Sentença de Julgado de Paz
Processo: 67/2018-JPSRT
Relator: MARTA NOGUEIRA
Descritores: AÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO
NOS TERMOS DO ART. 9º N.º 1 AL. G) DA LJP. ---
Data da sentença: 12/17/2018
Julgado de Paz de : SERTÃ
Decisão Texto Integral: Processado por meios informáticos (art. 131º nº 5 CPC). Verso em branco. Revisto pela signatária.
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SENTENÇA
(art. 57º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho – LJP)


Processo n.º 67/2018
Demandante: R & M, Lda. ---
Demandados: J e A. ---
Objeto da ação: Ação declarativa de condenação, nos termos do art. 9º n.º 1 al. g) da LJP. ---
Valor: € 6.724,04 (seis mil setecentos e vinte e quatro euros e quatro cêntimos).

OBJETO DO LITÍGIO
A Demandante, R & M, Lda., veio intentar, em 05-07-2018, a presente ação, com fundamento na alínea g) do n.º 1 do art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (LJP), alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, pedindo que os Demandados fossem condenados a pagar-lhes a quantia de € 6.724,04 (seis mil setecentos e vinte e quatro euros e quatro cêntimos) a título de rendas em falta, bem como indemnização por danos patrimoniais no locado e pelo período de 3 (três) meses em que a Demandante não pode arrendar o locado.
Para tanto os Demandantes alegaram os factos constantes do seu requerimento inicial de fls. 1 a 5, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Juntou: 30 (trinta) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.

TRAMITAÇÃO
Regularmente citados, cfr. fls. 51 e 163, os Demandados apresentaram a sua contestação, de fls. 54 e segs., na qual se defendem por impugnação.
Juntou: 89 (oitenta e nove) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.

Foi designado o dia 17-09-2018, pelas 14h00m para realização da audiência de julgamento, a qual teve lugar com todas as formalidades legais, cfr. da respetiva ata se alcança. Foi a audiência suspensa para ter lugar, no dia 24-09-2018, pelas 10h00m, inspeção judicial ao local, cfr. do respetivo auto se infere. Foi esta audiência suspensa para continuar na presente data, pelas 14h00m, para prolação de sentença.

A questão a decidir por este tribunal consiste em apurar se assiste razão à Demandante para exigir dos Demandados as indemnizações peticionadas.

Fixa-se à ação o valor de € 6.724,04 (seis mil setecentos e vinte e quatro euros e quatro cêntimos), cfr. artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 e 2 do CPC, ex vi do artigo 63º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (de ora em diante, abreviadamente, designada por LJP).

FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes os factos:
1 – A Demandante é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito em P, L, P, 6100-000 Sertã, inscrito na matriz predial urbana com o art. 0000, com a licença de habitação n.º 00/2009;
2 – Por contrato de arrendamento para habitação, outorgado a 01-08-2017, a Demandante deu de arrendamento à Demandada e esta tomou aquele de arrendamento, o prédio identificado no art. 1º do requerimento inicial;
3 – O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de 5 (cinco) anos;
4 - A renda mensal acordada foi de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros), a pagar pela Demandada, enquanto inquilina, à Demandante, enquanto senhoria;
5 – A renda mensal seria paga até ao dia 8 do mês anterior àquele a que dissesse respeito, mediante depósito ou transferência bancária para o NIB a indicar pela Demandante;
6 – No âmbito do contrato de arrendamento a Demandada, enquanto inquilina, obrigaram-se a conservar e manter em boas condições de funcionamento todas as instalações e canalizações de água, eletricidade, esgotos, paredes, pavimentos, pinturas e vidros, bem como o equipamento existente, constituído por um esquentador, frigorífico, placa, forno e máquina de lavar a roupa, correndo por sua conta todas as reparações decorrentes de culpa ou negligência sua;
7 – Os Demandados comprometeram-se a manter em bom estado de conservação todo o imóvel;
8 – A Demandada saiu do locado em 30 de junho de 2018;
9 – Ficando por pagar as rendas de março a junho de 2018;
10 – A Demandada, no dia 31-07-2017, pagou a quantia de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros) a título de caução;
11 – A Demandada, no dia 03-07-2018, pagou a quantia de € 300,00 (trezentos euros);
12 – Estão em dívida parte da renda de abril (€ 75,00) e as rendas de maio e junho de 2018 (€ 375,00 x 2);
13 – Ou seja, a quantia de € 825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros);
14 – A Demandante, aquando da entrega das chaves, deparou-se com vários danos em todo o imóvel, nomeadamente no forno, casa de banho, paredes, chão, portas interiores e armários;
15 - A cozinha é composta por parede frontal forrada a azulejo e restantes paredes construídas em pedra de xisto com juntas de cimento;
16 - O teto da cozinha é branco em pladur, contendo lâmpadas embutidas naquele;
17 - Eram visíveis manchas de bolor no teto, tal como na madeira do armário da cozinha junto ao lava loiça;
18 - O fogão apresentava alguma sujidade na placa superior;
19 - O forno apresentava bastante gordura acumulada;
20 - A casa de banho do rés-do-chão, é composta por cabine de duche, lavatório e sanita, teto em pladur;
21 – A cabine de duche apresentava-se muito suja, assim como o poliban muito sujo e com manchas negras de bolor;
22 - O lavatório encontrava-se também muito sujo, com a torneira a apresentar pintas de ferrugem;
23 - No teto falso em pladur eram visíveis manchas de bolor;
24 - A sala é composta por paredes em pedra de xisto, chão em pedra de xisto junto às paredes e pedra portuguesa com motivos desenhados ao centro, teto em madeira;
25 - Eram visíveis manchas na pedra de xisto no canto nascente-sul, com pedras mais escuras parecendo humidade concentrada, e rachadelas no mesmo canto;
26 - O primeiro piso é composto por dois quartos e casa de banho;
27 - O quarto do lado nascente, tinha um roupeiro embutido na parede que apresentava manchas negras de bolor;
28 - As paredes são em pedra de xisto com juntas em cimento e teto em madeira;
29 - O chão é em madeira envernizada;
30 - Tanto o canto norte, como o canto sul, do lado nascente, encontram-se rachados na junta de cimento;
31 - O quarto do lado poente, tem também um roupeiro embutido na parede com manchas negras de bolor;
32 - As paredes são em pedra de xisto com juntas em cimento e teto em madeira;
33 - O chão é em madeira envernizada e apresentava, no centro, uma mancha mais clara que a cor da restante madeira, parecendo ter perdido o verniz;
34 - O teto em madeira apresentava também algumas pintas negras de bolor;
35 - A casa de banho do primeiro piso é composta por poliban com cabine de duche e lavatório, paredes em xisto com junta de cimento, teto em pladur e chão em madeira envernizada;
36 - Tanto a cabine de duche, como o poliban, apresentavam manchas de bolor;
37 - O lavatório encontrava-se muito sujo, tal como a torneira;
38 - A tampa de respiração (em plástico) encontrava-se descolada do fundo da cabine;
39 - Eram visíveis restos de cola daquela;
40 – Os Demandados não pagaram à Demandante uma botija de gás no valor de € 25,03 (vinte e cinco euros e três cêntimos) já com IVA incluído;
41 – Os Demandados não pagaram à Demandante a quantia de € 169,06 (cento e sessenta e nove euros e seis cêntimos) relativa ao consumo de água enquanto arrendaram o locado;

Igualmente com relevância para a decisão da causa não se consideram provados os seguintes factos:
A – Que a Demandante tenha estado impedida de arrendar o locado nos meses de julho, agosto e setembro de 2018;
B – Que as obras de reparação necessárias no locado e referentes aos danos provocados pela Demandada ascendessem ao montante de € 3.142,65 (três mil cento e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos);

Motivação dos factos provados e não provados
Para fixação dos factos dados por provados concorreram as declarações do Legal Representante da Demandante, as declarações da Demandada, os documentos juntos aos autos e a inspeção judicial feita ao locado. Não foram apresentadas quaisquer testemunhas.
A fixação da matéria fáctica dada como não provada resultou da ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos factos, após a análise dos documentos juntos e da prova testemunhal produzida.

