Sentença de Julgado de Paz
Processo: 371/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO RESPEITANTE A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL
Data da sentença: 03/20/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA


Processo n.º 371/2016 -J.P.

RELATÓRIO:
Demandante: A. J. C., NIF. xxxxxxxxx, residente na estrada C. C. de F., 470, S. A, no concelho do Funchal.
Requerimento Inicial: Alega em síntese que, adquiriu ao demandado por contrato verbal de compra e venda, a 27 de Outubro de 2016, a viatura N , com a matrícula XU. Que aquando da celebração do negócio a viatura tinha jantes cinzentas n.º 14, amortecedores próprios do veículo que aguentavam o suporte do tubo do travão, um pneu sobresselente e um macaco (ferramenta utilizada para auxiliar a troca dos pneus). Foi nestas condições que o contrato de compra e venda foi celebrado entre as partes. Uma vez que a bateria do carro estava descarregada, uma vez que o veículo estava parado há muito tempo, foi necessário pedir um reboque. Entre o período de tempo da chegada do reboque, o demandado aproveitando-se da ausência do demandante e aproveitando-se de já ter recebido o dinheiro pela viatura, trocou as jantes do veículo por umas jantes pretas n.º 13 (que não são as jantes determinadas para o veículo, não correspondem à medida dos pneus que consta no livrete, o que causa que não passe na inspeção), trocou os amortecedores por outros que também não pertencem ao veículo (deixando o tubo do travão solto), e retirou também o pneu sobresselente e o macaco. A atitude do demandado consubstancia um crime de furto, uma vez que os itens retirados do veículo pelo demandado, já não pertenciam ao demandado. O demandado já tinha vendido o veículo na sua plenitude ao demandante, quando retirou as supra-referenciadas peças, subtraindo coisas móveis alheias, com a ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa. Tendo sido confrontado com esta troca, remoção e subtração, o demandante de imediato solicitou que o demandado devolvesse as jantes cinzentas n.º 14, os amortecedores próprios do veículo, o pneu sobresselente e o macaco do veículo. O demandado foi peremptório em afirmar que não o faria. Perante esta situação de clara má-fé, o demandante enviou carta registada com aviso de receção ao demandado, solicitando-lhe a devolução das jantes cinzentas n.º 14, os amortecedores próprios do veículo, o pneu sobresselente e o macaco do veículo N , matrícula XU. Pela carta registada com aviso de receção enviada para o demandado, o demandante gastou 2,55€, o que constitui um prejuízo patrimonial. Para além disso, perdeu tempo, teve gastos com combustível e gastos com telemóvel, prejuízos patrimoniais a que atribui um valor estimativo de 100€. Alega que as peças furtadas pelo demandado têm o valor de 3.645,78€. Esta situação tem causado momentos de stress, angústia, desespero, indignação ao demandante, ou seja, o demandante sofreu danos de natureza moral como consequência direta da conduta do demandado. Ficou profundamente transtornado e com um grande desgosto e ansiedade ao ver-se enganado e ao ver-se alvo deste furto. Esta situação criou grande desgaste físico e psicológico no demandante. Considerando uma compensação pelos danos morais, o demandante requer, a título de indemnização a quantia de 500€. O demandado deverá devolver as jantes cinzentas n.º 14, os amortecedores próprios do veículo, o pneu sobresselente e o macaco do veículo, pedido a que atribui o valor de 3.645,78€. O demandado deverá, também, ser condenado no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais no montante de 102,55€ e no pagamento de uma indemnização pelos danos morais no montante de 500€. Na eventualidade do demandado não cumprir a sua obrigação, no prazo solicitado, o demandante pretende que seja condenado no pagamento de 10€ por cada dia de atraso, a título de sanção pecuniária compulsória, por se alicerçar na presumida condição económica do demandado, na eficácia intimidativa sobre a vontade deste e, por fim, na importância que a prestação reveste para o demandante por cada dia de atraso no cumprimento da sentença condenatória que vier a ser proferida. É manifesta a existência de dolo e a ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa de coisas móveis alheias, por parte do demandado, uma vez que ele trocou as jantes cinzentas n.º 14 e retirou os amortecedores próprios do veículo que aguentavam o suporte do tubo do travão, o pneu sobresselente e o macaco, após receber o dinheiro da venda e aproveitando a ausência do demandante. O demandado sorrateiramente aproveitou a ausência do demandante para surripiar o que tinha acabado de vender ao demandante. Tem o demandante o direito a ser ressarcido de todas as despesas com correio, combustível, tempo, telefonemas. O demandante sofreu danos de natureza moral como consequência direta da conduta do demandado. O demandado não levou a cabo qualquer diligência para a resolução do conflito, apesar das diversas interpelações efetuadas. O demandado sempre teve uma atitude impávida e serena, pouco se importando com os danos causados ao demandante. O demandante não viu outra solução que senão a de recorrer às vias judiciais. Conclui pedindo que o demandado seja condenado a: A) devolver / entregar ao demandante as jantes cinzentas n.º 14, os amortecedores próprios do veículo, o pneu sobresselente e o macaco do veículo N, com a matrícula XU, pedido que atribui o valor de 3.645,78€, no prazo máximo de 30 dias após sentença; B) pagar, a quantia de 102,55€ ao demandante, referente a indemnização por danos patrimoniais e, ainda, o valor de 500,00€ de indemnização por danos morais, no prazo máximo de 30 dias após sentença; C) Sendo que caso o demandado não cumpra no prazo solicitado (30 dias a contar da sentença), que seja condenado no pagamento de 10€ por cada dia de atraso, a título de sanção pecuniária compulsória. Junta 9 documentos.

