Sentença de Julgado de Paz
Processo: 132/2012-JP
Relator: ANTÓNIO CARREIRO
Descritores: DIREITOS E DEVERES DE CONDÓMINOS
Data da sentença: 06/29/2012
Julgado de Paz de : PALMELA
Decisão Texto Integral: Sentença
(N.º 1, do art.º 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)

Processo n.º x
Matéria: Direitos e deveres de condóminos.
(alínea c), do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho).
Objecto: pedido de pagamento de renda por “aluguer” de espaço comum, ocupado com antena de rádio.
Demandante: A
Demandada:B
Mandatário: 1 - C e 2 - D
Valor da Acção: € 4.800,00.
Do requerimento Inicial
O demandante alega que a demandada, proprietária da fracção “B”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo para comércio, do mesmo condomínio, não efectuou o pagamento do “aluguer” do espaço comum da cobertura, no valor mensal de 200,00 €, deliberado em Assembleia de condóminos, pelo que deve estas “quotas mensais extraordinárias” desde Março de 2010 a Março de 2012.
Mais alegou conforme requerimento inicial de fls 3 e 4, que aqui se dá como reproduzido.
Pedido
Requer a condenação da demandada no pagamento de 4 800,00 € e no pagamento das “quotas extraordinárias” que se vencerem na pendência da acção e juros de mora.
Contestação
Em contestação a demandada admitiu ser proprietária da fracção referida mas tê-la dado de arrendamento a “E”, conhecida como F, tendo sido esta sociedade que colocou antena de transmissão de rádio no telhado, facto sempre conhecido pelo demandante, tendo a assembleia de condóminos aprovado a instalação mediante a formalização de um contrato com a F.
Não celebrou a demandada qualquer contrato de “aluguer” ou arrendamento com o demandante nem a deliberação de cobrar um valor mensal pelo “aluguer” de espaço comum gera qualquer responsabilidade de pagamento para a demandada, que, enquanto condómina, só responde pelos encargos das despesas e serviços do condomínio. Conclui pela absolvição.
Mais alegou conforme contestação de fls 29 a 32, que aqui se dá como reproduzida.
Tramitação
Foi agendada pré-mediação para o dia 16-04-2012, que não se realizou por falta da demandada, que a não justificou.
Marcou-se audiência de julgamento para o dia 03-05-2012, que se realizou, tendo as partes requerido a suspensão da instância por 30 dias, a fim de estabelecer conversações com a F, no sentido de obter acordo. Remarcou-se para 28-06-2012, que se realizou, conforme acta de fls.
Factos provados
Com base nos depoimentos de parte, testemunha e documentos, dão-se como provados os seguintes factos:
1 - “G”, com instalações no Pinhal Novo, representada pelo sócio-gerente H, é administradora do A sito no Pinhal Novo.
2 - A demandada é proprietária da fracção “B”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo para comércio, do mesmo condomínio.
3 – A demandada, arrendou esta fracção a “E”, conhecida como F, tendo esta sociedade instalado antena de transmissão de rádio, de que não foram mencionadas características, na cobertura do prédio.
4 – A Assembleia de Condóminos na acta VI (de 03-05-2010) deliberou aprovar a colocação da antena “mediante o pagamento de aluguer mensal de 250,00€” por “acordo a formalizar”, a partir de Março de 2010.
5 – Na acta VII (de 06-10-2010) deliberou que a dívida “do aluguer” do espaço da antena deveria ser regularizada até Novembro de 2010, sob pena de ser retirada a antena e devendo a acta ser dada a conhecer ao condómino (demandada) e arrendatário.
6 – Na acta VIII (de 08-03-2011), por o advogado da arrendatária ter entrado em contacto com a administração do prédio, foi deliberado reduzir o valor para 200,00 € mensais, e dispôs-se que na formalização do acordo deve a manutenção do equipamento e eventuais danos serem da responsabilidade da F.
