Sentença de Julgado de Paz
Processo: 155/2017-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: USUCAPIÃO DE IMÓVEIS
Data da sentença: 04/30/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral: III ATA DE

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO

Aos trinta dias do mês de abril de dois mil e dezoito, pelas 14:15 horas, realizou-se no Julgado de Paz de Carregal do Sal, a continuação da Audiência de Julgamento do Processo n.º 155/2017 - JPCSal, em que são partes:
Processo n.º 155/2017 - JPCSal, em que são partes:
Demandante: A;
Demandados: B; C, casado com D; E, casado com F; G, casado com H; I, casada com J, e L casada com M; Todos na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de N; sendo esta última (L) ainda demandada a título pessoal, enquanto comproprietária do prédio dos autos.
Realizada a chamada verificou-se que ninguém se encontrava presente
O Julgamento foi presidido pela Ex.ma Senhora Juíza de Paz, Dra. Elisa Flores.
Aberta a Audiência a Sra. Juíza de Paz proferiu a sentença anexa à presente ata e que dela faz parte integrante e depositou-a na secretaria.
Nada mais havendo a salientar a Sra. juíza de Paz deu como encerrada a Audiência.
Para constar se lavrou esta Ata que vai ser devidamente assinada.
A Juíza de Paz, Elisa Flores
O Técnico de Apoio Administrativo, Miguel Alberto Baptista Mendes
SENTENÇA
RELATÓRIO
O demandante propôs contra os demandados supra identificados, e outros entretanto absolvidos da instância, a presente ação declarativa para aquisição por usucapião de parcela autonomizada, que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, para: a) Declarar que o prédio rústico identificado no artigo 1.º da petição inicial, prédio mãe, tem na realidade outra área e confrontações; b) Declarar que a parcela do demandante, com a composição e configuração agora descritas, se autonomizou por via da usucapião, atenta a demarcação de facto alegada, a qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do identificado no artigo 1.º da petição inicial e do qual se destacou; c) Reconhecer o demandante como dono e legítimo proprietário do prédio que efetivamente possui, melhor identificado na alínea a) do artigo 4.º da petição inicial e que consta delimitado a vermelho no levantamento topográfico junto; d) Condenar-se os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade do demandante sobre o mesmo; e) E em consequência, ordenar-se a atribuição de artigo matricial e registo do mesmo a seu favor, cessando a sua compropriedade na restante área do prédio.
Para o efeito alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 5 a 11 que foi objeto de aperfeiçoamento (cf. fls. 90 a 97 dos autos), e objeto de novo contraditório.
Juntou cinco documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Por absoluta economia processual e visando sanar uma situação de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, foram admitidos novos demandados na pendência da ação.
Também foi objeto de desistência um dos pedidos iniciais, que uma vez homologada, foram os confinantes absolvidos da instância, reduzindo o número de demandados presentes na ação.
Os atuais demandados, pessoal e regularmente citados, não apresentaram contestação e/ou desistiram da mesma, e compareceram à Audiência de Julgamento.
Também o demandante e os demandados C e mulher, D, desistiram dos pedidos entretanto formulados, reciprocamente, de condenação em litigância de má-fé, desistências que, dada a não oposição dos visados, foram oportunamente objeto de homologação.
Na Audiência de Julgamento só o demandante apresentou testemunhas.
Valor da ação: € 2.501,00 (dois mil e quinhentos e um euros).

