Sentença de Julgado de Paz
Processo: 253/2016-JP
Relator: MARGARIDA SIMPLÍCIO
Descritores: AÇÃO RESPEITANTE A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL - INDEMNIZAÇÃO POR ACIDENTE DE ACIDENTE.
Data da sentença: 03/13/2017
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA


Processo n.º 253/2016 – J.P.
RELATÓRIO:
O Demandante: N. V. da C. C., NIF. xxxxxxxxx, residente no c. dos L., porta 16, no concelho de Machico.
Encontra-se representado por mandatário constituído, com domicílio profissional na C. da E., n.º 5, 3.º F, Edif. E., no concelho do Funchal.
Requerimento Inicial: Alega em síntese que, é proprietário de uma bicicleta de marca Mondraker, modelo Podium Carbon Pro, adquirida no ano 2014. Que tal velocípede veio à sua propriedade por compra e venda na loja especializada BTT Madeira Bicicletas, Acessórios e Oficina. Que sempre praticou vários desportos, nomeadamente orientação onde foi por diversas vezes campeão, BTT, Cross Country, entre outros. Esta bicicleta de características muito especiais e específicas custou a quantia de 2.403, 62 € (dois mil, quatrocentos e três euros e sessenta e dois cêntimos). Foram efetuadas uma série de melhorias no bem, melhor identificadas nos documentos n.º 2 e 3, pelo que passou a valer aproximadamente 4.250,00 € (quatro mil, duzentos e cinquenta euros), com vista à sua durabilidade. Que além disso, as práticas desportivas de BTT e Cross Country exigem algumas especificidades na própria bicicleta. O demandante tem necessidade de ter uma boa bicicleta de modo a poder enfrentar a dureza dos percursos das provas de BTT, constituídos por pedras, saltos, raízes, lama, troncos, terra batida entre outros elementos. Esta é a única bicicleta de que o demandante dispõe. No dia 26 de agosto de 2015, pelas 11h30, o demandante circulava a baixa velocidade na faixa destinada ao seu sentido de trânsito, na zona do Palheiro Ferreiro, concelho do Funchal. Que circulava em cumprimento das regras dispostas no Código de Estrada, ao aproximar-se da Estrada Regional 102, no sentido descendente, o veículo de marca Mitsubishi, modelo Canter, pertencente a C. S. A., e segurado pela demandada (Apólice: ------------), por razões que o demandante desconhece, mas que só se podem dever à falta de atenção do seu condutor, atravessou repentinamente e abruptamente, sem verificar se vinham peões ou velocípedes na rua. O veículo de marca Mitsubishi embateu frontalmente na bicicleta do demandante, abalroando-o abruptamente bem como á sua bicicleta. Em resultado desse embate, como consequência direta e necessária, o demandante ficou inconsciente, sofreu diversas lesões, hematomas e escoriações por todo o seu corpo. Estas lesões motivaram a sua imediata condução ao Serviço de Urgências do Hospital Dr. X, onde ficou internado até à noite. No Serviço de Urgências, o demandante foi suturado em diversas feridas, nomeadamente na face, foi sujeito a múltiplos exames radiológicos e foi medicado, e só voltou a estar consciente umas horas depois. As lesões que sofreu provocaram-lhe intensas e prolongadas dores físicas, tanto no momento do acidente como no decurso do período de recuperação. Além das dores propriamente ditas, o demandante sentia grandes dificuldades em movimentar o corpo, nomeadamente ao nível do joelho esquerdo, o que passou a ser fonte de enorme limitação nos seus movimentos e atividades. Porém, esta situação agrava-se quando se encontrava deitado, pelo que passou diversos dias e noites sem dormir. Por outro lado, as limitações físicas de que o demandante padeceu levaram a que não conseguisse realizar por si as mais simples tarefas diárias, quer pessoais, quer profissionais. A violência do impacto foi de tal ordem, que a bicicleta do demandante ficou completamente destruída, sendo de referir que ficou partida em dois, além dos restantes bens que ficaram danificados como consequência direta do acidente. No local do acidente, a via tem uma largura de cerca de seis metros e o local tem boa visibilidade. O local onde ocorreu o acidente apresentava excelente iluminação, onde a circulação de veículos se efetiva por um via de dois sentidos de trânsito, asfaltada e em bom estado. Nesse dia o céu estava limpo e sem precipitação. Neste acidente foram intervenientes a viatura do segurado da demandada e a bicicleta do demandante (e o próprio). A bicicleta do demandante era por si conduzida e o veículo ligeiro de mercadorias acima identificado que embateu frontalmente com a mesma era conduzido por um trabalhador da C S A. A A. S., ora demandada, por carta datada de 25 de setembro de 2015, assumiu a responsabilidade pelos prejuízos resultantes do referido acidente. De facto, qualquer condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo quando necessário. A conduta do condutor segurado na demandada ao embater na bicicleta do demandante praticou um facto ilícito, pois violou o Código da Estrada, não mantendo a distância suficiente entre o seu veículo e a bicicleta do demandante, nem regulou a velocidade face ás circunstâncias do caso, de modo a evitar o acidente. Além disso, o condutor do veículo segurado na demandada atuou culposamente, pois um condutor médio, colocado naquela situação, apenas teria circulado com velocidade adequada e avançado com cautela, evitando o acidente, pelo que se conclui que, o homem médio numa situação equivalente, teria abrandado a velocidade do veículo antes de mudar de direção. Assim, a viatura segurada pela demandada foi a única e exclusiva culpada pelo acidente em questão, dado que podia ter evitado o embate, motivo pelo que recai sobre a demandada a obrigação de indemnizar pelos danos provocados pelo acidente. A PSP deslocou-se ao local e verificou a existência do acidente. O demandante ficou inconsciente e foi levado com urgência de ambulância para o hospital e a sua bicicleta ficou inutilizada. Em virtude do acidente, o demandante recolheu a casa, onde ficou de baixa durante um período de 18 dias, além dos restantes dias que solicitou à entidade patronal por não se encontrar em condições para trabalhar. O demandante é militar do Exército Português, no qual exerce as funções de soldado no Regimento de Guarnição n.