Sentença de Julgado de Paz
Processo: 478/2015-JPVNG
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
GARANTIA DE BENS MÓVEIS
Data da sentença: 11/16/2017
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA


I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, residente na Rua X, Canidelo, Vila Nova de Gaia.
Demandada: B”, com sede na X, Alvalade, Lisboa.

II – OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra a Demandada, a presente acção declarativa enquadrada na alínea h) do nº 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação desta na substituição integral do painel solar térmico ao abrigo da garantia.

Alegou, para tanto e em síntese, que o painel solar térmico que adquiriu encontra-se com o depósito furado e a empresa contactada pela Demandante para proceder à sua substituição cobra a quantia de € 1.040,00, sendo que o equipamento deverá ser substituído, gratuitamente, ao abrigo da garantia.
Juntou documentos.

A Demandada, regularmente citada, apresentou Contestação, onde vem alegar que a sociedade “C.” foi incorporada, por fusão, na sociedade “D”, que, por sua vez, alterou a sua denominação social para “B”; mais invoca a excepção da ilegitimidade passiva, porquanto, de acordo com o Requerimento Inicial, o pedido formulado pela Demandante prende-se com um (alegado) “furo” no depósito que, da factura junta ao processo, se depreende que seja parte do Sistema Termossifão 200L, que esta adquiriu em 25.11.2009; sucede que a ora Demandada actuou somente como intermediária na aquisição desse equipamento solar térmico (que a Demandante afirma ter defeito - o depósito - e que serve de causa de pedir à presente acção) e como tal, não lhe poderá ser assacada a responsabilidade que a Demandante pretende fazer valer, base do pedido formulado nos autos; em 26 de Novembro de 2008, o Conselho Europeu aprovou um Plano de Relançamento da Economia Europeia, tendo em vista produzir um estímulo à actividade económica e ao emprego e promover a intensificação coordenada do esforço anti-cíclico a prosseguir pelos vários Estados-Membros; na sequência da aprovação do plano supra mencionado, o Governo português aprovou um programa orçamental designado por “Iniciativa para o Investimento e o Emprego” e que visava, entre outros aspectos, promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para a independência e a eficiência energética do país, bem como para a sustentabilidade ambiental; ao mesmo tempo, foi igualmente aprovado pelo Governo português o “Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética”; neste contexto, foi definida, no decurso do ano de 2009, uma iniciativa específica no domínio da promoção das energias renováveis e aumentos dos níveis de eficiência energética, consubstanciada pelo apoio extraordinário à instalação de 300.000 m2 de painéis solares térmicos; tal promoção foi inclusivamente objecto de regras específicas estabelecidas por parte do Ministério das Finanças e da Administração Pública e do Ministério da Economia e da Inovação que, juntamente com as instituições de crédito que se associaram à iniciativa, definiram as condições em que a mesma se veio a desenvolver; foi neste contexto que a Demandada interveio no processo com vista a permitir a efectivação dos objectivos acima descritos, em particular, atendendo ao especial know-how desta empresa na utilização das plataformas electrónicas de suporte à aquisição de equipamentos e serviços e de dinamização de projectos comerciais envolvendo diversas entidades; acresce que a actividade da Demandada se centra na consultoria a empresas, designadamente no domínio da gestão - o seu objecto social consiste na “prestação de serviços, desenvolvimento e consultoria de actividades, no âmbito do comércio electrónico, conteúdos e tecnologias de informação”; ora, a circunstância de a Demandada ter actuado enquanto intermediário na compra e venda de equipamentos solares térmicos encontra-se claramente reflectida quer quanto ao fornecimento e montagem dos referidos equipamentos, quer quanto à sua manutenção, bem como ao facto de a garantia ser prestada por entidade terceira (E); com efeito, o fabrico, fornecimento, instalação e manutenção técnica dos equipamentos encontra-se a cargo de entidades terceiras face à Demandada, nomeadamente: “E.”, proprietária da marca dos materiais, e “F.” (X)”, sociedade a quem a E cedeu a designação de marca, a autorização de produção dos materiais e instalou o equipamento; assim, quaisquer questões, reclamações, que se prendam com a manutenção e o funcionamento dos equipamentos instalados no imóvel da Demandante, deverão ser endereçadas, unicamente, à sociedade proprietária da marca e fabricante, respectivamente, “E” e “F. (X)”, por serem a entidades que estão em condições de reparar ou substituir quaisquer equipamentos; são, para além disso, e sobretudo, as entidades que têm efectivamente legitimidade passiva para solucionar não só os alegados problemas técnicos detectados nos equipamentos em questão pela Demandante mas também para responder perante os danos daí decorrentes; deverá assim a Demandada ser considerada parte ilegítima nestes autos e, consequentemente, ser absolvida da instância; é ainda de referir que a Demandante celebrou com a “E” um contrato denominado “Contrato de extensão da garantia solar, a celebrar entre o cliente e a E”; contrato esse em que a E, e nunca a Demandada, se obrigou perante a Demandante a garantir a conformidade dos bens vendidos; a “E” deveria ser parte na acção uma vez que, como acima referido, outorgou o mencionado contrato, obrigando-se a garantir a conformidade do bem, assim como é a proprietária da marca do bem que o Demandante adquiriu; não estando a “E” na acção, como deveria estar, estamos perante uma situação de preterição do litisconsórcio necessário, tanto porque a natureza do próprio negócio exige a sua intervenção mas também porque sem a sua intervenção a decisão que se virá a produzir não poderá nunca produzir o seu efeito útil normal; tal preterição tem