Sentença de Julgado de Paz
Processo: 188/2018-JPCBR
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL/COMPRA DE VIATURA USADA
COM DEFEITOS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO E INDEMNIZAÇÃO
Data da sentença: 02/20/2019
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Processo n.º 188/2018-J.P.CBR

RELATÓRIO:

A demandante, DF., NIF. …, residente na rua …, concelho de Coimbra, representada por mandatária constituída.

Requerimento Inicial: Alega em suma que, a demandada dedica-se à atividade de comércio, importação, exportação e reparação de viaturas usadas. Em abril de 2018, no domínio da actividade comercial desenvolvida vendeu-lhe o veículo de marca Z, Classe 0, com a matrícula …, pelo preço de € 3.900,00, acrescido de 65,00 €, referente ao registo de propriedade. O representante legal daquela, sendo também trabalhador do posto de correios de …, intermediou a concessão do crédito pessoal para aquisição da viatura junto da entidade financeira. Assim pagou-lhe 2.500€ e 500€ por transferência bancária, para a conta por esta indicada, e os restantes 965€, em dinheiro, porém apenas emitiu a fatura no valor de apenas 3.000€, conforme pesquisa efectuada no e-fatura do portal da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, sem nunca ter sido emitido o respectivo recibo. Sucede que a Demandante, bem como o seu companheiro, são conhecidos e vizinhos do representante legal da Demandada, foi com base nessa confiança que, necessitando de um segundo carro para si, contactaram a demandada para lhes vender um carro. Como o companheiro da Demandante foi trabalhador na fábrica da Z, na Alemanha (enquanto aí esteve emigrado), conhece razoavelmente a qualidade das referidas viaturas, razão pela qual, tendo visto o carro, o nº de quilómetros e o ano, achou ser um bom negócio, não obstante a viatura mostrar ter problemas nas velas, nos vidros (que bloqueavam) e o tecto descolado. Além disso, foi decisivo, ser o casal, vizinho da Demandada, e terem uma relação de confiança com o representante legal desta, daí que tenha acordado verbalmente com aquela que adquiriam a viatura, se outros problemas mais graves não fossem apresentados, ficando a cargo dela a reparação do que houvesse, sendo evidente a substituição das velas, a reparação do motor dos vidros, e do tecto.

Conforme foi combinado, a demandante levou o carro para casa, assinou um termo de responsabilidade (que ficou na posse da Demandada enquanto não fosse efectuada a transferência de propriedade da viatura), e levaria o carro a um mecânico conhecido da daquela, que, por sua vez, procederia à substituição das velas. O dito mecânico informou-a que o problema não estaria nas velas, mas nos injectores, cabendo aquela mandá-los reparar. Com a recolocação dos injectores (após a suposta limpeza/reparação), no dia 23 de junho o companheiro da Demandante levantou o carro, no dia seguinte, foi à Figueira da Foz, tendo o carro mostrado as mesmas anomalias já manifestadas: fumo preto, cheiro desagradável, dificuldades de arranque e um trabalhar desacertado e instável. Nesse mesmo dia, o companheiro da Demandante informou a Demandada do estado da viatura e entregou-lho, deixando-o à porta do stand. A Demandada cedeu-lhe outro veículo de substituição, pelo qual o companheiro da Demandante pagou o seguro da viatura, por um mês, para poder circular. Mas, 15 dias depois, o carro de substituição acendeu uma luz de alarme do motor, o que fez com que lho devolvesse. Após várias conversações e mensagens escritas, a Demandada já não atende o telemóvel à Demandante, nem ao seu companheiro. A 10 de agosto, considerando que o mecânico não dava solução ao problema, o companheiro da Demandante decidiu levantar o carro na oficina do mecânico, só o podendo fazer no dia seguinte, por a bateria não estar carregada. Depois disso, a Demandada fez uma proposta, válida até ao dia 9 de junho, seria de recomprar o carro pelo valor de 3.500€, o que de imediato rejeitou, uma vez que despendeu a quantia de 3.900€ pela sua aquisição, 65€ pelo registo de propriedade e está a suportar o encargo de juros pelo crédito contraído para a referida compra, no valor de 70,68€ (17,67 € x 4 meses). A 14 de agosto, o companheiro da Demandante a seu pedido, enviou-lhe carta registada com aviso de receção, a solicitar a resolução do contrato de compra e venda e a consequente devolução quer dos 3.900€ e de 65€ referente ao registo de transferência de propriedade que pagou. Contudo, não só suportou o valor de seguro por uma viatura parada e desconforme com o uso que dela pretendia dar, como suportou o encargo dos juros vencidos e a vencer com o crédito contraído. Não sendo por isso sensato, impor-lhe que se conforme com um bem defeituoso, que desde a aquisição, ou seja, de abril até à presente data, ainda não tem solução; para além de que a imobilização resultante de tais avarias é bem superior aos dias que pôde fruir do veículo. Conclui pedindo que deve a presente acção ser julgada procedente e condenada a: A) reconhecer a resolução do contrato de compra e venda da viatura, por não ser conforme com o fim a ela destinado; B) devolver o montante que pagou referente à viatura, no valor de 3.900€; C) devolver o valor que pagou relativo ao registo de propriedade, no valor de 65,00 €; D) ressarcir os juros pagos pelo crédito pessoal contraído com a aquisição da viatura, quer os vencidos, no valor de 70,68€, e os que se vençam na pendência da ação. Juntou 7 documentos.