º 3 do Funchal. O demandante deixou de realizar alguns trabalhos e exercícios no seu local de trabalho, porque se fizer muitos esforços sente imensas dores no joelho esquerdo. Em consequência do acidente foi diagnosticado ao demandante uma lesão no joelho esquerdo, o que tem vindo a limitar o exercício da sua profissão pois exige-lhe grande esforço físico, essencialmente nos exercícios de coordenação física. Pelo que, o médico aconselhou o demandante a fazer fisioterapia durante aproximadamente três meses. De acordo com a ressonância magnética que o demandante realizou ao joelho esquerdo, acusou um traumatismo no mesmo. O demandante refere por vezes sentir a existência de um corpo estranho e dor ao toque junto da cicatriz que sofreu no rosto. O TC realizado às órbitas detetou um pequeno corpo estranho hiperdenso em localização lateral no tecido celular subcutâneo da pálpebra inferior à esquerda. O demandante aumentou significativamente de peso, pelas dificuldades que sente ao realizar o exercício físico a que estava habituado antes do acidente. O demandante apresenta outras cicatrizes, essencialmente no rosto, com cerca de 2 centímetros de comprimento, perfeitamente visíveis e percetíveis, o que o desfeia e lhe causa grande incomodidade e desgosto. Em consequência direta do embate resultaram danos materiais na bicicleta, ficando o demandante impossibilitado permanentemente de circular nela. Os danos verificados na bicicleta são da responsabilidade exclusiva do segurado que atuou com negligência. Desde que ocorreu o acidente, fruto do enorme susto que então apanhou e dos momentos de pânico que viveu, o demandante nunca mais foi o mesmo, tendo frequentemente pesadelos, dormindo com dificuldade ou passando noites em claro. Além disso, nunca mais conseguiu treinar para as provas para as quais se preparava antes do acidente, ficando impedido de voltar a participar nas mesmas, devido ás dores no joelho esquerdo que passou a sofrer. Na sequência do acidente, o demandante deve ser ressarcido das seguintes despesas na quantia total de 945,40€ (novecentos e quarenta e cinco euros e quarenta cêntimos) que desde já peticiona a título de danos patrimoniais: valor de 175€ pelos danos causados no telemóvel da marca T Sony Xperia M 3G PRE MEO que ficou inutilizado em virtude do acidente; o valor de 191,10€ pelas despesas pagas pela prestação de serviços de ambulância; o valor de 27€ pelas despesas com ressonância magnética ao joelho esquerdo; o valor de 86,85€ pela Camisola Saxo Tinkoff; o valor de 297,45€ pelos sapatos Specialized SW RD; o valor de 168€ pelo capacete Urge Down O Matic UB MMC. Em outubro de 2015, a demandada informou o demandante que o veículo se encontrava em situação de perda total e que a indemnização terá por base o montante de 595€, montante correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente, tendo ainda solicitado que fosse gerada prova quanto à existência e origem dos danos provocados em consequência do sinistro. O demandante replicou que não concorda com o valor de 595€ atribuído à bicicleta, uma vez que com esse valor ele jamais poderá adquirir um veículo igual ou outro semelhante, nas mesmas condições em que se encontrava antes da ocorrência do sinistro. Em resposta, a demandada aceitou ressarcir o demandante do seguinte: 700€ euros pelos danos na bicicleta, ficando o salvado na posse do demandante; 500,30€ pelos danos nos ténis, roupa e capacete; e o valor de 1.073,41€ por danos biológicos (danos corporais). O demandante não concorda com esses valores face à factualidade descrita. A demandada enviou a cópia do exame de avaliação do dano corporal. Na sequência de ter sido declarado, pela própria demandada, perda total da bicicleta, em virtude do acidente supramencionado, o demandante requer o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de 4.250€ (quatro mil, duzentos e cinquenta euros). No caso em apreço a reconstituição natural dos bens supra descritos não é possível, uma vez que ficaram totalmente destruídos em virtude do acidente, pelo que a indemnização deve fixada em dinheiro, de forma justa e equilibrada. A bicicleta e os restantes bens que o demandante trazia consigo aquando do acidente estavam em muito bom estado de conservação e sem qualquer dano ou avaria. Além disso, o demandante está privado do uso da sua bicicleta desde o dia do acidente, esta privação causou elevados danos, nomeadamente perturbações e incómodos na sua vida pessoal, significando assim, perda de qualidade de vida. A privação do uso da sua viatura prejudicou o demandante no seguinte: ficou impossibilitado de concretizar atividades diárias básicas; ficou privado das suas atividades de tempo livre; ficou impedido de comparecer a diversos eventos sociais e convívios com amigos e familiares; ficou impedido entrar nas competições. O demandante requer o pagamento de uma indemnização na quantia de 800€ pela privação de uso da bicicleta desde o dia 26/08/2015 até à presente data, designadamente o período em que esteve impossibilitado de utilizar a bicicleta para os fins a que habitualmente era afeto. O demandante pede que seja compensado numa quantia nunca inferior a 8.500€ (oito mil e quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais, todos eles decorrentes do referido acidente e das respetivas sequelas, que pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, pela perda de qualidade de vida, dores, transtornos causados, noites mal dormidas, ansiedade e stress que a situação exposta causou. Conclui pedindo que a demandada seja condenada a: A) Proceder ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais na quantia 8.500,00 €, pela perda de qualidade de vida, dores, transtornos causados, noites mal dormidas, ansiedade e stress que a situação exposta causou; B) Proceder ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de 4.250€, relativo aos danos na Bicicleta, da marca Mondraker, modelo Podium Carbon Pro, por se encontrar em situação de perda total como consequência direta do sinistro ocorrido no dia 26/08/2015, concelho do Funchal; C) Proceder ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de 945,40€ referente às despesas melhor identificadas no artigo 54.º do presente requerimento; D) Proceder ao pagamento de uma indemnização de 800€ pela privação de uso da bicicleta desde o dia 26/08/2015 até à presente data, designadamente o período em que esteve impossibilitado de utilizar a bicicleta para os fins a que habitualmente era afeto; E) Proceder ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de 500€ para retirar cirurgicamente um pequeno corpo estranho hiperdenso em localização lateral no tecido celular subcutâneo da pálpebra inferior à esquerda; F) Acrescido de juros civis, desde a citação e até efetivo e integral pagamento. Junta: 49 documentos.

