Sentença de Julgado de Paz
Processo: 108/2016-JPPNV
Relator: MARTA NOGUEIRA
Descritores: OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA; SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA DEVIDA A PER; NÃO INCLUSÃO DO ALEGADO CRÉDITO DOS DEMANDANTES NA LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS; EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA; UTILIDADE DO PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS; REDUÇÃO DO PEDIDO;
Data da sentença: 03/15/2018
Julgado de Paz de : PROENÇA-A-NOVA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(n.º 1 do art. 26º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na redação dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho)

Processo n.º 108/2016.
Demandantes: F e I.
Demandada: S, Lda.
Objeto da ação: Ação Declarativa de Condenação nos termos do artigo 9º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho.
Valor: € 9.483,00 (nove mil quatrocentos e oitenta e três euros).

OBJETO DO LITÍGIO
Os Demandantes intentaram a presente ação tendo pedido que a Demandada fosse condenada a pagar-lhes quantia de € 10.502,38 pela venda de eucaliptos e pinheiros, que a Demandada cortou e (re)vendeu.
Para tanto alegaram os factos constantes do seu requerimento inicial de fls. 1 a 4, que se dá por integralmente reproduzido.
Juntaram: 22 (vinte e dois) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.

A Demandada foi regularmente citada, em 05-08-2016, tendo apresentado contestação de fls. 27 e segs., na qual se defende por impugnação.
Não juntou documentos.

TRAMITAÇÃO
Foi designado o dia 17-08-2016, pelas 16h00m, para realização da sessão de pré-mediação, à qual faltou a Demandada, que não justificou a sua falta no prazo legal. Em virtude ter a Demandada se ter submetido a Processo Especial de Revitalização (PER) foi determinada a suspensão da instância nos termos e para os efeitos previstos no art. 17º E n.º 1 do CIRE. Por despacho de fls. 62, datado de 16-10-2017, foi determinado o levantamento da suspensão e designado o dia 16-11-2017, pelas 10h00m, a qual teve lugar, tendo estado presentes os Demandantes e faltado a Demandada, cfr. da respetiva ata se alcança. Foi esta audiência suspensa para continuar no dia 14-12-2017, pelas 10h00m, tendo faltado a Demandada, bem como o seu Ilustre Mandatário. Em 10-01-2018 foi proferido o Despacho de fls. 133 e 134 em resposta ao requerimento de fls. 78 e segs. apresentado pela Demandada a requerer a extinção dos presentes autos, no qual foi determinado o prosseguimento dos autos, tendo sido designado o dia 01-03-2018, pelas 10h00, para continuação da audiência de julgamento. Em 01-03-2018, pelas 10h00m, realizou-se a audiência de julgamento, na presença dos Demandantes, do Legal Representante da Demandada e do seu Ilustre Mandatário, cfr. da respetiva ata se alcança, a qual foi suspensa, para continuar no dia 15-03-2018, pelas 14h00m, para prolação de sentença.

DA REDUÇÃO DO PEDIDO E DO VALOR DA AÇÃO
Quanto à redução do pedido formulada pelos Demandantes em sede de audiência de julgamento, ocorrida em 16-11-2017, pelas 10h00m, cumpre apreciar e decidir.
Diz-nos o art. 265º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do art. 63º da LJP, que o pedido pode ser reduzido em qualquer altura, ficando, caso a modificação seja feita na audiência de discussão e julgamento, a constar da ata respetiva (n.º 3 do art. 265º CPC). Assim, e face ao que antecede, é aceite a redução do pedido requerida, fixando-se o valor da presente ação em € 9.483,00 (nove mil quatrocentos e oitenta e três euros), nos termos do disposto nos arts. 297º n.º 1, 299º, 305º n.º 4, 306º n.ºs 1 e 2, todos do CPC.

