Sentença de Julgado de Paz
Processo: 74/2017-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: ARRENDAMENTO - VÍCIOS COISA LOCADA
Data da sentença: 07/07/2017
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral: Sentença

Relatório
A demandante X, LDA., melhor identificada a fls. 4 dos autos, intentou em 6/4/2017, contra os demandados X e X, melhor identificados a fls. 4 dos autos, ação declarativa com vista a ser indemnizada por alegado incumprimento de contrato de arrendamento, formulando o seguinte pedido:
- Ser dada como provada e procedente a presente ação e serem os demandados condenados no pagamento de €4.781,42, sendo €3.600,00 por falta de aviso prévio na denúncia do contrato, €765,00 por reparações de danos no imóvel locado e €159,90 de serviços de limpeza.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 4 a 8 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido. Juntou 22 (vinte e dois) documentos e em audiência 3 (três) documentos.
*
A demandante prescindiu da realização da sessão de pré-mediação (fls. 40).
*
Regularmente citados os demandados (fls. 47 e 48), a demandada X apresentou a contestação, de folhas 75 a 81, que se dá por integralmente reproduzida, a que o demandado X aderiu, como consta da Ata de audiência de 29/5/2017, impugnando os factos constantes do requerimento inicial e peticionando a improcedência da ação e a absolvição dos demandados. Em audiência juntaram 31 (trinta e um) documentos, sendo 30 fotografias e, em continuação, 2 (duas) fotografias.
*
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, em 29/5/2017 e 22/6/2017, com a observância das formalidades legais, como das respetivas Atas se infere.
*
Cumpre apreciar e decidir
O Julgado de Paz é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €4.781,42 (quatro mil setecentos e oitenta e um euros e quarenta e dois cêntimos).

Fundamentação da matéria de facto
Com interesse para a decisão da causa ficou provado que:
1 – A demandante é proprietária do imóvel destinado a habitação, sito na Rua de x, Lugar x, União de Freguesia de x, na Trofa, inscrito na matriz urbana sob o nº x e registado na Conservatória do registo Predial da trofa, sob o nº x.
2 – E deu de arrendamento o referido imóvel aos demandados, com contrato de duração de um ano, assinado em 8/8/2016 e com início em 1/9/2016.
3 – Ficou estipulada a renda mensal de €450,00 e acordado que o contrato seria renovado anualmente por igual período de 1 ano, se nenhuma das partes o denunciasse.
4 – Os demandados enviaram à demandante, por carta datada de 13/12/2016, correspondência com vista à resolução do contrato de arrendamento, invocando como fundamentos falta de higiene, de conforto e de condições de habitabilidade e juntando fotografias desse alegado estado deteriorado do imóvel.
5 – Em comunicação datada de 23/12/2016 da demandante, os demandados foram informados que, na data de entrega das chaves do imóvel, teriam de proceder ao pagamento de €3.600,00 por alegada falta de aviso prévio e período em falta para completar 6 meses de duração do contrato de arrendamento.
6 – Além desse montante, a demandante solicitou ainda aos demandados os custos da reparação de alegados danos no imóvel no valor de €765,00 e de serviços de limpeza de €159,90.
7 – Pagamentos que os demandados recusaram.
8 – No tempo em que habitaram o imóvel, além dos demandados existia um filho bebé do casal.
9 – Findo o contrato, o locado apresentava sinais de bolores e de falta de arejamento.
*
A matéria fática dada como provada resultou da audição das partes, dos factos admitidos, da prova testemunhal apresentada por demandantes e demandados que a seguir se mencionará, dos documentos de fls. 10 a 32, 33 (parcial), 34, 120 a 137 juntos aos autos, bem como de regras de experiência comum e critérios de razoabilidade que ajudaram a alicerçar a convicção do tribunal.
Relativamente à prova testemunhal apresentada pela demandante, o depoimento das testemunhas corroborou em suma o alegado no requerimento inicial, nomeadamente a testemunha x, engenheiro, realizou uma vistoria ao imóvel em maio de 2017 atestando as boas condições do imóvel nessa altura, não podendo atestar tais condições em data anterior, por sua vez a testemunha, x, mediador imobiliário, que foi quem tratou da locação dos autos referente ao imóvel em estado de novo, tendo sido contactado em dezembro de 2016 pelos demandados, os quais pretendiam deixar o locado, sem referir um motivo e que só numa 2ª abordagem mostraram fotos do imóvel e de roupas com bolores para fundamentarem essa decisão perante a demandante, expondo a necessidade de correções no imóvel após o arrendamento, nomeadamente ao nível de tratamento e pintura de paredes, além da mudança de puxadores e de duas portas lacadas, não tendo na entrega do locado visualizado humidades, mas bolores e sujidades; já a testemunha x corroborou o orçamento relativo a pintura de paredes e tetos e emassamento de buracos, pintura essa realizada a “eito”, como lhe solicitaram, atestando que o “caruncho” que encontrou é indicador de uma casa fechada e sem arejamento; tal como foi solicitado à testemunha x, orçamento relativo a limpeza geral do locado, mediante a área em causa, a que mandou proceder, tendo chamado a atenção para uma porta aí existente que dá para o quintal com o aspeto de muito arranhada. Todos estes depoimentos resultaram credíveis e foram considerados em termos probatórios.
Os depoimentos das testemunhas dos demandados, x, arquiteta e amiga dos demandados, expôs ter ido ao locado depois do bebé dos demandados ter nascido e ser uma casa gelada e com humidade no ar, só com um aquecedor a óleo, atestando que a humidade da habitação em causa é um problema estrutural e não relativo a falta de arejamento ou limpeza do locado, ressaltando o seu depoimento como tendencioso, pelo que não foi considerado isento do ponto de vista técnico, até por não estar munida de instrumentos técnicos para aferir a realidade que descreveu, enquanto as testemunhas x e x, relataram terem feito visitas a casa dos demandados, nomeadamente para visitarem o bebé recém-nascido dos demandados, concluindo que a casa era fria e com humidade e tinha um só aquecedor móvel, evidenciando alguma parcialidade ao aderirem à tese dos demandados, não tendo conhecimentos específicos para tal, nomeadamente relativo a níveis de humidade no ar.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a sua insuficiência ou inexistência, nomeadamente não resultou provado existir o estado de deterioração do imóvel alegado pelos demandados, originado por humidades.

