Sentença de Julgado de Paz
Processo: 72/2016-JPMCV
Relator: FILOMENA MATOS
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
Data da sentença: 06/22/2018
Julgado de Paz de : MIRANDA DO CORVO
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo nº72/2016-JP/MCV

Identificação das partes
Demandante: A, com o NIF XXX, residente na B.
Demandado: C, com o NIF XXX e domicílio profissional na D.

OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante intentou a presente ação declarativa, pedindo a condenação do Demandado:
a)a reconhecer que em 17 de Março de 1995 por arrematação judicial adquiriu o veículo com a matrícula XX-XX-XX;
b)a reconhecer que tinha obrigação de o averbar em seu nome desde essa data, o que não fez, originando que o veiculo permanecesse averbado em nome do Demandante;
c)a reconhecer que venceram IUC´s, e foram originadas demais despesas, tudo em dívida à AT;
d)a pagar à mesma todas as despesas que, à data no total de 4.652,50 €, pagando também as ainda não contabilizadas e as futuras que se venham a vencer e sejam devidas à AT;
e)a reconhecer que como devia não fez averbamento a seu favor do veículo;
f)a pagar ao Demandante as despesas tidas com o averbamento em nome do Demandado, nomeadamente, registo no valor de 130,00 €, e certidões para instruir o mesmo no valor de 121,20 €;
g)a pagar as taxas e demais despesas deste processo.
Para tanto, alegou não ser há já muitos anos o proprietário do veículo com a matrícula XX-XX-XX, que, no âmbito de uma penhora foi vendido ao demandado por negociação particular que o pagou em 17.03.1995. O demandado, não procedeu ao averbamento do veículo em seu nome, razão pelo qual, a AT instaurou contra o demandante os competentes processos de contra-ordenação relativamente ao valor do IUC, juros e outros correspondentes aos anos de 2008 a 2016, no total de €4.652,02.

Regularmente citado o Demandado contestou, impugnando a factualidade alegada, nomeadamente, quanto a ser o proprietário do referido veiculo referindo não lhe ter sido entregue pelo encarregado de venda o “instrumento de venda, os documentos do veículo e o veiculo”, invocando ainda, a nulidade do titulo de transmissão junto pelo demandante, concluindo pela improcedência da ação, conforme resulta da peça processual junta a fls.36 a 41, juntou um documento e procuração forense.

Tramitação e Saneamento
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em € 4.843,70 (e não 4.773,70 cuja soma está incorrecta) – art.º 297º nº1 e nº2 e 306º nº2, ambos do C. P. Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
A Audiência de Julgamento realizou-se com observância das formalidades legais, na primeira das quais, foi oficiosamente solicitado a realização de diligências, fixado prazo para o demandante prestar informações, e junto documentos pelas partes, conforme das respetivas atas resulta.
Por despacho de fls. 116, foi solicitado ao Tribunal de Trabalho informações prestadas a fls. 166 a 176.
O demandante a fls. 198 a 207, juntou certidão da AT e aduaneira informando o valor em divida relativamente aos IUC’s do veículo em apreço, esclarecendo que, o aqui demandante impugnou as referidas dívidas aguardando decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
A fls. 225 a 227, foi junto pela AT as informações oficiosamente requeridas, nomeadamente, identificando o número do processo a correr termos no T.A.F.C. face ao indeferimento da reclamação graciosa efetuada pelo demandante, que visava a anulação das liquidações oficiosas dos IUC’s quanto ao veículo de matrícula – XX-XX-XX, dos anos de 2008 a 2016 inclusive, que em 10-10-2017 ascende a €4.693,60, tendo sido pago pelo demandante no respectivo processo executivo o valor residual de €12,77 do IUC do ano de 2016, juntando mapa em anexo.
Exercido o contraditório, o demandado, a fls. 215 e 216, veio requerer a suspensão dos presentes autos até que a sentença do TAFC fosse proferida.
O demandante, após fixado prazo para se pronunciar opôs-se ao requerido, fls. 233 e 234.
Proferido despacho a fls. 236, o processo foi suspenso com fundamento na existência de uma questão prejudicial.
A decisão do processo que correu os seus termos no TAFC foi junta a fls. 269 a 279, na qual após convite ao aperfeiçoamento do pedido, o demandante, expressamente peticionou a anulação do acto de liquidação de IUC do ano de 2016, tendo obtido provimento.
O Tribunal deu como provado que o “…impugnante deixou de ser o proprietário do veículo com a matrícula XX-XX-XX, se não antes, pelo menos desde 17.03.1995, data em que foi efetuada a venda por negociação particular do visado veiculo a B, no âmbito de processo que correu termos no Tribunal de Trabalho de Coimbra, sendo certo que a propriedade do veículo se encontrava então e até pelo menos 2016, registado em seu nome…”

FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
Com base e fundamento nos autos, julgam-se provados os seguintes factos com interesse para o exame e decisão da causa:
1.O Demandante foi proprietário do veículo com a matrícula XX-XX-XX.
2. Que foi penhorado no processo Autos de Execução Por Quantia Certa nº XX, Apensa ao Processo nº XX-AT, que correu termos no 1º, Juízo do Tribunal de Trabalho de Coimbra, em que é exequente E e executado F e mulher G, cfr. certidão junta a fls. 6 a 8, 11 e 12.
3. Tendo sido promovida a venda do referido veículo por negociação particular para o qual foi nomeado encarregado da venda o Sr. H, na Carta Precatória nº XX/1994 do Tribunal da Lousã, cfr. certidão junta a fls. 13 a 16.
4. Veiculo esse, que foi adquirido pelo Demandado que o pagou em 17 de Março de 1995, cfr. Certidão junta a fls. 17 e 18.
5. Não foi outorgado e entregue ao demandado pelo Encarregado da Venda, o instrumento da venda, cfr. doc. junto a fls. 18 e 19.
6.O demandado não registou o veículo em seu nome.
7. Por requerimento do demandante, em 06-10-2016 foi proferido despacho no processo actualmente com o nº XXX, anterior XXX/1989, que correu os seus termos no 1º Juízo, do Tribunal de Trabalho de Coimbra, ordenando a emissão do título de transmissão com a data de aquisição de 17 de Março de 1995, a favor do Demandado, cfr. Certidão junta fls.18 a 20.
8. O Demandante averbou o veículo em nome do Demandado, cfr. doc. junto a fls. 144 e 145.
9. Para registar o veículo em nome do demandado o demandante, requereu certidões do processo ao Tribunal de Trabalho gastando 61,20 €, como se alcança da cópia dos recibos juntos a fls. 22 a 24.
10. Tendo despendido na Conservatória do Registo Automóvel a quantia de 130,00 €, cfr doc. juntos a fls. 144 e 145.
11.A Autoridade Tributária exige ao demandante o pagamento do Imposto de Circulação, cfr. doc. juntos a fls. 198 a 203 e 225 .
12- Após consulta da AT foi o demandante informado que até à data está em divida a quantia de 4.652,50 €, aguardando a emissão de certidão dos processos de contra ordenação nºs XX, XX e XX, conforme consta da relação fornecida pela AT, junta a fls. 21.
13-O valor em divida pelo não pagamento de IUC’s desde o ano de 2008 reporta-se ao período em que o Demandado tinha adquirido o veículo, cfr. doc. junto a fls. 18 a 20.

FACTOS NÃO PROVADOS
1. Não foi entregue ao demandado os documentos e o veículo.
2.O demandante foi notificado pelo Tribunal para proceder à entrega dos documentos do veículo e não os entregou.

FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A convicção do tribunal para a factualidade dada como provada, foi adquirida, fundamentalmente com base na apreciação crítica, conjugada das declarações partes, acordo das partes nos termos do nº 2, do artigo 574º, do C.P.C., depoimento das testemunhas apresentadas que se revelou isento, credível e imparcial, e, teor dos documentos juntos aos autos.
Os factos elencados em 2 a 5, 7 a 13 resultaram do teor do suporte documental de acordo com enumeração referida nos mesmos.
Os factos indicados sob os nº 1 e 6 resultou do acordo das partes nos termos do nº 2, do artigo 574º, do C.P.C
O demandante, em declarações disse, “…que o veículo era meu, vendi-o ao F em 1992, entreguei-lhe a declaração de venda e os documentos, ele negociava em madeira e não o registou. Até 2008 não soube de nada. O veículo, foi apreendido não sei se fui notificado pelo T. Trabalho da penhora. Em 2011 vieram os processos de contra-ordenação, fui investigar e falei ao telefone com Sr. C, ele disse que nada tinha que pagar. Depois escrevi cartas, cuja resposta foi negativa. Ele nunca negou ter o veículo. Ele é sucateiro de profissão. Estou a pagar os impostos. Vi o veículo no estaleiro do C.”
O demandado explicou que, “…paguei o carro mas nunca o levantei. Não me lembro do vendedor, nem de ter ido junto do tribunal ou vendedor para levantar a viatura. Desde 1989 que exerço a actividade de sucateiro. No tribunal disseram-me que, os documentos não estavam no processo. Não assinei nenhum dos documentos pedidos pelo demandante, pois achei que não devia assinar.”
A testemunha I, referiu que, “ trabalhei para o demandante a vender carros até 1995. Lembro-me do camião Man, que foi vendido ao F (alcunha) da Lousã, que era madeireiro, cheguei a vê-lo a circular com o veículo. O madeireiro faliu e o veículo ficou encostado no estaleiro, depois deixei de o ver. Há muitos anos vi-o semidesmontado no estaleiro do C. Dava para ver que era o veículo em questão. Conheço o C há 40 anos, ele é sucateiro, sempre trabalhou com peças usadas e sucata e tem o estaleiro na Zona Industrial de Vila Nova de Poiares, ia lá muitas vezes. O camião era vermelho e azul.”
J, filho do demandado, referiu, “em 1995 tinha 14 de idade, estudava, e nas horas vagas ajudava o pai. O pai após o telefonema do A tentou tratar o assunto da melhor forma. Não me lembro desse veículo.”
A testemunha convocada pelo tribunal J, explicou que, “tinha a função de vender as coisas no T. da Lousã, mas, deste caso não me recordo de nada. A entrega dos bens vendidos não passava por mim.”

Quanto aos factos não provados, os mesmos resultaram da ausência de prova dos mesmos ou em sentido contrario.

A questão a decidir por este tribunal circunscreve-se ao incumprimento por parte do Demandado, pelo não pagamento do valor correspondente às despesas inerentes ao veículo que adquiriu através da venda por negociação particular, por não o ter registado em seu nome e suas consequências.