DO PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PER) DA DEMANDADA
DA NÃO INCLUSÃO DO (ALEGADO) CRÉDITO DOS DEMANDANTES NA LISTA DE CRÉDITOS RECONHECIDOS
DA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
DA UTILIDADE DO PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS
Colocou-se no âmbito da presente ação (declarativa) a questão de saber se a mesma deveria (ou não) ser declarada extinta (por impossibilidade ou inutilidade da lide) em virtude de ter corrido termos um processo especial de revitalização referente à Demandada onde foi aprovado e homologado um plano de recuperação.
Analisemos, então, a questão.
Dispõe o nº 1 do artigo 17º-E do CIRE – na redação introduzida pelo DL nº 79/2017 (imediatamente aplicável aos processos pendentes, como decorre do disposto no respetivo artigo 6º) – que «A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação».
Importa esclarecer que a atual redação da norma em questão não diverge de forma relevante da redação anterior, já que aquilo que resulta da norma (em qualquer dessas redações) é que, uma vez proferida a decisão que nomeia o administrador judicial provisório, fica vedada a instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e ficam suspensas, quanto ao devedor e durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se estas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
A nossa jurisprudência mais recente tem sido concordante no entendimento de que as ações para cobrança de dívida a que alude a norma citada não são apenas as ações executivas, mas também as ações declarativas (como é o caso da presente ação) em que se pretenda obter a condenação do devedor ao pagamento de um crédito/prestação pecuniária. Quanto a nós acompanhamos o mesmo entendimento.
Com efeito, não vislumbramos na letra da lei nada que aponte para o facto de o legislador ter pretendido incluir no âmbito de previsão da norma citada apenas as ações executivas. Acresce que, a circunstância de não ter aludido de modo expresso a ações executivas – como fez no artigo 88º –, optando por uma expressão de carácter genérico e sem qualquer referência à natureza declarativa ou executiva da ação, faz supor que legislador terá pretendido englobar no âmbito de previsão da norma as ações executivas e as ações declarativas.
A suspensão dessas ações (sejam elas executivas ou declarativas) durante o período das negociações não levanta, a nosso ver, qualquer dificuldade, estando plenamente justificada com o objetivo do legislador que, como se depreende da exposição de motivos da proposta de Lei nº 39/XII (que esteve na origem da lei que veio criar o processo especial de revitalização), visa assegurar “…a existência da necessária calma para reflexão e para criação de um plano de viabilidade para o devedor que se encontre em negociações”.
Situação diferente ocorre com a extinção dessas ações na sequência da aprovação do plano de recuperação que é determinada pela norma supracitada.
Com efeito, se essa extinção não oferece dificuldades relevantes quando reportada a ações referentes a créditos que foram reconhecidos no processo de revitalização e que, como tal, estão, sem qualquer controvérsia, sujeitos ao plano aí homologado – ou, eventualmente, no que toca a ações que se reportam a créditos que, apesar de não terem sido reconhecidos, foram ali objeto de apreciação de mérito –, o mesmo não acontece no que toca a ações em que estão em causa créditos que não foram reclamados e reconhecidos no processo especial de revitalização e que não foram objeto de qualquer apreciação de mérito relativamente à sua existência/inexistência, como acontece no caso sub judice.
Deverão também estas ações ser declaradas extintas em conformidade com a norma supracitada?
Refira-se, antes de mais, que, na nossa perspetiva, a doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2014 – onde se fixou o entendimento de que «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.» – não pode ser convocada para a resolução da questão que nos ocupa, uma vez que tal doutrina se baseia em pressupostos inerentes ao processo de insolvência – no âmbito do qual foi fixada – que não ocorrem no processo especial de revitalização. Com efeito, além de ser diferente a natureza e finalidade de cada um desses processos (o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência ou a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, destinando-se o processo especial de revitalização a estabelecer negociações com os credores de modo a que o devedor possa concluir com os credores um acordo conducente à sua revitalização), a doutrina firmada no citado Acórdão pressupõe o trânsito em julgado da sentença que declara a insolvência (pressuposto que não se verifica no processo de revitalização) e baseia-se fundamentalmente no artigo 90º do CIRE – onde se dispõe expressamente que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência – que não tem aplicação ao processo de revitalização.
Diz a Demandada que apesar de os Demandantes não terem participado nas negociações do PER (por lapso a Demandada denominou os Demandantes de A) tal não impede que o plano de recuperação os vincule, uma vez que o art. 17º-F n.º 10 (antes n.º 6) do CIRE assim o determina, devendo o crédito dos Demandantes reger-se pelo plano aprovado e extintos os presentes autos.
Será assim?
Em sentido afirmativo e ainda que com um voto de vencido, pronunciou-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 19/05/2015. Não acompanhamos, no entanto, essa posição, sendo que no sentido que propugnamos também se pronunciaram (além do voto de vencido a que acabámos de fazer referência) os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04-04-2017 e 21-04-2016 e o Acórdão da Relação do Porto de 03-03-2016.
É certo que, nos termos do artigo 17º-F, nº 10 (correspondente ao nº 6 na anterior redação), «A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C…» e é certo que, nos termos do artigo 197º, alínea c) – aqui aplicável por força do disposto no artigo 17º-F, nº 7 –, «Na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência…O cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes».