MATÉRIA: Ação de responsabilidade contratual, enquadrada no art.º 9, n.º1, alínea H) da LJP.

OBJETO: Compra de viatura usada, com defeitos, resolução do contrato e indemnização.

VALOR DA AÇÃO: 4.035,68€ (quatro mil e trinta e cinco euros, e sessenta e oito cêntimos, fixada nos termos dos art.º 305, n.º4 e 306, n.º1 ambos do C.P.C.).

A demandada, M., Lda., NIPC. …, com sede na rua …, concelho de Coimbra.

Encontra-se regularmente citada, conforme registo de citação a fls. 24, mas não apresentou contestação.

TRAMITAÇÃO:

Realizou sessão de mediação sem consenso das partes.

As partes são legítimas e dispõem de capacidade judiciária.

O processo está isento de nulidades que o invalidem na totalidade.

O Tribunal é competente em razão da matéria, valor e território.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:

Foi iniciada verificando-se a ausência do representante legal da demandada, que justificou a ausência. Na 2ª sessão foi dado cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da LJ.P., sem que as partes tenham chegado a consenso, seguindo-se para produção de prova com as declarações das partes, a junção de 4 documentos da demandada, depoimento das testemunhas e alegações finais.

-FUNDAMENTAÇÃO-

I- DOS FACTOS PROVADOS:

1) A demandada dedica-se à atividade de comércio, importação, exportação e reparação de viaturas usadas.

2) Em abril de 2018, no domínio da actividade comercial desenvolvida vendeu-lhe o veículo de marca Z, Classe 0, com a matrícula ….

3) O veículo foi vendido pelo preço de 3.900€, acrescido de 65€ para o registo de propriedade.

4) A demandante pagou-lhe 2.500€ e 500€ por transferência bancária, para a conta por esta indicada, e os restantes 965€, em dinheiro.

5) A demandada apenas emitiu a fatura no valor de 3.000€, conforme documentos juntos a fls. 14 e 66.

6) A Demandante, e o seu companheiro, são conhecidos do representante legal da Demandada.

7) Como necessitava de um segundo carro para si, contactaram a demandada para lhes vender um carro.

8) O companheiro da Demandante foi trabalhador na fábrica da Z, na Alemanha, enquanto aí esteve emigrado.

9) Conhece razoavelmente a qualidade das referidas viaturas, razão pela qual, tendo visto o carro, o nº de quilómetros e o ano, achou ser um bom negócio.

10) Não obstante, a viatura mostrava ter problemas nas velas, nos vidros (que bloqueavam) e o tecto descolado.

11) Acordaram verbalmente que adquiriam a viatura.

12) Ficando a cargo da demandada a reparação do que houvesse, sendo evidente a substituição das velas, a reparação do motor dos vidros, e do tecto.

13) Foi combinado, a demandante levar o carro para casa, e leva-lo a um mecânico conhecido da demandada.

14) O qual, por sua vez, procederia à substituição das velas.

15) O dito mecânico informou que o problema não estaria nas velas, mas nos injectores.

