Sentença de Julgado de Paz
Processo: 649/2017-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: ACÇÕES RESULTANTES DO DIREITOS E DEVERES DOS CONDÓMINOS - DIREITO DE REGRESSO SOBRE O CONDOMÍNIO
Data da sentença: 07/11/2017
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Sentença

Processo n.º 649/2016 -JP
Matéria: Acções resultantes do direitos e deveres dos condóminos.
Objecto: Direito de Regresso sobre o Condomínio .
Valor da acção: €2.843,26 (dois mil oitocentos e quarenta e três euros e vinte e seis cêntimos.

Demandante: A, Rua -------------------------------------------- Lisboa.
Mandatário. Dr. B, Advogado, com domicílio profissional na Av. ------------------------------- Lisboa.

Demandados:
Condomínio da Rua C ------------------------------------------ Lisboa.
Mandatário: Dr. D, Advogado, com domicílio profissional na rua --------------------------------------- Costa de Caparica.

Do requerimento inicial: Fls. 1 a 23
Pedido: Fls.23.
Junta: 31 documentos e álbum de fotografias com 27 Páginas e Procuração forense
Contestação e reconvenção: A fls. 142 e segs.
Resposta à reconvenção: a fls. 165 e segs.

Tramitação:
Foi realizada mediação não tendo as partes logrado acordo susceptível de pôr fim ao litígio.
Foi designado o dia 01 de março de 2017, pelas 10h, para a audiência de julgamento, sendo as partes notificadas para o efeito.
Do pedido reconvencional.
Nos presentes autos pretende a demandante a condenação do condomínio, além do mais, a ressarci-la de despesas que a mesma teve com obras que realizou quer nas partes comuns quer na sua fração.
O condomínio na sua contestação formula um pedido reconvencional, requerendo a condenação da demandada no pagamento de quotizações vencidas e não pagas.
A reconvenção representa uma acção distinta que, nos casos em que é admissível, cruza-se com a ação proposta pela parte Demandante. Porém, nos Julgados de Paz só é possível a dedução de reconvenção nas situações previstas no n.º 1, do art.º 48.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho. Diz esta norma: “Não se admite a reconvenção, excepto quando o demandado se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o seu direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”. Assim sendo, a reconvenção no âmbito dos Julgados de Paz, só é possível em três casos: a) compensação; b) efetivação de direito a benfeitorias; ou c) efetivação de despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida. Ora, a compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor, verificados que estejam os requisitos constantes do n.º 1 do art.º 847.º, do Código Civil. Ocorre que o demandado não admite seque que deve o que quer seja, não havendo assim nada a compensar. Acrescente-se que também não se verifica qualquer outra das situações previstas no citado art.º 48.º da referida Lei n.º 78/2001, de 13 de julho.

Face ao exposto, e com os invocados fundamentos, não admito a reconvenção deduzida pelo demandado, por inadmissível, nos termos da Lei dos Julgados de Paz, pelo que desentranhe e devolva a resposta à reconvenção de fls. 165 e segs.


Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 183 e 184.
***
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 - A demandante é possuidora, assumindo-se como proprietária, da fração autónoma correspondente ao 3.º andar direito, do prédio sito na Rua C, em Lisboa (admitido);
2 - A Assembleia de Condóminos realizada em 26 de julho de 2013, deliberou a realização e adjudicação de obras de reparação das fachadas frente e traseira do prédio (cfr. doc. 11, ata 40, fls. 47 a 50, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3 - A Assembleia de Condóminos realizada 07 de fevereiro de 2014 deliberou a aprovação de uma verba adicional para as obras que estavam a decorrer (cfr. doc. 14, ata 41, fls. 59 e segs, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4 - Em 30 de setembro de 2014 reuniu a Assembleia Extraordinária de Condóminos, para efeitos de deliberação sobre obras urgentes no muro de separação do prédio contíguo (cfr, doc 15, ata 42, fls. 65 e segs.);
5 – Em 11 de dezembro de 2014 a demandante mandou colocar um plástico no terraço situado por cima da sua fração devido a infiltrações que decorreram das chuvas iniciadas em novembro de 2014 (cfr. doc. 1, fls. 25, e fotos da cobertura a fls. 110 a 116);
6 – Em 18 de dezembro de 2014 demandante a obteve um orçamento para colocação de pasta de isolamento sobre a cobertura no montante de €600,00 acrescidos de IVA, no total de €738,00 (cfr. 3, fls. 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7 – Em 20 de dezembro de 2014 a demandante entregou em mão ao administrador uma carta a informar de que tinha colocado o plástico e exigia que a administração providenciasse obras no prazo de uma semana (cfr. doc. 4, fls. 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8 – Em 26 de dezembro de 2014 o administrador respondeu por carta, junta aos autos como doc. 5, a fls. 29 e 30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9 – A demandante accionou o seu seguro alegando danos provocados por infiltrações, danos que, em 31 de janeiro de 2014, o perito estimou em €1245,20, cuja responsabilidade declinou imputando os danos a deficiente impermeabilização de fachadas (cfr. doc. 13, fls. 52 e segs.);
10 – Em 13 de janeiro de 2015 a demandante adjudicou à empresa E- Construções a reparação da cobertura no montante de €1512,90 (cfr. doc.s 7 e 8, fls. 32 e segs., afirmado pontos 7 e 8 do RI;
11 – A Assembleia de Condóminos realizada em 23 de janeiro de 2015 discutiu e apreciou as obras constando no ponto 3 da ordem de trabalhos “Análise e votação dos orçamentos referentes à reparação da placa das traseiras”, constando do ponto 5 “Obras no interior das frações atingidas pela falta de manutenção do prédio” (cfr. doc. 9, ata 43, a fls. 36 e segs, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12- Nesta assembleia o administrador informou ter entregue à ora demandante um cheque no montante relativo à despesa com a colocação da cobertura plástica e deu conta do teor da carta referida supra ponto 4 dos factos provados (cfr. doc. 9, ata 43, a fls. 36 e segs);
13 - Nesta assembleia os condóminos deliberaram aprovar o orçamento apresentado pela demandante orçamento a que esta alude no ponto 2 do requerimento inicial, deliberando que a diferença entre este orçamento e aquele que a demandante decidiu executar ficaria por sua conta (cfr. ata 43).
14 – Em junho de 2015 a demandante despendeu a quantia de €1.291,50 com pinturas do teto da sala e reparação da varanda (cfr. doc. 19, a fls. 75).
15 – A Assembleia de Condóminos realizada em 22 de janeiro de 2016, deliberou que se providenciasse orçamento para obra de retirada das escadas exteriores do terraço e respectiva adjudicação; que se execute a obra de reparação da placa/ telhado (cfr. doc. 21, ata n.º 44, a fls. 78 e segs.).

Factos não provados.
- que tenha usado recipientes para contenção da água provinda da infiltração;
- que as rachas ilustradas na foto de fls. 117 tenham sido causadas pela infiltração provinda da cobertura;
- que a firma que apresentou o orçamento referido supra ponto 3 dos factos provados só estava disponível para executar a obra daí a três meses.

Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos autos, nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual. Não foram apresentadas testemunhas.

