Sentença de Julgado de Paz
Processo: 59/2016-JP
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL – CONTRATO INOMINADO DE COMPRA E VENDA E PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS
Data da sentença: 11/08/2017
Julgado de Paz de : BOMBARRAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:
Demandante: A, pessoa colectiva com n.º …, com sede na Avenida …
Demandado: B, residente na Rua …


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OBJECTO DO LITÍGIO:
A Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrada na alínea i) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo que seja a Demandada condenada a pagar o montante de € 2.773,12 (Dois mil, setecentos e setenta e três euros e doze cêntimos), correspondentes ao pagamento da venda de materiais eléctricos e serviço de montagem do referido material, juros vencidos, taxa de justiça paga e despesas de patrocínio de Advogados, bem como juros vincendos desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Juntou 5 documentos, de fls. 7 a 12, que igualmente se dão por reproduzidos.

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Regularmente citada, a demandada não apresentou contestação, não compareceu em audiência de julgamento, nem justificou a respectiva falta.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em € 2.773,12 – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C.P.Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandante por representação – artº 25º do C.P.Civil) e são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.

Fundamentação da Matéria de Facto:
Compulsados os autos constata-se que, regularmente citado, a demandada não apresentou contestação, nem compareceu à audiência de julgamento para que foi devidamente notificada, nem justificou a respectiva falta, verificando-se a sua revelia absoluta. Com base na cominação legal do nº 2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho -“Quando o demandado, tendo sido regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”- e no teor dos documentos de fls.7 a 12 dos autos, dão-se como provados os factos articulados pelo demandante a fls. 1 a 3, que se dão por integralmente reproduzidos.

O DIREITO:
Atenta a factualidade apurada, importa desde já, qualificar o contrato celebrado entre as partes, para apurar qual o regime jurídico aplicável.
Ora, in casu, em função da prova produzida verifica-se que a Demandante é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto é a execução de instalações eléctricas, de som ambiente e a venda de material eléctrico.
A Demandada solicitou à Demandante, que no exercício da sua actividade lhe fornecesse material eléctrico e prestasse os serviços de instalação dos mesmos, conforme as facturas 54/2012, no valor de 1.652,98 e factura n.º 57/2012, no valor de 111,19 – Doc. 1 e Doc. 2 que se dão por reproduzidos.
O preço total a pagar seria no montante de € 1.764,17 (mil, setecentos e sessenta e quatro euros e dezassete cêntimos), tendo sido, as respectivas facturas, emitidas em 28-05-2012 e 07-06-2012, a pronto pagamento e entregues à Demandada. Várias vezes interpelada, a Demandada, não efectuou qualquer pagamento.
Deste modo, no âmbito do objecto social da Demandante as partes celebraram um contrato inominado com contornos de contratos de compra e venda e prestação de serviços, na modalidade de empreitada, porquanto a Demandada se obrigou a fornecer os materiais eléctricos, bem como a proceder à sua montagem e aplicação, conforme documentos juntos a fls. 7 a 12 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.
Estes contratos encontram-se previstos, respectivamente:
a) o contrato de compra e venda no art. 879º do C. C., definido como, “aquele pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa mediante a entrega de um preço”.
Este é um contrato bilateral e sinalagmático, pois resultam obrigações para ambos os contraentes; são elas: a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço;

