Sentença de Julgado de Paz
Processo: 145/2017-JPCSC
Relator: SÓNIA ISABEL DOS SANTOS PINHEIRO
Descritores: ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
Data da sentença: 02/15/2019
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
I. Identificação das partes
Demandante: A., NIF ....., residente na Av. ....... Cascais.
Demandado: B., NIF ....., ausente, com última residência conhecida na Av. .... Cascais.

II. Objecto do litígio
O litígio reconduz-se ao pedido de condenação do Demandado a restituir à Demandante a quantia de €190,00 (cento e noventa euros) por incumprimento de contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, o que se enquadra na al. i) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho (doravante LJP).
Para tanto, a Demandante alegou, em síntese, que em Julho de 2016 contactou o Demandado para que efectuasse o transporte da filha na carrinha ... entre a sua residência, sita na Av. .... Cascais, e a Escola ... na Parede. O transporte devia ser efectuado todos os dias úteis, de manhã às 7:30h, de casa para a escola, e à tarde às 16:30h, da escola para casa, durante todo o ano lectivo, entre Setembro de 2016 até Junho de 2017. O Demandado aceitou fazer o serviço pelo preço de €190,00 mensais, tendo-lhe sido pago o mês de Setembro, por transferência bancária, no dia 23 de Julho de 2016. O Demandado ficou de entregar o recibo desse pagamento, bem como o contrato que reteve consigo para corrigir o montante de €180,00 para €190,00, uma vez que os €10,00 a mais seriam para o seguro. Antes do serviço tentou contactar o Demandado, mas como não atendia deslocou-se à sua residência, onde a mãe disse que ele entraria em contacto quando fosse possível. Só na primeira semana de Setembro o Demandado disse que não podia efectuar o transporte porque tinha ido trabalhar para o E. Disse que o Sr. D., condutor da carrinha “X” aceitou fazer o transporte, tendo-lhe entregue os €190,00 e os papéis do contrato no 2º andar do .... em Cascais. A Demandante entrou em contacto com o Sr. D. e o mesmo afirmou desconhecer o assunto e que não podia efectuar o transporte. Tentou outros transportes, sem sucesso, por incompatibilidade de horários. Conseguiu, finalmente, que a carrinha “Z” efectuasse o transporte por €190,80. Esforçou-se por fazer o Demandado compreender que deveria devolver os €190,00, pelo menos faseadamente, ao que o mesmo disse que se quisesse apresentar queixa que o fizesse, que estava no seu direito. Face ao exposto pretende a devolução da quantia de €190,00, bem como o pagamento das custas. Juntou documentos.
O Demandado, ausente, foi citado na pessoa da sua I. Defensora Oficiosa e não apresentou contestação.
No caso dos autos não se aplica a mediação.
Foi agendada audiência de julgamento, que decorreu com obediência às formalidades legais como da Acta se infere, a qual foi interrompida para continuar na presente data, para prolação de sentença.
Fixo à acção o valor de €190,00 (cento e noventa euros) - cfr. artºs 306º nº 1, 297º nº 1, 299º nº 1, todos do CPC, ex vi artº 63º da LJP.
O Tribunal é competente (artigo 7º da LJP).
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam excepções, nulidades ou incidentes processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir.

