Sentença de Julgado de Paz
Processo: 57/2015-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: INCUMPRIMENTO DE UM DOS DEVERES DOS CONDÓMINOS - PAGAMENTO DE QUOTAS DE CONDOMÍNIO
Data da sentença: 07/21/2015
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 57/2015-J.P.

RELATÓRIO:
O demandante, Condomínio do edifício A, representado pelos administradores, intentou a ação declarativa de condenação contra as demandadas, B, Lda., com o NIPC. ------------, e Banco C, S.A., a primeira com sede no Funchal e a segunda no Porto, o que fez ao abrigo do art.º 9, n.º1, alínea c) da L.J.P.
Para tanto, alegou em suma que, na qualidade de administradores deste condomínio verifica que os demandados são proprietários das frações A e B, deste edifício, sendo a 1ª demandada a locatária e a 2ª a locadora financeira. Porém, não obstante estarem obrigados a pagar as quotas do condomínio, não o fizeram, deixando de pagar as quotas, o que sucede desde janeiro de 2014 a fevereiro de 2015, o que perfaz a divida de 2.752,52€. O demandante interpelou-as para pagar mas nada fizeram. Conclui pedindo que sejam condenados: A) no pagamento da quantia de 2.752,52€ de quotas vencidas no período entre janeiro de 2014 a fevereiro de 2015; B) a título de multa prevista no regulamento de condomínio, na quantia de 718,09€; C) e nas quotas que se vencerem na pendencia da ação. Juntou 7 documentos.
A 1ª demandada está regularmente citada, a fls. 154 verso, não tendo contestado, nem constituído mandatário.
A 2ª demandada está regularmente citada, a fls. 80. E contestou atempadamente. Alega em suma que, as demandadas celebraram um contrato de locação financeira das referidas frações a 11/04/2013, conforme junta. Nos termos daquele ficava a cargo da locatária o pagamento dessas despesas, o que também deriva do próprio regime legal, sendo esta demandada uma mera intermediária financeira da aquisição das frações. Por esta razão considera-se parte ilegítima nesta ação. Para além disso, este facto é do conhecimento do demandante pois era a outra demandada que lhe pagava as quotas referentes às partes comuns do edifício, o que significa que lhe foi reconhecido a posição de locatária, o que também se constata pela análise da lista de presenças junto às atas das assembleias. Sucede que até fevereiro de 2015, as frações estavam na posse da outra demandada, até que intentou uma providência cautelar para entrega de coisa certa, o que foi deferido a 10/02/2015. Nessa altura ocorreu a entrega das frações em causa, conforme documento que junta, e esta demandada passou a ter posse efetiva dos imóveis. A partir desse momento passa assim a ser responsável por essas despesas, ou seja a partir de março de 2015. Para além disso, o banco nada deve ao demandante. Conclui pela improcedência da ação e procedência das exceções. Junta 9 documentos.
O demandante responde alegando que: No edifício em causa existem várias frações arrendadas e não são os locatários que pagam as quotas mas sim os proprietários. Assim, é justo que seja a demandada a faze-lo, uma vez que é a verdadeira proprietária das mesmas conforme consta do registo predial, até porque o gerente da locatária lhes comunicou que não tinha disponibilidade financeira para o fazer. Para além disso, não tinham conhecimento do contrato que as partes realizaram. Acrescenta que, esta situação põe em causa a sobrevivência do edifício, já que os compromissos que assumem é sempre na base de que todos honram os seus compromissos.

TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré mediação por ausência das demandadas.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária.
O processo está isento de nulidades que o invalide na sua totalidade.

AUDIENCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada sem possibilidade de dar cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º1 da LJP, uma vez que os demandados não estiveram presentes, não obstante estarem notificados para comparecer, fls. 162 e 163. No prazo legal, o Banco C, por meio de requerimento, fls.183, informa o Tribunal que não irá comparecer na audiência pois trata-se de questões meramente jurídicas. Pela outra demandada não foi apresentada qualquer justificação.

-FUNDAMENTAÇÃO-
I-FACTOS PROVADOS:
Todos conforme consta do r.i. e da exceção.

MOTIVAÇÃO:
O Tribunal alicerçou a respetiva convicção na análise crítica dos documentos juntos pelas partes, cujo teor considero reproduzido, servindo estes de prova aos factos referidos.
Não se provou mais qualquer facto com interesse para a causa, por ausência de prova condigna.

II-DO DIREITO:
O caso em apreço prende-se com o incumprimento de um dos deveres dos condóminos, nos prédios constituídos em regime de propriedade horizontal, o pagamento das quotas de condomínio.
A questão colocada é meramente jurídica, consiste em saber a quem compete o pagamento das despesas comuns das frações, comummente designado por quotas, no âmbito de um contrato de locação financeira imobiliária.

O contrato de locação financeira é regulado pelo Dec. L. n.º 149/95, de 24 de junho, com as alterações introduzidas pelo Dec. L. n.º 265/97, de 2 de outubro, Dec. L. n.º 285/2001, de 3 de novembro, e Dec. L. n.º 30/2008, de 25 de fevereiro.

Nos termos da versão actualizada, consta do art.º 1 que: “a locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios fixados”.