b) o contrato de prestação de serviços, no art.º 1154º do Código Civil definido como sendo “… aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.” Na modalidade de empreitada, que se encontra previsto nos artigos 1207º e seguintes do código Civil, dispondo este artigo que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.” Um dos princípios basilares do ordenamento jurídico português, previsto no artigo 405º do Código Civil, é o princípio da liberdade contratual, segundo o qual “Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”, podendo “(…) reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei”. Uma vez celebrados os contratos devem ser “(…) pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.” (cfr. nº 1 do artigo 406º do Código Civil), que reflecte o princípio da força vinculativa ou obrigatoriedade dos contratos.
É de ter em atenção ainda o principio da boa fé, previsto tanto no nº 1 do artigo 227º, do Código Civil -“Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte” como no artigo 762º, nº 2, do Código Civil, (“no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”).
Ou seja, os contraentes dever agir de boa-fé, agir com diligência, zelo e lealdade, correspondendo aos legítimos interesses da contraparte, devem ter uma conduta honesta e conscienciosa, não prejudicando os legítimos interesses da outra parte, não só num momento preliminar à celebração do contrato, mas também no momento do seu cumprimento ou execução, até ao termo da sua vigência.
No caso vertente, resultou provado, através de confissão, nos termos do art. 58º, n.º2 da Lei n.º 78/2001 de 13/07, com a redação dada pela Lei n.º 54/2013 de 31/07 que a Demandante forneceu os referidos materiais e procedeu à instalação e montagem dos mesmos, prestando o serviço a que estava obrigada pelo contrato e emitiu as facturas 54/2012 e 57/2012, em 28 de Maio de 2012 e 07 de Junho de 2012, no valor total de € 1.764,12.
Ficou igualmente provado que a demandada não cumpriu o acordado, ou seja, não pagou o preço devido como contrapartida.
No campo do incumprimento contratual e nos termos do n.º 1, do artº 342º do Código Civil, o credor deve alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, ou seja, provar a existência de um contrato e a violação pela contraparte.
A Demandante, credora, cumpriu o ónus que lhe competia, no que concerne à relação contratual estabelecida, bem como quanto à alegação da falta de pagamento do preço.
À devedora, por seu turno incumbia alegar e provar que cumpriu a obrigação, pois o cumprimento é um facto extintivo do direito ou que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, culpa essa que se presume nos termos o artº 799º do Cód. Civil (arts. 342º e 799º, ambos do C.Civil).
Ora, tendo resultado provado que, apesar de interpelada, a Demandada, não procedeu ao pagamento do preço e não se tendo provado que a falta de realização tenha sido causada por intervenção de terceiro, conclui-se que não foi ilidida a presunção de culpa que a onerava.
Neste contexto estamos perante um caso típico de incumprimento dos contratos celebrados, nos termos do art. 798º do Código Civil. Esta norma estipula que: “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, pelo que vai a Demandada condenada no pagamento do montante supra referido.
Relativamente aos juros peticionados, o incumprimento da obrigação, torna o devedor responsável nos termos do art. 798.º, do Cód. Civil e são devidos juros nos termos dos artigos 804.º, 805.º e 806.º, todos do Cód. Civil. Assim, nos termos do Art. 804º e do Art. 559º do Código Civil, o devedor obriga-se ao pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. Prescreve o n.º 1 do Art. 805º do citado Código, que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, sendo que, nos termos do n.º 2, há mora, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo.
Por seu turno, o art.º 806.º, do mesmo Código, dispõe que, nas obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora. Assim, e por força dos citados preceitos, verifica-se que, quando ocorre a falta de cumprimento de uma obrigação em dinheiro, o credor desse valor tem direito a receber uma indemnização, para compensar os prejuízos resultantes do atraso (mesmo que, na realidade, não tenha sofrido prejuízos) indemnização essa que é igual aos juros vencidos, calculados à taxa dos juros legais (artº. 559º do Código Civil), desde a constituição em mora até integral e efectivo pagamento. Aplicando os preceitos referidos ao caso em apreço, temos que as obrigações têm prazo certo já que, sendo as facturas a pronto pagamento, se venceram nas datas nelas apostas.
Por outro lado, dispõe o n.º 1 do Art.º 559.º do Cód. Civil que “ Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça, das Finanças e do Plano.”. Deste modo, são devidos os juros moratórios sobre o capital de 1.764,17 €, à taxa legal comercial, sucessivamente em vigor, desde o vencimento da última factura, em 07-06-2012 e que ascendem a € 532,95 já que são peticionados a partir dessa data, bem como vincendos desde a data da citação da Demandada, que ocorreu no 29 de Novembro de 2016, até efectivo e integral pagamento.
Quanto ao valor peticionado respeitante a despesas tidas com patrocínio de Advogados, estamos em crer que o disposto no art.º 533º, do Código de Processo Civil, não tem aplicação nos processos tramitados no Julgado de Paz, onde não existem custas de parte e as custas estão reguladas em legislação própria – a Portaria 1456/2001, de 28 de dezembro, com a redacção que lhe foi dada pela Portaria n.º 209/2005, de 24 de fevereiro. Acresce que, na tramitação processual nos Julgados de Paz, não é obrigatória a constituição de mandatário, sendo, no entanto, desejável que tal aconteça.
No que se refere à taxa paga com a propositura da ação, a mesma não tem de ser somada ao pedido, uma vez que a sentença determinará quem suporta as custas e ordenará o reembolso imediato de quem a ele tiver direito. Por conseguinte e face ao que antecede, improcede o pedido do demandante nesta parte.

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DECISÃO:
Face a quanto antecede, julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada nos termos do art. 58º, n.º 2 da Lei n.º 78/2001 de 13/07, na redacção da Lei n.º 54/2013 de 31/07 e, em consequência, decido:
1. Condenar a Demandada a pagar à Demandante a quantia de 1.764,17 € (mil, setecentos e sessenta e quatro euros e dezassete cêntimos) relativa ao valor dos materiais e serviços prestados;
2. Condenar a Demandada a pagar à Demandante a quantia de 532,95 € ( quinhentos e trinta e dois euros e noventa e cinco cêntimos) relativa a juros vencidos desde 7 de Junho de 2012 até à propositura da presente acção;
3. Mais decido condenar a Demandada no pagamento de juros de mora, à taxa legal comercial, sucessivamente em vigor, contados desde a data da citação, até integral pagamento;
4. Absolver a Demanda do pedido de pagamento da quantia de 441,00 € (quatrocentos e quarenta e um euros), relativa aos honorários de advogado e à taxa de justiça paga com a propositura da acção.

Custas: Custas a suportar pela Demandante e pela Demandada, em razão do decaimento e na proporção respectiva de 10% pela Demandante e 90% pela Demandada (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.

Bombarral, 08 de Novembro de 2017

A Juíza de Paz

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(Luísa Ferreira Saraiva)