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Encontra-se inscrito na Matriz predial sob o antigo 000.º da extinta freguesia de O, que corresponde ao atual artigo 1835º da freguesia de P, e descrito na Conservatória do Registo Predial de P sob o n.º 00/XXXXXX1, em nome de N e de L, na proporção de ½ para cada um, e com a área de 3.000m2, o prédio rústico, sito em Sobreirinho, freguesia e concelho de P, composto de terra de semeadura com oliveiras e videiras, a confrontar a Norte com herdeiros de Q e outros, a Sul e Poente com R e a Nascente com caminho;
2.º- N faleceu em 27/06/2017, no estado de solteiro e sem filhos, sucedendo-lhe os seus irmãos, que nesta ação representam a sua Herança;
3.º- Este prédio, na referida proporção, veio à titularidade e posse do falecido N e da sua irmã, também sua herdeira, e aqui nesta qualidade e como segunda demandada, L, por partilha dos bens da herança do pai de ambos que ocorreu entre os interessados no ano de 1989;
4.º- Nesse mesmo ano de 1989, procederam à divisão material do referido prédio, em duas parcelas completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas, com marcos que cravaram no solo ao longo das linhas divisórias de cada uma:
a) A parcela 1, com a área de 1.900 m2, que ficou a pertencer ao referido N, composta por terra de semeadura, com barracão destinado a alfaias agrícolas com a área de 57 m2, a confrontar a Norte com S e T, a Sul com L (Parcela 2), a Nascente com Rua do X e com T, e a Poente com U, identificada como “1” e delimitada a vermelho no Levantamento Topográfico, junto a fls. 19 dos autos;
b) A parcela 2 com a área de 1.900 m2, composta por terreno de semeadura, que ficou a pertencer à segunda demandada, L, a confrontar atualmente a Norte com o aqui demandante (Parcela 1), a Sul com a Junta de Freguesia de P e V, a Nascente com a Rua e a Poente com U, identificada como “2” e delimitada a azul no mesmo Levantamento Topográfico;
5.º- Tendo daí resultado dois prédios autónomos e independentes um do outro;
6.º- A partir da referida demarcação de facto, quer o referido N, quer a demandada L, por forma visível e permanente, passaram a exercer sobre as respetivas parcelas, uma posse pública, pacífica e de boa-fé, passando a possuir, usar e fruir cada parcela individualizada, autónoma e distinta, como se de coisa sua e exclusiva se tratasse;
7.º- No ano de 2001, o mesmo N, agora falecido, doou verbalmente a sua parcela [descrita no nº 4º, alínea a) supra] ao demandante, A, seu afilhado;
8.º- À data o demandante era solteiro, tendo celebrado matrimónio com W, em 23 de julho de 2011, casamento dissolvido por divórcio em 6 de novembro de 2017 por sentença já transitada em julgado;
9.º- Desde o ano de 2001 o demandante, por si ou interposta pessoa, tem possuído e usufruído a respetiva parcela, identificada no ponto 4.º, alínea a) supra, por forma visível e permanente;
10.º- Fruindo-a, colhendo, em proveito próprio, os frutos provenientes do pinhal e fazendo as obras necessárias à conservação do barracão lá existente;
11.º- Limpando-a de mato, cortando ou mandando cortar as ervas e silvas aí existentes;
12.º- O que sempre fez, e faz, à vista e com o conhecimento de toda a gente;
13.º- De forma contínua e ininterrupta; 14.º- Agindo e comportando-se, relativamente à sua parcela como seu verdadeiro e exclusivo proprietário na convicção de que, com sua posse, não lesa direitos de outrem;
15.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente do falecido N e dos aqui demandados;
16.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
17.º- E sempre na convicção de que a mesma lhe pertencia como coisa própria e separada da outra parcela que compõe o “prédio mãe”;
18.º- O demandante tem tido, assim, a detenção da sua parcela, já totalmente separada e distinta do prédio inicial, por divisão informal, desde 2001, na convicção de ser seu dono exclusivo;
19.º- Contudo, a referida doação não foi formalizada, permanecendo o prédio referido no 1.º supra inscrito ainda em nome do referido N e da segunda demandada.

Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente o Levantamento Topográfico, que não foram impugnados, às declarações das partes e ao depoimento da testemunha Y, com 72 anos de idade, residente na localidade e que identificou devidamente o prédio possuído pelo demandante e prestou um depoimento credível, com isenção, e sobre factos de que tinha conhecimento direto, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63.º na Lei nº 78/2001 de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 54/2013 de 31 de julho e no artigo 396.º do Código Civil (doravante designado C. Civil).