como consequência a ilegitimidade passiva das restantes Demandadas; a própria Demandante imputa certas responsabilidades à “E”, e bem, nomeadamente que contactou com a mesma para efeitos de garantia e que adquiriu um bem da sua marca mas posteriormente não a demanda na acção, o que não se compreende. Mais alega que apenas teve conhecimento do alegado defeito do depósito do equipamento da Demandante com a citação para a presente acção, isto é, em 10.02.2016; mesmo tendo presente que a Demandante deu entrada da acção em 24.11.2015, a prescrição apenas se interrompeu em 29.11.2015; ora, tendo em conta que o equipamento foi adquirido pela Demandante em momento anterior a 20.11.2009 pois foi esta a data em que a instalação foi realizada e concluída, o direito de intentar a presente acção prescreveu em 19.11.2015; isto é, mesmo aceitando, que não se aceita, que a Demandada estava obrigada a prestar garantia dos equipamentos da Demandante durante seis anos, o prazo de garantia terminou em 20.11.2015, sendo que a Demandada apenas teve conhecimento da denúncia do defeito em 10.02.2016 e a prescrição apenas se interrompeu em 29.11.2015, ou seja, quando a Demandante exerceu o seu direito, quando denunciou o defeito perante a Demandada, já o prazo de garantia estava esgotado, não lhe assistindo por esta via qualquer razão para a presente acção; e não se diga que dos e-mails juntos aos autos existe uma denúncia do defeito anterior pois, de uma breve análise a esses e-mails, verifica-se que a Demandante reclamou o alegado defeito à “E” e nunca à Demandada, e que os e-mails que supostamente seriam dirigidos à Demandada foram para um endereço electrónico que não existia, cujas respostas automáticas também constam dos documentos juntos aos autos; nunca chegou ao conhecimento da Demandada, dentro do prazo de garantia que a Demandante alega, a existência de qualquer defeito. Ainda impugnando alega que, como já referido, a Demandada era a gestora do projecto referente à iniciativa específica no domínio da promoção das energias renováveis e aumentos dos níveis de eficiência energética, consubstanciada pelo apoio extraordinário à instalação de 300.000 m2 de painéis solares térmicos, isto é, da “XXXXX” (adiante designada abreviadamente por XXX); ora, a XXX obrigou a um investimento entre o Estado Português e particulares de €200.000.000,00 (duzentos milhões de euros) que necessitava de ser protegido e acautelado; era necessário garantir que o investimento não tinha sido desperdiçado e para tal era necessário que se acautelasse o bom funcionamento dos materiais; o que na realidade parece que aconteceu, segundo os e-mails que a Demandante junta ao processo, e pelo que se consegue, com dificuldade, perceber dos mesmos, foi o facto de a “E” (fabricante do equipamento e com quem celebrou o contrato de extensão de garantia) não ter dado resposta; isto é, a Demandante terá reclamado à “E” a inexistência de manutenções, solicitando esse agendamento, e a “E” não o terá feito, assim como terá solicitado a reparação do equipamento, o que esta entidade também não terá feito; a Demandante, efectivamente, reclamou junto da entidade correcta, junto de quem tinha obrigação de prestar a garantia do equipamento, e realizar as manutenções - “E” e “X” - razão pela qual não se compreende, chegados a esta fase, não ter demandado tais entidades; a Demandada desconhece (por deles nunca ter participado ou tido conhecimento) se são ou não verdadeiros, quer a letra, quer o seu teor, quer a exactidão das reproduções mecânicas dos documentos juntos com o Requerimento Inicial; aliás, muitos desses documentos, que supostamente traduzem e-mails transmitidos entre a Demandada, a “E” e a “X” são amontoados de caracteres, letras, números e símbolos que não se conseguem compreender; existe a repetição de e-mails para um endereço XXXXXX.pt, cuja resposta automática é sempre uma mensagem de erro, isto é, que esse endereço não está correcto; ainda assim, e segundo parece, a Demandante insistiu, ao longo do tempo, em transmitir mails para esse endereço, ignorando a resposta que obtinha; em jeito de conclusão, diga-se que a Demandada, no âmbito da aludida medida solar térmica 2009 geriu todo o processo de implementação da solução térmica contemplada, desde a criação das plataformas electrónicas necessárias à gestão e acompanhamento dos processos, nomeadamente pela consulta ao mercado, selecção, apresentação ao cliente e adjudicação das propostas de aquisição do equipamento, sendo a aquisição do equipamento um acto meramente instrumental à referida actividade; assim, à Demandada competiu apenas gerir todo o processo associado, nomeadamente: seleccionou um conjunto de marcas e respectivos fornecedores, de entre as demais do mercado de acordo com rigorosos critérios de selecção definidos no âmbito da medida solar térmica 2009; apresentou à Demandante uma tabela comparativa de marcas/preços, bem como informação detalhada sobre os sistemas das várias marcas; informou o fornecedor “F.” (X) e “E” da encomenda da Demandante, após a escolha por parte desta; verificou o cumprimento da data da instalação; recebeu o pagamento por parte da Demandante e procedeu ao correspondente pagamento ao fornecedor; a Demandada cumpriu todos os deveres a que se propôs e obrigou contratualmente; tal como resulta do procedimento acima enunciado, por um lado, a apresentação das propostas era feita pelos fornecedores seleccionados, e não pela Demandada; e, por outro lado, a escolha das propostas era aprovada, não pela Demandada mas pelos clientes, neste caso a Demandante, que optou pela proposta da marca “E”; pelo que, mais uma vez se dirá que a responsabilidade, quer por eventuais defeitos que os produtos em questão possam apresentar, quer pelo fabrico, quer pela manutenção dos mesmos, jamais poderá ser assacada à Demandada, o que também se retira do contrato de extensão de garantia que foi outorgado entre a Demandante e a “E”. Requer ainda a intervenção principal provocada da “E,.”.
Juntou documentos.