MATÉRIA: Ação respeitante a responsabilidade civil contratual, enquadrada no art.º 9, n.º 1, alínea H) da L.J.P.
OBJETO: Contrato de compra e venda de automóvel
VALOR DA AÇÃO: 4.248,33€.

O DEMANDADO: B. E N., NIF. xxxxxxxxx, residente na rua N. da Q. D., n.º 9, 4.º Direito, no concelho do Funchal.
O demandado está regularmente citado, conforme registo de receção a fls. 25, não tendo contestado, nem constituído mandatário.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação, por ausência do demandado.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada, dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º 1 da L.J.P., sem obtenção de consenso entre as partes. Seguiu-se para produção de prova com audição de testemunhas, terminando com alegações finais, conforme consta da ata, de fls. 32 a fls. 35.

- FUNDAMENTAÇÃO –
I – FACTOS ASSENTES (Por Acordo):
A) O demandante adquiriu ao demandado por contrato verbal de compra e venda, a 27 de Outubro de 2016, a viatura N, com a matrícula XU.
B) Uma vez que a bateria do carro estava descarregada, já que o veículo estava parado há muito tempo, foi necessário pedir um reboque.
C) O demandante enviou uma carta registada com aviso de receção para o demandado, solicitando a devolução das jantes cinzentas n.º 14, os amortecedores próprios do veículo, o pneu sobresselente e o macaco.