Por outro lado, e centrando-nos nos arts. 487º e segs. CPC, aplicáveis por remissão do art. 63º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (LJP), é ponto assente que o réu (in casu os Demandados) se defende por impugnação quando contradiz os factos articulados pelo autor (Demandantes) no requerimento inicial ou quando afirma que esses mesmos factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo Demandante, e por exceção quando alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autos, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.
Acrescenta ainda o art. 490º n.º 2 CPC que se consideram admitidos por acordo todos os factos que não forem impugnados.

FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
As questões a decidir por este Tribunal circunscrevem-se à caracterização do contrato celebrado entre a Demandante e os Demandados, às obrigações e direitos daí decorrentes bem como às consequências de um eventual incumprimento dessas obrigações.

No entanto, e tendo em consideração a factualidade dada como provada nos presentes autos, não nos podemos esquecer que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – cfr. art. 341º do Código Civil (adiante designado apenas por CC). E que, além disso, nos termos do art. 342º n.ºs 1 e 2 CC, «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado», bem como que «A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita».

O arrendamento urbano é uma modalidade do contrato de locação cuja definição se encontra regulada nos arts. 1022 e 1023º do Código Civil (doravante designado por CC), sendo definido como «o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição». Deste contrato deriva um conjunto de obrigações para o locador (ou senhorio) e para o locatário (ou inquilino/arrendatário), nomeadamente aquelas que resultam dos artigos 1031º e 1038º CC, respetivamente, além daquelas que forem convencionadas entre as partes.

Entre estas, para o que aqui releva, avultam a obrigação do senhorio de proporcionar o gozo do locado (cfr. artigo 1031º b) CC) e a obrigação do inquilino de restituir o mesmo no estado em que o recebeu (cfr. artigo 1038º CC), bem como de suportar os encargos e despesas respeitantes ao fornecimento de bens ou serviços ao locado, na falta de estipulação em contrário (cfr. artigo 1078º nº 2 CC). Por outro lado, no que respeita à cessação do contrato de arrendamento, pode a mesma ser feita por acordo das partes, denúncia, caducidade ou resolução (cfr. artigo 1079º do Código Civil). A cessação do contrato torna imediatamente exigível a desocupação do locado e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário (cfr. artigo 1081º nº 1 CC).

Ora, não tem este Tribunal quaisquer dúvidas que os Demandados desocuparam o locado no dia 30-06-2018. Já quanto ao cumprimento do aviso prévio de 90 dias não lograram os Demandados provar tê-lo cumprido, sendo certo que esse era o ónus que sobre eles impendia, nos termos das regras gerais do ónus da prova estabelecidas pelo art. 342º n.º 2 do CC, in casu. Diz o art. 9º da Lei que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU – Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro), que a denúncia do contrato de arrendamento deve ser formalizada nos termos prescritos na Lei, ou seja, por carta registada com aviso de receção dirigida ao senhorio para a morada constante do contrato de arrendamento celebrado. A denúncia pode ser feita pelo arrendatário a todo o tempo, após seis meses de duração efetiva do contrato, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 90 dias do termo pretendido do contrato, sendo certo que a inobservância desse prazo não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (cfr. artigo 1098º n.ºs 2 e 3 do CC). Não tendo sido junto aos autos qualquer documento comprovativo da formalização da referida denúncia do contrato de arrendamento, e estando provado que os Demandados saíram do locado em 30-06-2018, ficou o Tribunal convencido que não houve qualquer cumprimento das formalidades prescritas para a denúncia do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, sendo certo que, nos presentes autos a Demandante nada peticiona quanto ao aviso prévio em falta, mas tão só quanto a rendas em falta nos meses de março a junho de 2018.

Quanto a estas, logrou a Demandada provar ter feito o pagamento da caução no valor de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros) em 31-07-2017, e o pagamento da quantia de € 300,00 (trezentos euros) em 03-07-2018. Tendo em consideração que a renda mensal foi fixada na quantia de € 375,00, e que estavam em falta as rendas de março a junho de 2018, o que resultou provado, estes pagamentos efetuados pela Demandada terão de ser imputados às rendas em atraso, pelo que se consideram pagas as rendas de março de 2018 e € 300,00 da renda de abril de 2018, ficando em dívida as quantias de € 75,00 da renda do mês de abril e € 750,00 das rendas de maio e junho de 2018, ou seja o valor global de € 825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros), no qual vão os Demandados condenados.