Admitida a requerida Intervenção da “E,.”, por Despacho de fls. 72, veio esta apresentar Contestação onde invoca a inadmissibilidade do chamamento, porquanto o eventual incidente de intervenção principal provocada da contestante, não terá, no âmbito da presente acção e nos moldes em que a mesma foi proposta, como fim, regularizar uma situação de litisconsórcio necessário (no caso, passivo), nos termos do art.º 39º da Lei n.º 78/2011, de 13.07 (LJP), mas, unicamente, acautelar um pretenso e eventual direito de regresso da Demandada “B” quanto à mesma; apenas a violação do litisconsórcio necessário implica a ilegitimidade da parte que litigue desacompanhada; no caso dos presentes autos, o chamamento à demanda da ora contestante apenas se poderá reconduzir a uma situação de litisconsórcio voluntário que é aquele onde a pluralidade de partes resulta apenas da vontade do ou dos interessados; sendo que, o supra citado normativo legal apenas admite o litisconsórcio e a coligação de partes no momento da propositura da acção, salvo para regularizar uma situação de litisconsórcio necessário, o que não é o caso, pelo que sendo a intervenção um incidente nos termos e para os efeitos do art.º 41º da LJP, o mesmo não seria admissível. Mais invoca a ilegitimidade passiva da Interveniente, o que a Demandada bem sabe, tanto mais que em acção em tudo idêntica à dos presentes autos que correu termos no Julgado de Paz de Coimbra e que culminou em transacção, o Demandante veio desistir do pedido contra a ora Interveniente, ali Demandada, por esta ser parte ilegítima; na verdade, no contrato outorgado em 06 de Março de 2009, a que a Demandada faz referência e em que fundamenta o incidente de intervenção principal provocada da ora contestante, nominado “Acordo Quadro de Fornecimento de Bens para Revenda e Prestação de Serviços Associados”, constam como outorgantes “C.” (actualmente B) e “F.”, pessoa colectiva n.º 000000; e em momento ou documento algum há intervenção da ora Demandada “E -”, pessoa colectiva n.º 00000, conforme falsamente alega a Demandada “B”; acresce que, a legitimidade é um pressuposto processual que resulta da posição que as partes ocupam na relação material controvertida, tal como é invocada pelo Autor e será determinada em função do modo como a causa foi delineada na petição inicial; não resulta dos factos alegados pela Demandante que houvesse qualquer responsabilidade directa ou intervenção da ora contestante na relação matéria controvertida; assim, por não haver qualquer intervenção da aqui Demandada na relação jurídica alegada, deve a mesma ser considerada parte ilegítima e desde logo ser absolvida do pedido; por outro lado, é falso que entre Demandante e Interveniente tenha existido qualquer relação comercial; na verdade, a ora contestante representa apenas e tão só uma marca “E”, sendo que todo o fabrico, produção e certificação dos equipamentos de captação de energia solar, comercialização, venda, instalação e manutenção foram realizadas pela “F.”; ou seja, a Interveniente não fabrica nem comercializa os referidos equipamentos, limitando-se apenas e tão só a ceder a sua designação de marca, relação jurídica, aliás, do conhecimento da Demandada “B” e da Demandante, que, aliás, bem, não intentou a presente acção contra a ora chamada; não resulta dos factos alegados pela Demandante que houvesse qualquer relação comercial ou intervenção da Interveniente na relação material controvertida, pelo que, por não haver qualquer intervenção da aqui contestante na relação jurídica alegada, deve a mesma ser considerada parte ilegítima e desde logo ser absolvida do pedido. Sem prescindir e por cautela de patrocínio, mais alega que não foi a Interveniente quem procedeu ao fabrico, venda ou instalação do sistema solar térmico, sendo o referido fabrico e instalação realizado por técnico qualificado da “F”, fabricante e titular do respectivo certificado, sendo, por tal facto, a instalação e a respectiva produção alheias a qualquer actividade da Interveniente; todo modo, a Interveniente apenas teve conhecimento do alegado defeito do equipamento da Demandante com a citação, ou seja, em 25.05.2016; ora, tendo sido o equipamento adquirido em 25.11.2009 e não obstante os alegados seis anos de extensão da garantia, o seu direito encontra-se prescrito. Alega ainda que não foi a Interveniente quem procedeu à venda do (Kit) Sistema Solar Térmico à Demandante nem tão pouco celebrou com ela qualquer contrato, sendo que a Demandante não junta qualquer documento em que haja intervenção da ora contestante na referida transacção.
Juntou documentos.

Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento com obediência às formalidades legais, como da acta se infere.
Cumpre apreciar e decidir.

Da (i)legitimidade da Demandada “B”

De acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 30º do C. P. Civil, a legitimidade deve-se aferir pela relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo autor.
Para resolver a questão da legitimidade há que atender à substância do pedido formulado e à concretização da causa de pedir, de tal maneira que partes legítimas na acção são os sujeitos da relação material definida através destes dois elementos.
Estamos no âmbito da legitimidade passiva e, por isso, dir-se-á que tem legitimidade como Demandado a pessoa que, juridicamente, pode opor-se à procedência da pretensão do Autor, por ser ele a pessoa cuja esfera jurídica seria directamente atingida com a procedência da acção.
O critério que a lei processual civil fornece, resulta do supra referido normativo e, assim, um Demandado será parte legítima quando tiver interesse directo em contradizer (nº 1), quando a procedência da acção o possa prejudicar (nº 2), dispondo ainda o nº 3, que, a não ser que haja lei em contrário, serão titulares de interesse relevante para aferição de legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo Autor.
Pode dizer-se pois, que a legitimidade, é "uma qualidade da parte definível pela titularidade de um conteúdo referido a um certo pedido (...). É a titularidade de duma posição subjectiva para um certo objecto processual inicial" (Miguel Teixeira de Sousa, A Legitimidade Singular em Processo Declarativo, Separata do BMJ 292, 1979 ; RP 04/11/1982, CJ, 5, 245): é, se se preferir "a susceptibilidade de ser parte numa acção aferida em função da relação dessa parte com o objecto daquela acção", sendo, portanto "relativa a uma determinada acção e a um determinado objecto"
Só com este entendimento aliás, se consegue colocar a legitimidade no mesmo plano dos restantes pressupostos processuais, apreciando-a tal como a estes, à luz da relação controvertida tal como os autores a apresentam, até porque são os autores que determinam o objecto do processo - assim, João de Castro Mendes, Direito Processual Civil Declarativo, II, AAFDL, 1987, pag. 291.
Assim, invocando a Demandante como causa de pedir um contrato celebrado com a Demandada “B”, de aquisição de um equipamento solar térmico, que viria a apresentar defeito, cuja garantia pretende accionar, é aquela parte legítima.

