Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 68/2017-JPVNG |
Relator: | PAULA PORTUGAL |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL QUEDA NAS INSTALAÇÕES DE EDIFÍCIO PÚBLICO |
Data da sentença: | 12/04/2017 |
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE GAIA |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A, residente na Rua do X, Vila Nova de Gaia; Demandada: “B” com sede na X, Lisboa. II – OBJECTO DO LITÍGIO A Demandante veio propor contra a Demandada, a presente acção declarativa respeitante a responsabilidade civil, enquadrada na alínea h) do nº 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €3.362,05 (três mil trezentos e sessenta e dois euros e cinco cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais (€862,05) e não patrimoniais (€2.500,00) sofridos na sequência da queda que sofreu nas instalações da Demandada; e ainda uma indemnização pela incapacidade de ganho (IPP) a liquidar após perícia a realizar nos presentes autos. Alegou, para tanto e em síntese, que no dia 14 de Dezembro de 2015, se deslocou ao Balcão da Demandada sito na Rua X em Avintes; ao sair do aludido Balcão de atendimento, a Demandante caiu num desnível existente no interior das ditas instalações; nesse desnível (num período anterior à queda) existia um corrimão de protecção que, inadvertidamente, foi removido daquele local pelos funcionários da “B”; a inexistência desse corrimão motivou a queda da Demandante já que a falta de qualquer aviso indicativo da remoção criou nesta a expectativa de que ainda existiria tal protecção; certo é que, nos dias seguintes à queda descrita, a Demandada colocou novamente o corrimão de protecção ao desnível, situação que se verifica até à presente data; ora, se o referido corrimão não tivesse sido removido, a Demandante teria actuado de forma preventiva, apoiando-se no mesmo, evitando a queda e os danos daí advindos; no local também não existia nenhum aviso que alertasse os utentes do Banco da existência do desnível; qualquer uma das formas (existência do corrimão ou sinalética a avisar do desnível sem protecção) teria evitado a queda da Demandante e os danos daí decorrentes; na sequência da referida queda, a Demandante embateu com os joelhos num gradeamento de aço que serve de tapete existente à entrada/saída do Balcão da B de Avintes; e embateu com a cabeça na porta de vidro da entrada do Balcão; imediatamente após a queda, a Demandante deslocou-se em carro particular conduzido pelo seu marido ao Hospital da Arrábida onde foi atendida em episódio de urgência e pagou €36,85; posteriormente, em virtude das sequelas resultantes do acidente, foi seguida em inúmeras consultas de ortopedia com as quais despendeu €19,95; do malogrado acidente foram diagnosticadas à Demandante as seguintes mazelas: quisto no joelho direito com tendência a agravar e possibilidade de intervenção cirúrgica; ligeiro estiramento dos ligamentos do pé esquerdo; hematomas no olho esquerdo, testa, perna e joelho direito e lado esquerdo do abdómen; a Demandante apresenta-se desde já disponível para que lhe sejam efectuadas perícias no Instituto de Medicina Legal que atestem a veracidade dos danos supramencionados; ao embater com a cabeça na porta de vidro da B – Balcão de Avintes – a Demandante partiu os óculos, ficando de tal forma danificados que se viu obrigada a recorrer a consulta de oftalmologia na qual gastou €11,80 e a comprar um novo par no valor de €620,00; como tratamento das lesões corporais, a Demandante, na sequência de consulta de fisiatria, consulta de medicina física e de reabilitação, viu-se obrigada a fazer fisioterapia no Hospital da Arrábida, pagando a suas expensas €60,00 pela consulta de fisiatria, €7,75 pela consulta de medicina física e reabilitação e o montante global de €50,00 pela fisioterapia; a Demandante comprou medicação e uma meia elástica no valor de €28,70 e fez um exame RM articular no qual suportou o custo de €27,00; a Demandante tentou por várias vezes contactar a Demandada de forma a accionar a responsabilidade que por lei lhe é imputada; a Seguradora da Demandada, no entanto, encerrou o processo por não se encontrarem “preenchidos os pressupostos de atribuir responsabilidade à nossa Segurada”; certo é que, por acto da Demandada, quer por acção, ao remover o corrimão de apoio ao desnível, quer por omissão de conduta, omitindo sinalização de existência do desnível, a Demandante sofreu graves lesões corporais e teve graves prejuízos patrimoniais, devendo por isso a Demandante indemnizar a Demandada dos danos advenientes de toda esta situação, os quais se computam na presente data no montante global de €862,05; a Demandante desconhece por ora se ficou a padecer, em virtude desta queda, de alguma incapacidade parcial permanente, relegando para momento posterior, após perícia médico-legal que fará para apurar tal facto, a quantificação de tal montante; a Demandante, em virtude da queda nos termos descritos, padeceu de fortes dores, transtornos, canseiras e tempo despendido quer em tratamentos quer na sua recuperação; imediatamente após o acidente ficou com hematomas e pisaduras na sua face, situação muito visível e que motivou a permanência da Demandante em casa durante quinze dias; após a aplicação de medicação para esse efeito, a Demandante melhorou substancialmente e após o referido período começou a sair, retomando a sua rotina; em virtude de ter embatido com os joelhos no tapete de aço, teve fortes dores, inchaço, criou líquido no joelho direito e no pé direito, facto que a imobilizou totalmente durante oito dias e lhe limitou significativamente os movimentos, sobretudo o andar, por período não inferior a dois meses, com o auxílio de canadianas, situação que só melhorou com a fisioterapia; ainda hoje a Demandante sente dores naquele joelho direito e no pé direito, ao caminhar, sobretudo se as caminhadas são mais longas; a Demandante também sente dores na mudança de temperatura, sobretudo com nevoeiro e nos dias de chuva; assim, atenta a factualidade supra descrita, a Demandada deverá indemnizar a Demandante, a título de danos morais, pelas dores, transtornos, canseiras e tempo despendido com toda esta situação em montante nunca inferior a €2.500,00. Juntou documentos. Regularmente citada, a Demandada apresentou Contestação, onde alega que a queda da Demandante só à mesma é imputável; efectivamente, existe um corrimão na mencionada zona de ATM, ou seja, na zona na qual se encontram os terminais automáticos; só que tal corrimão destina-se apenas a delimitar a rampa de acesso a deficientes, não se destinando sequer a ser utilizado pelas pessoas que, como a Demandante, não utilizam tal rampa de acesso, acedendo antes ao interior da Agência pelo degrau; de resto e para quem utiliza tal degrau – como reconhecidamente ocorreu com a Demandante – este corrimão nem sequer é acessível para efeitos de mero apoio, encontrando-se, aliás, posicionado em posição absolutamente perpendicular ao dito degrau; acresce que, tal corrimão veio a ser retirado em 10.12.2015 para efeitos de reforço e beneficiação dado que não reunia condições para uma correcta fixação, encontrando-se assim completamente solto, situação esta que é motivada pelo facto de o mesmo ser frequentemente utilizado como apoio para as pessoas que aguardam a sua vez para utilização das máquinas na zona ATM, aí se sentando; assim, e como o mesmo não garantisse as exigíveis condições de segurança nem para os funcionários nem sobretudo para as inúmeras pessoas que frequentam quer a Agência quer a mencionada zona de ATM, foi o mesmo retirado para reparação, nos termos acima expostos, tendo sido aí recolocado em 15.12.2015; a queda da Demandante não tem qualquer nexo de causalidade com a ausência deste corrimão, sendo redondamente falso que o dito degrau não se encontrasse devidamente sinalizado, encontrando-se o mesmo delimitado por uma larga fita antiderrapante em toda a sua extensão; a Demandante saiu visivelmente transtornada da Agência, o que, além do mais, motivou o seu desequilíbrio e queda junto ao dito degrau, nada tendo a Demandada contribuído para tal queda, por violação de qualquer dever que lhe seja legal ou contratualmente imputável, pelo que não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade a esse título; e tanto assim é que aquela zona é visitada por centenas de pessoas, diariamente, sejam os clientes que se dirigem à Agência sejam as pessoas que frequentam a zona dos terminais automáticos, e não houve qualquer episódio de queda ou sequer de desequilíbrio em todos os dias em que o corrimão lá não esteve; assim, não pode a aqui Demandada ser responsabilizada pelos alegados danos sofridos pela Demandante. A Demandada prescindiu da fase da Mediação, pelo que se determinou o agendamento da Audiência de Julgamento, a qual se realizou com obediência às formalidades legais como da Acta se infere. Em Audiência de Julgamento, a Demandante prescindiu da realização da Perícia Médico-Legal destinada a fixar a incapacidade conforme tinha referido no Requerimento Inicial e requereu a ampliação do pedido de forma a abranger os danos patrimoniais por si sofridos posteriormente à data de entrada da presente acção, no montante de €216,48, de acordo com os recibos emitidos pelo Hospital da Arrábida e pelo Centro de Reabilitação do Norte – Valadares. Em resposta, a Demandada nada teve a opor à ampliação do pedido, impugnando, contudo, o nexo causal existente entre as alegadas sequelas e despesas e o sinistro relatado no Requerimento Inicial, o que é comprovado além do mais pelas datas apostas nos documentos, sendo certo que do relatório da RM junto como Documento n.