II – DOS FACTOS PROVADOS:
1)A viatura N, com a matrícula XU vem equipada de origem com jantes n.º 14.
2) A medida das jantes constante do certificado de matrícula desta viatura e homologadas para esta viatura é o n.º 14.
3) Aquando da celebração do negócio a viatura tinha jantes cinzentas n.º 14 e amortecedores.
4) O demandado trocou as jantes n.º 14 do veículo por umas jantes pretas n.º 13 (que não são as jantes determinadas para o veículo, não correspondem à medida dos pneus que consta do livrete, o que causa que não passe na inspeção).
5) O demandante solicitou que o demandado devolvesse as jantes cinzentas n.º 14, os amortecedores próprios do veículo, o pneu sobresselente e o macaco do veículo.
6) O demandante aceitou que para efeitos de celebração do negócio, as jantes especiais do veículo fossem trocadas por umas jantes pretas em ferro.
7) O demandante gastou 2,55€ na carta registada com aviso de receção que enviou para o demandado.
8) O demandado recebeu a carta enviada pelo demandante.
9) O demandante solicitou um orçamento para as peças do veículo, no valor de 3.059,94€, a fls. 17.
10) O demandante solicitou ainda um outro orçamento, a fls. 18, no valor de 585,84€.
11) O demandante perdeu tempo a interpelar o demandado.
12) O demandante sentiu-se enganado e ansioso.
13) O demandado sempre teve uma atitude impávida e serena.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal sustenta a sua fundamentação na análise de toda a documentação junta pelas partes, das declarações das partes proferidas em audiência, e as regras da experiência comum.
As testemunhas apresentadas pelo demandante não presenciaram a celebração do negócio e apenas sabiam o que o demandante lhes disse.
As testemunhas apresentadas pelo demandado demonstraram ter conhecimento pessoal dos factos que vieram testemunhar e depuseram com isenção, prestando os seus depoimentos de forma clara, credível e convicta.
A testemunha, C S. S. R., auxiliou na prova dos factos com os números: 1, 5, 8 e 13.
A testemunha, A. J. M. J., auxiliou na prova dos factos com os números: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8 e 13.
Os factos complementares de prova resultam dos documentos juntos pelo demandante: certificado de matrícula nos termos do qual a medida das jantes é o n.º 14 (doc. n.º 1), inspecção técnica periódica ao veículo, nos termos da qual a 20/02/2015 o veículo apresentava uma total ausência de anotações de deficiências, tendo sido aprovado (doc. n.º 3) aviso de receção da carta enviada pelo demandante ao demandado, nos termos do qual, o demandado recebeu a carta (doc. n.º 6), bem como da prova testemunhal.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelo demandante, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos.