MATÉRIA: Ação respeitante a responsabilidade civil extracontratual, enquadrada no art.º 9, n.º 1, alínea H) da L.J.P.
OBJETO: Indemnização por acidente de acidente.
VALOR DA AÇÃO: 14.995,40€.

DEMANDADA: A. S. S.A., NIPC. xxxxxxxxx, com sede no L da M., 45/52, no concelho da Ponta Delgada, Açores.
Encontra-se representada por mandatária constituída, com domicílio profissional na Av. X., Torre 1, piso 2, sala 5, no concelho de Lisboa.
Contestação: Alega em suma que, confirma a existência de um contrato de seguro, do ramo automóvel, celebrado com R J R de C, Lda., titulado pela Apólice n.º ---------- referente ao veículo de matrícula xx-xx-FC, cuja responsabilidade civil emergente da circulação deste veículo, se encontra transferida para a demandada. Que confirma a ocorrência de um acidente de viação, no dia 26 de agosto de 2015, pelas 11h30, no cruzamento entre a Estrada Regional 102 e o caminho dos Tanques, junto ao n.º 198, no Funchal. Que foram intervenientes no acidente o velocípede sem motor, propriedade do demandante e conduzido por si, e o veículo de matrícula xx-xx-FC, seguro na demandada, conforme participação de acidente de viação. Que o condutor do veículo seguro na demandada, circulava na Estrada Regional 102, no sentido sul/norte. Que, quando chegado ao cruzamento formado por esta via, e o caminho dos Tanques, abrandou a marcha junto ao eixo da via, e no momento em que mudava de direção à esquerda, a fim de circular no caminho dos Tanques foi embatido na frente do lado esquerdo, pela parte frontal do velocípede propriedade do demandante, que circulava em sentido de marcha contrário ao veículo seguro na demandada. Que a demandada assumiu oportunamente a responsabilidade decorrente do sinistro. Que a demandada aceita que o demandante tenha sofrido danos em consequência da verificação do presente sinistro. Que considera que os montantes peticionados se afiguram manifestamente excessivos, desproporcionais e desprovidos de fundamento. Que o velocípede do demandante foi objeto de uma peritagem tendo sido considerado perda total, sendo atribuído como valor venal a quantia de 700€, e como salvado 105€. Que tendo o velocípede propriedade do demandante, sido considerado perda total, não se percebe o montante de 4.250€ peticionado pelo demandante. Que uma vez que são realidades manifestamente incompatíveis entre si, e portanto alternativas, dado que, se um veículo é considerado perda total, é porque a sua reparação se afigura inviável. Que de acordo com o relatório de peritagem estimou-se que o custo de reparação da bicicleta propriedade do demandante ascende a 3.927,42€, um montante manifestamente superior ao valor venal do velocípede. Ademais, e também pelo mesmo motivo, não se poderá fazer, no presente caso, qualquer consideração a título de privação do uso, tendo inclusivamente, o ora demandante sido informado a 8 de outubro de 2015 que o velocípede foi considerado perda total. Impugna o montante de 800€ peticionados pelo demandante a este título. No que concerne ao montante de 945,40€ peticionados pelo demandante, em virtude dos objetos alegadamente danificados em consequência do sinistro, sempre se dirá que a quantia de 168€ não se encontra alicerçada de qualquer comprovativo, pelo que se impugna. Que no que respeita ao montante de 175€ requeridos a título de danos causados no telemóvel, sempre se dirá que resulta claro da fatura junta pelo demandante, que esta quantia corresponde ao valor de aquisição do equipamento em 17 de janeiro de 2014, pelo que naturalmente terá de ser feita uma desvalorização de 20% decorrente da sua normal utilização desde a data de aquisição até ao momento do acidente. Ademais, o demandante alega ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica, para retirar um pequeno corpo estranho hipertenso em localização lateral no tecido celular subcutâneo da pálpebra inferior à esquerda, situação que a demandada desconhece, o que muito se estranha, dado ter acesso à sua informação clínica, peticionando a esse título uma indemnização no valor de 500€, sem para tanto apresentar qualquer elemento que permita atestar tal ocorrência, pelo que também este pedido, aqui se impugna. Que no que concerne aos danos não patrimoniais, os serviços clínicos da demandada procederam à avaliação do dano corporal sofrido pelo demandante, tendo fixado um IPP de 1 ponto, e Quantum Doloris de 2, conforme Relatório Médico, tendo a demandada, nessa sequência, proposto ao demandante o valor total de 1.073,41€ a título de dano biológico. Que considera que o montante de 8.500€ peticionado, afigura-se manifestamente excessivo e desproporcionado face a toda a dinâmica do sinistro e respetivas consequências para o demandante. Conclui: pela improcedência da ação, por não provada com absolvição da demandada do pedido, com as legais consequências daí advenientes. Junta: 6 documentos.
TRAMITAÇÃO:
Não se realizou sessão de pré-mediação, por ausência da demandada.
O Tribunal é competente em razão do território, do valor e da matéria.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
O processo está isento de nulidades que o invalidem na sua totalidade.

AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO:
Foi iniciada, dando cumprimento ao disposto no art.º 26, n.º 1 da L.J.P., sem obtenção de consenso entre as partes. Seguiu-se para produção de prova com audição de testemunhas, terminando com alegações finais, conforme ata de fls. 111 a fls. 113 e de fls. 116 a fls. 118.