No que à indemnização no valor de 50% das rendas em atraso respeita, a mesma tem cabimento legal no art. 1041º n.º 1 do CC, o qual estipula que, em caso de mora do locatário/inquilino, tem o locador/senhorio, o direito a exigir, para além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido.

Ora, o locatário entra em mora, quando a obrigação tem prazo certo e não é cumprida no mesmo – cfr. art. 805º n.º 2 alínea b) do mesmo diploma. Assim, resultando provado que a obrigação de pagamento das rendas referentes aos meses de março a junho de 2018 se encontrava fixada até ao dia 8 do mês anterior àquele a que dissesse respeito, o que não foi cumprido pela locatária (Demandada), dúvidas não existem que há mora desta, pelo que pode a Demandante exigir da Demandada uma indemnização no valor de 50% do que é devido, correspondente, nos presentes autos, ao valor de € 412,50 (quatrocentos e doze euros e cinquenta cêntimos).

Por outro lado, no âmbito da presente ação, suscita-se ainda a questão de saber se a coisa locada foi restituída no estado em que foi recebida, salvaguardadas as deteriorações decorrentes de uma prudente utilização, em conformidade com o fim do contrato, nos termos do artigo 1043.º CC, e caso não o tenha sido se devem os Demandados ser condenados a pagar à Demandante (senhorios) a quantia que alegadamente esta terá de despender para fazer obras de reparação no locado.

O contrato de arrendamento impõe direitos e obrigações a ambas as partes, resultando nos termos do disposto nos arts. 1081º e 1043º n.º 1 do CC que a desocupação e entrega do local ocorrem com as reparações que incumbem ao arrendatário. Mais resulta das disposições referidas, que o senhorio assume o desgaste e/ou deterioração inerente a uma utilização cuidadosa do locado, considerando o facto de que mesmo uma utilização prudente implica uma certa depreciação dos bens, designadamente porque esta ocorre pela simples ação do tempo. Nos termos do disposto nos arts. 1038º e 1043º n.º 2 do CC, e do acordado contratualmente (fls. 79 e 79 verso), resulta que o arrendatário está obrigado a entregar a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, presumindo-se que a mesma lhe foi entregue em bom estado de conservação, se nada constar em sentido diverso do contrato celebrado. Ou seja, o arrendatário tem o dever de não fazer uma utilização imprudente da coisa locada (art. 1038º d) do CC), recaindo sobre o senhorio a obrigação de manter o locado nas condições exigidas para o fim do contrato e existentes à data da sua celebração (art. 1031º do CC). Quer isto dizer que a regra é a de que o arrendatário responde pelas deteriorações da coisa que não resultarem de uma prudente utilização. Ao senhorio apenas compete alegar e provar a existência de perda ou deteriorações, face à presunção legal de que os danos ou deteriorações da coisa locada que extravasem o fim a que a mesma se destinava tem origem em facto imputável ao arrendatário, impondo-se ao mesmo a obrigação de indemnizar o senhorio independentemente de culpa (art. 1044º do CC).

Para evitar a mencionada responsabilização legalmente presumida, o arrendatário tem o ónus de alegar e provar que quaisquer danos ou deteriorações, alegadas e provadas pelo senhorio, aquando da entrega do local arrendado, resultaram da normal utilização do mesmo em conformidade com os fins do contrato, ou que as mesmas resultaram de causa que não lhe é imputável. Ou seja, tem o arrendatário o ónus de alegar e provar que aqueles danos ou deteriorações resultam de causa que não lhe é imputável, nem a terceiros a quem tenha permitido a sua utilização, nomeadamente, porque advém de qualquer circunstância externa, nomeadamente conduta ilícita do senhorio, ato de terceiro não consentido, caso fortuito ou de força maior, ou envelhecimento do imóvel.

No domínio da relação contratual em causa, o senhorio é proprietário e consequentemente interessado na conservação e preservação do locado, e o arrendatário ou inquilino é quem tem o gozo efetivo deste.