III – DO DIREITO:
O caso dos autos trata-se de uma acção de responsabilidade civil contratual, na sequência da aquisição de uma viatura pelo demandante ao demandado.
Entre o demandante e o demandado foi celebrado um contrato de compra e venda de um veículo da marca N.
Dispõe o art.º 874 do C. C. que “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.”
São efeitos essenciais do contrato de compra e venda: a) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) a obrigação de entregar a coisa e c) a obrigação de pagar o preço (art.º 879 do C.C.).
Todos os efeitos do contrato celebrado se produziram, isto é o veículo foi entregue, transmitindo-se o direito de propriedade, e o preço foi pago.
Até aqui tudo correu sobre rodas. O problema surgiu quando o demandante se apercebeu que as jantes da viatura tinham sido substituídas por outras, cuja medida não está de acordo com o certificado de matrícula, ou seja, não estão devidamente homologadas para aquela viatura, que os amortecedores da viatura tinham sido trocados e que a viatura não tinha pneu sobresselente, nem macaco (ferramenta utilizada para a troca de pneus).
É este o objecto da relação material controvertida, sendo certo que cada uma das partes apresenta versões diametralmente opostas.
De facto, enquanto o demandante alega que apenas tomou conhecimento desse facto quando já tinha registado a viatura em seu nome; o demandado alega que para efeitos de celebração do negócio, o demandante aceitou a troca das jantes e que não trocou os amortecedores, nem retirou da viatura o pneu sobresselente, nem o macaco.
São estas, fundamentalmente, as posições das partes.
Ora, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 406 do C.C. “O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.”, o que significa que, in casu, para que as jantes fossem trocadas, o demandante teria de dar o seu consentimento.
Consentimento que o demandado provou.
No entanto, uma coisa é aceitar a troca das jantes especiais por umas jantes de ferro, como foi o caso. Outra coisa, é trocar as jantes por outras que não estão devidamente homologadas para aquele veículo, impedindo a sua circulação.
No caso particular das jantes, a sua substituição só seria possível se ocorresse uma substituição por outras jantes em conformidade com os documentos do veículo. E não é este o caso.
Dispõe o nosso ordenamento jurídico de normativos claros e específicos sobre a matéria em questão, bem como abundante jurisprudência, sem esquecer a disciplina contida no Código Civil, não só relativamente ao conceito de defeito ou vício, como em relação aos deveres de ambas as partes em matéria de negócios jurídicos em geral. Conforme resulta do Código Civil, tem-se como defeito “…o vício que (…) desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim …” (art.º 913 do C.C.).
Estipula o art.º 227, no seu n.º 1 C.C. “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”. Este preceito, que doutrinariamente significa a receção na ordem jurídica da teoria da culpa in contrahendo, consagra não só o principio da boa fé, como a regra da responsabilidade e dever de diligência de ambas as partes.
De facto, para que a viatura possa circular, necessita de umas jantes devidamente homologadas, conforme determinado no seu certificado de matrícula, neste caso, umas jantes com o n.º 14, pelo que deverá o demandado providenciar por essa substituição.
O demandante apresentou um orçamento para aquisição de umas jantes novas, no entanto, trata-se de um documento meramente indicativo, sendo que nenhuma das testemunhas conseguiu quantificar o valor apresentado no orçamento ou outro valor qualquer.
Verificando-se que se trata do orçamento para umas jantes novas, e no caso concreto, apurou-se que se tratava de um veículo usado, vendido a baixo custo porque tinha sofrido uma batida. Factos de que o demandante tinha perfeito conhecimento e aceitou aquando da celebração do negócio.
Pelo que, este pedido deverá proceder. No entanto, quanto ao valor este deverá ser apurado em liquidação de sentença.
Quanto à questão da troca dos amortecedores e da retirada do pneu sobresselente e do macaco, o demandante não provou estes factos, como lhe competia fazer, nos termos do art.º 342, n.º 1 do C.C..
Esses elementos são essenciais para a prova dos factos e como se referiu, não foram feitos.
Na verdade, as testemunhas apresentadas pelo demandante apenas viram o veículo já desmontado na garagem do demandante, o que não lhes permitiu aferir se o veículo tinha ou não amortecedores, pneu sobresselente e macaco, no momento da celebração do negócio, nem quem retirou essas peças, nem quando isso aconteceu.
Assim sendo, estes pedidos do demandante terão que improceder.
No que respeita a indemnização por danos patrimoniais, o demandante precisa, ainda, provar que danos suportou e se existe um nexo causal entre o dano e o facto (art.º 563 C.C.).
O demandante apenas provou ter suportado um prejuízo patrimonial com a carta registada com aviso de receção enviada para o demandado, no valor de 2,55€ e deverá portanto o demandado ser condenado a ressarcir somente esse montante ao demandante.
Quanto ao peticionado a título de danos morais é ao demandante lesado, que cumpre provar (art.º 342, n.º 1 do C.C.) a efetiva verificação de danos desta natureza que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496, n.º 1 do C.C.), para além designadamente do nexo de causalidade (art.º 563 do C.C.) entre o facto e o dano.
O demandante não alegou qualquer facto que permitisse, sequer, aferir da existência dos referidos danos, limitando-se a mencionar os danos, em termos gerais, no pedido que formulou.
No caso concreto, o demandante provou que sentiu-se enganado e ansioso.
Contudo, nem todos os danos não patrimoniais são indemnizáveis mas somente os providos de gravidade, que justifique a concessão de uma indemnização pecuniária ao lesado, por isso a gravidade deve ser aferida por padrões objectivos, tendo em consideração as circunstâncias concretas.