7 – Não foi celebrado qualquer contrato com a F nem com a demandada.
Fundamentação
O demandante condomínio vem requerer a condenação da demandada, condómina, no pagamento do montante de 4 800,00 €, devidos pelo “aluguer” mensal do espaço onde se encontra colocada uma antena de rádio, instalada pela arrendatária da fracção da demandada, bem como nas “quotas extraordinárias” que se vencerem na pendência da acção e juros de mora.
Alega conforme requerimento inicial que acima se deu como reproduzido, contestado também como acima reproduzido.
Produzida a prova deram-se como provados e não provados os factos elencados acima nas respectivas rubricas. Os depoimentos foram credíveis e imparciais.
A questão a decidir é a de saber se a demandada está ou não obrigada ao pagamento das quantias peticionadas.
A causa de pedir parece, em primeiro lugar, resultar de contrato celebrado para cedência de espaço comum do condomínio, para instalação de antena de rádio. Contudo, como provado, não foi celebrado qualquer contrato nem com a demandada/condómina, por ser proprietária da fracção, nem com a arrendatária F (E). A assembleia de condóminos limitou-se a estabelecer as suas condições, unilateralmente, para que pudesse vir a ser celebrado contrato (não se sabe bem se com a F se com a demandada) pela cedência (ou talvez autorização para utilização) do espaço comum, para colocação de antena. Não foi celebrado qualquer contrato que, necessariamente, é um acordo de vontades, aceite por todas as partes que nele se vinculam, nos termos em que acordarem e não apenas uma declaração unilateral de uma parte interessada.
Não havendo qualquer contrato celebrado, no que se refere ao espaço para colocação da antena, não há qualquer obrigação para a demandada (nem para a F que também não se vinculou a qualquer contrato) de cumprir seja o que for, com base em contrato, pela simples razão que não contratou, não se obrigando, em consequência a qualquer prestação.
Em segundo lugar, a causa de pedir resulta das deliberações que estabeleceram uma “quota extraordinária” de condomínio ou, melhor dizendo, deram ao montante de renda pretendido a aparência de prestação extraordinária de condomínio, a pagar pela demandada, como contrapartida da instalação da antena pelo arrendatário da sua fracção.
No regime da propriedade horizontal, os condóminos são proprietários exclusivos da fracção e comproprietários das partes comuns (artigo 1420.º e 1421.º, do Código Civil), sendo estes direitos incidíveis, decorrendo, no que tange às partes comuns, que todos os condóminos, por serem comproprietários, as podem usar com as limitações impostas pelo fim da coisa e desde que não impeçam o seu uso também pelos outros condóminos. Caso esse uso consubstancie obra nova que prejudique (aqui prejudique tem de se materializar em prejuízo) a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício (alínea a), do n.º 2, do artigo 1422.º, do Código Civil), depende a mesma de aprovação da assembleia de condóminos, por maioria de dois terços do valor do prédio (artigo 1425.º, do Código Civil).
Deste modo, qualquer condómino é livre de utilizar as partes comuns, para a finalidade das mesmas, não necessitando de aprovação dos restantes condóminos (reunidos em assembleia), excepto se se tratar de obra de inovação que colida com a segurança, linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício e desde que não impeça o uso da mesma pelos restantes condóminos.
O fim a que a coisa se destina pode e deve entender-se não só como a razão de ser primeira da coisa mas o que é normal, corrente, essa coisa servir. Por exemplo a parede exterior de um prédio, não só serve para delimitar, circunscrever este e dar-lhe forma, mas serve correntemente outros fins acessórios, como seja o de suportar anúncios, toldos, nomes de rua, etc. O telhado/cobertura do prédio destina-se em primeiro lugar a proteger o prédio da chuva, do sol, das aves mas é corrente servir para instalar antenas, aparelhos de ar condicionado, terraços, anúncios. Fazer uso da cobertura/telhado para instalar antena, que não ofenda as limitações impostas pela propriedade horizontal, não se desvia do fim a que a parte comum é destinada.
