de má fé. Porém, entendemos que os julgados de paz têm uma função pedagógica, da qual não se devem demitir, pelo que faremos uma breve referência à questão. Prescreve o nº 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil, que “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”. Ou seja, para que exista litigância de má-fé é necessário que a parte, com dolo ou negligência grave, tenha praticado qualquer uma das condutas previstas nas várias alíneas da referida disposição legal. Mas, como se disse, é necessária uma atuação com intenção ou consciência da prática de tais condutas; sendo indispensável provar essa atuação com intenção ou consciência. Quando uma parte não logra provar os factos por si articulados, ou quando os factos alegados, ao contrário da expectativa da parte, não acarretam a procedência da ação, não se pode concluir, só por isso, pela falsidade, ou desconformidade com a verdade, da respetiva alegação, de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má-fé com base no preceituado no artigo 456º, do Código de Processo Civil. Ou seja, embora o demandante não tenha logrado provar todos os factos por si alegados, nem a sorte da ação tenha ido inteiramente ao encontro das suas expectativas, tal não é suficiente para se concluir pela prática de conduta prevista nas alíneas do n.º 2 do artigo 456º, do Código de Processo Civil, de forma consciente e intencional. Pelo exposto, consideramos não existir litigância de má-fé.
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DECISÃO:
Em face do exposto, julgo a presente parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno a demandada a restituir ao condomínio demandante toda a documentação, chaves e demais pertences do condomínio que tenha em seu poder, indo no demais absolvida.
Mais absolvo o demandante do pedido de condenação em litigância de má-fé.
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CUSTAS:
Custas em partes iguais, que se encontram integralmente pagas.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da LJP) foi proferida e notificada ao demandante e mandatária da demandada, nos termos do artigo 60.º, da LJP, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Notifique a demandada.
Registe.
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Julgado de Paz de Sintra, 22 de fevereiro de 2018
A Juíza de Paz,
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(Sofia Campos Coelho)