O sentir-se enganado e ansioso embora possam causar incómodo na vida de cada um, não é o suficiente para merecer a tutela jurídica, pois a lei aponta a bitola para situações graves e este tipo de situação, em concreto, é somente incomodativa mas não grave.
Também, o tempo perdido com os trâmites associados ao processo e demais inconvenientes, causados pelo desenrolar dos autos, é algo normal, não se enquadrando no conceito de gravidade no sentido de ser importante do ponto de vista jurídico, mas como é evidente reconhece-se que causa algum incómodo, na medida em que as coisas não são resolvidas com a prontidão e a contento de todos.
É condição imprescindível que os factos que configuram a verificação de um dano que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sejam alegados e que, além disso, sejam provados, não se tendo verificado uma coisa nem outra nos presentes autos.
Face ao que antecede, não pode deixar de improceder totalmente o pedido do demandante.
Requer, ainda, o demandante a aplicação de uma sanção compulsória, como forma de compelir o demandado a cumprir com a sua obrigação (art.º 829-A, n.º1, 2 e 3 do C.C.), nomeadamente providenciar pela devolução das jantes n.º 14, conforme homologação que consta no certificado de matrícula da viatura, no prazo máximo de 30 dias após sentença, sobe pena de pagamento de 10€ por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação.
Como nos ensina o eminente Professor Doutor da Faculdade de Coimbra, João Calvão da Silva in - Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória - 2ª Edição, Coimbra 1997, página 393, “A sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indireto de constrangimento decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que se encontra adstrito e a obedecer à injunção judicial.”.
“Nem só o credor se preocupa com o cumprimento da prestação que lhe é devida, tomando precauções tendentes a prevenir o seu incumprimento e a obter a realização da originária prestação a que o devedor está adstrito, através dos meios de coerção privados. Também o legislador tem presente a lição de IHERING de que o direito existe para se realizar, sendo a realização a vida e a verdade do direito, o próprio direito. Por isso mesmo, consagrou um meio de coerção judicial como forma de indiretamente constranger e determinar o devedor ao cumprimento. Referimo-nos à sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829 - A do C.C. introduzido pelo Dec.- Lei nº 262/83, de 16/06), de que o juiz fará seguir a condenação principal do devedor ao cumprimento da obrigação, em ordem a incitá-lo a realizar a prestação a que está adstrito pela ameaça de consequências mais gravosas para os seus interesses do que aquelas que derivam do cumprimento.” In supracitada obra, páginas de 353 a 355.
“Em conclusão, pode dizer-se que a expressão «sanção pecuniária compulsória», com que o legislador batizou este meio de coerção patrimonial que só o juiz pode decretar, reflete imediatamente o caráter triplo da medida: compulsão (coerção ou ameaça) pecuniária que, se não atinge os seus fins, sanciona a ilícita violação da condenação principal proferida pelo juiz. O carácter coercitivo ou compulsório é, pois, da essência do instituto, cujo fim imediato é induzir o devedor a cumprir, enquanto o elemento sanção é condicional, apenas ocorrendo se a coerção for ineficaz, como consequência e efeito dessa mesma ineficácia. Numa palavra: o efeito «sanção» não é o escopo da sanção pecuniária compulsória, mas é a condição da sua eficácia.”, pág. 396.
A nossa Lei Civil prescreve no art.º 829-A que: “Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.”
A inclusão de tal sanção, como medida coerciva de cumprimento, visou, fundamentalmente, dois aspetos: por um lado a importância que o cumprimento das obrigações assume; por outro o respeito devido pelas decisões dos tribunais.
Ora, conforme resulta da decisão quanto à obrigação do demandado devolver ao demandante as jantes n.º 14, no prazo de 30 dias, mostra-se claramente justificada a fixação de uma sanção pecuniária compulsória que, nos termos do supra-referido normativo legal, forçará o demandado ao cumprimento da obrigação em que é condenado.
Quanto ao valor diário peticionado pelos demandantes 10€, sendo certo que, a fixação da sanção pelo tribunal deverá ser feita segundo critérios de razoabilidade, tendo em conta o fim desta sanção, não deverá ser o valor meramente simbólico, fazendo fracassar ab initio o efeito pretendido, ou seja, o cumprimento.
Deste modo, e ponderando os interesses em conflito, entende-se ajustado fixar a sanção 10€, por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, nos termos do disposto no n.º 2 do citado preceito legal.
O prazo requerido e a quantia indicada são razoáveis, pelo que o pedido é considerado como procedente.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente, condenando-se o demandado a devolver ao demandante as jantes n.º 14, em valor a apurar em liquidação de sentença, no prazo máximo de 30 dias após sentença, sob pena de aplicação da sanção pecuniária compulsória, no valor de 10€ por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação; condena-se, ainda, o demandado no pagamento dos danos patrimoniais no valor de 2.55€, absolvendo-o do demais peticionado.

CUSTAS:
São da responsabilidade do demandado, devendo proceder ao pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena de lhe ser aplicada a sobretaxa diária na quantia de 10€ (dez euros), pelo atraso no cumprimento desta obrigação legal, e eventual execução, nos termos dos art. 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28/12 com a redação dada pela Portaria n.º 209/2005, de 24/02.

Notificada nos termos do art.º 60, n.º 2 da L.J.P..
Funchal, 20 de março de 2017
A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º 5 C.P.C)

(Margarida Simplício)