- FUNDAMENTAÇÃO –
I – FACTOS ASSENTES (Por Acordo):
A) No dia 26 de agosto de 2015, pelas 11h30, o demandante circulava a baixa velocidade na faixa destinada ao seu sentido de trânsito, na zona do Palheiro Ferreiro, concelho do Funchal.
B) Que ao aproximar-se da Estrada Regional 102, no sentido descendente, o veículo de marca Mitsubishi, modelo Canter, pertencente à Casa Santo António, segurado pela demandada (Apólice: ----------------).
C) Em resultado desse embate, como consequência direta e necessária, o demandante ficou inconsciente, sofreu diversas lesões, hematomas e escoriações por todo o seu corpo.
D) Sucede que, a violência do impacto foi tal que a bicicleta do demandante ficou completamente destruída, sendo de referir que ficou partida em dois, além dos restantes bens que ficaram danificados como consequência direta do acidente.
E) Nesse acidente foram intervenientes a viatura do segurado e a bicicleta do demandante (e o próprio).
F) Que a bicicleta do demandante era por si conduzida e o veículo ligeiro de mercadorias acima identificado que embateu frontalmente com a mesma era conduzido por um trabalhador da Casa Santo António.
G) Que a A. S., ora demandada, por carta datada de 25 de setembro de 2015, assumiu a responsabilidade dos prejuízos resultantes do referido acidente.
H) A PSP deslocou-se ao local e verificou a existência do acidente.
I) O demandante ficou inconsciente e foi levado com urgência de ambulância para o hospital e a sua bicicleta ficou inutilizada.
J) Que de acordo com a ressonância magnética que o demandante realizou ao joelho esquerdo acusou um traumatismo no mesmo.
K) Como consequência direta do embate resultaram danos materiais na bicicleta, ficando o demandante impossibilitado permanentemente de circular nela.
L) Em outubro de 2015, a demandada informou o demandante que o veículo se encontra em situação de perda total e que a indemnização terá por base o montante de 595€, montante correspondente ao valor venal do veículo antes do acidente.
M) O demandante solicitou que fosse gerada prova quanto à existência e origem dos danos provocados em consequência do sinistro.
N) O demandante replicou que não concorda com o valor de 595€ que foi atribuído à bicicleta, uma vez que com esse valor ele jamais poderá adquirir um veículo igual ou outro semelhante nas mesmas condições em que se encontrava antes do sinistro.
O) Que em resposta, a demandada aceitou ressarcir o demandante do seguinte: 700€ pelos danos na bicicleta, ficando o salvado na posse do demandante; 500,30€ pelos danos nos ténis, roupa e capacete; e, 1.073,41€ por danos biológicos (danos corporais).
P) Que a demandada enviou a cópia do exame de avaliação do dano corporal ao demandante.

II – DOS FACTOS PROVADOS:
1) O demandante é proprietário de uma bicicleta de marca Mondraker, modelo Podium Carbon Pro.
2) A bicicleta foi adquirida na loja BTT Madeira Bicicletas, Acessórios e Oficina.
3)O demandante sempre praticou vários desportos, nomeadamente orientação onde foi diversas vezes campeão, BTT, Cross Country.
4) A bicicleta de caraterísticas muito especiais e específicas custou ao demandante a quantia de 2.403,62€.
5) Que foram efetuadas uma série de melhorias no velocípede.
6) Que nas melhorias o demandante despendeu o valor de 886,28€.
7) Que as práticas desportivas de BTT e Cross Country exigem algumas especificidades na própria bicicleta.
8) O demandante tem necessidade de ter uma boa bicicleta de modo a poder enfrentar a dureza dos percursos das provas de BTT.
9) Que os percursos são constituídos por pedras, saltos, raízes, lama, troncos, terra batida, entre outros elementos.
10) Sendo esta a única bicicleta que o demandante possui.
11) Existe o contrato de seguro, do ramo automóvel, celebrado com R J R de C., Lda., titulado pela Apólice n.º ----------- referente ao veículo de matrícula xx-xx-FC, cuja responsabilidade civil emergente da circulação deste veículo, se encontra transferida para a demandada.
12) Foram intervenientes no acidente o velocípede sem motor, propriedade do demandante e conduzido por si, e o veículo de matrícula xx-xx-FC, seguro na demandada, conforme participação de acidente de viação.
13) O velocípede propriedade do demandante, foi objeto de uma peritagem tendo sido considerado perda total, sendo atribuído como valor venal a quantia de 700€ e como salvado o valor de 105€, tal como relatório de peritagem e carta enviada pela demandada ao demandante.
14) Aquando do acidente, e tendo em conta as caraterísticas da bicicleta nesse momento, esta teria um valor patrimonial de 3.000€.
15) As lesões sofridas no acidente, pelo demandante, motivaram a sua imediata condução ao serviço de urgências do Hospital Dr. X, onde ficou internado até à noite.
16) As lesões que o demandante sofreu provocaram-lhe intensas e prolongadas dores físicas, tanto no momento do acidente como no decurso do período de recuperação.
17) Além das dores, o demandante sentia grandes dificuldades em movimentar o corpo, nomeadamente ao nível do joelho esquerdo, o que passou a ser fonte de limitação nos seus movimentos e atividades.
18) Que as limitações físicas de que o demandante padeceu levaram a que não conseguisse realizar por si as meias simples tarefas diárias, quer pessoais, quer profissionais.
19) Que, em virtude do acidente, o demandante ficou inconsciente e foi levado com urgência de ambulância para o hospital e a sua bicicleta ficou inutilizada.
20)O demandante é militar do Exército Português (no momento do acidente).
21) O demandante deixou de realizar alguns trabalhos e exercícios no seu local de trabalho, porque se fizesse muitos esforços sentia imensas dores no joelho esquerdo.