16) A demandada mandou repara-los, conforme documento a fls. 67 e 68.

17) Após a reparação o companheiro da Demandante levantou o carro e no dia seguinte foi à Figueira da Foz.

18) O carro mostrou as mesmas anomalias já manifestadas: fumo preto, cheiro desagradável, dificuldades de arranque e um trabalhar desacertado e instável.

19) Nesse mesmo dia, o companheiro da Demandante informou a Demandada do estado da viatura e entregou-lha, deixando-a à porta do stand.

20) A Demandada cedeu-lhe um veículo de substituição.

21) Cerca de 15 dias depois, o carro de substituição acendeu a luz de alarme do motor.

22) O que fez com que lhe devolvesse a viatura.

23) Ocorreu a troca de conversações e mensagens escritas entre as partes.

24) A Demandada deixou de atender o telemóvel à Demandante, e ao seu companheiro.

25) Em agosto/2018 o companheiro da Demandante decidiu ir buscar o carro à oficina do mecânico.

26) Depois disso, a Demandada fez uma proposta, para recomprar o carro pelo valor de 3.000€.

27) O que a demandante rejeitou.

28) A 14 de agosto, o companheiro da Demandante a seu pedido, enviou-lhe carta registada com aviso de receção, a solicitar a resolução do contrato, conforme documento junto de fls. 18 a 19.

MOTIVAÇÃO:

O Tribunal baseia a sua decisão na análise critica dos documentos juntos pelas partes, o que conjugou com as declarações das partes e demais prova realizada em audiência, regras de repartição do ónus da prova e regras da experiência comum.

As partes prestaram declarações nos termos do art.º 57, n.º1 da L.J.P. Em relação a estas divergiram em relação aos valores do negócio, à garantia do veículo, à entidade que vendeu o veículo. Não obstante, houve partes em que coincidiram, pelo que os respetivos depoimentos foram considerados, tendo em consideração a restante prova realizada. Assim, auxiliaram na prova dos factos com os n.º 1, 5, 6, 7,11, 13,14, 16, 19, 20, 21, 22, 26 e 27.

A testemunha, RC., é o companheiro da demandante, tendo auxiliado na formação do negócio no qual esteve presente, motivo pelo qual tem conhecimento direto sobre o mesmo. Auxiliou, também, nos problemas que verificou no veículo, a denúncia dos mesmos, as vezes que foi à oficina para reparar, o tempo que está à espera do veículo sem qualquer reparação, as diligências que fez para resolver o problema, os telefonemas que realizou, até que desistiu pois deixaram de lhe atender as chamadas, por isso escreveu uma carta a pedido da demandante, mas sem obter resposta. O seu depoimento foi coerente e esclarecedor, pelo que auxiliou na prova dos factos com os n.º 1, 2, 3,4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12,13, 14, 15,16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25.

A testemunha, GC., é pai do companheiro da demandante. Referiu que foi com eles ver o veículo, e o que nessa ocasião se passou. Depois disso, explicou os problemas que tiveram com o veículo, motivo pelo qual teve conhecimento dos factos, pois acabou por lhes emprestar o seu próprio carro, referiu-se também a um telefonema que assistiu entre a demandante e o sócio gerente da demandada, que lhe ofereceu 3.000€ para ficar novamente com o veículo, mas que ela recusou por sentir-se prejudicada uma vez que teve de contrair empréstimo para adquirir o carro. O seu depoimento foi isento auxiliando na prova dos factos com os n.º1, 7, 8, 9, 10, 11, 20, 21,22, 26 e 27.

II- DO DIREITO:

O caso dos autos prende-se com a celebração de um contrato de compra e venda de veículo automóvel, usado.

Este negócio jurídico, de natureza obrigacional, pelo facto de ter sido realizado entre um particular, a demandante, e uma sociedade comercial, a demandada, que tem por objeto profissional o comércio de veículos, o regime aplicável ao caso será o da Lei n.º 24/96 de 31/07, que tutela os direitos do consumidor, enquanto parte mais fraca do negócio e o Dec. Lei n.º67/2003 de 08/04 com as alterações constantes do Dec. Lei n.º 84/2008 de 21/05.