O DIREITO
No caso em apreço o Demandado, adquiriu um veículo de matrícula XX-XX-XX, através de negociação particular no âmbito do processo de Execução Por Quantia Certa nº XX/1992, Apensa ao Processo nº XX/1989-AT, que correu termos no 1º, Juízo do Tribunal de Trabalho de Coimbra, tendo sido promovida a venda na Carta Precatória, nº XX/1994 no Tribunal Judicial da Lousã, em que foi exequente E e executado F e mulher G.
A venda executiva produz os mesmos efeitos da realizada através de negócio jurídico, ou seja, a obrigação de entregar a coisa e pagar o preço-art.º. 879º, alíneas b) e c) do C.C. e a transmissão da propriedade da coisa, alínea a) do mesmo diploma.
Na venda executiva o efeito translativo transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida –nº 1 do art. 824º, do C.C.
Os bens neste tipo de venda só são adjudicados ao proponente após depósito do valor fixado, nº 1, do art. 900º, do C.P.C. em vigor à data, actual, artº827º.
Ora, em 17/03/ 1995 o demandado procedeu ao pagamento do valor de 10.000$00 conforme resulta a fls. 17, venda essa, devidamente autorizada pelo juiz, cfr. resulta a fls. 15 dos autos.
Tal modalidade de venda estava prevista na alínea d) do art. 886º, e 905º, do C.P.C. na redacção anterior à reforma de 1995/1996 (Decreto-lei n° 329-A/95, de 12 de Dezembro, que entrou em vigor em 01/01/1997, que só se aplica aos processos iniciados após essa data, cf. art.º 16.º do mesmo Decreto-lei).
O demandado alega que, pese embora tenha feito proposta e depositado o valor de dez mil escudos, nunca lhe foi entregue o título de transmissão do veículo, documentos e a viatura e por isso, a venda nunca se concretizou, razão pelo qual, não tinha que registar o veículo em seu nome, invocando também a nulidade do título de transmissão.
Conforme referiu, invocou oportunamente tal nulidade no Tribunal de Trabalho, juntando cópia da peça processual, fls. 44 a 46 não obtendo provimento quanto às suas pretensões, (declaração de nulidade do título de transmissão emitido por aquele tribunal de 7/10/2016 e, anulação da venda por negociação particular do veículo em apreço, com a devolução do preço depositado) conforme resulta a fls. 92 e 93.
Vejamos.
O demandado não pode, à margem do decidido pelo T. Trabalho de Coimbra no processo executivo, e dos efeitos jurídicos, processuais e substantivos dos actos nele praticados e transitados em julgado, pretender por via de excepção neste processo, invocar direitos que já foram objecto de decisão naquele outro, e que permanece válida e coberta pela eficácia do caso julgado.
Os actos em si são válidos e eficazes e mantém essas qualidades enquanto não forem anulados no processo executivo, e, conforme é dito por aquele Tribunal está esgotado o poder jurisdicional conforme é referido no despacho do T. de Trabalho.
O demandado, pretende agora, e só agora, (na sequência da citação nos presentes autos) fazer, o que estava obrigado desde 1995, (no meio, tempo e sede própria) não sendo estes autos o processo indicado, acresce que, tal pedido já foi objeto de decisão naquele outro.
Regressando ao caso em apreço, o veículo encontrava-se registado desde 27-07-83 a favor do aqui demandante, que o vendeu ao executado F e mulher estando onerado com duas penhoras a favor do M.P, conforme decorre da certidão de fls. 9.
O demandado em 1995 fez proposta para adquirir o veículo supra identificado e depositou o valor na C.G.D conforme é confessado pelo mesmo.
Após a aquisição, o demandado não o registou em seu nome na C.R.C. e, em consequência, desde 2008 até 2016 sobre o referido veículo foram emitidas pela A.T. os respetivos IUC’s, que deram origem a vários processos de contra-ordenação no qual incluem juros e custas, à data no valor de € 4.652,50.
O demandado é sucateiro de profissão conforme referiu, o que lhe confere maiores conhecimentos relativamente à aquisição de veículos e da obrigação de o registar em seu nome, ou, caso pretendesse o seu desmantelamento/abate, de cancelar a matrícula.
O auto de penhora junto aos autos, refere o estado de conservação do veículo, “ …com os seis pneus em mau estado e sem pneu suplente, tudo em mau estado e com partes já podres…Aspecto geral muito mau.”
O demandado, defende-se com a não recepção do documento de transmissão fundamentando assim a sua inércia e nada ter de pagar.
Mas será que o comportamento omisso do demandado o desresponsabiliza relativamente ao que aqui apreciamos? Desde já respondemos negativamente.
É que, o demandado não alegou factos e consequentemente nada provou que, permitisse ao tribunal concluir que, diligenciou no âmbito do processo de execução para que fosse emitido o título de transmissão relativamente ao veículo que tinha adquirido, o que o demandante com facilidade conseguiu.
Pelo contrário, em declarações o demandado admitiu nada ter feito nesse sentido.
Por outro lado, desde 1995 data da aquisição do veículo não provou que no respectivo processo tivesse reclamado de alguma irregularidade cometida na venda ou requeresse a anulação da mesma com a consequente devolução do valor pago, art. 907 e 908 do C.P.C.
Só em 3-11-2016 requereu no T. de Trabalho da Comarca de Coimbra que, o título de transmissão emitido pelo tribunal a pedido do demandante fosse declarado nulo, bem como a anulação da venda, pedidos esses, que não obtiveram provimento como supra se referiu.
Decisão essa, que o demandado aceitou pois, nada foi junto aos autos em sentido contrario.
Por outro lado, das declarações prestadas na GNR em 7-06-1992 por F, é dito que comprou o veículo em apreço ao aqui demandante há cerca de sete anos, ou seja, alegadamente, desde 1985 que aquele o deixou de ter na sua posse.
O demandante, em 22 de Janeiro de 1993 foi notificado no referido processo de execução para informar se o veículo lhe pertencia, nada aí ficando consignado quanto à entrega dos documentos alegadamente em falta, fls. 174 e 175.
Face à sua actividade profissional era exigível ao demandado um comportamento diligente e de acordo com a lei, após aquisição do veículo.
Por outro lado, não é razoável nem entendível à luz da experiência comum que alguém que comercializa em sucata, adquira um veiculo sem dele retirar o devido proveito, seja, para circular ou desmantelar atenta a actividade profissional do demandado.
É certo que, apesar do demandado ter alegado que o veiculo nunca lhe foi entregue o que não provou, do depoimento da testemunha trazida pelo demandante, resultou o contrário.
Concluindo, o demandado adquiriu o veículo em apreço sendo que, não cumpriu com a sua obrigação, ou seja, proceder ao registo do veículo em seu nome, ou cancelar a matrícula conforme era legalmente exigido.