III. Fundamentação fáctica
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1. Em Julho de 2016, a Demandante e o Demandado ajustaram em este efectuar o transporte da filha da Demandante na carrinha ... , entre a residência da Demandante, sita na Av., Cascais, e a Escola na Parede, todos os dias úteis, de manhã às 7:30h, de casa para a escola, e à tarde às 16:30h da escola para casa, durante o ano lectivo, entre Setembro de 2016 até Junho de 2017, mediante o pagamento da quantia mensal de €190,00 (cento e noventa euros);
2. No dia 23 de Julho de 2016, a Demandante procedeu ao pagamento da mensalidade de Setembro de 2016, no valor de €190,00 (cento e noventa euros), por transferência bancária;
3. O Demandado comprometeu-se a entregar à Demandante o respectivo recibo, bem como o contrato que reteve consigo para corrigir o montante da mensalidade nele inscrito, o que não veio a acontecer;
4. A Demandante tentou contactar o Demandado antes do primeiro serviço, junto da sua residência, mas não conseguiu, tendo-lhe sido indicado por familiar que aí se encontrava que ele entraria em contacto logo que possível;
5. O que só veio a ocorrer na primeira semana de Setembro de 2016, em que o Demandado disse à Demandante que faria o transporte da sua filha, uma vez que tinha ido trabalhar para o E.;
6. Nessa altura, o Demandado disse à Demandante que D., condutor da carrinha “X”, iria fazer o transporte, e que lhe entregara os €190,00 da mensalidade de Setembro e o contrato;
7. A Demandante entrou em contacto com D., que lhe disse desconhecer o assunto e que não podia efectuar o transporte;
8. Face ao acontecido, a Demandante tentou contratar outros transportes, sem sucesso, por incompatibilidade de horários;
9. A Demandante acabou por contratar a carrinha “Z” para a realização do transporte, pelo preço mensal de €190,80;
10. A Demandante interpelou o Demandado para este lhe devolver a quantia de €190,00, mas até à data tal não sucedeu.
Factos não provados
Com interesse para a apreciação da causa nada mais ficou provado, considerando-se não provados todos os factos alegados e que sejam de sentido contrário aos provados, nomeadamente que:
a) a correcção mencionada no item 3 respeitava à inclusão do valor do seguro de €10,00.
Motivação da matéria de facto provada e não provada:
Os factos provados resultaram do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, das declarações de parte da Demandante, que se mostraram sérias e credíveis, conjugadas com os elementos documentais juntos aos autos a seguir discriminados, que aqui se dão por reproduzidos e integrados, e ainda com o depoimento da testemunha F. Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa. Assim atendeu-se aos documentos de flªs 3, para prova da matéria de facto descrita no item 2, e de flªs 4, para prova da matéria de facto descrita no item 9. Foram relevantes as declarações de parte da Demandante que relatou, de modo sério e credível, os contornos do contrato celebrado. Assim, reiterou o alegado no requerimento inicial, referindo que em Julho de 2016 encontrou-se com o Demandante, estando presente a sua mãe F., aqui testemunha. Que acertou os termos do contrato com o Demandado nesse dia. Que assinou um contrato mas que o Demandado o reteve consigo para corrigir o valor da mensalidade de €180,00 para €190,00. Sobre o motivo pensa que seria por causa do valor do seguro. Que este comprometeu-se a entregar-lhe o contrato e o recibo do pagamento, mas nunca aconteceu. Que fez a transferência bancária dos €190,00 para a conta que ele lhe indicou e que constava do dito contrato, e exibiu-lhe o comprovativo. Que em Setembro de 2016 o Demandado disse-lhe que já não ia fazer o transporte, o que a deixou muito aflita dado o início das aulas na segunda quinzena de Setembro. Que lhe disse que o Sr. D. ia fazer o transporte e que lhe entregara os €190,00 mas quando confrontou o Sr. D., este disse-lhe que não sabia o que se passava e que não podia fazer o transporte. Que lhe pediu a devolução do valor mas, para além de não lho restituir, disse para ir fazer queixa dele. Que já passou pelo Demandado na rua mas que ele “foge” dela. Sente-se enganada pelo Demandado, em quem depositou confiança e não esperava este desfecho.
Por fim, atendeu-se ao depoimento sério e credível da testemunha F., mãe da Demandante, que corroborou a versão apresentada por esta e que demonstrou ter conhecimento dos factos. Referiu que no fim do ano lectivo, a Demandante e a testemunha procuraram transporte para a neta pois esta ia mudar de escola. Na altura, o autocarro que preferiam não podia fazer esse serviço. Encontraram o Demandante que tinha o ...”. Contactaram o condutor do autocarro, que é o Demandado, e encontraram-se na esplanada de um café chamado “G”, em Cascais. Que o Demandado aceitou fazer o transporte da neta, entre a residência da filha, sita na Av. Cascais, e a Escola sita na Parede, todos os dias úteis, de manhã às 7:30h, de casa para a escola, e à tarde às 16:30h da escola para casa, entre Setembro de 2016 até Junho de 2017. O preço acordado era €190,00 mensais. Que a filha fez logo a transferência e que o Demandado ficou de dar a factura, juntamente com o contrato com que ficou para corrigir. Questionada sobre o motivo dessa alteração referiu que não tinha a certeza mas que seria por causa do seguro. Mais adiantou que em finais de Agosto de 2016, após terem regressado de férias do Algarve, foram falar com o Demandado para lhe indicarem a data do início da escola mas não o encontraram. Na altura uma familiar, pensa que a mãe, lhes disse que ele entrava em contacto com a Demandante logo que pudesse. O Demandante só falou com a Demandante no início de Setembro. Disse-lhe que não podia fazer o transporte porque tinha novo emprego no E., mas que um amigo o faria – o Sr. D. da “X” – e que já lhe entregara o dinheiro. Chegaram a falar com o Sr. D. mas ele disse não saber de nada e que não fazia o transporte. Voltaram a falar com o Demandado a pedir-lhe a devolução do dinheiro, mas ele não o fez e inclusivamente disse para fazerem queixa dele. A filha acabou por conseguir transporte para a neta nos “Z”, mas com inicio em Outubro de 2016.
Quanto aos factos não provados resultam da ausência de prova credível e bastante que atestasse a veracidade dos mesmos. Cumpre referir que quanto ao motivo da correcção do contrato, a Demandante e testemunha arrolada não souberam dizer com firmeza que o mesmo se devia à inclusão do valor do seguro.