Resulta do art.º 4 da L. 24/96 de 31/07, com as alterações do Dec. Lei 84/2008 de 21/05, que deve ser entregue ao consumidor bens que tenham qualidade, isto é aptos a satisfazer o fim a que se destina, ou adequados às suas legitimas expetativas.

Nisto consiste o cumprimento da sua obrigação legal, enquanto vendedor.

A conformidade do bem, prevista no art.º 2, n.º1 do Dec. Lei 84/2008 de 21/05 resulta, antes de mais, da relação entre o objeto do negócio e a descrição do mesmo, por isso no n.º 2 do mesmo artigo estabeleceu-se uma presunção legal de falta de conformidade para um conjunto de situações, de entre as quais se destaca a da alínea d) não apresentar as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo, e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem.

No n.º2 do art.º 3 do Dec. Lei 67/2003 de 08/04 estatui a presunção legal de que a falta de conformidade já existia no momento da entrega do bem, desde que se manifeste num prazo de 2 anos a contar desta, isto porque está em causa um bem móvel, veículo usado.

Nos termos do n.º1 do art.º 3 Dec. Lei 67/2003 de 08/04 é sobre o vendedor que compete o ónus da prova de que o objeto que entregou/vendeu, está conforme com o contrato, ou seja, que não possui defeitos.

Todavia, a lei impõe ao comprador, de acordo com os n.º2 e 3 do art.º 5-A do Dec. Lei 84/2008 de 21/05, o ónus de denunciar os defeitos no prazo de dois meses a contar do momento em que os tenha detetado, devendo, ainda, no prazo de dois anos, após a denúncia, propor a correspondente ação sob pena de caducidade deste direito, acrescentando, também, os n.º4 e 5 deste artigo que o prazo para intentar a ação suspende-se enquanto o comprador estiver privado do uso do bem no caso de ter estado a ser reparada, bem como nas situações em que as partes entendam submeter o diferendo a tentativa de resolução extra judicial, nomeadamente mediação ou conciliação.

Para remediar este incumprimento a lei estabelece 4 opções à escolha do comprador: reparação, substituição do bem, redução do preço e ainda a resolução do contrato.

De facto o legislador nacional não procedeu ao escalonamento destas opções, apenas veda a possibilidade de opção em casos de manifesta impossibilidade ou de constituir um abuso de direito, remetendo esta situação para o regime do art.º 334 do C.C. Para além disto, pode ainda, comportar uma indemnização ao comprador (art.º 12 da LDC conjugado com os art.º 908, 909º e 918 todos do C.C.).

No caso concreto a demandada não contestou a ação. Contudo, em sede de audiência pretendia fazer crer que não fora ela que vendeu o veículo à demandante a título particular, e por esse motivo o veículo não tinha garantia, e para o referido efeito juntou 4 documentos.

Em audiência foi apurado que, no 1º trimestre de 2018, a demandante e o companheiro viram o anúncio num site da internet, e foi através do mesmo que chegaram ao contacto com o legal representante da demandada.

Por sua vez, prontificou-se a mostrar-lhes o veículo, o qual detinha nas instalações, e agendaram uma data para verem se lhes agradava, quer em termos de preço, quer em termos visuais, o que assim sucedeu, como todos acabaram por reconhecer.

Na ocasião a demandante foi acompanhada pelo companheiro e pelo pai deste.

Entretanto, depararam-se com uma casa de habitação, na qual a demandada tem atividade tendo alguns veículos na garagem e num pátio sito nas traseiras da mesma, não obstante foi assegurado pelo legal representante da demandada que tinha uma firma e o negócio legalizado, num espaço que faz de escritório.

O negócio foi realizado, precisamente naquele local, o qual é a sede da demandada, o que resulta da certidão permanente, na presença da demandante e seu companheiro, o legal representante da demandada e sua mulher.

Do exposto resulta que o negócio foi realizado entre um particular, a demandante, e um vendedor, nos termos da alínea c) do art.º 2 do Dec. Lei. 67/2003 de 8/04, ou seja, pessoa singular ou coletiva, que ao abrigo de um contrato vende bens de consumo no âmbito da sua atividade profissional.

Quanto ao documento 1 que juntou para prova de que não era profissional, resulta do mesmo que o veículo em questão foi adquirido numa leiloeira de veículos, o qual foi facturado em nome pessoal do legal representante da demandada, mas que tem residência no mesmo local onde a demandada possui sede.