22)O médico aconselhou o demandante a fazer fisioterapia durante aproximadamente 3 meses.
23) Que o TC realizado às órbitas detetou um pequeno corpo estranho hiperdenso em localização lateral no tecido celular subcutâneo da pálpebra inferior à esquerda.
24) o demandante apresenta outras cicatrizes, essencialmente no rosto, com cerca de 2 centímetros de comprimento, perfeitamente visíveis e percetíveis.
25)O que o desfeia e lhe causa grande incomodidade e desgosto.
26) Desde que ocorreu o acidente, o demandante nunca mais foi o mesmo.
27) O demandante pagou 191,10€ pela prestação de serviços de ambulância.
28) O demandante pagou 27,00€ pela ressonância magnética ao joelho esquerdo.
29) Os ténis, roupa e capacete que o demandante vestia aquando do acidente, que ficaram inutilizados custaram 457,38€.
30) A bicicleta e os restantes bens que o demandante trazia consigo no momento do acidente estavam em muito bom estado de conservação e sem qualquer dano ou avaria.
31) Os serviços clínicos da demandada procederam à avaliação do dano corporal sofrido pelo demandante, tendo fixado um IPP de 1 ponto, e Quantum Doloris de 2, conforme Relatório Médico.
32) A demandada propôs o valor de 1.073,41€ a título de dano biológico.
33) Em consequência do acidente e das respetivas sequelas, o demandante perdeu qualidade de vida, tem dores de cabeça e no joelho, ficou privado das suas atividades de tempo livre e ficou impedido de entrar em competições, no valor de 3.000€.
34) Desde 26/08/2015 que, o demandante está privado do uso do velocípede.

MOTIVAÇÃO:
A factualidade dada como provada resultou da conjugação dos factos admitidos por acordo, dos documentos juntos aos autos, pela prova testemunhal e pelas regras da experiência comum.
Todas as testemunhas apresentadas pelo demandante demonstraram ter conhecimento pessoal dos factos que vieram testemunhar e depuseram com isenção, prestando os seus depoimentos de forma clara, credível e convicta.
A testemunha, M S B V V. auxiliou na prova dos factos com os números: 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 33 e 34.
A testemunha, P D V. V., auxiliou na prova dos factos com os números: 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26, 30, 33 e 34.
A testemunha, D V C. V., auxiliou na prova dos factos com os números: 3, 4, 5, 7, 8, 10, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 33 e 34.
A testemunha, L P. F. F., auxiliou na prova dos factos com os números: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 14, 33 e 34.
A testemunha, J. T. B., auxiliou na prova dos factos com os números: 3, 16, 17, 18, 20, 21, 24, 25, 26, 33 e 34.
A testemunha da demandada, F M R M, perito do ramo automóvel da Companhia de Seguros, não foi a pessoa que fez a peritagem ao veículo, pelo que se tratou de um depoimento indireto, sendo assim irrelevante, em nada auxiliando na prova dos factos.

III – DO DIREITO:
O caso prende-se com um acidente de viação ocorrido entre dois veículos, sendo a situação regulada pelos arts.º 483 e sgs do C.C. e complementada pelas disposições do C. da Estrada.
Uma vez que a demandada assumiu a responsabilidade pelo sinistro é desnecessária estar novamente a apurá-la, por isso limitamos os autos aos danos sofridos pelo demandante, enquadrado no respetivo pedido indemnizatório.
A trave mestra da reparação do dano ao nível civil rege-se pelo princípio da reposição ou reconstituição natural (art.º 562, do C.C.), o qual se traduz na obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o dever de repor as coisas na situação em que estariam caso o evento lesivo não se tivesse produzido. Tal princípio legitima o lesado a exigir a reparação, sempre que tal não for desaconselhado tecnicamente, por questões de segurança. Ou seja, a questão a apreciar está próxima da controvertida questão do direito à reparação dos danos em veículo sinistrado versus perda total quando o valor daquela é superior ao valor venal do veículo, quer dizer ao valor de venda que o veículo tem no mercado.
Ora, o Demandante peticiona a título de indemnização patrimonial pelo dano causado ao velocípede o valor de 4.250€, aceitando que existiu perda total do veículo. A demandada entende ser o valor referido pelo demandante excessivo, alegando que o valor patrimonial deste, já contabilizados os extras incorporados, é de 700€, ficando o salvado na posse do demandante.
A medida da indemnização em dinheiro deve refletir a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e que existiria na data, se não fossem os danos, abrangendo todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Para a fixação do valor patrimonial do veículo supra fixado, o Tribunal atendeu aos documentos juntos por ambas as partes, sobretudo DOC. 1, 2 e 3 juntos ao requerimento inicial, bem como à produção de prova testemunhal efetuada.
As faturas apresentadas como DOC. 1 e 2 perfazem o montante de 2.689,86€ dizem respeito ao ano de 2005 e a fatura apresentada como DOC. 3, perfaz o montante 600,04€, diz respeito ao ano de 2014, pelo que perfazem o montante global de 3.289,90€.
Claro está, aqui estão apenas contabilizados os valores das peças, uma vez que a montagem do velocípede foi realizada pelo demandante e um amigo, que foi apresentado como testemunha e corroborada por outras.
Pelo que, se fôssemos atribuir, ainda que equitativamente, um valor à mão-de-obra usada na montagem do velocípede, e caso este tivesse sido adquirido numa casa da especialidade, com as exatas caraterísticas do veículo em questão, o seu valor seria muito superior.
O valor venal atribuído ao veículo foi fixado em 700€, sendo que o valor venal é o valor que o bem teria no mercado, se o seu proprietário pretendesse transacioná-lo ou vendê-lo à data do sinistro.
O demandante pretende, e com razão, um valor justo que lhe permita comprar um velocípede de características semelhantes, considerando nomeadamente o valor de mercado do seu veículo no momento antes do acidente. Era ao demandante que cabia provar os factos por si alegados, concretamente, os respeitantes ao valor do velocípede à data do sinistro.