IV. O Direito
Resulta dos factos supra dados por provados que estamos perante um litígio emergente de um contrato de prestação de serviços celebrado entre a Demandante e o Demandado, o qual é definido pelo art.º 1154º do Código Civil, como sendo “… aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
No caso concreto, o Demandado encarregou-se da condução da filha da Demandante entre a residência desta e a Escola, sita na Parede, todos os dias úteis, de manhã às 7:30h, de casa para a escola, e à tarde às 16:30h da escola para casa, durante todo o ano lectivo, entre Setembro de 2016 até Junho de 2017, mediante o pagamento da quantia mensal de €190,00 (cento e noventa euros).
Temos assim que o contrato em causa é de transporte, pelo qual uma das partes (transportador) se obriga perante a outra (interessado), tendencialmente, mediante retribuição, a deslocar pessoa ou coisa, de um local para outro. É um contrato celebrado no âmbito da liberdade negocial das partes (artº 405º do Cód. Civil), sendo um negócio consensual, para o qual a lei não exige qualquer formalidade, para a sua validade (artº 219º do Cód. Civil).
Acresce que o ordenamento jurídico português tem na sua génese, entre outros princípios basilares, o princípio da força vinculativa ou obrigatoriedade dos contratos, nos termos do qual uma vez celebrados os contratos devem ser "(...) pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei." (cfr. n.º 1 do artigo 406.º do Cód. Civil); e o principio da boa-fé, previsto tanto no n.º 2 do artigo 762º, nº 2, do Cód. Civil, que prescreve que "no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé" ou seja, os contraentes têm o dever de agir de boa-fé, agir com diligência, zelo e lealdade, correspondendo aos legítimos interesses da contraparte, devem ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correcção e probidade, não prejudicando os legítimos interesses da outra parte, no cumprimento ou execução do contrato, até ao termo da sua vigência. E, no âmbito do dever de boa-fé no cumprimento das obrigações encontram-se variadíssimos deveres acessórios de conduta, tais como deveres de protecção, de esclarecimento, de informação, de cooperação e de lealdade.
É por esse motivo que, no âmbito da responsabilidade contratual, como é o caso, a lei estabelece uma presunção de culpa do devedor, sobre o qual recai o ónus da prova, isto é, o devedor terá de provar que "a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua" (artigo 799.º, n.º 1, do Cód. Civil), sendo que "o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (artigo 798º, do Cód. Civil). Por outro lado, prescreve o n.º 1 do artigo 342º, do Cód. Civil, que "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado", ou seja, é sobre a parte Demandante que recai o ónus da prova, competindo-lhe provar os factos constitutivos do direito que alega ter, no caso concreto, que o Demandado incumpriu o acordado com a Demandante.
Voltando ao caso dos autos, a Demandante logrou provar os termos do contrato celebrado entre as partes, o cumprimento da sua obrigação de pagamento do preço e o incumprimento do Demandado do dever de transportar a sua filha. Aliás, quanto a este aspecto, o próprio Demandado comunicou poucos dias antes do início do transporte que não faria o mesmo, com o início das aulas à porta, o que levou a Demandante a ter de procurar outro transporte, o que só conseguiu em Outubro de 2016, tendo-lhe dito inclusivamente que outra pessoa faria o transporte e que lhe entregara o preço, o que veio a revelar ser falso, o que denota no mínimo uma conduta reprovável.
Por sua vez, o Demandado não veio ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia. Considera-se, assim, definitivamente incumprida a sua prestação.
Face aos factos dados como provados verifica-se que a Demandante pretende a devolução do preço que pagou, o que tem implícito o pedido de resolução do contrato sob apreço, pretensão essa que demonstrou junto do Demandado quando lhe pediu a restituição do preço.
A resolução do contrato tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução – nº 1 do artº 434º do Cód. Civil, prescrevendo ainda o artº 433º do Cód. Civil que: “Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico…”.
Assim sendo, a resolução do contrato, implica a restituição do que tiver sido prestado, isto é, in casu, para o Demandado implica a devolução do preço pago.
Face ao que antecede, não pode deixar de proceder o pedido formulado pela Demandante.
Quanto às custas, pronunciar-nos-emos na rubrica Custas infra.


V. Decisão
Nestes termos, julgo a presente acção procedente por provada e, consequentemente, condeno o Demandado a restituir à Demandante a quantia de €190,00 (cento e noventa euros).

Custas: a suportar pelo Demandado (cfr. artigos 527º, nºs 1 e 2 do C.P.C. artº 8º da Portaria n.º 1456/2001, de 28.12), reembolsando-se a Demandante da quantia de €35,00. Contudo por se tratar de ausente, representado por Defensor Oficioso, há lugar a isenção de custas, mantendo a harmonia do sistema com o disposto na alínea l), do n.º 1, do artigo 4.º, do RCP, por força do artigo 63.º, da LJP.
*
Registe e remeta cópia à I. Defensora Oficiosa do Demandado.
*
Mais, notifique o Ministério Publico, junto do Tribunal Judicial da Comarca do Oeste Cascais, do teor da sentença, de acordo com o n.º 3 do artº 60º da LJP (considerando o Demandado ausente).
*
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai ser assinada
Cascais, Julgado de Paz, 15 de Fevereiro de 2019
A Técnica do Serviço de Atendimento A Juíza de Paz