Do Direito.
Nos presentes autos pretende a demandante que se condene o condomínio a ressarci-la na íntegra do montante de €1.512,90 relativos a obra de impermeabilização de parte da cobertura, alegando ter a haver a quantia de €774,90, dado que o condomínio só lhe pagou a quantia de €738,00; que o condomínio a indemnize no montante de €1.291,50 correspondentes a despesas com pinturas do teto da sala, reparação da varanda; que se condene o condomínio a reparar a placa – telhado por cima da sua fração; que o condomínio seja obrigado a executar a sua deliberação de 22 de janeiro de 2016, em concreto pedir orçamento para retirar as escadas exteriores e proceder à sua retirada. Pede ainda a condenação em juros vencidos e vincendos e honorários Mais pede que o julgado estabeleça prazos para o cumprimento do deliberado.
O condomínio apresentou contestação, na qual alega que nada deve à demandante uma vez que o condomínio a reembolsou quer do montante despendido com a colocação do plástico, quer relativamente ao orçamento para reparação do terraço, correspondente ao doc. 3 (a fls. 27 dos autos), o qual foi aprovado pela Assembleia de Condóminos, mau grado a demandante ter decidido adjudicar as obras de reparação do terraço com outro orçamento mais elevado, sendo que a Assembleia se recusou a pagar à demandante a diferença entre um orçamento e outro; mais diz o condomínio, que a demandante não devia ter dado inicio às obras a dez dias da realização de uma assembleia de condóminos marcada exactamente para apreciação dos orçamentos, assembleia que estava marcada para o dia 23 de janeiro de 2015, e era do conhecimento da demandante, mas que, ainda assim, foi aprovado o orçamento que a demandante apresentou e reembolsado o respetivo montante; mais diz o condomínio, que a demandante deturpa o sentido e alcance das intervenções do administrador, nomeadamente o sentido do texto da carta junta como doc. 5, a fls. 29 e 28, carta que respondia à carta de interpelação da demandante junta como doc. 4, a fls. 28, referidas supra em factos provados com teor dado por integralmente transcrito, bem como o sentido das deliberações tomadas nesta assembleia de 23 de janeiro de 2015, como se constata pela comparação do teor do art. 9.º do R.I. e do teor da ata junta a fls. 36 e segs. como doc. 9, igualmente supra referida em factos provados e dada por transcrita.
Vejamos.
Estamos perante um edifício de construção antiga e que necessita de constantes intervenções reparadoras. Estas reparações competem ao condomínio, ou seja, ao conjunto dos condóminos, entre eles, também a demandante. Dispõe o artigo 1427º do Código Civil que “as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino”. De acordo com este normativo, para que um condómino possa realizar, por sua iniciativa, obras em partes comuns do prédio e as respectivas despesas serem repartidas segundo o critério fixado no artigo 1424º do Código Civil, exige-se a reunião cumulativa de três requisitos: que não haja administrador ou que este não possa intervir, que as obras sejam indispensáveis, isto é, que sejam necessárias para garantirem uma boa conservação e fruição dessas partes comuns, e que sejam urgentes, ou seja, quando a sua não execução coloque em risco a segurança e a tranquilidade dos condóminos, ou potencie danos imediatos no prédio, devendo o grau de urgência ser sempre avaliado em função do tempo ou natureza do impedimento do administrador. O condómino que efectue as obras fora do condicionalismo imposto pelo artigo 1427º do Código Civil poderá apenas obter o seu reembolso através do enriquecimento sem causa, ou mesmo não obter qualquer reembolso, caso não se mostrem reunidos os requisitos necessários a accionar o referido instituto. Daí que a prudência aconselhe o condómino que entenda proceder a obras que incidam sobre partes comuns do edifício, ainda que as mesmas não tenham natureza inovadora, a submeter a questão ao administrador ou à assembleia de condóminos, podendo esta deliberar sobre a natureza urgente ou não das obras a realizar, assim se evitando posterior discussão acerca da natureza de tais obras e do direito ao reembolso dos seus custos por parte do condómino que as promoveu. Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 20.03.2007, “…nos termos constantes do nº.1 do art. 1430º.do C. Civil, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. Tal significa que relativamente às partes comuns, os condóminos, individualmente considerados, não se podem sobrepor ao administrador eleito, apenas podendo, nos termos consagrados no artigo 1427º., do C. Civil, proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, na falta ou impedimento do administrador (…).