A testemunha do demandante, L P. F. F., foi funcionário de uma loja de bicicletas e “montou” a bicicleta juntamente com o demandante. Testemunhou que o demandante despendeu mais de 4.500€ na bicicleta, tendo em consideração o valor das peças e mão-de-obra.
No entanto, atendendo ao tipo de material em causa (liga de titânio e carbono), contrariamente ao que foi considerado pela demandada na sua peritagem, este tipo de material não sofre o desgaste como acontece nos veículos automóveis. Praticamente não sofre qualquer desgaste, o que resulta da experiência comum. Assim, a peritagem enferma deste vício, já que teve apenas em consideração o valor que o velocípede teria no mercado, como se fosse uma bicicleta vulgar. O que, no caso em apreço não corresponde à realidade, conforme resulta dos factos provados com os n.ºs 1, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 14, trata-se de uma bicicleta com caraterísticas específicas, já que se destinava a práticas desportivas de BTT e Cross Country.
De facto, o perito do ramo automóvel, testemunha apresentada pela demandada não soube explicar o relatório da peritagem, até porque não foi ele que o fez, não sabendo quais os critérios utilizados para fixar aquele valor venal. O documento perde assim a sua credibilidade, uma vez que não foi explicado os critérios usados, tendo por base apenas o ano do velocípede e a questão de se tratar de um bem usado, não teve em consideração as caraterísticas específicas do velocípede e os fins a que se destinava.
Na realidade, o demandante nunca poderia vir a adquirir um velocípede para praticar BTT e Cross Country com o montante que a demandada pretende lhe atribuir, o valor de 700€. E, era para esse fim, que o velocípede do demandante se destinava, práticas desportivas exigentes, enfrentando percursos com pedras, saltos, raízes, lama, troncos, terra batida, entre outros elementos.
No caso vertente, o que sucede é que o demandante, lesado, aceita a perda total, mas não se conforma com o valor indemnizatório que a demandada lhe quer impor.
O valor atribuído pela demandada é manifestamente inferior ao de um velocípede com a mesmas caraterísticas à data do acidente em 2015, que como já se referiu, era destinado à prática desportiva de BTT e Cross Country.
Na realidade, o velocípede ficou de tal forma danificado que determinou a sua perda total, algo que ambas as partes concordam.
Porém, quanto ao valor e tendo em consideração tudo o exposto, um velocípede com caraterísticas semelhantes ao do velocípede do demandante, no momento do acidente, custaria pelo menos 3.000€.
Ora, no que respeita à obrigação de indemnizar, o princípio, a regra, é o da reconstituição natural; a exceção é a indemnização por equivalente. Nos presentes autos, as partes encontram-se acordadas na inviabilidade da reparação do veículo, por perda total, pelo que o direito do demandante, enquanto proprietário, transferiu-se para o direito ao recebimento da indemnização por equivalente. Mas a medida da indemnização em dinheiro deve refletir a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que existiria nessa data se não fossem os danos (art.º 566, n.º 2 do C.C.). Ora, como acima resulta provado, o valor de que o demandante se viu privado foi de 3.000€, porque tal foi o valor que este logrou provar e a demandada não conseguiu ilidir.
Assim, nos termos do art.º 566, n.º 3 do C.C., afigura-se razoável, justo e equitativo o montante de 3.000€ para reintegrar o património do demandante. Atribui-se este valor equitativamente, tendo em conta as regras da experiência comum, os documentos juntos pelas partes e a prova testemunhal.
Peticiona, ainda, o demandante o valor de 175€ pelos danos causados num telemóvel que ficou alegadamente inutilizado em virtude do acidente. No entanto, a fatura/recibo que juntou aos autos está em nome de T. M. C. C., que não é demandante no processo, pelo que se considera que o demandante carece de legitimidade para peticionar tal valor, já que não tem interesse direto em demandar. Daí que, no âmbito da presente ação, a demandada deverá ser absolvida do valor de pedido de 175€, dada a falta de legitimidade do demandante para tal.
Quanto ao pagamento do valor despendido pelo demandante pela prestação de serviços de ambulância no montante de 191,10€ e despesas com ressonância magnética ao joelho esquerdo, no montante de 2€, foi junto aos autos cópia da requisição e pagamento pelo demandante do serviço da ambulância e fatura do pagamento pelo demandante da ressonância magnética, comprovando o pagamento dos valores globais de 218,10€.
Ora, os referidos montantes reportam-se a danos decorrentes do sinistro causado pelo segurado da demandada e que doutra forma, o demandante não teria de suportar não fosse a sua ocorrência, razão pelo qual, a demandada é também responsável pelo ressarcimento deste valor, uma vez que não comprovou já tê-lo feito.
Quanto à roupa que o demandante vestia aquando do acidente, e que terá ficado destruída, a demandada embora alegue um grande desgaste decorrente da sua normal utilização, considerou provados os valores dos ténis, roupa e capacete, propondo para regularização destes danos, pelo montante de 500,30€. O demandante juntou aos autos duas faturas no montante de 457,38€ (cfr. DOC. 41 e 42 junto ao requerimento inicial). De realçar que estes bens foram entregues à demandada. Uma vez mais, o referido montante reporta-se a um dano decorrente do sinistro causado pelo segurado da demandada e que doutra forma, o demandante não teria de suportar se não fosse a sua ocorrência, razão pelo qual, a demandada é também responsável pelo ressarcimento do montante de 457,38€.
Quanto aos danos morais é preciso ter em consideração o disposto no art.º 496, n.º 1 do C.C., nos termos do que se dispõe que, são indemnizáveis os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Significa isto que, nem todos os danos não patrimoniais são indemnizáveis, mas somente os providos de gravidade, que justifique a concessão de uma indemnização pecuniária ao lesado, por isso a gravidade deve ser aferida por padrões objetivos, tendo em consideração as circunstâncias concretas.