Significará isso, portanto, que, estando em causa um crédito que já se havia constituído em momento anterior (como é aqui o caso), o respetivo credor, ainda que não tenha reclamado o seu crédito e não tenha participado nas negociações, ficará também vinculado ao plano e às condições de pagamento que nele se encontram previstas (com eventual redução do seu valor ou alteração das condições de pagamento). Mas, ainda que tenha que ficar sujeito às condições fixadas no plano de recuperação que foi aprovado, qual seria a tutela conferida ao credor cujo crédito não foi reconhecido ou apreciado (de mérito) no PER e que não o vê satisfeito pelo devedor nem mesmo de acordo com as condições que constam do plano de recuperação? Como poderá fazer valer o seu direito se ficar impedido de obter o reconhecimento e a satisfação (ainda que parcial em função das condições fixadas no plano) desse crédito, como decorreria do disposto no artigo 17º-E, nº 1 quando impõe – aparentemente – a impossibilidade de instaurar ação com essa finalidade e a extinção das que se encontrem pendentes?
Catarina Serra questiona a razoabilidade dessa solução a propósito dos créditos litigiosos. Também Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis questionam essa solução, dizendo o seguinte: «…havendo controvérsia quanto à existência de determinada dívida, esta certamente não terá sido reconhecida para efeitos dos pagamentos previstos no plano de recuperação. E uma vez que poderá suceder que o plano de recuperação seja aprovado e homologado sem que exista decisão sobre uma eventual impugnação da lista de credores, o credor cuja dívida é controvertida não poderá ficar privado da ação declarativa na qual reclama o reconhecimento da existência do seu crédito. Com efeito, ao referido credor cujo crédito não foi reconhecido e cuja impugnação não foi decidida oportunamente apenas resta a ação declarativa. Só esta lhe permitirá ver reconhecida a sua condição de credor, assim passando a estar abrangido pelo plano de pagamentos previsto no plano de recuperação».
É com base nessa circunstância – além de outras – que os referidos autores entendem que a previsão do artigo 17º-E nº 1 apenas se dirige a ações executivas, dizendo, na sequência do que supra foi transcrito, que «…se a ação de cobrança de dívidas prevista no artigo 17.º, nº 1, pudesse ser uma ação declarativa, o credor, no exemplo acima explanado, ficaria inteiramente desprotegido, pois a ação declarativa que havia intentado extinguir-se-ia por força da lei após a aprovação e homologação do plano, situação em que aquele não teria forma de fazer o seu direito (pois o PER já estaria terminado, sem que a sua impugnação tivesse sido decidida)”.
Como supra se referiu, não acompanhamos a posição destes autores quando entendem que a norma citada apenas se dirige a ações executivas; pensamos, na realidade, que também estão aí incluídas as ações declarativas e que a extinção das ações que se encontrem pendentes abrangerá pelo menos as ações declarativas que se reportem a créditos que foram reconhecidos no PER e os créditos que aí foram reclamados e apreciados de mérito.
Entendemos, no entanto, que a norma citada não poderá ser interpretada no sentido de obstar à instauração e determinar a extinção de ações declarativas que se reportem a créditos que não foram reclamados, reconhecidos ou objeto de apreciação de mérito no PER, uma vez que tal interpretação retiraria a esses credores – que, eventualmente, poderão nem ter tomado conhecimento atempado do PER – a possibilidade de obter o reconhecimento do seu crédito para o efeito de o mesmo lhe ser pago de acordo com as condições que constam do plano.
Veja-se que a falta de reclamação do crédito no âmbito do PER não poderá implicar que o respetivo credor não mais o possa exigir; nada na letra da lei nos induz a tal conclusão, importando notar que, como decorre do disposto no artigo 17º-G, nº 7, caso o processo de revitalização seja convertido em processo de insolvência, a existência de lista definitiva de créditos no PER não impede que venham a ser reclamados créditos que aí não hajam sido reclamados, o que significa que essa lista não tem carácter definitivo e que a não reclamação do crédito no PER não tem efeito preclusivo, não impedindo que o credor venha, posteriormente, a reclamar o crédito. Note-se, por outro lado, que é a própria lei que admite que o plano de recuperação seja aplicável a credores que não reclamaram os seus créditos no PER e que aí não tenham tido participação – cfr. artigo 17º-F – disposição que também aponta para o facto de serem atendidos outros credores, além daqueles que reclamaram créditos e ficaram a constar da lista definitiva. Mas, se esses créditos não foram reclamados e não foram aí reconhecidos e se o devedor não proceder ao respetivo pagamento, como poderá o credor demonstrar essa qualidade, para o efeito de ver o seu crédito ser satisfeito de acordo com as condições do plano, se estiver impedido de propor ação com essa finalidade ou se for declarar extinta a ação que já se encontre pendente?
Entendemos, na verdade, que o facto de a decisão que homologa o plano vincular todos os credores – independentemente de terem ou não reclamado os seus créditos – não significa que o credor fique impedido de obter o reconhecimento do seu crédito – sempre que ele não seja reconhecido e pago pelo devedor –, pelo menos para o efeito de poder exigir o seu pagamento de acordo com as condições fixadas no plano e, nessa medida, não podemos ter como aceitável, à luz das regras e princípios gerais de direito e à luz do pensamento legislativo, uma interpretação da norma supracitada que imponha a impossibilidade de esses credores instaurarem ação com aquela finalidade ou que imponha a extinção de ação que, com idêntico objetivo, se encontre pendente, uma vez que tal interpretação redundaria numa incompreensível, injusta e desproporcionada restrição dos direitos desses credores que, a nosso ver, não terá sido pretendida pelo legislador e que – como se refere no voto de vencido do Acórdão da Relação de Coimbra de 19/05/2015 – violaria o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional, consagrado no art. 20º, nº 1 da Constituição.
Entendemos, portanto, em face do exposto, que não pode/não deve ser declarada extinta, ao abrigo do disposto no citado artigo 17º-E, nº 1, a ação onde é peticionado um crédito que – como acontece no caso sub judice – não foi reclamado no PER, não foi aí reconhecido e tão pouco foi objeto de apreciação de mérito e que, como tal, se configura como um crédito cuja existência/inexistência ainda se configura como controvertida e que, como tal, carece ainda de reconhecimento para o efeito de poder ser exigido à devedora nos termos e condições resultantes do plano, em conformidade com o disposto no citado artigo 17º-F, nº 10.