Efectivamente, o administrador é um executante da vontade manifestada pelo grupo condominial e em sua representação, sendo vinculante para todos os membros. É de admitir, que era urgente colocar a cobertura de plástico em 11 de dezembro de 2014, como ilustrado nas fotos de fls. 110 a 116, obra que a demandante promoveu e o condomínio reembolsou, com parecer favorável do administrador. Já não nos convence que houvesse uma urgência tão grande que não se compadecesse com a espera de dez dias pela realização da assembleia de condóminos de 23 de janeiro de 2015, sendo que um dos pontos da ordem de trabalhos era precisamente a apreciação dos orçamentos para a obra na cobertura por cima da fração da demandante. Urgência não se confunde com necessidade. A colocação da cobertura plástica foi efectivamente uma obra urgente. O que não significa que o problema tivesse ficado resolvido em definitivo. Tanto não ficou resolvido que se entrou na fase da obtenção de orçamentos, na medida em que a obra definitiva continua a ser necessária. Porém, estando perante uma reparação necessária, o condómino poderá apenas tentar obter a sua realização através do administrador ou da assembleia. Ao administrador compete avisar e expor a necessidade urgente da reparação, o que sempre fez. Deste modo, tem razão o condomínio, ao recusar pagar o valor do orçamento que a demandante decidiu mandar executar sem submeter à apreciação e decisão da assembleia de condóminos de 23 de janeiro de 2015, podendo tê-lo feito.
Decidiu também a demandante fazer obras na sua fração imputando as despesas ao condomínio alegando que as mesmas tiveram por causa a deficiente impermeabilização das fachadas, seguindo o parecer da sua companhia de seguros que assim fundamentou a recusa da responsabilidade relativamente às mesmas. Porém, a opinião do perito da companhia de seguros não é uma sentença de um tribunal. Acresce que, resulta expresso das deliberações das assembleias de condóminos que sempre se reconheceu o direito dos condóminos, não só da demandante, a serem ressarcidos de danos provocados de infiltrações com origem nas partes comuns, tendo as decisões sido ponderadas de acordo com as disponibilidades financeiras, decisões para as quais a demandante não contribuiu porque não tomava parte das assembleias. Contudo, também resulta claro que sempre obteve acolhimento por parte do administrador o qual, com representação ou não, foi dando conhecimento aos condóminos da opinião da demandante. Ora, é consabido, que cabe ao condomínio (ou conjunto dos condóminos), reparar os danos produzidos numa fração autónoma e provenientes de uma parte comum, provando os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrentes do disposto no artigo 483.º do Código Civil, e aplicação do regime contido no art. 493º, nº 1, do CC, cabendo ao condomínio alegar e provar que não houve culpa da sua parte, ou que apesar da sua falta de culpa sempre os danos ocorreriam – cfr. o citado art. 493º, nº 1. Estas circunstâncias funcionariam como factos impeditivos do direito da demandante e, por isso, o ónus da respectiva prova cabia àquele contra quem o direito é invocado – cfr. nº 2 do art. 342º do CC. Face a este regime, não está o lesado, no caso a demandante, dispensado da prova do nexo de causalidade, o que não logrou fazer. Ou seja: a demandante mandou fazer obras na sua fração partindo da ideia de que os danos eram todos decorrentes das infiltrações. Porém, nem está provado que os danos que reparou foram provocados por infiltrações, não provou que, ainda que fossem, estas são imputadas às partes comuns, e que o valor do prejuízo eventualmente a ser ressarcido pelo condomínio era efectivamente aquele que agora reclama. Assim, e sem necessidade de mais considerações, concluímos que a pretensão da demandante, também quanto a este pedido, terá que improceder. Pede ainda a condenação do condomínio a cumprir as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos realizada em 22 de janeiro de 2016. Atento o facto da presente ação ter sido intentada em 31 de maio de 2016, e não decorrer das deliberações prazo para o cumprimento das mesmas, até à assembleia ordinária seguinte está em tempo o cumprimento da mesma (por parte do administrador, ainda que a presente ação não seja intentada contra este, nessa sua qualidade). Deste modo, para além de improcedente, esta pretensão da demandante constitui abuso de direito, nos termos em que esta figura está consagrada no artigo 334.º do Código Civil, e indicia a dificuldade da demandante em se conformar com as regras da convivência no âmbito da comunidade resultante da instituição da Propriedade Horizontal.
Face ao supra exposto, por arrasto, todas as demais pretensões formuladas pela demandante são improcedentes.

Decisão.
Em face do exposto, considero a presente ação improcedente por não provada e em consequência fica o demandado condomínio absolvido dos pedidos.

Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero a demandante parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento da quantia de €35,00, correspondentes à segunda parcela, no prazo de três dias úteis, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de €10,00 por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação ao demandado.
Julgado de Paz de Lisboa, em 11 de julho de 2017
A Juíza de Paz
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Maria Judite Matias