No caso concreto, e no que concerne aos danos não patrimoniais, os serviços clínicos da demandada procederam à avaliação do dano corporal sofrido pelo demandante, tendo fixado um IPP de 1 ponto, e Quantum Doloris de 2, conforme Relatório Médico, junto aos autos na contestação, como DOC. 5, nos termos do qual e de acordo com os critérios estabelecidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio e respetivas atualizações, o montante indemnizatório proposto pela demandada atribuir ao demandante, a título de dano biológico, seria de 1.073,41€.
Foi provado que, em consequência do acidente, o demandante perdeu qualidade de vida, sendo que o demandante ficou com cicatrizes, essencialmente no rosto, com cerca de 2 centímetros de comprimento, as quais são perfeitamente visíveis e percetíveis, que o desfeiam e lhe causam grande incomodidade e desgosto, conforme relataram as testemunhas M. V., P. V., D. V. e J. B., o mesmo resulta das fotos juntas de fls. 14 a fls. 17, mas, também, com base na perceção direta do próprio Tribunal, pelo simples olhar para o demandante durante a audiência de julgamento.
Tendo por base, apenas a questão das cicatrizes, estamos perante um dano estético, o qual é indemnizável autonomamente dos restantes danos não patrimoniais, mas que a demandada não teve em consideração, reportando-se nesta matéria apenas ao dano biológico.
Danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, l. °-571.
São indemnizáveis, com base na equidade, os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” – nºs 1 e 3, do art.º 496 do Código Civil.
Para a formulação do juízo de equidade, que norteará a fixação da compensação pecuniária por este tipo de “dano”, socorremo-nos do ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501;
“O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”.
O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc.
Estão em causa cicatrizes, essencialmente no rosto, com cerca de 2 centímetros de comprimento, perfeitamente visíveis e percetíveis, num homem jovem com pouco mais de 20 anos de idade, que o desfeiam e causam grande incomodidade e desgosto.
Essas sequelas traduzem, para o demandante, num dano estético, que por se evidenciar na face, o torna visível e psicologicamente gravoso, porque o desfeia.
Há que compensar o dano estético sofrido pelo demandante como componente mais relevante do dano moral, tanto mais que as cicatrizes afetam o rosto, são visíveis e podem não ser passíveis de regressão ou tratamento após cirurgias.
O dano estético é uma lesão permanente, um dano moral, tanto mais grave quanto são patentes e deformantes as lesões, sendo de valorar especialmente quando são visíveis e irreversíveis.
O dano estético é dano moral que ofende a pessoa no que ela é, em todos os seus aspetos.
Por outras palavras, no dano à pessoa há vários bens jurídicos ofendidos, apesar de a causa ter sido a mesma, e é por isso que a reparação deve ser a mais completa e justa possível, ressarcindo e possibilitando cumulação de indemnizações referentes a cada um deles.
Não se destinando a atribuição pecuniária pelo dano moral a pagar qualquer preço pela dor – que é de todo inavaliável, mas antes a proporcionar à vítima uma quantia que possa constituir lenitivo para a dor moral, os sofrimentos físicos, a perda de consideração social e os sentimentos de inferioridade (inibição, frustração e menor autoestima), a quantia a arbitrar é fixada com recurso à equidade devendo ser ponderada, no caso, a gravidade objetiva do dano, mormente a sua localização, extensão e irreversibilidade [as lesões na face são psicologicamente mais traumáticas que noutra parte do corpo] e as circunstâncias particulares do lesado – a idade, o sexo e a profissão.
Perfilha-se deste modo, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria ( AC. de 7/07/2009, proc. n.º 709/09.9 TBNS.S1), fixando-se equitativamente pelo dano estético o valor de 1.000€.
Foi ainda provado que, em consequência do acidente, o demandante perdeu qualidade de vida: que as lesões sofridas no acidente pelo demandante motivaram a sua imediata condução ao serviço de urgências do Hospital Dr. Nélio Mendonça, onde ficou internado até à noite; que as lesões que o demandante sofreu provocaram-lhe intensas e prolongadas dores físicas, tanto no momento do acidente como no decurso do período de recuperação; que, além das dores, o demandante sentia grandes dificuldades em movimentar o corpo, nomeadamente ao nível do joelho esquerdo, o que passou a ser fonte de limitação nos seus movimentos e atividades; que as limitações físicas de que o demandante padeceu levaram a que não conseguisse realizar por si as meias simples tarefas diárias, quer pessoais, quer profissionais; que, em virtude do acidente, o demandante ficou inconsciente e foi levado com urgência de ambulância para o hospital e a sua bicicleta ficou inutilizada; que no momento do acidente o demandante era militar do Exército Português; e, que deixou de realizar alguns trabalhos e exercícios no seu local de trabalho, porque se fizesse muitos esforços sentia imensas dores no joelho esquerdo; que fez fisioterapia durante aproximadamente 3 meses; e que, desde que ocorreu o acidente, o demandante nunca mais foi o mesmo; que na sequência das dores de cabeça e no joelho está impedido de realizar atividades normais. Tudo isto, prova a perda de qualidade de vida do demandante, conforme relataram as testemunhas M. V., P. V., D. V. e J. B.
As sequelas do acidente são relevantes e atingiram um homem jovem na flor da idade, com pouco mais de 20 anos de idade, provocando-lhe alteração definitiva do tipo de vida, sendo a própria demandada a considerar que o demandante ficou com uma incapacidade permanente parcial.
Esta alteração não só é definitiva, como muito relevante, sendo ainda de considerar a vertente estritamente psíquica que de tudo resultou.
Como se sabe, a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação é hoje considerada, em si, um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual, podem derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária e outras como a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária. Parte-se da ideia que a lesão corporal sofrida pelo lesado merece ser apreciada e o respetivo dano reparado independentemente de repercussões sobre a sua capacidade de ganho; e que sendo o normal estado de saúde a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal não se esgota ou consome apenas e só na capacidade produtiva (Ac. de 6/10/2016, proc. n.º 1043/12.7TBPTL.G1.S1).