Resulta, também, do documento 2 que juntou que o mesmo veículo foi vendido à demandante, sendo a fatura emitida em nome dele, na qual identificava a sua atividade como sendo de comércio de automóveis, a fls. 66.

Por fim, o documento 3 que juntou, a fls. 67 e 68, resulta que o mesmo veículo foi objeto de uma reparação aos injectores, a qual foi paga pela demandada, conforme o atesta a fatura recibo que apresentou.

Efetivamente com estes documentos o legal representante da demandada tenta criar confusão sobre a entidade que vendeu o veículo, para não ser responsabilizada pelo negócio.

Porém, esquece-se que este tipo de negócio é realizado verbalmente, como assim reconheceu, e para que tenha validade basta que as partes tenham acordado nos seus aspectos essenciais (art.º 405 do C.C.), sendo a fatura um mero pro forme, como aliás assim sucedeu pois nunca a entregou à demandante, somente na audiência resolveu juntar o original que detinha na sua posse, a fls. 66.

Por outro lado, a própria fatura refere-se expressamente à atividade de comércio de automóveis, o que só por si indicia que exerce esta atividade. Por fim, do documento 3, verifica-se que foi a própria demandada que procedeu ao pagamento da reparação do veículo em causa, ora isso só tem cabimento se o veículo fosse vendido por ela, e não pelo legal representante a título pessoal.

Acresce ao exposto que, apenas pode ser adquirido veículos em leilões por profissionais do ramo, e não por particulares, tal como reconheceu, e por isso sempre afirmou estar legalizado.

A única forma de estar legalizado era efetivamente constituir uma sociedade comercial, tal como fez, a ora demandada, e a qual tem como data de constituição 13/03/2018, o que resulta da certidão, de fls. 57 a 59, sendo esta anterior à data da realização do negócio entre as partes.

Do exposto concluo que a venda do veículo foi realmente realizada pela demandada e não pelo gerente, a título particular.

No que diz respeito ao preço pela aquisição do veículo existe, também, divergência. Alega a demandante que procedeu ao pagamento da quantia de 3.900€, e para prova apresenta o extracto da sua conta bancária, a fls. 13. Pela sua análise pode ver-se que efetuou 2 transferências bancárias, uma no valor de 2.500€ e outra de 500€, para a mesma conta, o que a demandada não nega e por isso apresentou a fatura na audiência a fls. 66, do que resulta ter pago a quantia de 3.000€.

Não obstante, apresenta, também, mais 3 levantamentos da sua conta, cada um no montante de 200€, o que perfaz mais 600€, e a restante quantia de 300€ foi pago sem recurso a levantamento. Efetivamente o levantamento de uma determinada quantia não prova, por si só, que seja destinado a um determinado fim, porém quer a demandante, quer a testemunha, RC., reafirmam a entrega da quantia em numerário.

Acresce, ainda, mais dois aspectos, primeiro não faz sentido a sua indignação por no portal das finanças aparecer somente a fatura na quantia de 3.000€, quantia sobre a qual recai IVA, e como tal seria uma percentagem deduzida em sede de IRS, ora caso fosse superior é evidente que teria direito a uma dedução igualmente maior, motivo pelo qual apresentaram queixa junto da autoridade tributária, o que motivou uma inspeção à atividade da demandada, conforme o representante legal admitiu.

Independentemente do resultado da queixa, pois não é isso que está em causa, resulta do senso comum que não se faz queixa de uma quantia superior, quando se sabe, à partida, que a queixa vai dar em nada, mas havendo a convicção de que pode ser procedente, efetivamente que é de apresentar, pelo que por aqui evidencia existir algum fundo de verdade no que alegou.

Para além disso, há ainda a questão do empréstimo pedido para aquisição do veículo, junto a fls. 17, no montante de 4.000€. Foi inclusive confirmado pelo representante legal da demandada que aquela foi auxiliada pela mulher, que é funcionária dos CTT, precisamente na área do Banco, uma vez que presenciou as negociações, e sabendo que não dispunha de liquidez para de imediato proceder ao pagamento do veículo, dispôs-se a auxiliá-la na obtenção da quantia. Ora não faz sentido pedir uma quantia superior, pois mil euros já faz diferença no montante mensal que se paga pelos juros de um crédito pessoal, caso a quantia fosse inferior, facto que resulta do senso comum.