Nos termos do disposto no art. 5º, nº1, al. a) do DL 54/75 de 12 de fevereiro, estão sujeitos a registo o direito de propriedade de veículos automóveis.
Por sua vez o art.1º, nº1 do citado DL (na redacção dada pelo DL nº 403/88, de 09/11 prescreve que “O registo de veículos tem essencialmente por fim individualizar os respectivos proprietários e, em geral, dar publicidade aos direitos inerentes aos veículos automóveis.
Finalmente, dispõe o art. 29º do DL 54/75 que “São aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas da regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas neste diploma e no respectivo regulamento”.
O registo automóvel não tem eficácia constitutiva, pois tem essencialmente por fim individualizar os respectivos proprietários, destinando-se a dar publicidade aos direitos inerentes aos veículos automóveis – artigo 1º do DL nº 54/75, de 12 de Fevereiro - funcionando apenas como mera presunção, ilidível, (presunção «juris tantum») da existência do direito (artºs 1°, nº 1 e 7°, do CRP 84 e 350º, nº 2, do C. Civil) bem como da respectiva titularidade, tudo nos termos constantes do registo.
E se a presunção registal de propriedade admite prova em contrário, a presunção legal prevista no nº3º, nº1 do CIUC, também o admitirá, o que está sustentado no art.73º da Lei Geral Tributaria.
A elisão da presunção obedece ao prescrito no art. 347º, do C.C., e o demandante provou que não era o proprietário do veículo em causa há já muitos anos.
A propriedade de veículos automóveis está, sujeita a registo obrigatório (cfr. art. 5º, n.ºs 1 e 2 do decreto-lei nº 54/75, de 12/2) sendo tal obrigação do comprador – sujeito activo do facto sujeito a registo, no caso, a propriedade do veículo (cfr. art. 8º- B, nº 1, do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel por força do art. 29º, do decreto-lei nº 54/75, de 12/2, conjugado com o art. 5º, nº 1, al. a), deste último diploma).
De igual forma, desde 2001 que a obrigação de declarar a venda por parte do vendedor à autoridade competente para a matrícula se encontra expressamente estabelecida no Código da Estrada (cfr. art. 118º, nº 4, do Código da Estrada, aprovado pelo decreto-lei nº 114/94, de 3/5), contudo, no caso em apreço, o veículo foi adquirido por meio de venda por negociação particular, num processo de execução e por isso, não foi o demandante que o vendeu.
O IUC funciona em conjugação com o registo automóvel, art. 3º, nº 1, do CIUC, norma onde se estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
Da articulação entre o âmbito da incidência subjetiva do IUC e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto decorre que só as situações jurídicas objeto de registo geram o nascimento da obrigação de imposto, n° 1 do art. 10º do Decreto-Lei n° 54/75, de 12/02 e art. 42° do Regulamento do Registo de Automóveis.
Ora, como o demandado não cumpriu o seu dever, resultou para o demandante a manutenção das responsabilidades tributárias para o titular inscrito no registo, nomeadamente, o de pagar o I.U.C., nos termos do art. 3º, nº 1, do C.I.U.C, a que se refere o nº 2, do art. 1 da Lei 22/A/ 2007 de 29 de junho.
O incumprimento do demandado quanto ao dever supra referido violador do negócio celebrado, nos termos do disposto no art.º, 762º do C. C. originou os processos de contra-ordenação nos anos de 2008 a 2016 (neste ultimo o demandante obteve provimento relativamente à impugnação interposta no T.A.F.C.) para o demandante, cujo valor em 10-10-2017 era no valor de €4.693,60 conforme resulta da informação da AT junta a fls.225, cuja responsabilidade é do demandado, que terá de proceder ao seu pagamento a A.T.
Por todo o exposto, e pese embora o veículo estivesse registado em nome do demandante, da conjugação da prova produzida nos autos, evidencia de forma inequívoca que era ao demandado quem incumbia o registo da propriedade de veículo.
E, sendo o demandante devedor à Autoridade Tributária dos encargos decorrentes do facto do comprador não ter registado a propriedade do veículo e, na medida em que o demandado terá adquirido o veículo em data anterior às despesas que o demandante peticiona, tem o demandado ser responsabilizado pelo respetivo pagamento.
E não obstante o demandante não ter pago o valor dos impostos e coimas respeitantes ao veículo em causa à Autoridade Tributária, tal não invalida que ele permaneça como devedor perante a Autoridade Tributária.
A conduta do demandado é, pois, violadora do contrato conforme prescreve o art. 406º, do C.C., que deve ser pontualmente cumprido não apenas quanto ao prazo, mas, também quanto às concretas circunstâncias e fins para que o mesmo foi celebrado.
O demandado, não cumpriu a sua obrigação nos termos e para os efeitos no disposto no art. 762º, e ss. do C.C. face à aquisição do veiculo no processo executivo.
Além disso, o artº798º, do mesmo diploma legal refere que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação responde pelo prejuízo que causa ao credor, incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (artº 799º, nº 1, do C.C.).
Esta prova não foi feita pelo demandado.
Existe responsabilidade civil, quando uma pessoa deve reparar o dano sofrido por outra, pese embora o demandante, seja um terceiro, porque não interveio no negócio jurídico efetuado.
A responsabilidade do demandando no negocio efetuado está ainda sujeita aos ditames da boa-fé- art.º 762º, nº 2, do C.C.
Assim, tendo presente todo o supra exposto, dúvidas não restam que o comportamento omissivo e descuidado do demandado violou a obrigação decorrente do negócio efetuado e ainda os ditames da boa-fé pela sua actuação, provocando ao demandante danos no seu património.
Ao faltar culposamente no cumprimento da sua obrigação, o demandado constitui-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, in causa, o demandante, art. 798 e 799º do C.C.
Em conformidade condena-se o demandado pagar à A.T. conforme peticionado pelo demandante o valor em divida supra referido, com exclusão do IUC relativo ao ano de 2016 e ainda, os valores que entretanto se venceram e se vencerão na pendência da acção.
O demandante, face ao incumprimento do demandado em registar o veículo em nome daquele, requereu a emissão de certidões do processo que correu termos no Tribunal de Trabalho, gastando o valor de 61,20 €, e não 121,20 € como peticionado conforme resulta da soma da cópia dos recibos juntos a fls. 22 a 24.
Por outro lado, despendeu na Conservatória do Registo Automóvel a quantia de 130,00 €, cfr doc. junto a fls. 144 e 145, razão pelo qual, sendo da sua responsabilidade condena-se o demandado no pagamento ao demandante, a este titulo da quantia total de €191,20.