Obra nova, no sentido do que a lei o exige, é a obra que implique uma alteração substancial da parte comum, como a jurisprudência o tem entendido. Sublinha-se que não se trata de qualquer alteração mas apenas de alteração substancial, a analisar em cada caso.
No caso, a demandada condómina arrendou a sua fracção. Ao ceder o gozo da fracção, cede também o gozo das partes comuns do prédio, porquanto estas estão incidivelmente ligadas àquela. Assim, pode o arrendatário usar as partes comuns nos mesmos termos em que o pode fazer o condómino.
No caso concreto, as deliberações das assembleias de condóminos, sobre a matéria, não se preocuparam em analisar se seria ou não permitido ao arrendatário colocar aquela antena sem dependência de autorização da assembleia de condóminos, nada sequer indiciando se a antena necessitará ou não de autorização da assembleia para ser instalada nas partes comuns e também não fundamentaram a razão da necessidade de autorização que poderá ou não ser necessária.
Por outro lado, as deliberações estabeleceram uma “quota extraordinária” pela ocupação do espaço. Contudo, os condóminos só podem responder pelas despesas e serviços do condomínio, previstos no artigo 1424.º, do Código Civil, nos termos aí permitidos. Não pode a assembleia de condóminos estabelecer a cobrança de uma renda pela utilização do espaço comum por um dos condóminos (ou arrendatário, que tem o direito de usar por cedência do gozo da coisa pelo condómino), por este também ser comproprietário e ter o seu direito ao uso daquela parte comum. Pode a assembleia regular o uso das partes comuns mas não impedir o seu uso por qualquer condómino e “maxime” não pode estabelecer que qualquer condómino pague uma “renda” ou contrapartida pelo uso da sua parte comum. Encargos de conservação e manutenção e despesas de serviços nada têm a ver com uma renda ou contrapartida pelo uso. As deliberações da assembleia no sentido da demandada pagar uma renda pelo espaço da antena (que o arrendatário colocou) são nulas, até juridicamente inexistentes, na medida em que mais do que ferir norma imperativa, são deliberações que extravasam, no caso com o conteúdo que apresentam, as atribuições e competências da assembleia de condóminos, não necessitando o condómino de reagir contra elas, excepto se o condomínio as tentar implementar, sem embargo da assembleia de condóminos ter competência para, eventualmente, exigir a retirada da antena.
A nulidade é invocável a todo o tempo e o tribunal dela pode conhecer mesmo oficiosamente, sendo os seus efeitos a reposição da situação anterior ao acto nulo, conforme artigos 286.º e 289.º do Código Civil, nada havendo a repor, no caso em concreto, por não terem sido pagas quaisquer “rendas”/prestações.
Por outro lado ainda, o condomínio vem requerer o pagamento à demandada condómina quando tem conhecimento de que foi o arrendatário que está a usar a parte comum, com a colocação da antena. Não se exclui que o condómino senhorio possa responder por danos provocados pelo arrendatário mas tal impõe, quando seja o caso, o recurso à prova sobre a verificação de pressupostos de responsabilidade civil, o que não foi sequer aflorado nesta acção.
A acção improcede por não provada, por não haver fundamento legal que obrigue a demandada a efectuar o pagamento requerido.
Decisão
Em face do exposto, absolvo a demandada do pedido.
Custas
Nos termos dos n.ºs 8.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, o demandante é declarado parte vencida, pelo que fica condenado no pagamento de 35,00 € (trinta e cinco), relativos às custas, a pagar neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação para o efeito, neste Julgado de Paz, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de
10,00€ por cada dia de atraso.
Reembolse-se a demandada, nos termos do disposto no n.º 9.º da mesma Portaria.
Notifique-se, também para efeitos de custas.
Julgado de Paz de Setúbal (Agrupamento de Concelhos), em 29-06-2012
O juiz de Paz
António Carreiro