Acrescento que cabia à demandada elidir esta prova, ora uma vez que tinha testemunhas, estranha-se que não a tenha apresentado, pois só a sua palavra não bastava.

Acrescenta-se, ainda, que embora ocorresse um empréstimo bancário, cujo montante revestiu para aquisição do veículo, não estamos face a uma situação de crédito coligado. Esta realidade difere do que se passou nos presentes autos, pois embora o crédito seja para financiar a aquisição de um bem de consumo, a viatura, não constitui uma unidade económica, uma vez que não foi o fornecedor do bem/vendedor que auxiliou na obtenção do crédito, além de que se essa situação tivesse ocorrido, deveria expressamente constar do contrato de crédito, algo que não foi alegado e como tal se depreende não se enquadrar nessa situação.

Do conjunto da prova depreende-se que realmente o montante pago pela aquisição foi a quantia de 3.900€, sendo a restante quantia de 100€ retida para efeitos de despesas de comissão com a concessão do crédito, tal como resulta do senso comum.

No que diz respeito aos 65€, provou-se que, também, foram entregues em numerário mas para efeitos de registo de propriedade da viatura, tarefa que ficou a cargo da esposa do gerente da demandada.

Quanto à garantia, resulta do próprio regime dos bens de consumo que a garantia legal é de 2 anos, porém no caso de ser um bem usado, como é o caso em questão, podem as partes acordar em reduzir o prazo legal de garantia para 1 ano, é o que resulta do art.º 5, n.º 1 e 2 do Dec. Lei 67/2003 de 8/04.

Quer isto dizer que, a demandada é uma vendedora profissional, o que resulta do objeto a que se propôs ao iniciar a sua atividade (art.º1-B, alínea c) Dec. Lei 84/2008 de 21/05), pelo que não pode alegar que o bem por ser usado não tem garantia, até porque se trata de um regime imperativo, sendo que qualquer acordo que limite ou exclua os direitos do consumidor, antes de existir a denúncia da falta de conformidade são nulos (art.º 10, n.º1 do Dec. Lei 84/2008 de 21/05).

Aproveito para esclarecer que não é preciso a entrega de qualquer documento ao consumidor para entender que lhe deu a devida garantia, pois trata-se de um direito que decorre da própria lei, bastando para o efeito fazer-se a prova da data em que ocorreu a entrega do bem.

Assim, no caso vertente a demandada não abdicou de qualquer garantia, pois se assim fosse não teria proposto esta ação. Quanto ao prazo da mesma, depreende-se que não ocorreu qualquer negociação, nem muito menos acordo sobre o prazo reduzido de 1 ano, pois se fosse esse o caso o legal representante da demandada, não viria em audiência alegar que não havia qualquer garantia por o veículo ter cerca de 20 anos.

Por outro lado, as pessoas que estavam presentes na data em que o negócio foi formalizado, reafirmam que esta questão nem foi mencionada, somente houve a preocupação de saber e foi reafirmado pelo legal representante da demandada, que estava devidamente legalizada a empresa vendedora.

Quanto à data em que o negócio foi concretizado ninguém consegue realmente concretizar, não obstante a demandada emitiu um recibo no valor de 3.000€ a 13/04/2018, junto a fls. 66, o qual é anterior à data em que essa quantia lhe foi transferida, o que se verifica pela análise do documento a fls. 13. Ora o negócio teria de ser concretizado anteriormente a esta data, ou seja, na data em que lhe foi entregue as quantias em dinheiro, o que coincide precisamente com 2 dos levantamentos em numerário efetuados pela demandante, o que resulta do documento 3 a fls. 13.

Assim, a demandante adquiriu o veículo da marca Z, modelo classe 0, com a matrícula … em Abril/2018 à demandada, não obstante ter verificado que padecia de alguns problemas, como a própria assim o admitiu no art.º8 do r.i.

Problemas esses, que ficavam a cargo da demandada proceder à respetiva reparação, do que resulta que não aceitou adquirir o veículo com os vícios que detetou e que foram de imediato denunciados, facto devidamente comprovado.