FUNDAMENTAÇÃO
Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa, nomeadamente, os seguintes os factos:
1 - Os Demandantes, são proprietários de vários prédios rústicos, nomeadamente, C e F, ambos sitos junto à localidade de CC, freguesia e concelho de P;
2 - A Demandada por sua vez, é uma sociedade comercial que dedica à atividade de serração de madeiras;
3 - Em março de 2015, o Demandante foi contactado pelo legal representante da Demandada, o Sr. J, sobre a possibilidade de lhe vender uns eucaliptos plantados nas propriedades referidas;
4 - Nesse mesmo mês a Demandada iniciou o corte dos referidos eucaliptos, transportando os mesmos para a fábrica de processamento;
5 - O Demandante e legal representante da Demandada, acordaram que os eucaliptos seriam pagos ao metro cúbico;
6 - O abate dos eucaliptos durou até ao dia 16-03-2015, quando saiu a última carga do local;
7 - O Demandante esteve presente durante parte do tempo, pelo que assistiu às operações de abate e transporte das árvores;
8 - No dia seguinte, ou no próprio dia do transporte, era entregue ao Demandante uma guia de entrada da respetiva madeira na empresa C, S.A.;
9 - Foram entregues ao Demandante, 17 (dezassete) guias de entrega, relativas aos eucaliptos vendidos à Demandada;
10 - O total de metros cúbicos dos eucaliptos vendidos pelos Demandantes à Demandada foi de 541.327 metros cúbicos;
11 - As partes tinham acordado que a Demandada pagaria aos Demandantes a quantia de € 30,00 (trinta euros) por cada metro cúbico.
12 - A Demandada tinha de pagar aos Demandantes a quantia de € 16.239,81 (dezasseis mil duzentos e trinta e nove euros e oitenta e um cêntimos);
13 - Entre os meses de julho e agosto de 2015 a Demandada procedeu ao pagamento de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros) através de transferência bancária por conta do abate dos eucaliptos;
14 - Pelo corte dos eucaliptos a Demandada deve aos Demandantes o montante de € 7.796,00 (sete mil setecentos e noventa e seis euros);
15 - Para além dos eucaliptos os Demandantes venderam igualmente alguns pinheiros à Demandada, pelo preço total de € 1.687,00 (mil seiscentos e oitenta e sete euros);
16 - A dívida da Demandada para com os Demandantes ascende à quantia global de € 9.483,00 (nove mil quatrocentos e oitenta e três euros);
17 - Os factos em que se funda o crédito reclamado pelos Demandantes reportam-se, pelo menos, a março de 2015;
18 - O despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório no processo n. º 565/16.5T8FND é de 20.09.2016 (cfr. fls. 57);
19 – Os Demandantes procederam à reclamação do sobredito crédito junto do administrador judicial provisório (cfr. fls. 130 e 131);
20 – Não tendo obtido qualquer resposta;
21 - Por sentença de 02-02-2017 foi homologado o plano apresentado pela Demandada, já transitado em julgado (cfr. fls. 105 e segs.);
22 - O despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório não foi especificamente comunicado aos Demandantes;
23 – Não existe qualquer referência nos autos a qualquer convite formulado pela Demandada aos Demandantes para estes participarem nas negociações;
24 - O plano de recuperação não refere o crédito reclamado nestes autos (cfr. fls. 142 a 155, frente e verso);
25 – Os Demandantes não constam da relação de credores do aludido PER (cfr. fls. 151 a 155, frente e verso);
26 - O crédito dos Demandantes não consta da Lista Provisória de Créditos (art. 17°-D do CIRE), dos créditos reconhecidos reclamados, dos não reclamados e/ou dos reclamados não reconhecidos, ou sequer da Lista Provisória de Créditos, constante de fls. 59 e segs.).