Da inadmissibilidade legal do chamamento da Interveniente “E.”

Dispõe o art.º 39º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho (LJP), com a redacção dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho, que é admitido o litisconsórcio e a coligação de partes apenas no momento da propositura da acção, salvo para regularizar uma situação de litisconsórcio necessário.
Por lapso, pelo qual o Tribunal desde já se penitencia - a que não é alheio a identidade de designação da marca - “E” (fabricada e comercializada por “F.” (X)) e a designação da firma “E -”, foi admitida a Intervenção Principal Provocada da sociedade “E.”, sob pretexto de se tratar da regularização de uma situação de litisconsórcio necessário, o que, em bom rigor, não se verifica, tanto mais que a identificada sociedade não é mencionada em qualquer momento nem em qualquer dos documentos juntos, não fazendo a Demandante alusão à sua intervenção na relação material controvertida, pelo que, e atendendo aos supra referidos parâmetros de aferição da legitimidade como pressuposto processual, seria esta parte ilegítima.
Assim, e sendo a intervenção um incidente nos termos do art.º 41º da LJP, o mesmo não é admissível, por ser expressamente excluído pela mesma lei, conforme resulta do teor do seu artigo 39º, razão pela qual se julga procedente a excepção da inadmissibilidade legal do chamamento da sociedade “E”, determinando-se nesse sentido a reforma do Despacho de fls. 72.