Ao fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais, danos morais temos que ter em conta as dores, padecimentos físicos e morais, dano biológico e o dano estético.
Ora a indemnização deve sempre que possível reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562, 563.º, 564.º e 566., todos do Cód. Civil) e, não obstante a dificuldade da avaliação dos danos morais, há que determinar, o quantum indemnizatório.
O valor atribuído pelas tabelas da Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio e respetivas atualizações não quantifica as dores causadas ao demandante pelo acidente nem as dores de convalescença, tratando-se de valores meramente indicativos.
Perfilhamos também a posição da Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da qual a Portaria nº 377/2008, de 26 de maio e respetivas atualizações, vigora apenas no domínio da regularização extrajudicial dos sinistros por parte das seguradoras, não vinculando os tribunais. Deste modo, a fixação do montante indemnizatório devido pelas consequências patrimoniais do dano biológico sofrido pelo demandante não pode ser aferida pelos valores nela previstos. Estamos antes no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (art.º 566, nº 3, do C. C.), como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o Ac. de 14 de dezembro de 2016, proc. 37/13.0TBMTR.G1. S, o Ac. de 6 de abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o Ac. de 5/11/ 2009, proc. nº 381/2002.S1).
A questão das indemnizações é particularmente delicada por se repercutir imediata e nitidamente no preenchimento dos direitos do cidadão comum e por envolver, com frequência, casos muito delicados sob o ponto de vista humano.
No Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, de Menezes Cordeiro, podem ler-se palavras muito duras sobre os montantes indemnizatórios que vêm sendo fixados pelos tribunais e sobre os constantes das Portarias aludidas supra. Concluindo este Ilustre Professor que: “É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras… Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.” (cfr Ac. de 7/05 /2015, proc. 436/11.1TBRGR.L1.S1).
Face à factualidade assente, apelando aos critérios de equidade que a lei faz convergir para a quantificação, julgamos adequado, ajustado e equilibrado atribuir ao demandante, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, relativamente a dores e padecimentos físicos e morais o montante de 3.000€, o que somando ao montante de 1.000€ fixado pelo dano estético, perfaz um montante global de 4.000€, por danos não patrimoniais.
O demandante requer ainda a indemnização pela privação do uso, no montante de 800€, alegando que esta privação causou danos, perturbações e incómodos na sua vida pessoal, uma vez que ficou impossibilitado e concretizar atividades diárias básicas, atividades de tempo livre, ficou impedido de comparecer a diversos eventos sociais e convívios com amigos e familiares e ficou impedido de entrar em competições, ou seja, causou perda de qualidade de vida.
Nos termos do art.º 1305 do C.C. o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem. Ora, a partir do momento que o veículo do demandante é considerado estar numa situação de perda total e o demandante aceita a perda total, não tem sentido que venha reivindicar uma indemnização pelo período de imobilização do velocípede.
As partes concordaram na inviabilidade da reparação do veículo, por perda total, pelo que o direito do demandante, enquanto proprietário, transferiu-se para o direito ao recebimento da indemnização por equivalente, daí que não se possa falar em período de imobilização ou possibilidade de indemnização pelo período de imobilização.
Segundo as regras da experiência comum, a privação do uso dum veículo comporta um prejuízo efetivo na esfera jurídica do lesado, correspondente à perda temporária dos poderes de uso e fruição. Não é o que acontece neste caso, uma vez que não existe uma perda temporária mas sim permanente e, dessa forma, o demandante é indemnizado pela perda total do veículo.
Efetivamente o simples uso constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano, mas este dano só seria passível de indemnização caso o velocípede fosse reparado, e a indemnização iria recair sobre o período de imobilização do velocípede, desde o acidente até a sua efetiva reparação.
Perfilhamos a jurisprudência que sustenta que o facto de se tratar de um caso de perda total afasta a responsabilidade da seguradora em indemnizar o dano em apreço, razão pelo qual improcede o valor peticionado.
Peticiona ainda o demandante o valor de 500€ para retirar cirurgicamente um pequeno corpo estranho hiperdenso em localização lateral no tecido celular subcutâneo da pálpebra inferior à esquerda.
Prescreve o artigo 483.º, do Código Civil, que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, ou seja, são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, só surgindo o dever de indemnizar quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos.
Embora o demandante prove a existência de um corpo estranho hiperdenso em localização lateral no tecido celular subcutâneo da pálpebra inferior à esquerda (cfr. DOC. 34 junto ao RI, fls. 46), o demandante não provou que esse “corpo estranho” seja uma consequência do acidente e caso assim tenha sido, a razão pela qual não foi retirado quando se dirigiu ao hospital.
O demandante também não provou que despendeu 500,00€ para remover o “corpo estranho”, razão pela qual improcede o valor peticionado.
Acresce, como peticionado, o valor dos juros civis, calculados à taxa legal, desde a citação, 20/07/2016, até efetivo e integral pagamento (arts.º 806, 798 e 805, n.º 1, do C.C.).

DECISÃO:
Nos termos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente, em consequência condena-se a demandada no pagamento da quantia de 7.675,48€, sendo: 3.675,48€ a título de indemnização pelos danos patrimoniais (3.000€ + 218,10€ + 457,38€) e 4.000€ a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescido dos juros civis, calculados à taxa legal, desde a citação, 20/07/2016, até efetivo e integral pagamento, indo a demandada no mais absolvida.

CUSTAS:
São a suportar pelas partes, em função do respetivo decaimento na ação, que se fixa em 50%. Na sequência encontram-se totalmente satisfeitas.

Notificada nos termos do art.º 60, n.º 2 da L.J.P..
Funchal, 13 de março de 2017
A Juíza de Paz
(redigido e revisto pela signatária, art.º 131, n.º 5 C.P.C)

(Margarida Simplício)