º 3 com o Requerimento Inicial resulta, inequivocamente, que a Demandante já tinha antecedentes de entorse antes do acidente. A requerida ampliação do pedido foi admitida nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 265º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 63º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, por corresponder ao desenvolvimento do pedido primitivo. Cumpre apreciar e decidir. O artigo 483º, nº 1, do Código Civil, define o princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual, enunciando que aquele que, por dolo ou mera culpa, violar ilicitamente disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação culposa. A simples leitura do preceito mostra que vários pressupostos condicionam, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante: é necessário, desde logo, que haja um facto voluntário do agente (que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade, não um mero facto material produtor de danos); é preciso que o facto seja ilícito (a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjectivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados); importa, depois, que haja um nexo de imputação do acto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa [a culpa pode definir-se como o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia (por para tanto ter capacidade) e devia ter agido com observância formal e material do preceituado pela norma]; é indispensável que à violação do direito subjectivo do lesado sobrevenha um dano; por último exige a lei que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação, só surgindo o dever de indemnizar, tanto no campo da responsabilidade contratual, como no da extracontratual, quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos. Vejamos. A Demandada, por motivos não apurados, certamente porque seguia distraída para além de padecer de dificuldades de visão, ao sair do interior da Agência da B, não atentou no degrau (um único degrau) que se encontrava perfeitamente delimitado com uma fita preta antiderrapante e seguiu em frente, o que lhe provocou a queda. Refira-se que quando a Demandante entrou para a Agência o dito desnível já ali existia e certamente tê-lo-á transposto, a não ser que tenha subido pela rampa de acesso a deficientes. Aliás, a existência do degrau já era do conhecimento da Demandante que habitualmente se deslocava àquela Agência. Mais, o corrimão que naquele dia não se encontrava no local em virtude de ter sido retirado para manutenção, destinar-se-á apenas a delimitar o corredor de acesso para deficientes, sendo que, ao que se apurou, a maior parte dos clientes que saem da Agência nem sequer tem extensão de braços para chegar ao corrimão. É natural que a Demandante, anteriormente, o pudesse ter utilizado como ponto de apoio mas tal não significa que ali estivesse para essa função. Se assim fosse, o seu posicionamento relativamente ao degrau seria não paralelo à fachada mas perpendicular à entrada principal. Nem tampouco tem a Demandada qualquer obrigação de instalar no local um corrimão de apoio à transposição de um degrau, sendo certo que a sinalização exigível do mesmo encontra-se respeitada com a colocação da já referida fita, além de que se encontra salvaguardado o acesso pelo corredor (sem qualquer degrau). Donde, não resulta da prova produzida que a Demandada tenha de alguma forma contribuído com a sua acção ou omissão para a queda da Demandante. Não temos qualquer dúvida de que a Demandante, efectivamente, se terá magoado e que, fruto do infeliz acidente - que só ao seu descuido ou quiçá ao destino, para quem acredita, se pode imputar - padece de mazelas físicas que lhe têm vindo a acarretar inúmeros transtornos e despesas. No entanto, é daqueles infortúnios da vida que nos batem à porta sem avisar, não podendo ser assacada, a quem quer que seja, e mais precisamente à Demandada, qualquer responsabilidade pelo mesmo. Não se verificando assim os pressupostos da responsabilidade civil supra enunciados e revestindo a responsabilidade pelo risco natureza excepcional - nos termos do artigo 483º, nº 2, C.C., só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos expressamente especificados na lei – terá, necessariamente, que improceder o pedido. V – DECISÃO |