Posto isto,


III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
A) O painel solar térmico que a Demandante adquiriu encontra-se com o depósito furado;
B) A empresa contactada pela Demandante para proceder à sua substituição cobra a quantia de € 1.040,00;
C) A sociedade “C.” foi incorporada, por fusão, na sociedade “D”, que, por sua vez, alterou a sua denominação social para “B”;
D) A Demandante adquiriu, em 25.11.2009, um Sistema Termossifão 200L;
E) A Demandada “B” actuou somente como intermediária na aquisição desse equipamento solar térmico;
F) Em 26 de Novembro de 2008, o Conselho Europeu aprovou um Plano de Relançamento da Economia Europeia, tendo em vista produzir um estímulo à actividade económica e ao emprego e promover a intensificação coordenada do esforço anti cíclico a prosseguir pelos vários Estados-Membros;
G) Na sequência da aprovação do plano supra mencionado, o Governo português aprovou um programa orçamental designado por “Iniciativa para o Investimento e o Emprego” e que visava, entre outros aspectos, promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para a independência e a eficiência energética do país, bem como para a sustentabilidade ambiental;
H) Ao mesmo tempo, foi igualmente aprovado pelo Governo português o “Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética”;
I) Neste contexto, foi definida, no decurso do ano de 2009, uma iniciativa específica no domínio da promoção das energias renováveis e aumentos dos níveis de eficiência energética, consubstanciada pelo apoio extraordinário à instalação de 300.000 m2 de painéis solares térmicos;
J) Tal promoção foi inclusivamente objecto de regras específicas estabelecidas por parte do Ministério das Finanças e da Administração Pública e do Ministério da Economia e da Inovação que, juntamente com as instituições de crédito que se associaram à iniciativa, definiram as condições em que a mesma se veio a desenvolver;
K) Foi neste contexto que a Demandada interveio no processo com vista a permitir a efectivação dos objectivos acima descritos, em particular, atendendo ao especial know-how desta empresa na utilização das plataformas electrónicas de suporte à aquisição de equipamentos e serviços e de dinamização de projectos comerciais envolvendo diversas entidades;
L) A actividade da Demandada centra-se na consultoria a empresas, designadamente no domínio da gestão - o seu objecto social consiste na “prestação de serviços, desenvolvimento e consultoria de actividades, no âmbito do comércio electrónico, conteúdos e tecnologias de informação”;
M) A Demandada actuava enquanto intermediário na compra e venda de equipamentos solares térmicos;
N) A Demandante celebrou com a “E” um contrato denominado “Contrato de Extensão de Garanta Solar, a celebrar entre o cliente e a E”;
O) O fabrico, fornecimento, instalação e manutenção técnica dos equipamentos encontra-se a cargo de entidades terceiras face à Demandada, nomeadamente, “F” (X)”, sociedade a quem a “E” cedeu a designação de marca “E”, a autorização de produção dos materiais e que instalou o equipamento;
P) A Demandante reclamou o alegado defeito à sociedade “F.” para o mail desta: XX.pt;
Q) Enviou também vários mails, reclamando a manutenção do equipamento, que supostamente seriam dirigidos à Demandada “B” para o endereço electrónico XXXXXX.pt, cuja resposta, automática, é sempre uma mensagem de erro, isto é, que esse endereço não está correcto;
R) A Demandada, no âmbito da aludida medida solar térmica 2009, geriu todo o processo de implementação da solução térmica contemplada, desde a criação das plataformas electrónicas necessárias à gestão e acompanhamento dos processos, nomeadamente pela consulta ao mercado, selecção, apresentação ao cliente e adjudicação das propostas de aquisição do equipamento;
S) À Demandada competiu apenas gerir todo o processo associado, nomeadamente: seleccionou um conjunto de marcas e respectivos fornecedores, de entre as demais do mercado de acordo com os critérios de selecção definidos no âmbito da Medida Solar Térmica 2009;
T) Apresentou à Demandante uma tabela comparativa de marcas/preços, bem como informação detalhada sobre os sistemas das várias marcas;
U) Informou o fornecedor “F. (X) da encomenda da Demandante, após a escolha por parte desta;
V) Verificou o cumprimento da data da instalação;
W) Recebeu o pagamento por parte da Demandante e procedeu ao correspondente pagamento ao fornecedor;
X) A apresentação das propostas era feita pelos fornecedores seleccionados, e não pela Demandada;
Y) A escolha das propostas era aprovada, não pela Demandada mas pelos clientes, neste caso a Demandante, que optou pela proposta da marca “E”;
Z) O contrato de extensão de garantia foi outorgado entre a Demandante e a “E”;
AA) No contrato outorgado em 06 de Março de 2009, nominado “Acordo Quadro de Fornecimento de Bens para Revenda e Prestação de Serviços Associados”, constam como outorgantes “C” (actualmente B) e “F”, pessoa colectiva n.º 0000;
BB) Em momento ou documento algum há intervenção da ora Demandada “E -”, pessoa colectiva n.º 0000;
CC) A “E” representa a marca “E”, sendo que todo o fabrico, produção e certificação dos equipamentos de captação de energia solar, comercialização, venda, instalação e manutenção foram realizadas pela “F.”;
DD) A “E.” não fabrica nem comercializa os referidos equipamentos, limitando-se apenas e tão só a ceder a sua designação de marca;
EE) Não foi a “E.” quem procedeu ao fabrico, venda ou instalação do sistema solar térmico, sendo o referido fabrico e instalação realizado por técnico da “F.”, fabricante e titular do respectivo certificado;
FF) Não foi a “E” quem procedeu à venda do (Kit) Sistema Solar Térmico à Demandante nem tão pouco celebrou com ela qualquer contrato.