O Direito
A demandante intentou a presente ação, peticionando a condenação dos demandados no pagamento de valor total de €4.781,42, relativo a quantia pela falta de aviso prévio, valor de obras necessárias para reparação do locado, além de valor relativo a limpezas do locado, alegando a demandante em sustentação desse pedido a celebração de um contrato de arrendamento para habitação com os demandados, na qualidade de arrendatários, com alegado incumprimento destes.
A locação é o arrendamento de uma coisa imóvel nos termos do disposto nos artigos 1023º e 1022º do Código Civil (“Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”), e, como negócio bilateral, emergem desse contrato direitos e obrigações para ambas as partes, nos termos dos artigos 1031º e 1038º ambos do código Civil.
O artigo 1043º, nº 1 do Código Civil dispõe que o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebe, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização em conformidade com os fins do contrato. Ainda a propósito o artigo 1044º enuncia ainda que o locatário responde pelas deteriorações da coisa, não resultantes de normal utilização do locado, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável.
Ora, o contrato de arrendamento outorgado pelas partes e junto a fls. 14 a 16 com início em 1/9/2016, teve a duração de cerca de 3 meses, considerando a carta para resolução do arrendamento dos demandados de 13/12/2016, com efeitos previstos para o fim desse mês de dezembro.
Relativamente à questão relativa a aviso prévio, atendendo ao estipulado pelo contrato de arrendamento e ao artigo 1083º do Código Civil, qualquer das partes pode proceder à resolução do contrato, com base em incumprimento pela outra parte.
Daí que os demandados tenham procedido ao envio de carta de 13/12/2016 mencionada, dirigida à demandante, comunicando a resolução do contrato por faltas de higiene, conforto e de condições de habitabilidade (vide fls. 17).
Vejamos. Como dispõe o artigo 1050º, alínea b) do mesmo código, independentemente de responsabilidade do locador, o locatário pode resolver o contrato se na coisa locada existir ou sobrevier defeito que ponha em perigo a vida ou a saúde do locatário ou dos seu familiares. Ainda nos termos do disposto no artigo 1083º, mencionado atrás, no seu nº 5, é fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado e, em geral, a aptidão deste para o uso previsto no contrato.
Assim, a existir defeito comprometedor da saúde e vida ou a habitabilidade do locado e a sua aptidão para o fim habitacional, incumbiria ao locatário comunicar e comprovar os defeitos do locado.
Constata-se que nos autos a única comunicação existente dos demandados para a demandante é a de 13/12/2016, de fls. 17, para resolução do contrato de arrendamento, inexistindo comunicação prévia relativa a defeitos do locado, no que concerne a falta de condições de habitabilidade.
Por outro lado, da prova produzida nos autos, carece existir prova relativa a defeitos do locado. Ademais, o contrato de arrendamento celebrado em 8/8/2016, com início reportado a 1/9/2016, tinha o estado atual de novo, como se infere da sua cláusula sexta. Por outro lado, consta da mesma cláusula, a existência de aquecedores elétricos que fazem parte do arrendado, sendo alheio ao locador o facto de serem ou não ligados pelos locatários e no caso positivo, possibilitando, em época mais invernosa, um maior grau de conforto aos seus habitantes, o que não terá ocorrido dado o seu não uso pelos demandados.
Entende-se assim que as fotografias juntas aos autos com bolores em roupas, móveis e reportando-se a alegados defeitos no imóvel, são indiciadoras de faltas de arejamento e cuidados de higiene e limpeza, pelo que não podem ser imputáveis ao locador. Ademais quando se constatou que os meses de novembro e parte de dezembro de 2016, foram a altura mais fria vivida nesse locado, não se compadecendo o grau de degradação relatado pelos demandados com o estado de novo do imóvel constatado no mês de agosto desse ano. Pelo que se conclui que os fundamentos usados pelos demandados para resolução contratual não foram comprovados, tendo resultado em incumprimento contratual, dada a inexistência de defeitos ou desconformidades do locado.