Motivação da matéria de facto provada e não provada:
Os factos assentes resultaram da conjugação ponderada das declarações das partes e dos documentos juntos aos autos, não tendo as partes apresentado quaisquer testemunhas, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 655º do CPC e no art. 396º CC.
Os factos não provados resultaram da ausência de mobilização probatória credível que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos mesmos.

DO DIREITO
As questões a decidir por este Tribunal circunscrevem-se à caracterização do contrato celebrado entre o Demandante e a Demandada, às obrigações e direitos daí decorrentes bem como às consequências de um eventual incumprimento dessas obrigações.

No caso vertente, deu-se a transmissão do direito de propriedade sobre os bens descritos nos presentes autos, nomeadamente 507.392m3 de eucalipto, certificação de 307.306, 27.880 toneladas de pinho (rolos) e 28.840 toneladas de pinho (faxina), dos Demandantes para a Demandada.
Estamos, assim, perante um contrato de compra e venda. O art. 874º do Código Civil (CC) define o ato de compra e venda como sendo um «contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou direito, mediante um preço.» Este é um contrato cujos efeitos essenciais são a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação da sua entrega e o pagamento do preço (art. 879º do CC), devendo ser pontualmente cumprido (art. 406º do CC).

Da matéria provada resulta terem os Demandantes cumprido a sua obrigação (fornecimento de 507.392m3 de eucalipto, certificação de 307.306, 27.880 toneladas de pinho (rolos) e 28.840 toneladas de pinho (faxina), não tendo a Demandada cumprido a sua obrigação – a do pagamento da totalidade do preço devido. Mais resultou provado que Demandantes e Demandada acordaram o preço do m3 de eucalipto a € 30,00, no total de € 15.221,00, a certificação no valor de € 1.075,00, a tonelada de pinho (rolos) a € 35,00, num total de € 975,80 e a tonelada de pinho (faxina) a € 25,00, num total de € 712,00, tudo no valor global de € 9.483,00 (nove mil quatrocentos e oitenta e três). Resultou igualmente provado, por confissão, que a Demandada deve aos Demandantes a quantia de € 9.483,00 (nove mil quatrocentos e oitenta e três euros), tendo já pago a quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), provado também por confissão.
Acresce que, para contrariar o pedido formulado pelos Demandantes, sempre seria à Demandada que competiria alegar e provar, nos termos gerais das regras do ónus da prova (art. 342º CC), qualquer facto que impedisse, modificasse ou extinguisse o direito alegado pelo Demandante, nomeadamente qualquer pagamento, incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato por parte dos Demandantes, o que não fez. Ou seja, nos termos das regras do ónus da prova (art. 342º CC), competia aos Demandantes provar a existência da obrigação, incumbindo à Demandada provar o facto liberatório (ter cumprido a obrigação de pagamento, ter sido impedido de cumprir por caso fortuito ou de força maior, ou por facto de não cumprimento ou cumprimento defeituoso dos Demandantes) – facto esse que o Tribunal entendeu não ter resultado provado.
Mais, sendo o pagamento uma exceção perentória cuja invocação extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelos Demandantes, não é aos Demandantes que compete provar a falta de pagamento, mas sim à Demandada que compete provar o pagamento – cfr. art. 342º n.º 2 CC e arts. 493º n.º 3 e 496º CPC, o que esta não logrou fazer, atenta a confissão feita aquando das suas declarações em audiência de julgamento.