FACTOS NÃO PROVADOS:
Não existem factos não provados.
FUNDAMENTAÇÃO De direito:
O demandante visa com a presente ação adquirir, por usucapião, a parcela designada por “1” no Levantamento Topográfico, descrita no ponto 4.º, a) da factualidade assente, por se ter autonomizado do prédio originário, “prédio mãe” e lhe ter sido doada informalmente e tomado dela posse em 2001, ininterruptamente, como proprietário exclusivo.

Resulta da matéria de facto dada como provada que o imóvel descrito no ponto 1.º supra se encontra dividido, de facto e informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, há mais de vinte anos, passando a demandada L e o supra identificado N, e posteriormente o demandante, a explorar, cada um deles exclusivamente a sua parte.

Apurado ficou também que o demandante e o ante possuidor (e titular inscrito), bem como a demandada L têm exercido a posse, por inversão do título de comproprietário para proprietário exclusivo, desde o ano de 1989 até ao presente. --

Posse que é titulada, por escritura de partilhas, e posteriormente doação verbal no que à parcela do demandante respeita, mas que não reflete a realidade jurídica possessória, que existe há muitos anos.

O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1316º, 1287º, 1297º, 1258º a 1262º, 1265º e 1300º, todos do C. Civil); E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal superior à legalmente exigida.

O artigo 7º do Código de Registo Predial estabelece que o registo definitivo faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas esta presunção legal foi aqui elidida mediante prova em contrário pelo demandante (cf. artigo 350º, nº 2 do C. Civil) e não oposição da outra comproprietária registada e herdeiros do titular inscrito. Aquele provou que o prédio originário, “prédio mãe” foi dividido informalmente em duas partes e uma delas lhe pertence em exclusividade por doação verbal do supra identificado N seguida de posse em 2001. Assim como comprovou que o Registo Predial também não reflete a realidade quando refere a titularidade em regime de compropriedade porquanto desde 1989 se inverteu o título de posse para titular exclusivo de cada um dos comproprietários relativamente à sua parcela.

O artigo 1268º do C. Civil estabelece também uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela. Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse do demandante preenche também estes requisitos. E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados, resulta do exposto que o demandante reúne os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela. Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretende o demandante com a presente ação. Assim sendo, o exercício efetivo e com caráter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do prédio pelo demandante, como titular de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhe o direito de adquirir esse mesmo direito, por via da usucapião, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos.

Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/01/2006, P. nº 0536437, in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor do demandante. decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, inscrito na Matriz predial, sob o antigo 000.º da extinta freguesia de O, que corresponde ao atual artigo 1835º da freguesia de P, e registado na Conservatória do Registo Predial de P sob o n.º 00/19901001, em nome de N e de L, em comum, na proporção de ½ para cada um, foi objeto de divisão, em substância, em dois prédios, autónomos e independentes um do outro;
a) Declaro que o prédio rústico, com a área de 1.900 m2, identificado como “1” e delimitado a vermelho no Levantamento Topográfico junto a fls. 19 dos autos, pertence exclusivamente ao demandante, A, por via da usucapião, tendo-se autonomizado do prédio originário, “prédio mãe” [a que se refere a alínea anterior [a)], e é composto por terra de semeadura, com barracão destinado a alfaias agrícolas com a área de 57 m2, a confrontar a Norte com S e T, a Sul com L, a Nascente com Rua do Cruzeiro e com T, e a Poente com U;
b) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio, identificado na anterior alínea a), bem como o direito de propriedade exclusiva do demandante sobre o mesmo, prédio autónomo e distinto do inscrito na Matriz predial sob o artigo antigo 000.º da extinta freguesia de O, que corresponde ao atual artigo 1835º da freguesia de P, e descrito na Conservatória do Registo Predial de P, sob o n.º 00/1XXXXX, cessando a compropriedade no restante;
c) Em conformidade, ordeno:
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado, a favor do demandante com a composição e da forma indicada na alínea a) da presente decisão;
- O abatimento na área do “prédio mãe” na Matriz Predial da área do prédio agora autonomizado;
Dada a natureza do processo, custas totais pelo demandante.
Proceda-se ao reembolso da taxa de justiça inicial ao demandado C.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 30 de abril de 2018
A Juíza de Paz, (Elisa Flores) Processado por computador (art.131º, nº5 do C P C)