É com base na convicção da existência de boa fé entre as partes que o proprietário entrega de arrendamento a sua propriedade, acreditando que o arrendatário fará dela uma prudente utilização (art. 1043º do CC). Assim como, é na mesma convicção que o arrendatário aceita pagar um valor a título de renda, acreditando que o imóvel assegura o fim a que o contrato de arrendamento se destina. Impõe-se assim um dever geral e recíproco de cooperação entre as partes objeto do contrato de arrendamento com vista à salvaguarda de interesses distintos e próprios de cada uma das partes, dever este decorrente do imperativo legal da boa fé contratual.

O arrendatário tem o dever de vigiar o estado de conservação do local arrendado, bem como de informar o senhorio para que este examine o local e proceda às reparações necessárias que sejam da sua responsabilidade (art. 1038º h) do CC).

Ora se o arrendatário omite informação sobre o eventual estado de deterioração do imóvel ao senhorio não pode este agir, podendo inclusive resultar danos maiores face ao tempo e à continuada utilização pelo arrendatário. Termos em que, há assim situações relativamente às quais mesmo admitindo existir um dever de conservação que compete ao senhorio em virtude de se tratar de uma deterioração inerente a uma prudente utilização (art. 1043º n.º 1 do CC), a responsabilidade pode recair sobre o inquilino por ter sido ele quem, pela sua ilícita omissão, contribuiu decisivamente para um processo de crescente deterioração que originou o dano maior no mesmo. Na verdade, são inúmeras as atuações que qualquer arrendatário cuidadoso, prudente e diligente deverá observar, tendo em consideração o cumprimento de um dever de uso prevenido, ponderado e cauteloso (“prudente utilização”), nomeadamente, porquanto danos que inicialmente e em si mesmo não constituem estorvo ao uso e gozo normal do locado podem evoluir para uma situação mais grave, de mais difícil reparação e designadamente com custos mais elevados, transformando-se em impedimento do gozo normal do locado.
Nos presentes autos teve-se ainda em conta que não pode a Demandante, ao fim de 1 ano de arrendamento, esperar encontrar o imóvel exatamente no mesmo estado em que este foi entregue, porquanto todos os bens têm o desgaste normal pelo decurso do tempo e prudente utilização. Assim como, não poderão os Demandados entender que basta invocar ter feito um uso prudente, para excluir a sua responsabilidade, nomeadamente perante a prova de existência de danos, deteriorações e falta de limpeza do locado. Efetivamente, não pode a Demandante, ao fim de 1 ano, esperar obter como novo um apartamento que deu de arrendamento em “bom estado de conservação”, mas também não pode ser surpreendida, ao fim desse mesmo ano, e no ato de entrega do locado, com manchas de bolor no teto, tal como na madeira do armário da cozinha junto ao lava loiça, sujidade na placa superior do fogão, gordura acumulada no forno, cabine de duche muito suja, assim como o poliban muito sujo e com manchas negras de bolor, bem como o lavatório, com a torneira a apresentar pintas de ferrugem, manchas negras de bolor nas portas dos roupeiros, chão de madeira sem verniz, entre outros.

Da matéria probatória resulta efetivamente verificada a existência de danos e deteriorações no locado, nomeadamente, os constantes dos factos provados 15. a 39., os quais resultaram da inspeção judicial ao locado levada a cabo pelo Tribunal. Para afastar a sua responsabilidade, a Demandada deveria ter provado que as verificadas deteriorações resultaram da normal utilização em conformidade com os fins do contrato ou que as mesmas resultaram de causa que não lhes é imputável, nem a ela, nem a terceiros a quem tenha permitido a utilização da coisa. Contudo, nenhuma destas situações resultou provada, com claro prejuízo para a Demandada, que não logrou, assim, ter cumprido com o ónus de prova que sobre ela recaía (arts. 342º n.º 2 e 1044º do CC).

Dos autos resulta provado que a Demandante sofreu na sua habitação os danos e deteriorações dados como provados na presente ação (factos provados 15. a 39.). Contudo, a reparação desses danos e deteriorações não se encontra fundamentada em quaisquer faturas juntas aos autos pela Demandante, porquanto esta apenas juntou um orçamento, não podendo resultar provado que a Demandante tenha despendido a quantia de € 3.142,65 (três mil cento e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), para reparar os danos provocados pela Demandada e que esta tinha obrigação de reparar. Quando o valor exato dos danos não tenha sido provado, o Tribunal recorre à equidade e julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º n.º 3 do CC). A Demandante logrou provar os danos e deteriorações elencados nos factos provados, causados por ação da Demandada, cuja responsabilidade a mesma não elidiu.