Motivação da matéria de facto provada:
Atendeu-se aos documentos de fls. 4 a 14 (mails remetidos pelo filho da Demandante reclamando a manutenção do equipamento, alguns dos quais com resposta automática dando conta da inexistência do endereço electrónico; factura/recibo de aquisição do equipamento); 24 a 31, 34 a 44 e 76 a 78 (certidão permanente da “C”, da “B” e da “E,.”); 64 a 66 (Ficha de Instalação); 86 a 90 (Transacção obtida no Processo 50/2014-JPCBR que correu termos no Julgado de Paz de Coimbra; certificado da marca “E” titulado pela “X”); 118 a 190 (“Acordo Quadro de Fornecimento de Bens para Revenda e Prestação de Serviços Associados” celebrado entre a “C” e a “X”); 206 a 214 (calendarização das manutenções previstas; “Contrato de Extensão de Garantia Solar a celebrar entre o Cliente e a E”; relatórios da Assistência Técnica da “X”; Condições Gerais Equipamentos Solares Térmicos e de Serviços Associados (incompleto)), conjugados com as declarações das testemunhas como segue:

- G, filho da Demandante, o qual declarou que foi quem tratou de grande parte do processo de aquisição do equipamento solar térmico; a mãe comprou o equipamento à “B” e depois foi lá uma empresa subcontratada instalá-lo; a manutenção era para ser anual, durante cinco ou seis anos; foram feitas duas manutenções, a primeira normal e a segunda já depois de insistirem e desde aí nada mais foi feito; ligou e enviou mails para a “B” já no final da garantia mas ninguém respondia; foi buscar o endereço electrónico da “B” ao site oficial do Programa do Governo na Internet; o equipamento começou a verter água em Outubro de 2015, ainda antes de terminar a garantia, o pai começou a queixar-se que a água vinha com pouca pressão ou não vinha tão quente; as manutenções eram feitas pela mesma empresa que fez a instalação, a “X”; os mails que enviou à “B” vieram devolvidos mas insistiu porque a caixa do correio podia estar cheia; o mail de 16.02.2012 foi para a E (X) com conhecimento da “B” porque tentou contactar directamente o instalador mas como não obteve resposta tentou contactar com alguém acima para tentar mediar; não teve qualquer intervenção no contrato celebrado pelos seus pais, pensa que foi no “XXXX” que compraram o painel solar.
- H, consultor, colaborador da “B”, que declarou que em 2009 o Governo resolveu dar um estímulo à economia e melhorar o emprego; a Banca pode dinamizar comercialmente mas não pode facturar, pelo que encontraram uma entidade, a “C”, que pudesse facturar; a “B” era o elo de ligação entre todos os Bancos e os fornecedores/fabricantes; tratava-se de uma venda no Balcão, havia uma plataforma online, o cliente escolhia qual o fabricante que queria, o qual agendava com o adquirente a data da instalação; não era a “B” quem escolhia o equipamento nem quem escolhia o fornecedor mas sim o cliente que junto da entidade bancária fazia essa escolha; a “B” acabava por não ter qualquer contacto com o cliente além do envio da factura; era a “B” que emitia a factura porque os Bancos não podiam; eram feitos protocolos entre os Bancos e a “B” em que esta era uma intermediária; os contactos telefónicos de apoio não eram os mesmos para qualquer fase contratual; o mail iXXXXXXX.pt já não existe há mais de três anos, o que existe para apoio é o “pós-venda”; a “B” só teve conhecimento do problema da Demandante com a citação em 2016; havia uma garantia de seis anos prestada pelo fabricante, a qual consta do Programa do Governo; existe um acordo entre a “B” e a “X”; a “B” só aparecia na factura; as encomendas tinham que ser feitas até Dezembro de 2009 e as instalações estenderam-se a 2010; a aquisição tinha que ser por via do Banco; havia mais ou menos quarenta empresas fabricantes que aderiram ao Programa, a “X” era uma delas; o Banco mandava a encomenda para a “B” para contactar o fabricante e emitir a factura; a “X” é fabricante e comercializadora de uma marca chamada “E”.