Foi por esse motivo que aquela o encaminhou para o mecânico com quem habitualmente trabalha, cedendo-lhe o contacto telefónico do mesmo, para que arranjasse as velas.

Porém, como o problema não seria das velas mas dos injectores, a própria demandada custeou a sua reparação, conforme consta do documento que juntou em audiência a fls. 67.

Não obstante, o problema do veículo subsistia, tem dificuldade a pegar, deita muito fumo negro e o trabalhar é instável, motivo pelo qual a demandada lhe cedeu um veículo, uma carrinha Y, até que o veículo estivesse reparado, ora isto consubstancia a assunção tácita da demandada pelo problema e a responsabilidade pela resolução do assunto (art.º 217 do C.C.).

Todavia, o veículo de substituição não estava em bom estado, o que se deduz do facto de ter acendido uma luz vermelha no painel de instrumentos, motivo pelo qual o companheiro da demandante devolveu-o, entregando-o na sede da demandada, algo que esta nem nega ter sido devolvido.

Quanto ao veículo da demandada, esteve meses parado/estacionado na dita oficina sem ser objeto de qualquer reparação.

Efetivamente a demandante precisava do veículo para se deslocar para o trabalho, tendo o pai do companheiro da demandante emprestado o seu próprio veículo para que o pudesse fazer.

Cansada de esperar, e após várias tentativas infrutíferas de comunicação com o legal representante da demandada, pede ao seu companheiro para enviar carta, junta de fls. 18 a 19, a solicitar a resolução do negócio.

Efetivamente, a resolução do negócio é sem dúvida a solução mais estremada para solucionar o problema, não obstante a lei faculta-lhe esta opção, e tendo em consideração que os problemas do veículo persistem desde que o adquiriu, não é justo que fique eternamente à espera que aquela se digne mandar proceder à reparação do veículo em conformidade.

Acresce dizer que a denúncia foi exercida em tempo, assim como a instauração da presente ação, pelo que se reconhece o direito de resolução do negócio, nos termos do art.º 432 do C.C., com fundamento no incumprimento da obrigação de reparar o veículo, tal como inicialmente se comprometera.

Esta é equiparada quanto aos seus efeitos jurídicos à anulabilidade ou nulidade do negócio (art.º 433 do C.C.), o que significa a restituição de tudo o que tiver sido prestado em função do negócio, ou seja, o valor pago pela aquisição 3.900€, e os 65€ do registo do veículo.

Uma vez que a resolução do negócio é imputável ao vendedor, confere à demandada o direito de ser indemnizada pelo interesse contratual negativo, ou seja, tende a repor o lesado na situação que teria se não tivesse celebrado o contrato, por outras palavras é o prejuízo que evitaria se não tivesse confiado que o responsável cumpriria com os seus deveres.

Nessa situação estão os juros que tem de suportar por força de um contrato que contraiu pela aquisição do veículo, e que não tinha necessidade disso.

Assim, na data da interposição da ação, 31/08/2018, os juros vencidos perfaziam a quantia de 70,68€, na qual também vai condenada, bem como os demais que se venceram até à prolação da presente sentença.

DECISÃO:
Face ao exposto, considera-se a acção procedente, por provada, e em consequência condena-se na resolução do contrato de compra e venda do veiculo Z, Classe 0, com a matrícula ..., devolvendo à demandante a quantia de 3.900€ referente ao seu pagamento, acrescido do valor de 65€ pelo registo da viatura e dos juros suportados com o crédito pessoal contraído, no valor de 70,68€, e dos demais juros que se venceram na pendência da ação.

CUSTAS:
São da responsabilidade da demandada, por ser considerada a parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento de 35€ (trinta e cinco euros) num dos três dias úteis após notificação da presente sentença, sob pena de lhe ser aplicado uma sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), nos termos dos art.º 8 e 10 da Portaria n.º1456/2001 de 28/12 com a redacção dada pela Portaria n.º209/2005 de 24/02.

Em relação à demandante cumpra-se o disposto no art.9º da referida Portaria.

Proferida nos termos do art.º 60, n.º 2 da L.J.P.


Coimbra, 20 de fevereiro de 2019

A Juíza de Paz

(redigido pela signatária, art.º 131, n.º5 do C.P.C.)



(Margarida Simplicio)