Analisando os direitos em confronto, bem como o facto de não ter sido peticionada a condenação da Demandada nas reparações, prevalece assim a indemnização em dinheiro. No entanto, e atendendo a que não resulta, como já amplamente foi referido, que a Demandante tenha despendido da quantia de € 3.142,65 (três mil cento e quarenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), para reparar o locado, teremos de nos socorrer da equidade (art. 566º n.º 3 do CC).

Assim, e face ao provado, tendo em consideração para além do exposto, a experiência, fixa-se o valor exato dos danos e deteriorações supra descritos da responsabilidade da Demandada em € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), valor este em que vai também condenada.

Tendo ficado provado que a Demandada era responsável, em virtude da cláusula sétima do contrato de arrendamento que celebrou com a Demandante, pelas despesas, entre outras, de água e gás, e que não pagou as quantias de € 25,03 referente a uma botija de gás e de € 169,06 referente ao consumo de água enquanto permaneceu no locado, vai a mesma também condenada no seu pagamento.

Quanto à quantia peticionada de € 1.125,00 (mil cento e vinte e cinco euros) pelo impedimento da Demandante em não poder arrendar o locado nos meses de julho, agosto e setembro, nada tem ficado provado, vão os Demandados absolvidos.

Responsabilidade do Fiador
O 2º Demandado, enquanto fiador do contrato sobre o qual nos pronunciamos, assume nos termos e para os efeitos no disposto do art. 627º n.º 1 do CC que aí refere «o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor». Acrescentando o n.º 2 «a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor». Ora, nos termos do art. 634º do CC «a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor», pelo que «o credor, ainda que o fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só ou juntamente com o devedor (…)».
O 2º Demandado subscreveu o contrato de arrendamento em causa na qualidade de fiador da arrendatária, como aliás se constata do mesmo. A fiança deste 2º Demandado foi prestada por escrito no contrato de arrendamento, obedecendo ao requisito formal exigido (art. 628º n.º 1 do CC). Face ao que fica dito, conclui-se que, válida a obrigação principal, válida é igualmente a fiança prestada (art. 632º n.º 1 do CC). Uma das características normais da obrigação assumida pelo fiador é a sua subsidiariedade em relação à obrigação do devedor principal, que se traduz no benefício da excussão prévia, de acordo com o qual ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver ‘esgotado’ todos os bens do devedor sem obter satisfação do seu crédito (art. 638º n.º 1 do CC). No caso dos autos não se verifica o benefício da excussão prévia. Consequentemente, arrendatária e fiador respondem solidariamente perante o credor pela dívida principal (rendas), bem como pelas consequências legais e contratuais do seu não cumprimento - art. 634º do CC.

DECISÃO
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada e condeno os Demandados a pagar aos Demandantes a quantia de € 3.931,59 (três mil novecentos e trinta e um euros e cinquenta e nove cêntimos), sendo € 825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros) referente a rendas vencidas e não pagas, € 412,50 (quatrocentos e doze euros e cinquenta cêntimos) referente à mora pelo não pagamento das rendas vencidas dentro do prazo (50%), € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) referente à indemnização pelos danos no locado, € 25,03 (vinte e cinco euros e três cêntimos) referente a uma bilha de gás e € 169,06 (cento e sessenta e nove euros e seis cêntimos) referente a consumo de água. Do demais peticionado vão os Demandados absolvidos.


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Custas do processo: € 70,00 (setenta euros), por ambas as partes, na proporção do decaimento, que fixo em 50% para cada parte.

Verificando-se que ambas as partes pagaram a título de taxa de justiça inicial a quantia de € 35,00 (trinta e cinco euros), nada há a pagar.
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Envie cópia da presente decisão aos ausentes.

Após o trânsito, arquivem-se os autos. ---
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Sertã, Julgado de Paz, 17 de dezembro de 2018
A Juíza de Paz


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(Marta Nogueira)