IV – DOS FACTOS E DO DIREITO
Perante os factos articulados, apurou-se que a Demandante, no âmbito da “Campanha Solar Térmico 2009” (programa estabelecido no contexto das medidas governamentais propostas ao abrigo da iniciativa Plano Nacional de Acção para a Eficiência Energética e da Iniciativa para o Investimento e Emprego, que se encontravam a ser desenvolvidas pelo Ministério da Economia e da Inovação), encomendou, através da I”, marca registada, cuja detentora era a “C”, responsável pela gestão daquela loja on-line (a “C” foi posteriormente incorporada pela “D”, cuja nova designação é “B.”), um Sistema Termossifão 200L com instalação e manutenção da marca “E”, também designado XXXXXXX.
Tal equipamento foi instalado pela sociedade “F.” (X) que era quem procedia à produção e venda dos equipamentos da marca “E” (representada pela sociedade “E,.”, que cedeu à “X”, para o efeito, a sua designação de marca e autorização de produção, sendo esta, a “X”, a responsável por todo o fabrico, produção e certificação dos equipamentos de captação de energia solar, comercialização, venda, instalação e manutenção).
Aquando da instalação do equipamento, a “X” entregou à Demandante a “Ficha de Instalação”, por este assinada, bem como o “Contrato de Extensão de Garantia Solar, a celebrar entre o Cliente e a E”, com as respectivas Condições e Prazos de Garantia. Entre essas Condições Gerais, consta a da visita da Marca ao domicílio, através dos seus Serviços Técnicos Autorizados, para a manutenção anual a realizar entre Abril e Setembro, tendo tal contrato a duração de seis anos. Verificou-se que, pelo menos em 01.09.2010 e em 28.05.2012, foi prestada Assistência Técnica ao equipamento pela dita “X”, não tendo sido feitas mais manutenções, até que em Outubro de 2015 começou a verter água.

Estamos aqui perante um contrato de compra e venda abrangido pela legislação de defesa do consumidor, basicamente a Lei n.º 24/96, de 31-07 (LDC) e o Dec.-Lei n.º 67/2003, de 08-04 (alterado e republicado pelo Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21-05). Na relação de consumo é este o regime jurídico aplicável, e não o do art. 913.º e segs. do CC relativo à venda de coisas defeituosas.

A Demandante é considerada “consumidor”, porquanto lhe foi fornecido um bem, que não destinou a uso profissional, por pessoa que exerce com carácter profissional uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios, como é o caso da referida “X” (art. 2.º, n.º 1 da LDC e alínea a) do art. 1.º-B do DL 67/2003).

Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.

Assim, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o que compreende defeitos, vícios e avarias, pela qual o vendedor responde tanto no momento da entrega do bem como dentro do prazo de garantia, tem o consumidor direito a que tal conformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação, substituição, redução adequada do preço ou resolução do contrato (arts. 3.º e 4.º do DL 67/2003).

Tal Lei, além de presumir os casos em que os bens de consumo não são conformes com o contrato (nº 2 do artigo 2º), responsabiliza o vendedor pela falta de conformidade do bem no momento da sua entrega, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos (no caso de coisas móveis) a contar da data de entrega, já existiam nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade do bem (artigo 3º), prescrição com importantes reflexos a nível do ónus da prova: o comprador apenas terá de alegar e provar o mau funcionamento da coisa durante o prazo de garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega, enquanto que o vendedor, para se ilibar da responsabilidade, terá de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega, imputável ao comprador, ou a terceiro, ou é devida a caso fortuito.

Ora,

Já vimos que a “B” era uma mera gestora do XXXXX, sendo certo que quem produzia e vendia os equipamentos era a “X” com a designação de marca “E” e respectivo certificado, pelo que seria esta sociedade a responsável pela garantia do equipamento, sendo certo que não foi aqui accionada pela Demandante, muito provavelmente por, ao que nos foi dado a saber, se encontrar insolvente desde Março de 2015. Aliás, a título de exemplo, do mail datado de 16.02.2012, enviado pelo filho da Demandante à “X” (E), resulta que aquele bem sabia que era a “X” a responsável pela manutenção do sistema.

Assim, não podendo ser assacada à Demandada qualquer responsabilidade por eventuais defeitos que o equipamento em questão possa apresentar, decorrentes quer do fabrico quer da manutenção do mesmo, sendo certo que o Contrato de Extensão da Garantia foi outorgado entre a Demandante e a “E”, marca comercializada pela “ACM” que era quem fabricava, instalava e fazia a manutenção do equipamento, não poderá proceder o pedido.


V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo improcedente a presente acção, e, por consequência:

a)absolvo do pedido a Demandada “B

b)absolvo da instância a Interveniente “E.”.

Custas pela Demandante, sem prejuízo da protecção jurídica que lhe foi conferida. Cumpra-se o disposto no Artigo 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.

Registe e notifique.
Vila Nova de Gaia, 16 de Novembro de 2017
A Juiz de Paz
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(Paula Portugal)