DECISÃO
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente por provada, e consequentemente condeno o Demandado a:
a)reconhecer que em 17 de Março de 1995 por negociação particular , adquiriu o veículo matrícula XX-XX-XX;
b) reconhecer que tinha obrigação de o registar em seu nome o que não fez, originando que o veiculo permanecesse averbado em nome do Demandante;
c) reconhecer que venceram IUC´s, e foram originadas demais despesas todos em dívida à AT;
d) pagar à Autoridade Tributária e Aduaneira todos os valores e despesas decorrentes do IUC’S referentes ao veiculo com a matricula XX-XX-XX, que em 10-10-2017, fls. 225 e 226 é no total de 4.255,42, (4.693,60-438,18€, IUC do ano de 2016), ao que acresce, juros entretanto vencidos e restantes encargos ainda não contabilizadas e os futuros que se venham a vencer e sejam devidas à AT;
e)pagar ao Demandante as despesas tidas com o averbamento em nome do Demandado, nomeadamente, registo no valor de 130,00 €, e certidões para o instruir no valor de 61,20 €, tudo no total de 191,20 €.

CUSTAS
A cargo do Demandado que declaro parte vencida nos termos e para os efeitos do nºs 8.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28-12, devendo ser pagas, neste Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (n.º 10 da Portaria n.º 1456/2001, de 28-12, com a redação dada pelo art. único da Portaria n.º 209/2005, de 24-02).

Em relação ao Demandante proceda à devolução do valor da taxa de justiça paga.

Esta sentença foi proferida e notificada às partes presentes nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da L.J.P. ficando as mesmas cientes de tudo quanto antecede, tendo-lhes sido entregue cópia.

Envie cópia aos ausentes.

Miranda do Corvo, em 22 de junho de 2018

A Juíza de Paz

Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária. Verso em branco.
(Artigo 131º, nº 5 do CPC e artigo 18º da LJP)

(Filomena Matos)