Assim, de todo o exposto resulta inequívoco ser legítimo aos Demandantes reclamar o valor peticionado.

Dos juros de mora:
Adicionalmente, pedem os Demandantes que a Demandada seja condenada no pagamento de juros legais de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

Vejamos então quanto ao pagamento de juros legais de mora.
Nos termos do art. 559º do CC, os juros legais são fixados em Portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano, sendo atualmente de 4% a taxa de juros civis em vigor.
Por outro lado, o art. 804º CC preceitua que, ao não cumprir pontualmente a sua obrigação – ainda possível – o devedor incorre em mora, sendo que a simples mora o constitui na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Os nºs 1 e 2 do art. 806º CC dispõem, por sua vez, que na obrigação pecuniária – caso ora em apreço – a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora sendo, em princípio, devidos os juros legais. Acrescenta ainda o n.º 1 do art. 805º CC que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. No entanto, a alínea a) do n.º 2 dispõe que, independentemente de interpelação, há mora do devedor se a obrigação tiver prazo certo.

Ora, não resultou provado nos presentes autos que a Demandada tenha sido extrajudicialmente interpelada para cumprir, e bem assim que tenha sido fixado qualquer prazo para o pagamento por parte da Demandada aos Demandantes, pelo que a Demandada apenas foi interpelada para o pagamento aquando da sua citação no âmbito da presente ação, em 05-08-2016, pelo que concluiremos que a Demandada se constituiu em mora no dia seguinte a essa mesma data, ou seja no dia 06-08-2016.
Assim, verificado o não cumprimento pela Demandada também este pedido tem de proceder, pois tem fundamento legal, nos termos do art. 805º n.º 1 CC, pois, como sucede no caso em apreço, a Demandada apenas foi interpelada para o pagamento com a citação no âmbito da presente ação, pelo que a Demandada vai também condenada no pagamento dos juros de mora vincendos sobre o capital em dívida (€ 9.483,00), desde a data da citação, 05-08-2016 até efetivo e integral pagamento.


DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo totalmente procedente, por provada, a presente ação, e condeno a Demandada a pagar aos Demandantes a quantia € 9.483,00 (nove mil quatrocentos e oitenta e três euros). Mais condeno a Demandada a pagar aos Demandantes, porque peticionados, os juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação, 05-08-2016, até efetivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida (€ 9.483,00), à taxa de juro definida por Aviso da Direção Geral do Tesouro para as transações civis.

Custas: Declaro parte vencida a Demandada, a qual vai condenada no pagamento das custas do processo, no valor de € 70,00 (setenta euros).

***

A Demandada deverá efetuar o pagamento das custas em dívida, no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8º e 10º da Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro. Decorridos catorze dias sobre o termo do prazo suprarreferido sem que se mostre efetuado o pagamento, será entregue certidão da não liquidação da conta de custas ao Ministério Púbico, para efeitos executivos, no valor então em dívida, que será de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros).

Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida Portaria em relação aos Demandantes.

Notifique por via postal registada simples, sendo que a Demandada também para o pagamento das custas de sua responsabilidade.

Após o trânsito, arquivem-se os autos.
***

Julgado de Paz de Proença-a-Nova, 15 de março de 2018


A Juiz de Paz


__________________________
(Marta Nogueira)