A primitiva regulamentação da locação financeira ocorreu com o Dec. L. n.º 171/79, de 6 de junho, o qual foi revogado e substituído pelo atual Dec. L. n.º 149/95, de 24 de junho, com subsequentes alterações, já mencionadas.

Do regime legal do contrato de locação financeira, face ao caso em apreço, destacam-se os seguintes elementos: o locador (instituição financeira) que entrega ao locatário o bem imóvel, por ele escolhido, tendo em conta o fim visado, e adquirido pelo locador, para que o locatário possa usar e fruir pelo tempo de duração acordado no contrato (que não pode ultrapassar 30 anos – n.º2 do art.º 6.º). Por sua vez, o locatário tem o direito de, no termo do contrato, exercer a opção de compra do bem, pelo valor residual previamente fixado. Corre por conta e risco, do locatário, salvo acordo em contrário, a perda ou deterioração do bem, sendo obrigado a conserva-lo e a reparar o bem e, também, a restituí-lo no fim do contrato, caso não opte pela compra, em bom estado conservação, salvo as deteriorações decorrentes duma utilização normal (art.º 10).

Devido aos elementos essenciais (supra mencionados) que caraterizam este contrato considera-se que a locação financeira tem essencialmente a natureza de um “negócio de crédito” (Menezes Cordeiro, ob. citada, pág. 563), ou, como refere Luís Menezes Leitão, in “Garantias das Obrigações”,4.ª Edição, 2012, pág. 245, uma “operação de financiamento próxima do mútuo”, representando o imóvel uma “verdadeira garantia”, para o locador.

Resulta expressamente deste regime legal (art.º 10, n.º 1, alínea b), do Dec. L. n.º 149/95, de 24 de junho, na redação do Dec. L. n.º 265/97, de 2 de Outubro), que no âmbito do contrato de locação financeira que tenha por objeto fração autónoma, como é o caso dos autos, compete ao locatário a obrigação de pagar as despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum.

Assim, a lei prevê e impõe que a obrigação de pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum pertençam ao locatário.

Trata-se de um regime especial, que tem como efeito derrogar, i.e., afastar a aplicação do regime geral constante do C.C., nos termos do qual cabe aos condóminos, considerados como tal os titulares do direito de propriedade sobre as frações autónomas do edifício em regime de propriedade horizontal, suportar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum (art.º 1424, n.º1 do C.C.).

E, sendo um regime especial, a locação financeira, prevalece sobre o regime geral previsto no art.º 1424 do C. C., é o que resulta do art.º 7, n.º3 do C.C., defendendo Batista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador 1983, pág., 85: as normas especiais não consagram uma disciplina oposta ao direito comum, mas uma disciplina nova ou diferente, aplicável a círculos restritos de pessoas ou de relações jurídicas, como o caso em apreço.

Acresce que, o art.º 1024, n.º1 do C. C. prevê a possibilidade de existirem legislações especiais que determinem que a obrigação de pagamento dessas despesas não fique a cargo do proprietário da fração predial, é o que depreende da expressão “salvo disposição em contrário”, sendo por isso harmonizável com o referido regime legal.
No caso concreto as frações autónomas correspondentes às letras A e B, que se destinam a serviços ou comércio, sitas no edifício A, concelho do Funchal, foram objeto de um contrato de locação financeira, como que se mostra registado, na certidão do registo predial, de fls. 91 a 94, o qual preenche os requisitos legais, pelo que se concluí que a obrigação do pagamento das despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum, cabe ao locatário, ou seja á demandada, B, Lda., no período compreendido entre abril de 2013 a fevereiro de 2015, momento em que ocorreu a entrega judicial das frações ao demandado, Banco C, S.A., conforme resulta do auto de entrega, de fls. 119 a 126.
Resulta, ainda, dos autos que o demandado, Banco C, S.A., após ter entrado na posse das frações começou a pagar as respetivas quotas, conforme documento junto a fls. 140 e 141, o que corresponde ao pedido de quotas vincendas, o qual se mostra assegurado.
Posto isto, entende-se que as quotas peticionadas até ao momento da entrega das frações é da exclusiva responsabilidade da demandada, B, Lda., a qual optou por não contestar a ação, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de 3.470,61€, na qual vai condenada.

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação procedente, em consequência condena-se a demandada, B, Lda., no pagamento da quantia de 3.470,61€ o que inclui as quotas ordinárias vencidas entre janeiro de 2013 a fevereiro de 2015.

CUSTAS:
Ficam a cargo da demandada, B, Lda., pelo que deve efetuar o pagamento da quantia de 35€ (trinta e cinco euros), num dos 3 dias úteis subsequentes à notificação da presente decisão, sob pena de incorrer na sobretaxa de 10€ (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento desta obrigação legal e eventual execução (art.º 8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12, com as alterações da Portaria n.º 209/2005 de 24/02).
Em relação ao demandante cumpra-se o disposto no art.º 9 da Portaria.

Funchal, 21 de julho de 2015

A Juíza de Paz


(Margarida Simplício)
(redigido e revisto pela signatária, art.º131, n.º5 do C.P.C.)