Ora, nos termos do artigo 1098º do código Civil, os demandados apenas poderiam ter denunciado o contrato de arrendamento após 6 meses de duração efetiva e com antecedência mínima de 120 dias, ao que os demandados não deram cumprimento, obrigando ainda ao pagamento das rendas correspondentes ao pré-aviso em falta, incorrendo então no pagamento do valor de 6 meses, acrescido de 2 meses, numa total de €3.600,00 (€450,00 X 8meses), considerando a contratualização por 1 ano e a resolução pelos arrendatários no 4º mês de vigência contratual, procedendo nessa medida o primeiro pedido da demandante relativa a valores em falta relativos a aviso prévio.
Quanto à obrigação de indemnizar prevista no artigo 562º do Código Civil, relativamente ao peticionado ao nível de eventuais danos do locado causados pelos demandados, como ponto prévio refira-se que na causa de pedir a demandante não discrimina esses danos, reportando a necessidade da pintura interior da habitação, a prova testemunhal e a um orçamento datado de 1/1/2017, no valor de €600,00 e de reparação de portas de alumínio lacado no valor de €165,00, somando o valor de €765,00 além de IVA, nomeando ao nível da pintura de tetos e paredes, além de retoques e tapagem de buracos, bem como reparação de portas lacadas após o tempo de locação. Ora se atentarmos na resposta relativa a reparações no arrendado por parte dos demandados, em carta de 30/1/2017, na alínea e), junta aos autos a fls. 121 e 122, os mesmos aceitam a existência de paredes que tiveram de ser emassadas, pelo que contrapuseram o valor de €350,00 para essas reparações. Assim, entende-se o valor dado em missiva pelos demandados de €350,00 como razoável, na medida em que por exemplo os tetos não teriam, do nosso ponto de vista, que ser repintados, considerando-se este valor como justo e equitativo, dado o disposto no artigo 566º, nº 4 do Código Civil, dada a impossibilidade de averiguar o valor exato de danos. Acresce àquele valor de €350,00, a quantia de €165,00, relativa a portas lacadas, cuja necessidade de reparação ficou comprovada. Pelo que, a título de reparação de danos fixa-se o valor de €350,00, além do valor de €165,00, da responsabilidade dos demandados no valor global de €515,00
No que concerne despesas relativas a limpeza com o locado, entende-se que após um arrendamento haja necessidade do locador proceder a limpeza geral do locado, com vista à sua habitabilidade, no entanto entende-se que, em condições normais no fim de um arrendamento, essa é responsabilidade do locador e não dos arrendatários, a não ser que estes tivessem deixado o locado com lixos significativos, o que também não foi alegado, nem ficou comprovado, pelo que improcede o peticionado (€159,90) a título de limpezas.
Assim sendo, considera-se que os demandados são responsáveis pelo pagamento do valor de €3.600,00 relativo a falta de aviso prévio como acima ficou mencionado, além de valor de reparações de €515,00, donde entende-se quanto a juros que, verificando-se um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros legais a contar do dia de constituição de mora (artigo 806º do Código Civil). Peticionando os demandantes juros de mora à taxa legal, são devidos os juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4% (artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril), desde a data de citação dos demandados ocorrida em 12/4/2017 até efetivo e integral pagamento.
Face a tudo o que antecede, procede parcialmente a pretensão apresentada pela demandante.

Decisão
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno os demandados X e X a pagar à demandante o valor de €4.115,00 (quatro mil cento e quinze euros), além de juros à taxa legal de 4% desde 12/4/2017 até integral pagamento, indo no mais absolvidos.

Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno demandantes e demandados no pagamento de custas no valor de €70,00 (setenta euros), na proporção arredondada de cerca de 1/10 de responsabilidade para a demandante (face ao decaimento), na quantia de €7,00 (sete euros) e de cerca de 1/10 de responsabilidade para os demandados, na quantia de €63,00 (sessenta e três euros).
Assim sendo, tendo os demandados pago a taxa inicial de €35,00, devem ainda pagar o valor de €28,00 (vinte e oito euros) de custas, no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso, comprovando perante este Julgado o seu pagamento.
Proceda ao reembolso à demandante do valor de €28,00 (vinte e oito euros), dado o pagamento de taxa inicial de €35,00.
*
A Sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei nº 54/2013.
Na data e hora da leitura da sentença – 7/7/2017, pelas 16H30 – não estiveram presentes as partes e mandatários, pelo que se procede a notificação postal.
Notifique.
Registe.
Julgado de Paz da Trofa, em 7 de julho de 2017
A Juíza de Paz (em acumulação),
(Iria Pinto)